Validação do modelo lógico da Política de Educação Permanente em Saúde nos Centros de Atenção Psicossocial

Mússio Pirajá Mattos Lorena Ferreira Daiene Rosa Gomes Carolina Dutra Degli Esposti Sobre os autores

Resumo

O estudo objetiva descrever o processo de validação do modelo lógico (ML) da Política de Educação Permanente em Saúde (PEPS) nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no município de Barreiras, Bahia, Brasil. Trata-se de um estudo de avaliabilidade, com especialistas distribuídos no quadrilátero para formação da área da saúde, incluindo gestão, ensino/pesquisa, serviço e controle social, por meio da técnica de consenso Delfos, realizada em duas rodadas. Os itens foram consensuados quando alcançaram mais de 80% de concordância entre os participantes, confirmados pela análise da mediana e do intervalo entre o primeiro e o terceiro quartis. Os resultados refletem o conteúdo validado do ML em cinco componentes técnicos: planejamento, articulação política, coordenação, qualificação técnica e trabalho vivo na produção do cuidado. A estrutura e os processos necessários para a realização das ações de EPS nos CAPS, bem como os resultados esperados em curto, médio e longo prazos, foram descritos no ML. A validação de funcionamento da intervenção contribui para a organização e a adoção de critérios de operacionalidade e fecundidade em uma avaliação formativa que visa fortalecer as práticas de uma política educativa em saúde mental na direção do cuidado integral.

Palavras-chave:
Educação permanente; Políticas de saúde; Estudos de validação; Saúde mental; Serviços de saúde mental

Introdução

O trabalho em saúde é carregado de subjetividade em sua essência relacional e agrega a utilização de tecnologias durante o processo saúde-doença-cuidado11 Santos DS, Mishima SM, Merhy EE. Processo de trabalho na Estratégia de Saúde da Família: potencialidades da subjetividade do cuidado para reconfiguração do modelo de atenção. Cien Saude Colet 2018; 23(3):861-870.. Ao direcionar o olhar para o cuidado em saúde mental, percebe-se que esse não é um processo simples, unidirecional, positivista ou superficial22 Rézio LA, Conciani ME, Queiroz MA. O processo de facilitação de Educação Permanente em Saúde para formação em saúde mental na Atenção Primária a Saúde. Interface (Botucatu) 2020; 24:e200113., e que não segue o caminho de sintomas-diagnóstico-terapêutica-cura, pois o sintoma nunca se elimina, ele circula33 Lancetti A, Amarante PDC. Saúde mental e saúde coletiva. In: Campos GWS, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; 2008. p. 615-634.. Seu objeto de intervenção exige transformações na organização dos serviços44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 23 dez..

No que diz respeito aos serviços de saúde para o cuidado em saúde mental, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) tem a missão de articular os distintos pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento, transtorno mental e/ou uso de drogas, sendo eles: atenção primária à saúde (APS), na qual estão alocadas as Unidades Básicas de Saúde, os Núcleos Ampliados de Saúde da Família, as Equipes de Consultórios de Rua e os Centros de Convivência e Cultura; atenção especializada, que conta com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas modalidades; a atenção de urgência e emergência; a atenção residencial de caráter transitório; a atenção hospitalar; e as estratégias de desinstitucionalização, como os serviços residenciais terapêuticos e o Programa de Volta para Casa44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 23 dez..

A formação dos profissionais para atuação nos serviços de saúde mental é um processo em constante construção, devido aos desafios da luta antimanicomial, da desinstitucionalização, da atenção psicossocial e dos frequentes ataques à Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB)55 Rosa MSG, Souza AC, Abrahão AL, Marques D. Inovações na formação em saúde: O programa de educação pelo trabalho - saúde mental. Rev Portuguesa Enferm Saude Mental 2016; 4:39-44.,66 Rézio LA, Fortuna CM, Borges FA. Pistas para educação permanente em saúde mental na atenção básica guiada pela socioclínica Institucional. Rev Latino AM Enferm 2019; 27:e3204.. A gestão do trabalho e da educação na saúde merece bastante atenção por parte de gestores e instituições para atender às necessidades da população77 Machado MH, Ximenes Neto FRG. Gestão da educação e do trabalho em saúde no SUS: trinta anos de avanços e desafios. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1971-1979.. A gestão do trabalho, como política, permite pensar de forma estratégica e garantir os requisitos básicos para valorização do profissional da saúde, sendo a qualificação dos trabalhadores em saúde uma estratégia essencial para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), que vai além da busca por diagnósticos, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e profilaxia de doenças e agravos88 Machado MH, Vieira ALS, Oliveira E. Gestão, trabalho e educação em saúde: perspectivas teórico-metodológicas. In: Baptista TWF, Azevedo CS, Machado CV, organizadores. Políticas, planejamento e gestão em saúde: abordagens e métodos de pesquisa. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2015. p. 294-321..

É importante desenvolver condições de atendimento às necessidades de saúde de pessoas, coletivos e populações, da gestão setorial e do controle social em saúde99 Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis 2004; 14(1):41-65.. Dessa forma, é possível redimensionar o desenvolvimento da autonomia das pessoas e a influência na formulação de políticas de cuidado. A educação permanente em saúde (EPS) é uma ferramenta de transformação das práticas no cotidiano dos serviços de saúde1010 Ceccim RB. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu) 2005; 9(16):161-177., e a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) tem como princípio basilar qualificar os profissionais de saúde1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente. Diário Oficial da União 2007; 21 ago.. Nesse sentido, a PNEPS prevê que os processos avaliativos possam acompanhar as fases do desenho da ação de EPS, bem como a análise dos resultados e a formulação de um juízo de valor acerca do alcance dos propósitos formulados1212 Brasil. Presidência da República. Avaliação de políticas públicas: guia prático de análise ex post, volume 2. Brasília: Casa Civil da Presidência da República; 2018..

