Resumo
O objetivo do estudo foi estimar a prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais na população brasileira urbana com idade maior ou igual a 20 anos e identificar os fatores associados ao uso. Foram analisados os dados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM), estudo transversal de base populacional, com amostra probabilística, realizada nas áreas urbanas das cinco regiões geográficas do país entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014. A prevalência do uso estimada foi de 4,8% (IC95% 4,3-5,3), maior no sexo feminino, 6,4% (IC95% 5,7-7,1), e na população idosa, 11,6% (IC95% 10,5-12,8). O uso de vitaminas e/ou minerais mostrou-se associado aos fatores: sexo feminino, 60 anos ou mais, classe econômica A/B, apresentar doença(s) crônica(s) e autopercepção de saúde regular e muito ruim/ruim. Os multivitamínicos e multiminerais obtiveram maior frequência de uso, 24,5% (IC95% 20,1-29,4), seguido de cálcio e vitamina D, 23,4% (IC95% 19,7-27,5). Os dados sugerem que mulheres idosas devam ser o público referencial para ações de promoção do uso racional. Recomenda-se que os inquéritos epidemiológicos de abrangência nacional possam ampliar a observação desses produtos para possibilitar a análise de tendências.
Palavras-chave:
Vitaminas; Minerais; Micronutrientes; Fatores socioeconômicos; Inquéritos epidemiológicos
Introdução
O organismo humano necessita de algumas vitaminas e minerais essenciais, chamados de micronutrientes, para manter as funções celulares e moleculares normais. Embora as quantidades necessárias sejam muito pequenas, a deficiência desses micronutrientes pode ter impactos negativos consideráveis na saúde dos indivíduos e na sociedade11 Bailey RL, West KP, Black RE. The epidemiology of global micronutrient deficiencies. Ann Nutr Metab 2015; 66(Suppl. 2):22-33..
É reconhecido o risco das deficiências de micronutrientes em gestantes22 Mousa A, Naqash A, Lim S. Macronutrient and micronutrient intake during pregnancy: an overview of recent evidence. Nutrients 2019; 11(2):E443.,33 Gernand AD, Schulze KJ, Stewart CP, West KP, Christian P. Micronutrient deficiencies in pregnancy worldwide: health effects and prevention. Nat Rev Endocrinol 2016; 12(5):274-289. e crianças44 Tam E, Keats EC, Rind F, Das JK, Bhutta AZA. Micronutrient supplementation and fortification interventions on health and development outcomes among children under-five in low- and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. Nutrients 2020; 12(2):E289.. Apesar de essa população ser considerada de alto risco, todas as etapas do ciclo da vida são afetadas por essas deficiências. Os adultos sofrem redução de sua capacidade produtiva11 Bailey RL, West KP, Black RE. The epidemiology of global micronutrient deficiencies. Ann Nutr Metab 2015; 66(Suppl. 2):22-33. e os idosos apresentam um maior risco de morbidade55 Ahmed T, Haboubi N. Assessment and management of nutrition in older people and its importance to health. Clin Interv Aging 2010; 5:207-216..
Quando as quantidades de micronutrientes necessárias ao indivíduo não estão sendo garantidas apenas com a dieta, devem ser consideradas as possibilidades de correção dessas deficiências. Uma estratégia para combater e tratar as deficiências de micronutrientes é a suplementação de vitaminas e/ou minerais utilizando produtos de ingestão oral apresentados sob forma farmacêutica66 Rautiainen S, Manson JE, Lichtenstein AH, Sesso HD. Dietary supplements and disease prevention - a global overview. Nat Rev Endocrinol 2016; 12(7):407-420.,77 Marra MV, Bailey RL. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: micronutrient supplementation. J Acad Nutr Diet 2018; 118(11):2162-2173..
O uso de produtos contendo vitaminas e/ou minerais visando corrigir deficiências nutricionais ocorre em todo o mundo. Porém existe uma preocupação acerca dos riscos do consumo excessivo, sem orientação profissional. Com o potencial de elevar a quantidade de micronutrientes disponíveis no organismo, a ingestão indiscriminada pode trazer como consequências níveis acima do tolerado, causando problemas de intoxicação. Marra et al.77 Marra MV, Bailey RL. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: micronutrient supplementation. J Acad Nutr Diet 2018; 118(11):2162-2173. relataram em seu estudo um levantamento de dados oficiais norte-americanos que apontou que, de 2008 a 2011, a Food and Drug Administration (FDA) recebeu 6.307 notificações de eventos adversos relacionados ao uso de suplementos alimentares. Dessas notificações, seis dos dez produtos mais notificados eram multivitamínicos e multiminerais.
Existem algumas controvérsias acerca do uso de produtos contendo vitaminas e/ou minerais. O caso da vitamina D pode ser usado como exemplo. Apesar de diversos ensaios clínicos e revisões sistemáticas dos dados disponíveis, a controvérsia continua a cercar a definição do status ideal de vitamina D, a ingestão diária necessária e as possíveis consequências adversas à saúde no caso de insuficiências e deficiências88 Binkley N, Wiebe D. Clinical controversies in vitamin D: 25(OH)D measurement, target concentration, and supplementation. J Clin Densitom 2013; 16(4):402-408.. O uso da vitamina D nas questões esqueléticas e aspectos envolvendo-a nas questões não esqueléticas, como relação com o câncer, influência no sistema reprodutor e neurológico e doenças renais crônicas, vêm despertando interesse e intrigando pesquisadores99 Giustina A, Adler RA, Binkley N, Bollerslev J, Bouillon R, Dawson-Hughes B, Ebeling PR, Feldman D, Formenti AM, Lazaretti-Castro M, Marcocci C, Rizzoli R, Sempos CT, Bilezikian JP. Consensus statement from 2nd International Conference on Controversies in Vitamin D. Rev Endocr Metab Disord 2020; 21(1):89-116.,1010 Lichtenstein A, Ferreira-Júnior M, Sales MM, Aguiar FB, Fonseca LAM, Sumita NM, Duarte AJS. Vitamina D: ações extraósseas e uso racional. Rev Assoc Med Bras 2013; 59(5):495-506..
