Resumo
No Brasil, avanços consistentes ocorreram em direção à cobertura universal após a criação do Programa Saúde Família (PSF), principal estratégia para a ampliação do acesso de primeiro contato e de mudança do modelo assistencial no Brasil, fortalecido a partir da criação Piso de Atenção Básica (PAB), com recursos destinados exclusivamente à atenção básica, transferidos aos municípios de forma regular e automática. O cadastramento da população é um dos fundamentos do trabalho na Estratégia Saúde da Família (ESF), objetivando conhecer as famílias adscritas às equipes. A instituição do Programa Previne Brasil em novembro de 2019 estabeleceu um novo modelo de financiamento de custeio da APS, tendo como um de seus componentes a capitação ponderada, cujo modelo de remuneração é calculado com base no número de pessoas cadastradas. O objetivo do estudo foi analisar a evolução da população cadastrada na APS após a criação do incentivo de capitação ponderada, considerando o cadastro nos municípios e o seu comportamento nas diferentes tipologias municipais rural-urbano e o porte populacional. O estudo demonstrou que em 76,1% dos municípios houve aumento de cadastros no período analisado, independentemente da tipologia rural-urbano e do porte populacional dos municípios.
Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Estratégia Saúde da Família; Modelos de assistência à saúde
Introdução
A atenção primária à saúde (APS) é considerada a principal e mais adequada forma de acesso das pessoas ao sistema de saúde. Está diretamente associada a uma distribuição mais equitativa da saúde entre as populações11 Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q 2005; 83(3):457-502..
A ideia de a atenção primária ser utilizada como forma de organização dos sistemas de saúde foi proposta inicialmente no chamado Relatório Dawson, em 1920. Esse documento do governo inglês propôs a reestruturação do modelo de atenção à saúde na Inglaterra em serviços organizados segundo os níveis de complexidade e os custos do tratamento. Nesse sentido, os centros de saúde primários e os serviços domiciliares deveriam estar organizados de forma regionalizada. Além disso, a maior parte dos problemas de saúde deveriam ser resolvidos por médicos com formação em clínica geral. Nos casos em que esse nível de atenção não tivesse condições de solucionar com os recursos disponíveis os problemas, os pacientes deveriam ser encaminhados para os centros de atenção secundária, que contariam com especialistas de diversas áreas. No caso de indicação de internação ou cirurgia, seriam encaminhados para hospitais22 Ministry of Health, Consultative Council on Medical and Allied Services. Interim report on the future provision of medical and allied services [Internet]. 1920. [cited 2022 abr 15]. Available from: http://www.sochealth.co.uk/history/Dawson.htm
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As propostas do documento estiveram presentes na base da criação do Sistema Nacional de Saúde na Inglaterra. Inauguraram um conjunto de dimensões ainda centrais nas discussões contemporâneas acerca da organização de sistemas de saúde com ênfase na APS, como a atenção ao primeiro contato, a hierarquização dos níveis de atenção à saúde e a regionalização a partir de bases populacionais33 Portela GZ. Atenção Primária à Saúde: um ensaio sobre conceitos aplicados aos estudos nacionais. Physis 2017; 27(2):255-276.. Essa concepção elaborada pelo governo inglês influenciou a organização dos sistemas de saúde de todo o mundo. Nos países desenvolvidos, por exemplo, as autoridades se preocupavam com a sustentação econômica da saúde, considerando a crescente complexidade da atenção médica, o uso indiscriminado de tecnologia médica e seu elevado custo e a baixa resolutividade. Já nos países em desenvolvimento, essa preocupação ocorreu devido à iniquidade de seus sistemas de saúde, com a falta de acesso a cuidados básicos, a mortalidade infantil e as precárias condições sociais, econômicas e sanitárias44 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Dicionário da Educação Profissional em Saúde [Internet]. [acessado 220 abr 24]. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/ateprisau.html
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Nesse período, surgiram propostas que incluíam medidas de ordem técnica e gerencial, com ações inovadoras e de racionalização das práticas. São elas: comunidade como fundamento das necessidades de saúde; hierarquização; coordenação; e integração do cuidado. Outras ações foram as propostas participativas com inovações nas relações políticas, sugerindo uma maior democratização dos serviços, como: mudanças na divisão do saber/poder com a ampliação das equipes; incorporação de agentes da comunidade; acesso; e controle social55 Conill EM. Sistemas universais para a América Latina: jovens e antigas inovações nos serviços de saúde. Rev Bras Promoç Saude 2018; 31(4):1-13..
