Painéis de monitoramento de dados epidemiológicos como estratégia de gestão da vigilância e da atenção à saúde

Vanessa Coelho de Aquino Benjoino Ferraz Victor Vohryzek Ferezin Margarete Knoch Betina Durovni Valéria Saraceni Veruska Lahdo Mara Lisiane de Moraes dos Santos Alessandro Diogo De-Carli Sobre os autores

Resumo

Os objetivos foram analisar o intervalo entre as datas de notificação e digitação de casos suspeitos de dengue e discorrer sobre as propriedades dos painéis de monitoramento de dados epidemiológicos. Pesquisa aplicada com análise quantitativa do tempo entre a notificação e digitação e método Cross-Industry Standard Process for Data Mining (CRISP-DM) para a construção dos painéis. Foi desenvolvido no Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de Campo Grande. Os resultados revelaram um período superior a sete dias em 93,33% dos casos. Os painéis de monitoramento analisados foram de Arboviroses, Síndromes Respiratórias, Atendimento e notificações quantitativo e qualitativo. Observou-se a integração dos dados, pois o consumo e a manipulação das informações são feitos no Power BI, com a consolidação de dois a quatro sistemas de informação de saúde. O estudo de contexto e sua relação temporal é cumprida em todos os painéis com indicadores epidemiológicos. Conclui-se a relevância da utilização de painéis epidemiológicos interativos para a tomada de decisão na gestão da vigilância e da atenção à saúde.

Palavras-chave:
Vigilância em Saúde Pública; Sistemas de Informação em Saúde; Tomada de Decisões; Análise de Dados

Introdução

Nas últimas décadas os surtos e as epidemias de síndromes respiratórias, arboviroses e outras doenças infectocontagiosas ocorreram de forma frequente, com variação sazonal e geográfica, gerando elevadas demandas aos sistemas de saúde. O controle e o manejo adequado dos agravos dependem da disponibilidade de dados que expressem adequadamente a situação epidemiológica e a dinâmica do comportamento das doenças11 Teixeira MG, Carmo EH, Saavedra RC, Costa MCN. Vigilância epidemiológica e emergências em saúde pública produzidas por agentes infecciosos. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2021. [Textos para Discussão, n. 57]..

Nesse contexto, o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) orientou que os serviços de vigilância de emergências de saúde pública fossem implementados a fim de buscar e desenvolver estratégias e métodos de trabalho capazes de detectar, processar e produzir informações relevantes a partir dos dados gerados nos vários pontos de atenção de saúde22 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Regulamento Sanitário Internacional (RSI), 2005 [Internet]. Brasília: Anvisa; 2009 [acessado 2023 jun 10]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/regulamento-sanitario-internacional/arquivos/7181json-file-1..

No Brasil, o Ministério da Saúde fomentou significativamente a vigilância em saúde com a implantação dos Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde, Rede CIEVS, em todo o território nacional. O CIEVS nacional foi o primeiro a ser criado e atualmente a rede é composta por 190 centros22 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Regulamento Sanitário Internacional (RSI), 2005 [Internet]. Brasília: Anvisa; 2009 [acessado 2023 jun 10]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/regulamento-sanitario-internacional/arquivos/7181json-file-1.,33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Emergências em Saúde Pública. Relatório de gestão 2023. Brasília: MS; 2024.. As atividades desenvolvidas pelos CIEVS como a coordenação das ações frente à emergência de saúde pública do Zika vírus em 2015, da COVID-19 em 2020 e nas intervenções nos desastres ambientais demonstram sua relevância no desempenho de ações de resposta precisa e oportuna33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Emergências em Saúde Pública. Relatório de gestão 2023. Brasília: MS; 2024..

Por conseguinte, para aprimorar o desempenho da resposta às emergências em saúde pública e orientar as ações assistenciais e gerenciais é preciso realizar a análise da situação em saúde baseada em dados epidemiológicos completos, disponibilizados em tempo real e capazes de prever os possíveis cenários. Desse modo, a inteligência epidemiológica compreende a vigilância das doenças e agravos e respectiva capacidade de acionar respostas rápidas, como também incluir avaliação de risco, estratégias de prevenção e promoção, subsistemas de informações, análise de situação de saúde na perspectiva multissetorial e geopolítica44 Rodrigues Junior AL. A inteligência epidemiológica como modelo de organização em saúde. Cien Saude Colet 2012; 17(3):797-805..