No cenário internacional, estudos com representatividade nacional conduzidos nos Estados Unidos1111 Kantor ED, Rehm CD, Du M, White E, Giovannucci EL. Trends in dietary supplement use among US adults from 1999-2012. JAMA 2016; 316(14):1464-1474., no Canadá1212 Keshavarz P, Shafiee M, Islam N, Whiting SJ, Vatanparast H. Prevalence of vitamin-mineral supplement use and associated factors among Canadians: results from the 2015 Canadian Community Health Survey. Appl Physiol Nutr Metab 2021; 46(11):1370-1377., na Austrália1313 O'Brien SK, Malacova E, Sherriff JL, Black LJ. The prevalence and predictors of dietary supplement use in the Australian population. Nutrients 2017; 9(10):E1154. e na China1414 Gong W, Liu A, Yao Y, Ma Y, Ding C, Song C, Yuan F, Zhang Y, Feng G, Chen Z, Ding G. Nutrient supplement use among the Chinese population: a cross-sectional study of the 2010-2012 China Nutrition and Health Surveillance. Nutrients 2018; 10(11):E1733. estimaram a prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais na população adulta e idosa. Nos Estados Unidos, a prevalência do uso de vitaminas foi de 48%, de minerais 39% e multivitamínicos e multiminerais de 31%1111 Kantor ED, Rehm CD, Du M, White E, Giovannucci EL. Trends in dietary supplement use among US adults from 1999-2012. JAMA 2016; 316(14):1464-1474.. No Canadá, a prevalência foi de 31% em homens de 19 a 30 anos a 67,8% em mulheres acima dos 71 anos de idade1212 Keshavarz P, Shafiee M, Islam N, Whiting SJ, Vatanparast H. Prevalence of vitamin-mineral supplement use and associated factors among Canadians: results from the 2015 Canadian Community Health Survey. Appl Physiol Nutr Metab 2021; 46(11):1370-1377.. Na Austrália, a prevalência do uso de multivitaminas e/ou multiminerais na população entre 30 e 49 anos foi de 22,3%1313 O'Brien SK, Malacova E, Sherriff JL, Black LJ. The prevalence and predictors of dietary supplement use in the Australian population. Nutrients 2017; 9(10):E1154.. Em contrapartida, na China, a prevalência do uso de multivitaminas e minerais variou entre 0,19% e 1,01%, a depender da faixa etária em estudo1414 Gong W, Liu A, Yao Y, Ma Y, Ding C, Song C, Yuan F, Zhang Y, Feng G, Chen Z, Ding G. Nutrient supplement use among the Chinese population: a cross-sectional study of the 2010-2012 China Nutrition and Health Surveillance. Nutrients 2018; 10(11):E1733..
No Brasil, estudos com o objetivo de conhecer a prevalência do uso de vitaminas, minerais e outros produtos considerados suplementos alimentares observaram grupos específicos, como frequentadores de academias1515 Fayh APT, Silva CV, Jesus FRD, Costa GK. Consumo de suplementos nutricionais por frequentadores de academias da cidade de Porto Alegre. Rev Bras Cienc Esporte 2013; 35(1):27-37., universitários1616 Santos KMO, Barros Filho AA. Consumo de produtos vitamínicos entre universitários de São Paulo, SP. Rev Saude Publica 2002; 36(2):250-253. ou populações restritas a uma cidade1717 Brunacio KH, Verly-Jr E, Cesar CLG, Fisberg RM, Marchioni DM. Uso de suplementos dietéticos entre residentes do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2013; 29(7):1467-1472.,1818 Sousa AG, Costa THM. Diet and supplement assessment in a Brazilian urban population. Rev Saude Publica 2021; 55:26.. Com abrangência nacional, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013 e 2019, não abordou o uso de vitaminas e/ou minerais na população adulta e idosa1919 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013: ciclos da vida. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.,2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2019: ciclos da vida. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.. Já na Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada em 2017-2018 (POF 2017-2018), outro inquérito domiciliar com abrangência nacional, foi incluído o Inquérito Nacional de Alimentação (INA) e o uso de suplementos à base de vitaminas e/ou minerais foi investigado. Foi referido o uso de vitaminas por 10,5% e 17,4% da população adulta e idosa, respectivamente. Os minerais, cálcio e ferro também foram pesquisados. A prevalência do uso de cálcio, incluído cálcio com vitamina D, na população adulta foi de 2,9%, e na população idosa 14,8%. Na população adulta, a prevalência do ferro foi de 2,4%, e na população idosa 2,8%. Nos dados publicados no INA 2017-2018, os resultados referentes ao uso desses produtos são estratificados em faixa etária e sexo, porém não avançam nas análises do uso considerando outros fatores socioeconômicos2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil [Internet]. 2020. [acessado 2022 set 17]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101742.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza... .