Em 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) realizaram a I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata, no Cazaquistão, antiga União Soviética. Propuseram, naquele momento, um acordo e uma meta entre os países membros para atingir o maior nível de saúde possível até o ano 2000 por intermédio da APS. Essa política internacional ficou conhecida como “Saúde para Todos no Ano 2000”55 Conill EM. Sistemas universais para a América Latina: jovens e antigas inovações nos serviços de saúde. Rev Bras Promoç Saude 2018; 31(4):1-13..
A Conferência de Alma-Ata ocorreu na sequência de uma série de conferências promovidas por organizações das Nações Unidas durante a década de 1970. Foi debatida uma agenda ampliada para uma nova ordem econômica internacional, visando à redução das disparidades entre os países centrais e os então chamados países do terceiro mundo66 Pires-Alves FA, Cueto M. A década de Alma-Ata: a crise do desenvolvimento e a saúde internacional. Cien Saude Colet 2017; 22(7):2135-2144..
Na América Latina, nas décadas de 1980 e 1990, acompanhando os programas de ajuste estrutural e imposições do Banco Mundial, difundiram-se pacotes mínimos de serviços de APS direcionados a grupos específicos, como o materno-infantil, ou populações em extrema pobreza. O fato fez Mario Testa questionar o que se pretendia: uma atenção da saúde primária ou primitiva77 Giovanella L, Mendonça MHM, Buss PM, Fleury S, Gadelha CAG, Galvão LAC, Santos RFD. De Alma-Ata a Astana. Atenção primária à saúde e sistemas universais de saúde: compromisso indissociável e direito humano fundamental. Cad Saude Publica 2019; 35(3):e00012219.
8 Testa M. Pensar em saúde. Porto Alegre: Editora Artes Médicas; 1992.-99 Giovanella L, Almeida PF. Atenção primária integral e sistemas segmentados de saúde na América do Sul. Cad Saude Publica 2017; 33(Supl. 2):e0011881.. Esse questionamento traz reflexão sobre como APS tem sido descrita pelos estudiosos do assunto. Em muitos momentos como uma estratégia de atenção à saúde seletiva, focalizada na população mais pobre e portadora de uma tecnologia simples e limitada. Em contrapartida, outros advogam um sentido mais amplo, sistêmico e integrado de APS, possibilitando articulações intersetoriais em prol do desenvolvimento humano, social e econômico das populações1010 Fausto MCR, Matta GC. Atenção Primária à Saúde: histórico e perspectivas. In: Morosini MVGC, Corbo AD, organizadores. Modelos de Atenção e a Saúde da Família. Rio de Janeiro; EPSJV, Fiocruz; 2007..
Nos anos 2000, com a redemocratização e assunção de governos latino-americanos comprometidos com justiça social, observaram-se processos de revitalização da APS, em uma abordagem abrangente, reafirmando princípios de Alma-Ata99 Giovanella L, Almeida PF. Atenção primária integral e sistemas segmentados de saúde na América do Sul. Cad Saude Publica 2017; 33(Supl. 2):e0011881.. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), pressionada pelos governos da região, promoveu um processo de renovação da estratégia de APS, enfatizando a inclusão social, a equidade e a integralidade1111 Birn AE. Back to Alma Ata, from 1978 to 2018 and beyond. Am J Public Health 2018; 108(9):1153-5..
No Brasil, desde a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), que segue princípios de universalidade, integralidade e equidade, estabelecidos na Constituição Federal de 1988, avanços consistentes foram feitos em direção à cobertura universal em saúde. Especialmente após o estabelecimento da Estratégia Saúde da Família (ESF) como política nacional para implantação da APS1212 Tasca R, Massuda A, Carvalho WM, Buchweitz C, Harzheim E. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2020; 44:e4.