Revisão integrativa de Mattos e colaboradores1313 Mattos MP, Campos HMN, Gomes DR, Ferreira L, Carvalho RB, Esposti CDD. Educação permanente em saúde nos Centros de Atenção Psicossocial: revisão integrativa de literatura. Saude Debate 2020; 44(127):1271-1293. aponta a necessidade de ações de educação permanente nos CAPS e a perpetuação de práticas voltadas ao modelo tradicional e fragmentado das ações em saúde, o que dificulta a inclusão de práticas psicossociais no cenário das políticas públicas de saúde. Nesse contexto, a avaliação constitui um dispositivo que contribui para a renovação de serviços e programas em saúde, dos quais se destacam as práticas de EPS e o desenvolvimento de coletivos com maior grau de horizontalidade. Essa estratégia agrega a avaliação do compromisso de intervir em uma determinada realidade1414 Furtado JP, Campos GWS, Oda WY, Onocko-campos T. Planejamento e Avaliação em Saúde: entre antagonismo e colaboração. Cad Saude Publica 2018; 34(7):e00087917..

Os processos avaliativos adquirem função política fundamental com o desenvolvimento de instrumentos que possibilitam a superação dos modelos hospitalocêntricos tradicionais1515 Wetzel C, Kantorski LP. Avaliação de serviços em saúde mental no contexto da reforma psiquiátrica. Texto Contexto Enferm 2004; 13(4):593-598.. No âmbito da gestão do SUS, são poucas as iniciativas de avaliação que contemplam os serviços de saúde mental1616 Costa PHA, Colugnati FAB, Ronzani TM. Avaliação de serviços em saúde mental no Brasil. revisão sistemática da literatura. Cien Saude Colet 2015; 20(10):3243-3253.,1717 Oliveira MAF, Cestari TY, Pereira MO, Pinho PH, Gonçalves RMDA, Claro HG. Processos de avaliação de serviços de saúde mental: uma revisão integrativa. Saude Debate 2014; 38(101):368-378.. Estudos de avaliabilidade que envolvam o quadrilátero da formação (gestão, ensino/pesquisa, serviço e controle social) e que tomem como referência os atributos dos CAPS para avaliar a EPS não foram identificados na literatura. O estudo de avaliabilidade é um tipo de estudo avaliativo que pode ser utilizado como uma pré-avaliação em alguma fase do desenvolvimento de um programa, bem como ao longo do seu ciclo1818 Trevisan MS, Walser TM. Evaluability assessment: improving evaluation quality and use. New York: SAGE Publications; 2015..

Nesse ínterim, a intenção é potencializar as chances de realizar uma avaliação em que os resultados sejam úteis para o programa e para os profissionais envolvidos. As etapas do plano de avaliabilidade incluem: a) análise documental para esclarecimento sobre os objetos e metas do programa; b) entrevista com os informantes-chave; c) modelização da intervenção; d) realização da oficina para pactuação do modelo lógico com os interessados; e e) formulação das perguntas avaliativas1919 Leviton LC, Khan LK, Rog D, Dawkins N, Cotton D. Evaluability assessment to improve public health polices, programs, and pratices. Annu Rev Public Health 2010; 31:213-233.. Destaca-se, nesse contexto, que a modelização da Política de Educação Permanente em Saúde (PEPS) desenvolvida nos CAPS em cenários brasileiros favorece que a iniciativa seja compreendida em sua racionalidade e em seu encadeamento lógico a partir da operacionalização da intervenção e dos componentes essenciais da política e do contexto que a envolve2020 Hartz Z. Modelizar as intervenções. In: Brousselle A, Champagne F, Contandriopoulos A-P, Hartz Z. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 61-74..

Compreendendo a relevância de se promover espaços de formação ao trabalhador que o permita avançar na transformação das práticas cotidianas e de se institucionalizar a avaliação sobre os processos de cuidado e trabalho desenvolvidos nos CAPS no campo da produção da mudança na formação, faz-se necessário reconhecer a necessidade de novas “caixas de ferramentas” para produção de conhecimento2121 Feuerwerker LCM. Educação na saúde - educação por profissionais de saúde - um campo de saber e de práticas sociais em construção. Rev Bras Educ Med 2007; 31(1):3-4.. Essa ação permite retroalimentações, objetivando reverter ou minimizar os entraves e potencializar a assistência prestada2222 Almeida PF, Escorel S. Da avaliação em saúde à avaliação em Saúde Mental: gênese, aproximações teóricas e questões atuais. Saude Debate 2001; 25(58):35-47.. Dessa forma, o objetivo desse estudo consiste em descrever o processo de validação do modelo lógico (ML) da PEPS nos CAPS no município de Barreiras, Bahia (BA), Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo de avaliabilidade para validação do ML da PEPS nos CAPS no município de Barreiras, Bahia, Brasil. Os CAPS pesquisados foram na modalidade CAPS II e CAPS Álcool e Drogas (CAPS AD). Esse caminho se apoiou em uma abordagem mista2323 Ferreira L, Ribeiro MS, Oliveira LZ, Szpilman ARM, Esposti CDD, Cruz MM. Validação do modelo lógico de implementação da Política de Educação Permanente em Saúde na Atenção Primária. Trab Educ Saude 2020; 18(2):e0026294., com a utilização de técnica quantitativa e elementos da técnica qualitativa. A pesquisa constitui uma das etapas de uma tese de doutoramento que aborda a temática da avaliação das ações de EPS nos CAPS em uma perspectiva participativa.