A maior prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais tem sido observada no sexo feminino, na população idosa1111 Kantor ED, Rehm CD, Du M, White E, Giovannucci EL. Trends in dietary supplement use among US adults from 1999-2012. JAMA 2016; 316(14):1464-1474.,2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil [Internet]. 2020. [acessado 2022 set 17]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101742.pdf
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22 Guo X, Willows N, Kuhle S, Jhangri G, Veugelers PJ. Use of vitamin and mineral supplements among Canadian adults. Can J Public Health 2009; 100(5):357-360.-2323 Vatanparast H, Adolphe JL, Whiting SJ. Socio-economic status and vitamin/mineral supplement use in Canada. Health Rep 2010; 21(4):19-25. e com boa percepção de saúde2424 Bailey RL, Gahche JJ, Miller PE, Thomas PR, Dwyer JT. Why US adults use dietary supplements. JAMA Intern Med 2013;173(5):355-361.. Além desses fatores, estudos indicaram que o uso dos produtos em questão estão relacionados a maiores renda2222 Guo X, Willows N, Kuhle S, Jhangri G, Veugelers PJ. Use of vitamin and mineral supplements among Canadian adults. Can J Public Health 2009; 100(5):357-360.,2525 Cowan AE, Jun S, Gahche JJ, Tooze JA, Dwyer JT, Eicher-Miller HA, Bhadra A, Guenther PM, Potischman N, Dodd KW, Bailey RL. Dietary supplement use differs by socioeconomic and health-related characteristics among U.S. adults, NHANES 2011-2014. Nutrients 2018; 10(8):1114. e escolaridade2626 Kang M, Kim DW, Baek YJ, Moon SH, Jung HJ, Song YJ, Paik H-Y. Dietary supplement use and its effect on nutrient intake in Korean adult population in the Korea National Health and Nutrition Examination Survey IV (2007-2009) data. Eur J Clin Nutr 2014; 68(7):804-810..
Conhecer os dados epidemiológicos sobre o uso de produtos contendo vitaminas e/ou minerais na população em geral é relevante para a saúde pública, uma vez que são produtos capazes de modificar estados nutricionais deficientes, mas se utilizados indiscriminadamente, acarretam potenciais prejuízos para o indivíduo. Assim, o presente estudo tem como objetivo estimar a prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais nas população adulta e idosa brasileira residente em áreas urbanas, em um inquérito epidemiológico com representatividade nacional, e identificar os fatores associados ao uso.
Métodos
Os dados aqui analisados são oriundos da Pesquisa Nacional de Acesso, Uso e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM), um estudo transversal de base populacional realizado nas áreas urbanas das cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014. Os detalhes sobre o processo de amostragem, a logística de coleta dos dados e outras informações do estudo podem ser consultados no artigo metodológico da PNAUM2727 Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, Tavares NUL, Pizzol TSD, Oliveira MA, Arrais PS, Ramos LR, Farias MR, Luiza VL, Bernal RT, Barros AJ. National Survey on Access, Use and Promotion of Rational Use of Medicines (PNAUM): household survey component methods. Rev Saude Publica 2016; 50(Suppl. 2):4s.. A população da pesquisa foi composta por pessoas de todas as idades residentes em domicílios particulares permanentes, escolhidas em um inquérito complexo com amostra probabilística. A amostra coletada da PNAUM foi composta por 41.433 pessoas, que, após os ajustes por região, sexo e idade, representam os aproximadamente 171 milhões de brasileiros residentes nas áreas urbanas do país, de acordo com o Censo 2010.
Para o presente estudo, fez-se um recorte do banco de dados da PNAUM, usando-se como critério de inclusão os sujeitos com 20 anos ou mais. Os entrevistados com 20 anos ou mais totalizaram 32.348 pessoas. As gestantes não foram incluídas nas análises por estarem em um estado fisiológico em que a necessidade de nutrientes é diferenciada. Após desconsiderar as gestantes (n = 291), a população eleita para este estudo foi constituída por 32.057 pessoas.
Coleta dos dados
As entrevistas foram face a face, conduzidas por entrevistadores treinados, e os dados foram registrados em tablets com software desenvolvido especificamente para o trabalho. O instrumento de pesquisa consistiu em um conjunto de questionários que incluíam perguntas sobre o uso atual de medicamentos para doenças crônicas específicas (hipertensão, diabetes, doenças do coração, colesterol elevado, histórico de acidente vascular cerebral, doenças pulmonares crônicas, artrite, artrose ou reumatismo, depressão e outras doenças crônicas) e o uso 15 dias antes da pesquisa, para investigação de sinais, sintomas e condições agudas ou ocasionais tratadas com medicamentos (infecção, medicamento para dormir, para os nervos, para problemas no estômago ou intestino, para febre, dor, gripe, resfriado ou rinite alérgica, suplemento de vitamina, estimulante de apetite ou tônico e outras situações agudas). Na PNAUM, os medicamentos e seus padrões de uso foram identificados de acordo com seu uso no tratamento de condições crônicas ou agudas e os motivos para a utlização.
A estimativa da prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais foi obtida através da pergunta: Nos últimos 15 dias, o(a) sr(a) fez uso de alguma vitamina, suplemento mineral, estimulante do apetite ou tônico? Caso a resposta fosse afirmativa, a pessoa deveria responder de qual(is) produto(s) estava fazendo uso, dessa forma foi possível captar as vitaminas e/ou minerais e excluir produtos que não são objetos deste estudo, ou seja, o estimulante do apetite e o tônico. Além dessas respostas obtidas na pergunta citada, também foram revisados todos os medicamentos elencados nas perguntas sobre uso em doenças crônicas, a fim de obter informações a respeito do uso de vitaminas e/ou minerais nesses grupos.