Desde a sua criação em 1994, o Programa Saúde Família (PSF) gradualmente foi se tornando a principal estratégia para a ampliação do acesso de primeiro contato e de mudança do modelo assistencial1313 Pinto LF, Giovanella L. Do programa à estratégia saúde da família: expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à atenção básica. Cien Saude Colet 2018; 23(6):1903-1914.. Atuar em saúde tendo como objeto o cuidado da família é uma forma de reversão do modelo hegemônico voltado à doença, que fragmenta o indivíduo e o separa de seu contexto e de seus valores socioculturais1414 Silva L, Silva MCLSR, Bousso RS. A abordagem à família na Estratégia Saúde da Família: uma revisão integrativa da literatura. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(5):1250-1255..
A publicação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), de 2006, foi o marco legal que estabeleceu a missão da atenção primária à saúde no Brasil, sendo posteriormente reformulada em 2011 e 2017. A PNAB considera atenção primária como termo equivalente a atenção básica, definindo-a como um conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. Seu desenvolvimento ocorre por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido1515 Ministério da Saúde (MS). Portaria/MS nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do SUS. Diário Oficial da União 2017; 22 set..
A PNAB define que a atenção básica tem na saúde da família sua estratégia prioritária de expansão, qualificação e consolidação da atenção básica. A Estratégia Saúde da Família, por sua vez, tem como objetivo reorganizar a prática assistencial em novas bases e critérios, com a atenção centrada na abordagem à família. Dessa forma, é entendida e percebida em seu ambiente físico e social. Tem como intuito possibilitar uma compreensão ampliada do processo saúde-doença e da intervenção que não se restrinja a práticas curativas, sobretudo na promoção da qualidade de vida e intervenção nos fatores que a colocam em risco. Ela se estrutura para agir sobre um território. Tem, na área adscrita de cada equipe e na divisão espacial das microáreas, as duas formas de delimitar a população pelas quais assume a responsabilidade sanitária1616 Monken M, Barcellos C. Vigilância em saúde e território utilizado: possibilidades teóricas e metodológicas. Cad Saude Publica 2005; 21(3):898-906..
A efetivação das atividades de atenção à saúde se baseia no entendimento de como funcionam e se articulam num território as condições econômicas, sociais e culturais. Também considera como se dá a vida das populações, seus atores sociais e a sua íntima relação com seus espaços, seus lugares1616 Monken M, Barcellos C. Vigilância em saúde e território utilizado: possibilidades teóricas e metodológicas. Cad Saude Publica 2005; 21(3):898-906.. A exclusiva referência apenas à quantidade de população para o desenvolvimento de recortes territoriais, sem nenhuma proposta de classificação ou identificação desses territórios, por ações ou problemas de saúde acaba por limitar a eficácia da atuação das equipes da ESF1717 Goldstein RA, Barcellos C, Magalhães MAFM, Gracie R, Viacava F. A experiência de mapeamento participativo para a construção de uma alternativa cartográfica para a ESF. Cien Saude Colet 2013; 18(1):45-56..
O cadastramento da população é um dos fundamentos do trabalho na ESF. Objetiva conhecer as famílias adscritas às equipes da ESF, oferecendo informações para a realização do diagnóstico situacional em saúde, o desenvolvimento de relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população. Dessa forma, visa garantir a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado, sendo referência para o seu cuidado1818 Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família - ESF e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS. Diário Oficial da União 2011; 22 out..
É importante considerar a necessidade de estabelecer um contínuo processo de atualização do cadastramento familiar, dadas às mudanças dinâmicas que ocorrem no território e nas famílias1919 Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: OPAS; 2012.. Além das informações que compõem o cadastramento das famílias, para a realização do diagnóstico situacional em saúde, podem ser utilizadas diversas fontes de informação que possibilitem melhor identificação da área de abrangência da ESF, como dados demográficos, ambientais e de condições de vida da população do território, entre outros fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2020 Barcellos C, Monken M. Instrumentos para o diagnóstico sócio-sanitário no Programa de Saúde da Família. In: Fonseca AF, Corbo AD, organizadores. O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, Fiocruz; 2007. p. 225-265..
A PNAB prevê que, entre as atribuições comuns a todos os profissionais das equipes de atenção básica, deve ser mantido atualizado o cadastramento das famílias e dos indivíduos no sistema de informação indicado pelo gestor municipal. Também devem ser utilizados, de forma sistemática, os dados para a análise da situação de saúde, considerando as características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas do território. Dessa forma, objetiva-se priorizar as situações a serem acompanhadas no planejamento local1515 Ministério da Saúde (MS). Portaria/MS nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do SUS. Diário Oficial da União 2017; 22 set..