O ML é definido como uma ferramenta utilizada para sistematizar e comunicar as relações causais existentes entre os recursos disponíveis, as atividades realizadas e os resultados esperados de uma intervenção2020 Hartz Z. Modelizar as intervenções. In: Brousselle A, Champagne F, Contandriopoulos A-P, Hartz Z. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 61-74.. Expresso por meio de um desenho gráfico, o ML explica a sequência de eventos com uma síntese dos principais componentes da intervenção2020 Hartz Z. Modelizar as intervenções. In: Brousselle A, Champagne F, Contandriopoulos A-P, Hartz Z. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 61-74.. O ML não tem a pretensão de ser uma verdade universalmente aplicável, sobretudo no que se refere à diversidade social, econômica e cultural dos municípios brasileiros. Por isso, na modelização é fundamental incorporar novas informações e pontos de vista a respeito de convicções, experiências e conhecimentos2424 Vitorino SAS, Cruz MM, Barros DC. Validação do modelo lógico teórico da vigilância alimentar e nutricional na atenção primária a saúde. Cad Saude Publica 2017; 33(12):e00014217.. A intenção é aumentar a validade interna do próprio modelo e fortalecer a replicação analítica desse estudo de caso e desenhos de pesquisa que partem da teoria para a empiria2020 Hartz Z. Modelizar as intervenções. In: Brousselle A, Champagne F, Contandriopoulos A-P, Hartz Z. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 61-74.,2525 Yin RK. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2015..

Para elaboração do ML, considerou-se o processo de implementação da PNEPS a partir do ano de 2007, período de reformulação das diretrizes da política por meio da Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 1.996/20071111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente. Diário Oficial da União 2007; 21 ago.. Foram identificados e selecionados documentos oficiais referentes ao processo de gestão municipal e estadual do SUS, representados pelo Plano Municipal de Saúde, Plano Estadual de Saúde, Relatório Anual de Gestão Municipal, Relatório Anual de Gestão Estadual, Plano Diretor de Regionalização do Estado da Bahia e Plano Estadual de Educação Permanente em Saúde. Para construção do ML, foi efetuada uma revisão bibliográfica1313 Mattos MP, Campos HMN, Gomes DR, Ferreira L, Carvalho RB, Esposti CDD. Educação permanente em saúde nos Centros de Atenção Psicossocial: revisão integrativa de literatura. Saude Debate 2020; 44(127):1271-1293., referente à intervenção, e análises documentais para compreender e identificar seus objetivos e atividades nas portarias MS nº 1.174/20052626 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.174/GM, de 7 de julho de 2005. Destina incentivo financeiro emergencial para o Programa de Qualificação dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS e dá outras providências. Diário Oficial da União 2005; 8 jul. e MS nº 854/20122727 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 854, de 22 agosto de 2012. Altera a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2012; 23 ago., na Nota Técnica MS nº 11/20192828 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Nota Técnica nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS. Esclarecimentos sobre a mudança na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Diário Oficial da União 2019; 4 fev. e na PNEPS1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente. Diário Oficial da União 2007; 21 ago.. A descrição e a delimitação da intervenção foram realizadas por meio de um roteiro de extração de dados e foram utilizados aspectos da análise de conteúdo temática para análise dos documentos2929 Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2016., assim como para a identificação dos componentes técnicos da intervenção.

Para busca de consenso, a amostra foi selecionada por conveniência e utilizou como critério de inclusão ter experiência acadêmica e/ou prática profissional com o tema EPS e/ou saúde mental no município de Barreiras e/ou no estado da Bahia. Foram selecionados e convidados a participar do estudo 20 especialistas representantes das áreas de gestão, ensino/pesquisa, serviço e controle social. Os especialistas foram: um coordenador municipal da saúde mental; dez profissionais de saúde dos CAPS; cinco representantes de instituições de ensino superior (IES) (docentes e pesquisadores); um representante da área técnica de saúde mental do Núcleo Regional de Saúde; um representante da diretoria de gestão do cuidado da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB); e dois representantes dos usuários no Conselho Municipal de Saúde do município. No primeiro contato, explicou-se o objetivo do estudo, a técnica a ser utilizada e a importância da participação. Dos 20 especialistas selecionados, um se recusou a participar da pesquisa.

A Figura 1 apresenta as etapas do processo de construção e validação do ML. Na primeira rodada, em setembro 2020, foi disponibilizado, via correio eletrônico, (1) um texto introdutório sobre os objetivos do estudo, juntamente com (2) o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), (3) a descrição sobre a modelização da intervenção no processo avaliativo, (4) a primeira versão do ML da PEPS nos CAPS no município de Barreiras (Figura 2) e (5) as instruções para preenchimento do instrumento e devolução do material.

Figura 1
Processo de validação do modelo lógico da PEPS nos CAPS. Barreiras-BA, Brasil, 2020.

Figura 2
Modelo lógico inicial da PEPS nos CAPS. Barreiras-BA, Brasil, 2020.