Classificação dos produtos
Os produtos citados contendo vitaminas e/ou minerais foram incluídos na análise, não sendo diferenciada, para este estudo, a classificação legal de medicamento ou suplemento alimentar. Produtos identificados como alimentos, complementos alimentares, suplementação alimentar para grupos específicos de pacientes, suplementos à base de aminoácidos, compostos de ácidos graxos não associados a vitaminas e/ou minerais e produtos com vitaminas e/ou minerais que continham outros medicamentos na formulação não foram incluídos nas análises. Os minerais não foram diferenciados quanto aos seus sais para efeitos de classificação.
Os produtos identificados como sendo vitaminas e/ou minerais foram classificados em: vitaminas monocomponentes ou associadas entre si; minerais monocomponentes ou associados entre si; vitaminas e minerais associados; e vitaminas e/ou minerais associados a plantas medicinais, aminoácidos ou ácidos graxos.
Após classificados nesses grupos, os produtos foram classificados quanto às substâncias, de acordo com a descrição de suas bulas e/ou rótulos. A classificação de acordo com as substâncias está sistematizada no Quadro 1. Os multivitamínicos e multiminerais foram definidos como um produto contendo dez ou mais vitaminas/minerais nos seus compostos, conforme definição já adotada em outros estudos1111 Kantor ED, Rehm CD, Du M, White E, Giovannucci EL. Trends in dietary supplement use among US adults from 1999-2012. JAMA 2016; 316(14):1464-1474.,2828 Pocobelli G, Peters U, Kristal AR, White E. Use of supplements of multivitamins, vitamin C, and vitamin E in relation to mortality. Am J Epidemiol 2009; 170(4):472-483..
Na análise do uso dos produtos foram agrupadas as substâncias contendo cálcio e ferro. O agrupamento do cálcio, denominado cálcio e associações, englobou as seguintes substâncias: cálcio; cálcio e magnésio; cálcio e multivitamínico; cálcio e vitamina D; cálcio, flúor, fósforo, vitamina B12 e vitamina D; cálcio, flúor, vitamina B12 e vitamina D; cálcio, magnésio e vitamina D; cálcio, magnésio, vitamina K e vitamina D; cálcio, vitamina K e vitamina D; cálcio, vitamina B12 e vitamina D; cálcio, zinco, fósforo, vitamina B12 e vitamina D. O agrupamento do ferro, denominado ferro e associações, englobou as seguintes substâncias: ferro; ferro e ácido fólico; ferro e multivitamínico; ferro e fósforo; ferro e vitamina C; ferro e vitaminas do complexo B; ferro, fósforo e vitaminas do complexo B; ferro, fósforo, magnésio e vitaminas do complexo B; ferro, vitamina C e vitaminas do complexo B; ferro, fósforo e associação de plantas medicinais.
Variáveis em estudo
As características sociodemográficas investigadas foram: sexo (masculino e feminino); faixa etária, em anos (20-39, 40 a 59, 60 a 99); escolaridade, em anos completos de estudo (0 a 5, 6 a 8, 9 a 11 e acima de 12); classificação econômica, segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil, desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (CCEB 2013/ABEP - http://www.abep.org) (A/B, C, D/E) e região do Brasil em que reside (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul). Também foram investigadas características referentes à condição de saúde - presença de doenças crônicas (nenhuma, presença de uma doença crônica e presença de duas ou mais doenças crônicas) - e referentes à percepção de saúde - autopercepção de saúde (muito boa/boa, regular, muito ruim/ruim).
Análises dos dados
As estimativas das prevalências do uso de vitaminas e/ou minerais, características sociodemográficas, de condição de saúde e percepção desta foram expressas em frequência relativa, com intervalos de 95% de confiança (IC95%), com todos os percentuais ajustados por pesos amostrais e por pós-estratificação segundo idade e sexo.
Utilizou-se o modelo de regressão logística para estimar as razões de chances (RC) e os respectivos IC95%, nível de significância 0,05, considerando-se o efeito do delineamento amostral, ou seja, plano amostral complexo. Inicialmente, foi realizada a análise não ajustada, empregando a regressão logística simples. Posteriormente, foi efetuada a análise de regressão logística multivariável, calculando as RC ajustadas. O critério de entrada das variáveis de ajuste no modelo multivariado foi por meio do nível descritivo, as variáveis independentes com p < 0,20 na análise não ajustada foram incluídas no modelo multivariado, e permaneceram no modelo final as variáveis com p < 0,05.
Foram analisadas as dez substâncias mais utilizadas pelos usuários de produtos contendo vitaminas e/ou minerais. Os resultados foram apresentados em frequências relativas, com IC95%, com todos os percentuais ajustados por pesos amostrais e por pós-estratificação segundo idade e sexo.
A análise do uso utilizou informações coletadas referentes aos produtos. Foram investigados os produtos classificados como: multivitamínicos e multiminerais, contendo as substâncias com o mineral cálcio e contendo as substâncias com o mineral ferro. A análise considerou a característica do uso (doença crônica e situação ocasional/aguda de saúde) e os principais motivos de uso informados. Os resultados dessa análise consideraram o plano complexo e foram expressos em frequência relativa com os respectivos IC95%.
As análises foram realizadas utilizando o software estatístico PASW Statistics 18.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos). Para garantir a ponderação necessária, foi usado o conjunto de comandos CSPLAN, apropriados para analisar amostras complexas.
Considerações éticas
O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), parecer 398.131, de 16 de setembro de 2013. Todas as entrevistas foram feitas após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por parte do entrevistado ou seu responsável legal, no caso de incapazes de responder a seu próprio questionário.