A implantação de programas de saúde que apresentam hierarquização desde o nível federal ao municipal tem permitido tanto a elaboração de projetos que promovem o desenvolvimento local quanto a utilização de conceitos e ferramentas inerentes à geografia. A proposta é planejar a territorialidade de políticas públicas, equipamentos e ações2121 Pereira MPB, Barcellos C. O território no Programa de Saúde da Família. Hygeia 2006; 2(2):47-55..
Em de 12 de novembro de 2019, a instituição do Programa Previne Brasil, por meio da Portaria nº 2.979/GM/MS2222 Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Diário Oficial da União 2019; 13 nov., estabeleceu um novo modelo de financiamento de custeio da atenção primária à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. A partir da nova proposta, o financiamento passou a ser constituído por três componentes: I) capitação ponderada; II) pagamento por desempenho; e III) incentivo para ações estratégicas.
Em 2021, a Portaria GM/MS nº 2.254, de 3 de setembro de 2021, altera o Título II da Portaria de Consolidação GM/MS nº 6, de 28 de setembro de 2017, que entre as alterações, estabeleceu mais um componente ao custeio da atenção primária à saúde - o incentivo financeiro com base em critério populacional. O incentivo é destinado aos municípios que não alcançam o número de pessoas cadastradas igual ou maior ao quantitativo potencial de cadastro2323 Ministério da Saúde (MS). Portaria GM/MS nº 2.254, de 3 de setembro de 2021. Altera o Título II da Portaria de Consolidação GM/MS nº 6, de 28 de setembro de 2017, que dispõe sobre o custeio da Atenção Primária à Saúde. Diário Oficial da União 2021; 6 set..
A discussão sobre a alteração da forma de financiamento que vinha sendo utilizada até 2019 e seu impacto na APS tem ocupado a agenda de debates de pesquisadores e gestores.
Para alguns pesquisadores, ao se adotar a capitação como critério para financiamento da APS no SUS, em substituição ao financiamento per capita, cria-se um condicionante que antes não existia para o repasse de recursos para a APS, com consequências diretas e indiretas para o sistema de saúde. Imediatamente, o financiamento da APS no país deixaria de ser universal e passaria a ser restrito à população cadastrada pelos municípios2424 Massuda A. Mudanças no financiamento da atenção primária à saúde no Sistema de Saúde Brasileiro: avanço ou retrocesso? Cien Saude Colet 2020; 25(4):1181-1188..
Metodologia
Foi realizado um estudo descritivo de abordagem quantitativa utilizando dados secundários da população cadastrada no Sistema de Informação em Saúde para Atenção Básica (SISAB)2525 Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.412, de 10 de julho de 2013. Sistema de Informação em Saúde para Atenção Básica - SISAB. Diário Oficial da União 2013; 11 jul..
As análises foram feitas comparando-se a população cadastrada no 3° quadrimestre de 2019 e no 3° quadrimestre de 2021. Os municípios foram organizados em dois grupos, de acordo com classificações utilizadas usualmente pelo IBGE:
1º grupo - tipologia municipal rural-urbano2626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação. Rio de Janeiro: IBGE; 2017.,2727 Oliveira N. Nova proposta de classificação territorial do IBGE vê o Brasil menos urbano [Internet]. Agência Brasil 2017. [acessado 2021 maio 4]. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-07/nova-proposta-de-classificacao-territorial-do-ibge-ve-o-brasil-menos-urbano
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/n... : urbano; intermediário adjacente; intermediário remoto; rural adjacente; e rural remoto;2º grupo - porte populacional: pequeno porte: até 50.000 habitantes; médio porte: entre 50.001 até 100.000 habitantes; grande porte: entre 100.001 e 900.000 habitantes; e metrópole: acima de 900.000 mil habitantes.