Franco Netto55 Franco Netto G, Villardi JWR, Machado JMH, Souza MS, Brito IF, Santorum JA. Vigilância em saúde brasileira: reflexões e contribuição ao debate da 1a Conferência Nacional de Vigilância em Saúde. Cien Saude Colet 2017; 22(10):3137-3148. destaca a necessidade da coleta sistemática e o uso de informação epidemiológica para o planejamento, implementação e avaliação do controle de doenças. A análise da situação epidemiológica mais sensível das doenças, prioriza os casos suspeitos, no primeiro momento em que o indivíduo entra em contato com o sistema de saúde em busca de atendimento. Assim, os serviços de vigilância precisam reconhecer que a data da notificação, bem como de início dos sintomas indicam princípios de surtos, picos epidêmicos da doença, como também informam sobre a performance do sistema de vigilância local e a qualidade dos dados.

O Sistema Nacional de Notificação de Agravos de Notificação (SINAN) contém os dados oficiais das características epidemiológicas das doenças. O tempo decorrido desde a identificação da suspeita, o preenchimento da ficha de investigação epidemiológica, a disponibilidade de informações do diagnóstico laboratorial até a digitação no sistema impossibilita uma análise oportuna e a utilização dos dados para a tomada de decisão. Existe, portanto, uma limitação para análise das informações de dados do SINAN, pois os registros nas fichas e a posterior digitação em ambiente off-line e a exportação com periodicidade semanal implica na prática em um significativo atraso para processamento e visualização da informação. Isso gera uma dificuldade para utilização destes dados para a tomada de decisão imediata frente ao aumento de atendimentos, surgimento de casos suspeitos ou com perfil clínico epidemiológico alterado.

Em relação às informações geradas pelos serviços de vigilância em saúde, é conhecido o elevado volume de dados distribuídos em uma variedade de sistemas de informações em saúde e base de dados, cuja integração é parcial e de pouca visibilidade. Há, portanto, uma dificuldade no acesso e na visualização de dados simultaneamente para análises comparativas e mais completas. Além disso, alguns são inconsistentes e redundantes66 Coelho Neto GC, Chioro A fragmentação e integração entre sistemas de informação em saúde no Sistema Único de Saúde In: Cunha FJAP, Barros SS, Pereira HBB, organizadores. Conhecimento, inovação e comunicação em serviços de saúde: governança e tecnologias. Salvador: EDUFBA; 2020.,77 Coelho Neto GC, Chioro A. Afinal, quantos Sistemas de Informação em Saúde de base nacional existem no Brasil? Cad Saude Publica 2021; 37(7):e00182119..

Portanto, outra fragilidade do ambiente de informações é a dispersão dos dados em diversas fontes que não permitem a interoperabilidade ou consumo automático dos dados por ferramentas de análise. O desafio posto foi o desenvolvimento de painéis de monitoramento que possibilitassem a visualização de dados de forma oportuna e integrada. Os painéis são ferramentas de medição de desempenho a fim de monitorar variáveis de estrutura, processo ou resultado por meio de perguntas. Consiste em um conjunto de dados eletrônicos e apresentação de resultados em formato gráfico. As propriedades de painéis consistem em integração dos bancos de dados, estudo do contexto e sua relação com o tempo (retrospectivo, tempo real ou predição), visualização proposta de acordo com o tipo de processo monitorado e usabilidade88 Wilbanks BA, Langford PA. A review of dashboards for data analytics in nursing. Comput Inform Nurs 2014; 32(11):545-549.,99 Concannon D, Herbst K, Manley E. Developing a Data Dashboard Framework for Population Health Surveillance: Widening Access to Clinical Trial Findings. JMIR Form Res 2019; 3(2):e11342.