Resultados
Do total de 32.057 pessoas que participaram deste estudo, 1.679 responderam que faziam uso de produtos contendo vitaminas e/ou minerais. A prevalência global do uso de vitaminas e/ou minerais na população em estudo foi de 4,8% (IC95% 4,3-5,3), sendo maior no sexo feminino, na faixa etária acima dos 60 anos, entre os indivíduos com escolaridade acima dos 12 anos de estudos, pertencentes à classe econômica A/B, residentes das regiões Nordeste e Sudeste, com presença de duas ou mais doenças crônicas e com autopercepção de saúde ruim/muito ruim. A Tabela 1 apresenta a distribuição da amostra e as prevalências estimadas.
As mulheres apresentaram prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais de 6,4% (IC95% 5,7-7,1), mais de duas vezes maior do que os homens, prevalência de 3,0% (IC95% 2,5-3,6). Observou-se o crescimento da prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais com o aumento da faixa etária. A prevalência observada nas pessoas acima dos 60 anos foi de 11,6% (IC95% 10,5-12,8), na faixa etária de 40-59 anos, 3,9% (IC95% 3,4-4,5), e na faixa de 20-39 anos, 2,6% (IC95% 2,1-3,3) (Tabela 1).
Na análise não ajustada, os seguintes fatores se mostraram associados ao uso de vitaminas e/ou minerais: sexo feminino (RC 2,18; IC95% 1,76-2,70), faixa etária de 40-59 anos (RC 1,51; IC95% 1,15-1,99), idade igual ou superior a 60 anos (RC 4,85; IC95% 3,78-6,22), ser pertencente à classe econômica A/B (RC 1,45; IC95% 1,12-1,89), residir no Nordeste (RC 1,43; IC95% 1,09-1,87) e no Sudeste (RC 1,39; IC95% 1,03-1,88), presença de uma doença crônica (RC 2,38; IC95% 1,91-2,97), presença de duas ou mais doenças crônicas (RC 6,69; IC95% 5,38-8,31), autopercepção de saúde regular (RC 2,54; IC95% 2,10-3,08) e autopercepção de saúde muito ruim/ruim (RC 3,45; IC95% 2,63-4,53) (Tabela 2).
Na análise ajustada, os fatores sexo feminino (RC 1,78; IC95% 1,44-2,20), idade igual ou superior a 60 anos (RC 2,39; IC95% 1,82-3,13), ser pertencente à classe econômica A/B (RC 1,77; IC95% 1,36-2,29), presença de uma doença crônica (RC 1,62; IC95% 1,28-2,06), presença de duas ou mais doenças crônicas (RC 3,49; IC95% 2,64-4,60), autopercepção de saúde regular (RC 1,37; IC95% 1,10-1,71) e autopercepção de saúde muito ruim/ruim (RC 1,52; IC95% 1,12-2,05) permaneceram associados ao desfecho. Após o ajuste, o fator residir no Sul do Brasil se associou ao desfecho (RC 0,73; IC95% 0,54-0,98) (Tabela 2).
As dez substâncias mais utilizadas e suas frequências de uso entre os usuários de vitaminas e/ou minerais são apresentadas na Figura 1. Os multivitamínicos e multiminerais obtiveram frequência de uso de 24,5% (IC95% 20,1-29,4), e o cálcio e a vitamina D, frequência de uso de 23,4% (IC95% 19,7-27,5).
As dez substâncias mais citadas e sua frequência de uso entre os usuários de vitaminas e/ou minerais. PNAUM, 2014 (n = 1.679 usuários).
A população em estudo referiu o uso de 51.172 produtos, destes, 1.966 foram classificados como vitaminas e/ou minerais, representando 3,8% de todos os produtos elencados na pesquisa. Dos produtos em estudo citados, 47,2% eram vitaminas e minerais associados, 28,8% eram vitaminas monocomponentes ou associadas entre si, 14,3% eram minerais monocomponentes ou associadas entre si e 9,7% eram vitaminas e/ou minerais associados a plantas medicinais, ácidos graxos e/ou aminoácidos.
Na análise do uso foi identificado que os multivitamínicos e os multiminerais são usados por 95,7% (IC95% 92,4-97,6) nas situações agudas/ocasionais de saúde, e o principal motivo foi a suplementação, 86,3% (IC95% 77,7-92,0). Os produtos contendo cálcio e associações apresentaram o uso em doenças crônicas de 63,3% (IC95% 57,4-68,8) da população investigada, sendo que o principal motivo de uso foi o tratamento de doença articular, 40,9% (IC95% 34,6-47,6). Já os produtos de ferro e associações foram usados por 83,7% (IC95% 76,0-89,2) nas situações agudas/ocasionais de saúde, e o principal motivo foi a suplementação, 75,5% (IC95% 67,6-82,1) (Tabela 3).
Discussão
A prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais foi de 4,8% (IC95% 4,3-5,3) na população adulta e idosa brasileira residente na área urbana, sem considerar as gestantes nas análises. Essa prevalência é mais baixa do que as prevalências reveladas pelos dados do INA incluídos na POF 2017-2018, em que o uso de vitaminas foi relatado por 10,5% da população adulta e por 17,4% da população idosa, o uso de cálcio, incluído cálcio com vitamina D, foi de 2,9% na população adulta e de 14,8% na população idosa, e uso de ferro, 2,4% e 2,8% nas populações adulta e idosa, respectivamente2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil [Internet]. 2020. [acessado 2022 set 17]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101742.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza... . A comparação dos resultados do INA com os resultados da PNAUM deve considerar as diferenças metodológicas dos inquéritos.