Para a avaliação da evolução do cadastro, cada município foi analisado de acordo com os cadastros de população informados no SISAB em relação ao parâmetro de cadastros esperados e então calculada a proporção dos cadastros. De acordo com o resultado, dentro de cada um dos dois grupos, os municípios foram classificados de acordo a proporção de cadastros, apurada da seguinte forma:
municípios com aumento
municípios com estabilidade
municípios com redução
Resultados
O estudo demonstrou que a população cadastrada no final do ano de 2019 (Q3.2019) era de 98.922.662 pessoas, e ao final de 2021 (Q3.2021) passou a ser de 154.187.618 pessoas, incremento de aproximadamente 56%.
Em todas as regiões do país ocorreu aumento da população cadastrada entre Q3.2019 e Q3.2021. Nordeste - aumento de 46% (de 32.477.849 para 47.336.231 pessoas); Sudeste -aumento de 68% (de 34.216.891 para 57.458.302 pessoas); Centro-Oeste - aumento de 54% (de 7.597.242 para 11.691.902 pessoas); Norte - aumento de 67% (de 7.648.890 para 12.760.559 pessoas); Sul - aumento de 47% (de 16.981.790 para 24.940.624 pessoas).
Na maioria dos municípios (76,1%) houve aumento no total de cadastros no período analisado (Tabela 1).
Em todas as tipologias houve um aumento na proporção de cadastros entre Q3.2019 e Q3.2021 (Figura 1). Comparando a evolução média da proporção de cadastros em cada tipologia, o impacto positivo foi maior nas tipologias intermediário remoto e rural remoto, com 63,3% e 40%, respectivamente (Figura 2).
Diferença média da evolução dos percentuais entre Q3.2021 e Q3.2019 por tipologia municipal rural-urbano.
Em relação ao porte populacional dos municípios, em todos os portes houve aumento na proporção de cadastros entre Q3.2019 e Q3.2021 (Figura 3), sendo que nos municípios de pequeno porte a proporção de cadastro nos dois períodos avaliados apresentou resultado melhor quando comparado aos demais portes. Comparando a evolução média da proporção de cadastros em cada grupo, o impacto positivo foi maior nas metrópoles, com 41,9% (Figura 4).
Com os resultados do estudo, é possível afirmar que o incentivo de capitação ponderada influenciou o aumento da população cadastrada na APS independentemente do perfil demográfico dos municípios.
Considerações finais
O estudo se limitou a analisar a evolução do cadastro após a criação do incentivo de capitação ponderada. É importante lembrar que o melhor resultado no cadastramento não significa necessariamente efetivo acesso, acompanhamento e cuidado aos usuários vinculados às equipes de saúde da família.
O acesso é um dos principais elementos que impactam a capacidade resolutiva da APS e é estreitamente vinculado ao atributo essencial do primeiro contato, podendo ser definido como a relação de proporcionalidade entre a parcela da população que necessita de um determinado cuidado de saúde e a que o consegue efetivamente2828 Rodrigues MR. A integralidade das práticas em saúde no âmbito da atenção primária: uma análise comparada entre Brasil e Portugal [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2022.,2929 Sanchez RM, Ciconelli M. Conceitos de acesso à saúde. Rev Panam Salud Publica 2012; 31(3):260-268..
Apesar de a maioria dos municípios, independentemente da tipologia rural-urbano ou do porte populacional, ter apresentado aumento no número de pessoas cadastradas, dados fornecidos nos relatórios públicos do SISAB demostram que a maioria dos municípios não atingiram as metas dos sete indicadores do pagamento por desempenho do Programa Previne Brasil no terceiro quadrimestre de 2021. Por exemplo, dos 5.337 (95,8%) municípios que não alcançaram a meta do indicador de pagamento por desempenho “Percentual de pessoas hipertensas com pressão arterial aferida em cada semestre”, 61,8% têm cadastro maior ou igual a 100%.
É inegável a importância do cadastro para o conhecimento da população adscrita no território e vinculada às equipes de saúde da APS, porém um elevado percentual de cadastro parece não ter relação direta com o alcance das metas dos indicadores de desempenho.
Portanto, torna-se necessário, para além do cadastramento, compreender nos territórios as diversas necessidades dos usuários e de suas famílias, fortalecendo os vínculos entre profissionais de saúde e comunidade, valorizando o trabalho multiprofissional das equipes de saúde.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
04 Set 2023 - Data do Fascículo
Set 2023
Histórico
- Recebido
19 Dez 2022 - Aceito
25 Jan 2023 - Publicado
27 Jan 2023