Este artigo objetiva analisar o atraso da inserção das notificações no sistema oficial e medidas para mitigar os efeitos do atraso. Discorrer sobre as propriedades dos painéis de monitoramento para visualização das informações epidemiológicas para os vários níveis de gestão da vigilância e atenção à saúde.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa aplicada que se concentra em torno dos problemas presentes nas atividades das instituições e organizações, com o propósito na elaboração de diagnósticos, identificação de problemas e busca de soluções1010 Fleury MTL, Werlang SRC. Pesquisa aplicada: conceitos e abordagens. In: GV Pesquisa Anuário 2016-2017 [Internet]. [acessado 2023 jun 10]. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/apgvpesquisa/article/view/72796/69984.
https://periodicos.fgv.br/apgvpesquisa/a...
. O estudo foi desenvolvido no Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de Campo Grande da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O projeto foi aprovado no comitê de ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) C.A.A.E 75540023.6.0000.0021, sob o parecer 6.511.491. A primeira fase foi uma pesquisa quantitativa a partir dos dados secundários dos anos de 2022 e 2023 do SINAN Online com base nas datas de notificação e digitação utilizadas para analisar o comportamento desse intervalo. A segunda fase utilizou os dados secundários obtidos a partir de consultas dos bancos de dados do SINAN, SIVEP Gripe, Sistema de gestão de atendimentos da rede de urgência e emergência (Hygia) e Formulários de Notificação do CIEVS. A análise desenvolvida foi subsidiada em estudos epidemiológicos e de tecnologia da informação.

A metodologia utilizada para a construção dos painéis de monitoramento foi a CRISP-DM, que representa um arcabouço estruturado e abrangente para a análise de dados1111 Chapman P, Clinton J, Kerber R, Khabaza T, Reinartz T, Shearer C, Wirth R. CRISP-DM 1.0: Step-by-step data mining guide. Vol. 9. SPSS Inc; 2000.. O processo de construção de painéis epidemiológicos interativos utilizando o Microsoft Power BI, baseado nesta metodologia, compreende seis fases distintas e inter-relacionadas.

A primeira é o entendimento do negócio (Business Understanding), no qual buscou-se compreender os objetivos do painel, identificar as questões críticas e indicadores a serem abordados e definir as necessidades de análise em questão. Uma das principais atividades nessa etapa foi determinar os objetivos do negócio relacionados ao projeto de mineração de dados. Isso significa identificar os principais problemas ou desafios que a organização enfrenta e que podem ser abordados com análise de dados. É importante traduzir esses problemas em objetivos claros e mensuráveis para o projeto.

Além disso, foi crucial entender a situação atual do negócio. Isso envolve investigar os processos existentes, os recursos disponíveis e quaisquer restrições que possam impactar o projeto de mineração de dados. Compreender o contexto em que os dados estão sendo gerados e utilizados é essencial para garantir a relevância e a eficácia das soluções propostas.

Nos painéis de monitoramento do CIEVS considerou-se o cenário de monitoramento de um agravo e as características do agravo a ser analisado. Os indicadores e as fórmulas de cálculo estão estabelecidos pelos níveis de governo e acessados nos guias de vigilância ou manuais ministeriais. Busca-se identificar as informações usualmente consultadas e requeridas pela alta gestão, assessoria de imprensa, profissionais de saúde e pesquisadores.

A etapa seguinte foi o entendimento dos dados (Data Understanding). Inclui a identificação das fontes de dados, avaliação da qualidade, entendimento das variáveis relevantes e análise exploratória. Nos painéis de monitoramento do CIEVS identificou-se as bases de dados necessárias para a análise junto à área técnica responsável pelo agravo. Em seguida, pesquisa os dados com o auxílio dos dicionários de dados do Ministério da Saúde para a identificação das variáveis para a construção do painel.