Primeiramente, a pergunta incluída nos questionários de coleta de dados utiliza diferentes períodos recordatórios, o INA usou um período recordatório mais longo, 30 dias, e a PNAUM um período mais curto, 15 dias. Os dados apresentados do INA para a utilização de suplementos alimentares incluíram as gestantes, o que ocasiona diferenças nas prevalências da população adulta. O INA, uma subamostra da POF, conta com a sazonalidade, os dados são coletados ao longo de 12 meses, incluindo assim todas as estações do ano, a PNAUM não mantém essa característica. Outra peculiaridade entre os inquéritos é que o INA inclui moradores de áreas urbanas e rurais, e a PNAUM, os moradores de área urbana. Por fim, deve-se considerar que os inquéritos têm diferentes abordagens: o INA aborda as características da dieta, e a PNAUM o uso de medicamentos.
Os resultados da utilização de vitaminas e/ou minerais tanto no INA quanto na PNAUM convergiram para a maior prevalência no sexo feminino e na população idosa. Os padrões de uso identificados para sexo e faixa etária se assemelham aos achados em um estudo norte-americano que avaliou as tendências de utilização de suplementos alimentares baseado nos dados de 1999 a 2012 do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES)1111 Kantor ED, Rehm CD, Du M, White E, Giovannucci EL. Trends in dietary supplement use among US adults from 1999-2012. JAMA 2016; 316(14):1464-1474.. No Canadá, análises com os dados da Canadian Community Health Survey (CCHS) também observou esse mesmo padrão1212 Keshavarz P, Shafiee M, Islam N, Whiting SJ, Vatanparast H. Prevalence of vitamin-mineral supplement use and associated factors among Canadians: results from the 2015 Canadian Community Health Survey. Appl Physiol Nutr Metab 2021; 46(11):1370-1377.,2222 Guo X, Willows N, Kuhle S, Jhangri G, Veugelers PJ. Use of vitamin and mineral supplements among Canadian adults. Can J Public Health 2009; 100(5):357-360.,2323 Vatanparast H, Adolphe JL, Whiting SJ. Socio-economic status and vitamin/mineral supplement use in Canada. Health Rep 2010; 21(4):19-25.. Na análisea ajustada, que objetiva controlar possíveis fatores de confusão, as RC do sexo feminino e da faixa etária acima de 60 anos apresentam uma diminuição importante quando comparada aos valores obtidos na análise não ajustada. Embora esses fatores permaneçam associados ao desfecho, pode-se observar que o efeito é influenciado fortemente pela variável presença de doenças crônicas no modelo.
As pessoas pertencentes à classe econômica de maior poder de consumo, A/B, apresentaram a maior prevalência de uso de vitaminas e/ou minerais. Foi constatado um confundimento negativo entre o desfecho e a classificação econômica, pois após o ajuste a RC aumenta, principalmente na classe A/B. Esse efeito pode ser explicado por serem produtos prioritariamente adquiridos por desembolso direto. Todavia, Bertoldi et al.2929 Bertoldi AD, Pizzol TSD, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, Tavares NU, Farias MR, Oliveira MA, Arrais PS. Sociodemographic profile of medicines users in Brazil: results from the 2014 PNAUM survey. Rev Saude Publica 2016; 50(Suppl. 2):5s. identificaram esse mesmo padrão, maior prevalência na classe com maior poder aquisitivo, quando analisaram o uso global de medicamentos na PNAUM. Outros estudos que analisam a utilização de vitaminas e minerais na literatura internacional também constataram essa associação2222 Guo X, Willows N, Kuhle S, Jhangri G, Veugelers PJ. Use of vitamin and mineral supplements among Canadian adults. Can J Public Health 2009; 100(5):357-360.,2525 Cowan AE, Jun S, Gahche JJ, Tooze JA, Dwyer JT, Eicher-Miller HA, Bhadra A, Guenther PM, Potischman N, Dodd KW, Bailey RL. Dietary supplement use differs by socioeconomic and health-related characteristics among U.S. adults, NHANES 2011-2014. Nutrients 2018; 10(8):1114..
A autopercepção do estado de saúde do indivíduo foi incluída no modelo para possibilitar a compreensão da dimensão subjetiva da saúde humana e entender a saúde como uma condição complexa e multifatorial3030 Reichert FF, Loch MR, Capilheira MF. Autopercepção de saúde em adolescentes, adultos e idosos. Cien Saude Colet 2012; 17(12):3353-3362.. Os entrevistados que percebem sua saúde como muito boa/boa foram os que tiveram as menores prevalência de uso de vitaminas e/ou minerais. Já foi descrito que os usuários de suplementos alimentares eram mais propensos a relacionar sua saúde com uma condição muito boa2424 Bailey RL, Gahche JJ, Miller PE, Thomas PR, Dwyer JT. Why US adults use dietary supplements. JAMA Intern Med 2013;173(5):355-361., fato que não foi confirmado no presente estudo.