O segundo instrumento foi enviado em outubro de 2020 aos 19 participantes que responderam ao primeiro instrumento. O documento consistiu em um breve consolidado do primeiro instrumento, com (1) a descrição do ML já incorporando as contribuições trazidas na primeira rodada e (2) o esquema visual modificado, além do (3) instrumento para análise da relevância dos itens (Figura 1).

Uma parte da teoria, no que se refere à PEPS nos CAPS no município, foi apresentada por meio do ML, no que diz respeito à estrutura, ao processo e aos resultados, para ser analisada e classificada pelos especialistas quanto à pertinência aos itens (Sim ou Não), e quanto à relevância dos itens, por meio de escala Likert (Figura 1). O primeiro instrumento da pesquisa foi organizado em nove blocos, sendo o número 1 referente aos recursos, 2, 3, 4, 5 e 6 referentes às atividades e 7, 8 e 9 aos resultados de curto, médio e longo prazos.

Foram definidos e inseridos no ML os seguintes componentes relacionados à PEPS nos CAPS: planejamento, articulação política, coordenação, qualificação técnica e trabalho vivo na produção do cuidado. O componente “planejamento” compreende a existência de documentos e planos que devem ser elaborados de forma pactuada entre os atores e as instituições envolvidas para o planejamento e a condução da PEPS nos CAPS.

O componente “articulação política” se refere à existência de atores e instituições estruturadas, responsáveis pela condução da EPS nos CAPS, que se articulam entre si em uma rede colaborativa para o desenvolvimento da política. No que se refere ao componente “coordenação”, este trata da existência e utilização de recursos para o desenvolvimento da PEPS nos CAPS. O componente “qualificação técnica” compreende a orientação e as ações para o desenvolvimento da formação em saúde. Já o componente “trabalho vivo na produção do cuidado” compreende a existência de alinhamento entre os diferentes atores envolvidos para reorientar as concepções sobre o espaço em saúde, a produção de sentidos e suas inter-relações.

Na primeira rodada, os 19 instrumentos preenchidos e devolvidos foram codificados e as respostas digitadas em planilha do Microsoft Excel. Em seguida, os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, antes de serem apresentados na rodada seguinte. Houve consenso sobre o item que recebeu pelo menos 80% dos votos “Sim” no quesito pertinência2323 Ferreira L, Ribeiro MS, Oliveira LZ, Szpilman ARM, Esposti CDD, Cruz MM. Validação do modelo lógico de implementação da Política de Educação Permanente em Saúde na Atenção Primária. Trab Educ Saude 2020; 18(2):e0026294.,2424 Vitorino SAS, Cruz MM, Barros DC. Validação do modelo lógico teórico da vigilância alimentar e nutricional na atenção primária a saúde. Cad Saude Publica 2017; 33(12):e00014217.. Nessa primeira rodada, além de julgarem a pertinência de cada item, os participantes puderam dar sugestões e discorrer livremente sobre o tema caso não concordassem com o que fora apresentado. Realizou-se análise qualitativa das sugestões dos participantes com utilização de aspectos de análise de conteúdo temática2929 Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2016.. Os itens não pertinentes foram reformulados ou excluídos, e as considerações dos participantes, listadas e categorizadas, resultando na inclusão ou reformulação de itens no segundo instrumento (Figura 1).

Na segunda rodada, foi solicitado aos participantes que analisassem novamente o esquema visual e sua respectiva descrição e que respondessem sobre a relevância dos itens do instrumento nos nove blocos. O nível de relevância foi atribuído a cada item, com base na escala de Likert de quatro pontos para determinar seu valor de relevância: (0) nada relevante; (1) pouco relevante; (2) relevante; e (3) muito relevante. Os dados foram inseridos no software Statistical Packages for the Social Sciences (SPSS), versão 21. Em seguida, a análise descritiva foi realizada com cálculo de soma, mediana e intervalo interquartil dos itens. Houve consenso, quanto à relevância, sobre os itens cujas pontuações finais alcançaram mais de 80% do valor máximo disponível e que apresentaram alto nível de concordância, confirmado pela análise da mediana das respostas e do intervalo interquartil2323 Ferreira L, Ribeiro MS, Oliveira LZ, Szpilman ARM, Esposti CDD, Cruz MM. Validação do modelo lógico de implementação da Política de Educação Permanente em Saúde na Atenção Primária. Trab Educ Saude 2020; 18(2):e0026294.,2424 Vitorino SAS, Cruz MM, Barros DC. Validação do modelo lógico teórico da vigilância alimentar e nutricional na atenção primária a saúde. Cad Saude Publica 2017; 33(12):e00014217..

Para a primeira e segunda rodadas foi estabelecido o prazo de 30 dias para devolução dos instrumentos devidamente preenchidos. Os participantes responderam dentro do prazo e enviaram o TCLE assinado juntamente com os instrumentos. O resultado final do processo de validação foi enviado aos participantes para informá-los. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Oeste da Bahia (parecer nº 4.022.337, de 12 de maio de 2020).

Resultados

A partir deste estudo, foi possível alcançar, utilizando-se a técnica de consenso de Delfos, em duas rodadas, o consenso da análise de pertinência e relevância de cada item do ML por especialistas, organizados em nove blocos sobre estrutura, processo e resultados relacionados à PEPS nos CAPS em Barreiras, BA, Brasil. Dos 20 especialistas selecionados inicialmente, 19 participaram da primeira rodada e 18 da segunda, com representação em todos os grupos: gestão; ensino/pesquisa; serviço; e controle social.