Na análise da distribuição regional, foi observado que os residentes da região Nordeste apresentaram a maior prevalência de uso de vitaminas e/ou minerais, seguidos dos residentes da região Sudeste. Os dados da PNAUM já demonstraram que os moradores da região Nordeste e da região Centro-Oeste apresentaram as maiores prevalências para uso de medicamentos para doenças eventuais2929 Bertoldi AD, Pizzol TSD, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, Tavares NU, Farias MR, Oliveira MA, Arrais PS. Sociodemographic profile of medicines users in Brazil: results from the 2014 PNAUM survey. Rev Saude Publica 2016; 50(Suppl. 2):5s.. A prevalência dos residentes da região Sul foi uma das mais baixas do estudo, atrás apenas da região Norte. Na análise ajustada, o fator residir na região Sul foi associado à menor chance do uso de vitaminas e/ou minerais. Para analisar esse efeito, deve-se levar em consideração o período da pesquisa, os meses de primavera e verão, de forma que os produtos relacionados à prevenção de gripes e resfriados, como a vitamina C3131 Hemilä H, Chalker E. Vitamin C for preventing and treating the common cold. Cochrane Database Syst Rev 2013; 1:CD000980., podem ter sido subestimados.
Produtos contendo vitaminas e/ou minerais têm parâmetros estabelecidos pela legislação vigente, o que permite a classificação entre suplementos alimentares vitamínicos e/ou minerais e medicamentos à base de vitaminas e minerais. Os suplementos alimentares vitamínicos e/ou minerais devem conter um limite de uso estabelecido de acordo com o grupo populacional para o qual é indicado3232 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada no 243, de 26 de julho de 2018. Dispõe sobre os requisitos sanitários dos suplementos alimentares. Diário Oficial da União; 27 jul.,3333 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Instrução Normativa no 28, de 26 de julho de 2018. Estabelece as listas de constituintes, de limites de uso, de alegações e de rotulagem complementar dos suplementos alimentares. Diário Oficial da União; 27 jul.. Já os produtos contendo vitaminas e/ou minerais com indicações terapêuticas são considerados medicamentos e exigem registro no órgão competente3434 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada no 242, de 26 de julho de 2018. Altera a Resolução junho de 2011, a RDC no 24, de 14 de Resolução RDC n° 107, de 5 de setembro de 2016, a Instrução Normativa - IN n° 11, de 29 de setembro de 2016 e a Resolução RDC n° 71, de 22 de dezembro de 2009 e regulamenta o registro de vitaminas, minerais, aminoácidos e proteínas de uso oral, classificados como medicamentos específicos. Diário Oficial da União; 27 jul.. Em outros países, as definições de suplementos e medicamentos à base de vitaminas e/ou minerais apresentam limites diferentes dos estabelecidos no Brasil3535 Abe-Matsumoto LT, Sampaio GR, Bastos DHM. Suplementos vitamínicos e/ou minerais: regulamentação, consumo e implicações à saúde. Cad Saude Publica 2015; 31(7):1371-1380., dificultando comparativos de uso.
Cerca da metade dos usuários de vitaminas e/ou minerais no estudo estavam fazendo uso de multivitamínicos e multiminerais e produtos contendo cálcio e vitamina D. Estudos com o objetivo de avaliar a prevalência de produtos à base de vitaminas e/ou minerais com dados do NHANES também observaram maiores prevalências no uso de multivitamínicos e multiminerais1111 Kantor ED, Rehm CD, Du M, White E, Giovannucci EL. Trends in dietary supplement use among US adults from 1999-2012. JAMA 2016; 316(14):1464-1474.,2424 Bailey RL, Gahche JJ, Miller PE, Thomas PR, Dwyer JT. Why US adults use dietary supplements. JAMA Intern Med 2013;173(5):355-361.,3636 Rock CL. Multivitamin-multimineral supplements: who uses them? Am J Clin Nutr 2007; 85(1):277S-279S., seguidos dos produtos contendo cálcio2424 Bailey RL, Gahche JJ, Miller PE, Thomas PR, Dwyer JT. Why US adults use dietary supplements. JAMA Intern Med 2013;173(5):355-361.. Em estudo que propôs um painel de consenso sobre o uso de multivitamínicos e multiminerais, foi apontado que não há critérios publicados que quantifiquem as doses de micronutrientes que devem ser incluídas nos multivitamínicos e multiminerais, sendo propostas múltiplas definições3737 Blumberg JB, Cena H, Barr SI, Biesalski HK, Dagach RU, Delaney B, Frei B, Moreno González MI, Hwalla N, Lategan-Potgieter R, McNulty H, van der Pols JC, Winichagoon P, Li D. The use of multivitamin/multimineral supplements: a modified Delphi Consensus Panel Report. Clin Ther 2018; 40(4):640-657.. No entanto, foi consenso que o uso de multivitamínicos e multiminerais, apesar de não haver evidências que sustentem a indicação do uso em doenças crônicas e câncer, podem trazer benefícios à saúde em certas subpopulações saudáveis, como gestantes e idosos, e em indivíduos com inadequações nutricionais3737 Blumberg JB, Cena H, Barr SI, Biesalski HK, Dagach RU, Delaney B, Frei B, Moreno González MI, Hwalla N, Lategan-Potgieter R, McNulty H, van der Pols JC, Winichagoon P, Li D. The use of multivitamin/multimineral supplements: a modified Delphi Consensus Panel Report. Clin Ther 2018; 40(4):640-657.,3838 Biesalski HK, Tinz J. Multivitamin/mineral supplements: rationale and safety - a systematic review. Nutr Burbank Los Angel Cty Calif 2017; 33:76-82..
A utilização de cálcio e associações no estudo foi maior em pessoas com doenças crônicas, e o principal motivo foi o tratamento de doença articular. As evidências sobre a utilização de cálcio e vitamina D apontam que a suplementação na população que não apresenta fatores de risco para a deficiência desses micronutrientes parece ser inadequada3939 Bolland MJ, Leung W, Tai V, Bastin S, Gamble GD, Grey A, Reid IR. Calcium intake and risk of fracture: systematic review. BMJ 2015; 351:h4580.