Sobre os itens analisados, aqueles relacionados aos recursos da PEPS nos CAPS obtiveram os seguintes valores quanto ao somatório total alcançado, à mediana e ao intervalo interquatil, respectivamente: 54, 3 e 0 (recursos humanos); 51, 3 e 0 (recursos financeiros); 49, 3 e 0 (recursos materiais). A Tabela 1 apresenta os itens relacionados aos processos, representados pelas atividades, juntamente com seus respectivos produtos, e organizados em cinco componentes técnicos: Planejamento, articulação política, coordenação, qualificação técnica e trabalho vivo na produção do cuidado. A marcação na Tabela 1 corresponde ao item considerado não relevante pelos participantes, ou seja, aquele que alcançou somatória de pontos inferior ou igual 43,2, confirmado pela mediana inferior a 3 e intervalo interquartil igual ou superior a 1, sendo esse item reformulado no ML final, já que o mesmo foi considerado relevante no que diz respeito às atividades da PEPS nos CAPS no município. Na Tabela 2 encontram-se os itens referentes aos resultados e aos impactos da PEPS nos CAPS no município de Barreiras, BA.

Tabela 1
Itens relacionados às atividades e respectivos produtos para PEPS nos CAPS no município distribuídos de acordo com o total de pontos, mediana e intervalo interquartil. Barreiras-BA, Brasil, 2020.
Tabela 2
Itens relacionados aos resultados e ao impacto da PEPS nos CAPS no município, distribuídos de acordo com o total de pontos, mediana e intervalo interquartil. Barreiras-BA, Brasil, 2020.

A aplicação da técnica de consenso de Delfos com os especialistas permitiu a modificação no ML inicial e uma melhor compreensão dos componentes essenciais da política no contexto local. Na primeira rodada, com a contribuição dos especialistas quanto à pertinência dos itens, realizou-se a inserção e a reformulação de itens referente a atividades, produtos e resultados de todos os componentes que mais se aproximavam da governança local na condução da PEPS nos CAPS.

Na segunda rodada, todos os itens relacionados à estrutura foram considerados relevantes pelos especialistas. Dos itens relacionados ao componente técnico “articulação política”, no que diz respeito aos produtos, o item referente a instâncias de pactuação regional, como a Comissão de Integração Ensino-Serviço (CIES) e o Contrato Organizativo de Ação Pública Ensino-Serviço (COAPES) instituídos na condução da educação nos CAPS, não foram considerados relevantes. Todos os itens referentes aos resultados e ao impacto dos cinco componentes técnicos foram avaliados como relevantes pelos especialistas.

Por fim, a Figura 3 apresenta o ML da PEPS nos CAPS no município de Barreiras, validado por meio da técnica de consenso de Delfos, estruturado segundo a tríade estrutura, processo e resultado, de acordo com cinco componentes (planejamento, articulação política, coordenação, qualificação técnica e trabalho vivo na produção do cuidado). Percebeu-se, ao final do processo de validação, que as principais modificações realizadas no ML consistiram na inclusão de itens que refletem a estruturação, a condução e a participação da PEPS nos CAPS em âmbito municipal e, consequentemente, sua estruturação em âmbito estadual e regional.

Figura 3
Modelo Lógico final da PEPS nos CAPS. Barreiras-BA, Brasil, 2020.

Discussão

Para a adequada avaliação da PEPS nos CAPS, entende-se como necessária a construção de seu ML. Seu desenho consiste na primeira etapa para o planejamento da avaliação com a compreensão da operacionalização da intervenção2020 Hartz Z. Modelizar as intervenções. In: Brousselle A, Champagne F, Contandriopoulos A-P, Hartz Z. Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. p. 61-74.. Nesse contexto, esse estudo de avaliabilidade da PEPS contribui para iluminar o entendimento acerca de sua estrutura, operacionalização e direção para alcançar os resultados e os impactos pretendidos na qualificação dos profissionais nos CAPS. No contexto desta pesquisa, o ML se destaca por ser um instrumento potencialmente útil para ordenação da formação nos CAPS como uma política pública que permite a construção de espaços locais, regionais e com capacidade de ampliar a qualificação das equipes de saúde e seus parceiros intersetoriais. Entretanto, o cenário ainda é pouco explorado e os estudos não têm influenciado seu contexto macropolítico3030 Dantas CR, Oda AMGR. Cartografia das pesquisas avaliativas de serviços de saúde mental no Brasil (2004-2013). Physis 2014; 24(4):1127-1179.. Os componentes de estrutura, processo e resultados que orientaram a elaboração do ML também nortearão a discussão dos resultados deste estudo.

Destaca-se a relevância de componentes da estrutura para o desenvolvimento da PEPS nos CAPS, uma vez que proporcionam requisitos fundamentais para seu funcionamento, tais como recursos físicos, humanos e materiais. Para o desenvolvimento exitoso da política, o planejamento, a infraestrutura material, gerencial e de recursos humanos e financeiros devem resultar de um esforço multissetorial com a saúde para desenvolver ou continuar multiplicando e aplicando a EPS3131 Miccas FL, Batista SHSS. Educação permanente em saúde: metassíntese. Rev Saude Publica 2014; 48(1):170-185.. No contexto dos CAPS, dentro de uma orientação teórica mais ampla, surge a ambiência, que se refere ao tratamento dado ao espaço físico, que é entendido como espaço social, profissional e de relações interpessoais, que proporciona atenção acolhedora, resolutiva e humana3232 Kantorski LP, Coimbra VCC, Silva ENF, Guedes AC, Cortes JM, Santos F. Avaliação qualitativa de ambiência num Centro de Atenção Psicossocial. Cien Saude Colet 2011; 16(4):2059-2066..

Portanto, esse processo de validação segue na direção de romper processos de adoecimento criados pela institucionalização3333 Ronchi JP, Avellar LZ. Ambiência do atendimento de crianças e adolescentes em um CAPSi. Psicol Rev 2015; 21(2):379-396.. Quanto aos componentes técnicos planejamento, articulação política, coordenação, qualificação técnica e trabalho vivo na produção do cuidado, todos os itens foram considerados relevantes. No componente técnico planejamento, a intersetorialidade é uma dimensão valorizada nas políticas públicas e contribui para a articulação de saberes e experiências para planejamento, avaliação de políticas, programas e projetos com o intuito de garantir resultados cooperativos em situações complexas3434 Inojosa RM. Intersetorialidade e a configuração de um novo paradigma organizacional. RAP 1998; 32(2):35-48.. Nesse caminho, o componente articulação política foi entendido como fundamental para o desenvolvimento da Política de EPS nos CAPS, pois demonstra a diversidade dos atores sociais, os desafios e as necessidades de negociação e pactuação política. A lógica da EPS é descentralizada, ascendente, multiprofissional e transdisciplinar, uma vez que a condução da PNEPS é compartilhada99 Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis 2004; 14(1):41-65..

A articulação interinstitucional quebra a regra da verticalidade única e hierarquizada dos fluxos organizativos. Nesse ínterim, em 2014, com a reforma administrativa no estado da BA, as Diretorias Regionais de Saúde (DIRES) foram extintas e criados os Núcleos Regionais de Saúde (NRS), que passaram a ser responsáveis pela centralização da gestão regional3535 Santos AM, Santos FRF, Paiva JAC. Processo de regionalização na Bahia, Brasil: desafios para inovação organizacional. Rev Gerencia Politicas Salud 2020; 19. DOI: 10.11144/Jave riana.rgps19.prbb
https://doi.org/10.11144/Jave riana.rgps...
. A regionalização na saúde, no Brasil, é uma estratégia organizativa respaldada nas diretrizes do SUS e manifesta a necessidade de formar redes de atenção à saúde, em um complexo processo político, por meio do envolvimento de diferentes atores3636 Santos AM, Assis MMA. Processo de regionalização da saúde na Bahia: aspectos políticos-institucionais e modelagem dos territórios sanitários. G&DR 2017; 13(2):400-422.. No contexto de manutenção e protagonismo municipal, e simultaneamente de fortalecimento das relações de interdependência e corresponsabilização sanitária, neste estudo a Comissão Intergestores Regional (CIR) representa um fórum potencial de discussão e construção de estratégias indutoras para avançar o processo de desinstitucionalização e a não existência de vazios assistenciais em saúde mental3737 Macedo JP, Abreu MM, Fontenele MG, Dimenstein M. A regionalização da saúde mental e os novos desafios da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Saude Soc 2017; 26(1):155-170..

O componente coordenação apresenta atividades com vistas a estimular, acompanhar e fortalecer a qualificação dos trabalhadores da saúde. A descentralização do financiamento da PNEPS, de responsabilidade compartilhada, encontra limites, pois a “máquina pública” opera bem no âmbito das ações de saúde e “emperra” quando são ações de educação3838 Ferraz F, Backes UMS, Matinez FJM, Feuerwerker LCM, Lino MM. Gestão de recursos financeiros da educação permanente em saúde: desafio das comissões de integração ensino-serviço. Cien Saude Colet 2013; 18(6):1683-1693.. Assim, no sentido de recuperar o fluxo do financiamento e fortalecer a PNEPS, por meio de repasses de recursos do Ministério da Saúde, a Portaria nº 3.194, de 28 de novembro de 20173939 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 3.194, de 28 de novembro de 2017. Dispõe sobre o Programa para o Fortalecimento das Práticas de Educação Permanente em Saúde no Sistema Único de Saúde - PRO EPS-SUS. Diário Oficial da União 1990; 29 nov., dispõe sobre o Programa para Fortalecimento das Práticas de EPS no SUS. Assim, foram repassados aos estados e municípios aproximadamente R$ 70 milhões para execução de atividades educativas, respeitando a necessidade regional/local4040 Gonçalves CB, Pinto ICM, França T, Teixeira CF. A retomada do processo de implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil. Saude Debate 2019; 43(Esp.):12-23..

No componente qualificação técnica, coloca-se em cena a aposta da EPS e da educação interprofissional (EIP) para superar o modelo asilar, desconstruir práticas individualizadas, fragmentadas e mecanizadas, e permitir a construção do cuidado em saúde mental. Os CAPS necessitam de uma nova forma de trabalho e de cuidado que impõem desafios às equipes, pois os profissionais, em sua grande maioria, não foram formados no paradigma da atenção psicossocial4141 Sousa FMS, Severo AKS, Félix-Silva AV, Amorim AKMA. Educação interprofissional e educação permanente em saúde como estratégia para a construção de cuidado integral na Rede de Atenção Psicossocial. Physis 2020; 30(1):e300111.. Essa situação exige estratégias formativas como a EIP, que possibilitam a construção da aprendizagem pela interação dos sujeitos com seus saberes, sentimentos, atitudes, crenças e costumes, pautadas na democratização das relações4242 Mattos MP, Gomes DR, Silva MM, Trindade SMC, Oliveira ERA, Carvalho RB. Prática interprofissional colaborativa em saúde coletiva à luz de processos educacionais inovadores. Rev Baiana Saude Publica 2019; 43(1):271-287.. Além disso, é possível destacar a fragilidade das formações acadêmicas e a necessidade de retomar a reflexão sobre o conceito de EPS. Assim, considera-se importante a apropriação plena de seu conceito, propondo-se seu alinhamento, de modo a facilitar o processo de gestão e planejamento das ações de EPS4343 Gonçalves CB, Pinto ICM, França T, Teixeira CF. A retomada do processo de implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil. Saude Debate 2019; 43( Esp.):12-23..