40 Reid IR, Bolland MJ, Grey A. Effects of vitamin D supplements on bone mineral density: a systematic review and meta-analysis. Lancet 2014; 383(9912):146-155.-4141 Reid IR, Bolland MJ. Calcium and/or vitamin D supplementation for the prevention of fragility fractures: who needs it? Nutrients 2020; 12(4):E1011..
Existe uma preocupação sobre o uso excessivo de micronutrientes nas pessoas saudáveis sem deficiência nutricional4242 Zhang FF, Barr SI, McNulty H, Li D, Blumberg JB. Health effects of vitamin and mineral supplements. BMJ 2020; 369:m2511. e também para fins que não obtiveram evidências científicas em estudos clínicos4343 Guallar E, Stranges S, Mulrow C, Appel LJ, Miller ER. Enough is enough: Stop wasting money on vitamin and mineral supplements. Ann Intern Med 2013; 159(12):850-851.. A literatura descreve que a maioria desses produtos é usada por motivação pessoal e não por recomendação médica2424 Bailey RL, Gahche JJ, Miller PE, Thomas PR, Dwyer JT. Why US adults use dietary supplements. JAMA Intern Med 2013;173(5):355-361.. Apesar de serem isentos de prescrição médica, devem ser administrados sob supervisão de profissional de saúde legalmente habilitado, uma vez que esses têm o potencial de aumentar a biodisponibilidade dos micronutrientes para o organismo. Quando utilizados indiscriminadamente, podem aumentar os níveis desses micronutrientes acima do tolerado77 Marra MV, Bailey RL. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: micronutrient supplementation. J Acad Nutr Diet 2018; 118(11):2162-2173.. Já foram descritos danos hepáticos, dor nas articulações, descamação de pele, alopécia, dores de cabeça e vômitos relacionados ao uso excessivo de micronutrientes, sobretudo vitaminas lipossolúveis4444 World Health Organization. Vitamin and mineral requirements in human nutrition. Geneva: WHO; 2004..
As prevalências e os fatores associados ao uso de vitaminas e/ou minerais obtidos neste estudo foram calculados em uma amostra probabilística com representatividade nacional nas áreas urbanas das cinco regiões geográficas do Brasil. Essa característica do estudo permite traçar um panorama nacional, preenchendo uma lacuna de conhecimento sobre prevalências e fatores associados ao uso desses produtos. Porém, o estudo apresenta limitações, algumas são inerentes ao método, como a impossibilidade de estabelecer uma relação causal. Outra consideração importante deve ser feita quanto à época do ano em que a pesquisa foi realizada. Os dados foram coletados nos meses de primavera e verão, assim, alguns produtos que tipicamente seriam destinados à prevenção e tratamento dos agravos mais prevalentes nos meses de frio, como vitamina C3131 Hemilä H, Chalker E. Vitamin C for preventing and treating the common cold. Cochrane Database Syst Rev 2013; 1:CD000980. na prevenção de gripes e resfriados, podem ter sido subestimados.
Pesquisas sobre uso eventual de medicamentos são mais eficientes quando abrangem um período recordatório mais curto possível4545 Moraes CG, Mengue SS, Pizzol T SD. Agreement between different recall periods in drug utilization studies. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(2):324-334.,4646 Lewis JD, Strom BL, Kimmel SE, Farrar J, Metz DC, Brensinger C, Nessel L, Localio AR. Predictors of recall of over-the-counter and prescription non-steroidal anti-inflammatory drug exposure. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2006; 15(1):39-45.. O período recordatório da PNAUM para situações agudas/ocasionais de saúde foi de 15 dias. Esse fato deve ser considerado no momento de comparar prevalências com as de estudos com diferentes períodos recordatórios. Menciona-se que o estudo utilizou-se da técnica da regressão logística para análise dos fatores associados, com resultados expressos em razão de chances. Dado que o desfecho em estudo não é comum, usualmente menor que 10%, a RC é considerada uma boa aproximação da razão de prevalência4747 Camey SA, Torman VBL, Hirakata VN, Cortes RX, Vigo A. Bias of using odds ratio estimates in multinomial logistic regressions to estimate relative risk or prevalence ratio and alternatives. Cad Saude Publica 2014; 30(1):21-29., medida de associação comumente usada neste tipo de estudo.
Concluindo, o estudo demonstrou que a prevalência do uso de vitaminas e/ou minerais na população adulta e idosa residente em áreas urbanas no Brasil é maior no sexo feminino, cresce com o aumento da faixa etária e é maior nas pessoas com maior poder aquisitivo. Os multivitamínicos e multiminerais obtiveram a maior frequência de uso entre os usuários, o que corrobora os resultados encontrados em outros países. Dada a maior prevalência observada em mulheres idosas, sugere-se que as ações de promoção do uso racional desses produtos sejam voltadas preferencialmente a esse público. Entende-se por uso racional aquele que atende às necessidades clínicas e por um período de tempo adequado. Por fim, esses são os primeiros achados que apontam os fatores associados ao uso desses produtos nas populações adulta e idosa brasileira em geral. Recomenda-se que os próximos inquéritos epidemiológicos nacionais mantenham e ampliem a observação desses produtos na população brasileira para possibilitar a construção de comparações e análises de tendências ao longo do tempo.
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Financiamento
Ministério da Saúde - Portaria nº 2.077, de 17 de setembro de 2012.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
04 Set 2023 - Data do Fascículo
Set 2023
Histórico
- Recebido
20 Set 2022 - Aceito
17 Jan 2023 - Publicado
19 Jan 2023