O componente técnico finalístico, “trabalho vivo na produção do cuidado”, destaca itens que devem ser sustentados por uma aposta de que é possível produzir diferença mesmo em situações em que, em princípio, nada se move. A equipe, ao movimentar-se em direção ao encontro de pensar outro agir e mobilizar afecções, cria desvios e outras possibilidades de cuidado impensáveis4444 Merhy EE, Feuerwerker LCM, Cerqueira P. Da repetição à diferença: construindo sentidos com o outro no mundo do cuidado. In: Franco TB, Ramos VC, organizadores. Semiótica, afecção e cuidado em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010; p. 60-75.. É no território das ações cuidadoras que a negociação acontece, por meio das mútuas afetações. Esse é o território que sofre influências do trabalho vivo em ato4545 Merhy E. Saúde: cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002., que ocorre com protagonismo no processo de trabalho e ganha formas distintas a partir da necessidade do usuário e a oferta do trabalhador em um movimento intenso que acompanha o nascer ou o morrer4646 Chagas MS, Abrahão AL. Produção do cuidado em saúde centrado no trabalho vivo: existência de vida no território da morte. Interface (Botucatu) 2017; 21(63):857-867..

Assim, os bons encontros geram paixões alegres e favorecem e ampliam potências do agir entre os corpos cuja relação é de composição, e por outro lado os maus encontros geram paixões tristes em a potência de um se opõe ao outro4747 Almeida SA, Merhy EE. Micropolítica do trabalho vivo em saúde mental: composição por uma ética antimanicomial em ato. Psicol Politica 2020; 20(47):65-75.. Deleuze4848 Deleuze G. Spinoza e a filosofia prática. São Paulo: Escuta; 2002. explica que as ações são afecções ativas, por meio delas conhecemos as relações constitutivas entre os corpos; o que está agradando ou desagradando, e por isso as ações seriam geradoras de ideias adequadas à nossa realidade. Dessa forma, os itens de cada componente técnico descrito nesse ML contribuem para que a PNEPS seja ajustada aos contextos locais2323 Ferreira L, Ribeiro MS, Oliveira LZ, Szpilman ARM, Esposti CDD, Cruz MM. Validação do modelo lógico de implementação da Política de Educação Permanente em Saúde na Atenção Primária. Trab Educ Saude 2020; 18(2):e0026294.. Nessa perspectiva, o trabalho em saúde revela que sua reorganização deve também passar pela implementação de processos educacionais e formativos. A EPS constitui uma estratégia útil na reorganização dos serviços em rede e na construção de uma gestão participativa.

Os objetivos pretendidos da intervenção foram apresentados na forma de produtos, resultados e impactos, que se referem aos resultados em curto, médio e longo prazos, respectivamente. Em relação aos produtos, quase a totalidade dos itens foram considerados relevantes pelos especialistas, com exceção das instâncias de pactuação regional, como CIES regional e do COAPES na condução da EPS nos CAPS. Alguns estudos realizados em diversos estados brasileiros relatam deficiências de espaço físico e apoio logístico para garantir o funcionamento das CIES, além de inexistência do setor de EPS no organograma das secretarias estaduais de saúde e da falta de recursos (pessoal, diárias, transporte) para as ações de EPS3838 Ferraz F, Backes UMS, Matinez FJM, Feuerwerker LCM, Lino MM. Gestão de recursos financeiros da educação permanente em saúde: desafio das comissões de integração ensino-serviço. Cien Saude Colet 2013; 18(6):1683-1693.,4040 Gonçalves CB, Pinto ICM, França T, Teixeira CF. A retomada do processo de implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil. Saude Debate 2019; 43(Esp.):12-23.,4949 França T, Medeiros KR, Belisario SA, Garcia AC, Pinto ICM, Castro JL, Pierantoni CR. Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil: a contribuição das Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço. Cien Saude Colet 2017; 22(6):1817-1828.. Entretanto, as propostas contidas na PNEPS1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 1.996, de 20 de agosto de 2007. Diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente. Diário Oficial da União 2007; 21 ago. visam fomentar a condução regional da política e a participação interinstitucional por meio das CIES e se refletem na articulação entre as diversas instituições que compõem o quadrilátero da EPS99 Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis 2004; 14(1):41-65..

Para o fortalecimento da PNEPS, é indicado instituir a CIES regional como membro do comitê gestor local do COAPES4040 Gonçalves CB, Pinto ICM, França T, Teixeira CF. A retomada do processo de implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil. Saude Debate 2019; 43(Esp.):12-23., que é um instrumento de articulação contínua que sinaliza a intencionalidade de um conjunto de atores na construção de um modelo de ensino que valoriza a integração ensino-serviço-comunidade necessária aos cursos de graduação e de residências da área da saúde5050 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? Brasília: MS; 2018.. Ele propõe um fluxo para balizar e formalizar as relações intersetoriais e interinstitucionais. Sua adoção demonstra uma série de vantagens, tanto para estados e municípios quanto para IES, trabalhadores e estudantes, pois os qualifica para as demandas do SUS e colabora para seu aperfeiçoamento4040 Gonçalves CB, Pinto ICM, França T, Teixeira CF. A retomada do processo de implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil. Saude Debate 2019; 43(Esp.):12-23.,5050 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? Brasília: MS; 2018.. É importante que o COAPES ultrapasse o limite burocrático e desenvolva uma negociação permanente em defesa da qualificação do cuidado e da formação no SUS em articulação com as premissas da EPS5151 Brasil. Ministério da Educação (MEC). Ministério da Saúde (MS). Portaria Interministerial nº 1.127, de 4 de agosto de 2015. Institui as diretrizes para a celebração dos Contratos Organizativos de Ação Pública Ensino Saúde (COAPES), para o fortalecimento da integração entre ensino, serviços e comunidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2015; 5 ago..

Todos os itens referentes aos resultados e ao impacto da Política de EPS nos CAPS no município de Barreiras foram considerados relevantes. Ao reconhecer o potencial da educação na transformação de práticas, uma competência importante é o desenvolvimento de metodologias pedagógicas que permitam relações dialógicas e ampliem o olhar para a mudança de práticas e organização dos serviços4242 Mattos MP, Gomes DR, Silva MM, Trindade SMC, Oliveira ERA, Carvalho RB. Prática interprofissional colaborativa em saúde coletiva à luz de processos educacionais inovadores. Rev Baiana Saude Publica 2019; 43(1):271-287.,5252 Mattos MP, Campos HMN, Queiroz BF, Santos EJ, Cunha RSB, Gomes DR. Tecendo redes de educação construtivista em deontologia farmacêutica: formação e dispositivos ativos na arte de ensinar. Interface (Botucatu) 2020; 24:e190567.. A formação construtivista na gestão do SUS foi apontada como catalisadora desse processo5252 Mattos MP, Campos HMN, Queiroz BF, Santos EJ, Cunha RSB, Gomes DR. Tecendo redes de educação construtivista em deontologia farmacêutica: formação e dispositivos ativos na arte de ensinar. Interface (Botucatu) 2020; 24:e190567.,5353 Cunha M, Campos HMN, Mattos MP. A formação construtivista de educandos de Farmácia na Gestão do SUS: Abordagens e contribuições para ambientes virtuais de aprendizagem. Rev Baiana Saude Publica 2019; 43(1):288-300.. Apesar desse indicativo, é importante reforçar que o processo de EPS para formação em saúde mental para atuação nos CAPS deve ser concomitantemente balizada com os princípios da RPB. Assim, torna-se imprescindível que os trabalhadores repensem suas práticas de cuidado, uma vez que eles não são, unicamente, “recursos” humanos ou insumos e que a produção do cuidado não é alheia à dimensão subjetiva do trabalho5454 Merhy EE, Franco TB. O reconhecimento de uma produção subjetiva do cuidado. In: Merhy EE, Franco TB, organizadores. Trabalho, produção de cuidado e subjetividade: textos reunidos. São Paulo: Hucitec; 2013. p. 230-249..

Os itens inseridos no ML final apresentado no presente estudo demonstram a multiplicidade e a complexidade dos fatores e as relações que envolvem a PEPS nos CAPS. Neste estudo foram necessárias apenas duas rodadas, pelo elevado grau de consenso entre os especialistas. A perda esperada no estudo de validação, na primeira rodada é de 30% a 50% e, na segunda rodada, de 20% a 30%2323 Ferreira L, Ribeiro MS, Oliveira LZ, Szpilman ARM, Esposti CDD, Cruz MM. Validação do modelo lógico de implementação da Política de Educação Permanente em Saúde na Atenção Primária. Trab Educ Saude 2020; 18(2):e0026294.,5555 Wright JTC, Giovinazzo RA. Delphi: uma ferramenta de apoio ao planejamento prospectivo. Cad Pesq Admin 2000; 1(12):54-65.. Dessa forma, não houve comprometimento quanto à consistência interna da validação, pois a perda foi de apenas 5% em ambas as rodadas.

Considerações finais

O presente estudo de avaliabilidade apresentou o processo de validação do ML referente à Política de EPS nos CAPS no município de Barreiras, Bahia, Brasil. O desenho do ML permitiu iluminar a forma de operacionalização da intervenção e o entendimento sobre a PEPS como ferramenta útil ao campo da formação em saúde mental e acordar possibilidades no desenvolvimento da intervenção. Considerou-se como essencial a construção coletiva com especialistas distribuídos no quadrilátero para formação da área da saúde, por meio da técnica de consenso Delfos, passo importante no envolvimento de potenciais interessados no processo avaliativo, com vistas ao fortalecimento da gestão de uma política educativa em nível local. Além disso, o ML validado poderá ser revisado e aplicado em outros contextos na medida em que preencham as adaptações e influências necessárias relacionadas à intervenção.

O desenvolvimento da PEPS nos CAPS é fundamental para evitar a burocratização e a ineficácia das práticas clínicas. Nesse sentido, adotaram-se critérios de operacionalidade e fecundidade em uma avaliação formativa que visa fortalecer as práticas de saúde mental em direção ao cuidado integral. Pretende-se que essa pesquisa oriente investigações futuras no campo do planejamento e da avaliação de políticas formativas em saúde mental e que qualifique a atenção em diferentes cenários da RPB.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2022
  • Aceito
    17 Abr 2023
  • Publicado
    20 Abr 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br