A terceira etapa foi a preparação dos dados (Data Preparation), com a finalidade de alimentar o painel. Isso envolveu a limpeza de dados, tratamento de valores ausentes, normalização e transformação conforme necessário. Nos painéis de monitoramento do CIEVS essa etapa foi, majoritariamente, executada no Extract, Transform, Load (ETL) do Power BI, o Power Query. Os arquivos foram extraídos manualmente através de módulos de exportação de bases de dados para os sistemas ministeriais e armazenados em um local pré-determinado com uma nomenclatura padrão em pastas locais, para facilitar o processo de atualização incremental, e consumidos via Power Query ou pela ferramenta de obtenção de dados da web do Power BI quando estão armazenados em documentos Google, como os dados dos formulários de notificação. Nesse momento pode-se agrupar bancos de dados anuais, retirar variáveis não utilizadas de acordo com a etapa de entendimento de dados, criar novas variáveis, tais como idade e faixa etária a partir da data de nascimento utilizando linguagem M, corrigir o tipo das variáveis, criar bancos auxiliares como tabelas de dados consolidados e tabelas dimensão, de acordo com a etapa de entendimento de negócio.

A etapa seguinte denominada modelagem (Modeling) concentrou-se na criação de modelos de dados eficazes para suportar os painéis e criação de layout e elementos gráficos, a fim de fornecer as informações de maneira organizada e compreensível visualmente. Nos painéis de monitoramento do CIEVS têm-se os processos de criação de medidas dentro do Power BI tais como taxas de incidência e mortalidade utilizando linguagem DAX, criação do layout para orientação da posição dos visuais no Figma e criação dos gráficos e tabelas de acordo com a etapa de entendimento de negócio.

A avaliação (Evaluation) foi a quinta fase e envolveu a avaliação dos painéis em termos de eficácia na comunicação de informações. Os usuários finais participaram de testes práticos para fornecer feedback valioso. Este processo interativo visou garantir que os painéis atendam às necessidades identificadas na fase de entendimento do negócio e identificar possíveis erros e divergências de informações. Nos painéis de monitoramento do CIEVS a validação foi feita com a área técnica responsável pelo agravo, a qual forneceu as regras de negócio para o painel e com a equipe CIEVS. O painel foi apreciado em relação aos dados apresentados e à disposição das informações. Caso encontrem-se não conformidades, os processos de preparação de dados e modelagem são revistos e se necessário corrigidos.

A etapa final é a implantação (Deployment) e tornando-os acessíveis aos usuários finais. Planos de manutenção contínua e atualizações regulares foram estabelecidos para garantir a relevância contínua dos dados e insights apresentados. Nos painéis de monitoramento do CIEVS, essa etapa incluiu a publicação e divulgação do endereço do painel ficando disponível a toda população, profissionais de saúde e gestão pública, garantindo acesso oportuno e transparência de dados.

Resultados

A análise do Banco de Dados de dengue do SINAN contém as datas de notificação e de digitação no sistema, de forma que a diferença entre as variáveis, informa o intervalo de tempo entre as duas, conforme apresentado no Gráfico 1. Para o estudo do período decorrido entre as datas de notificação e digitação foram analisadas 17.544 fichas de 2022 e 15.789 fichas de 2023, totalizando 33.333 fichas.

Gráfico 1
Diferença entre a data de notificação e a data da digitação de fichas de notificação de dengue em dias no município de Campo Grande-MS, nos anos 2022 e 2023.

Verifica-se, pelo Gráfico 1 e pelos dados selecionados do SINAN, que a média, mediana, 1º e 3º quartis do tempo para a digitação foram respectivamente 31, 25, 13 e 28 dias em 2022 e 26, 23, 14 e 34 dias em 2023. Isso demonstra a falta de dados oportunos a serem disponibilizados para a gestão tomar decisões.

A fim de obter as informações das notificações em tempo real o CIEVS fez a implantação dos links no formulário para o registro de doenças, agravos e eventos de notificação compulsória. A finalidade foi promover a notificação em tempo oportuno pelos serviços de saúde. Esse processo é realizado via formulários Google, que possibilitam consulta imediata a todas as notificações realizadas no município de Campo Grande ao CIEVS e às áreas técnicas relacionadas aos agravos desde março de 2022. Os formulários são preenchidos por todas as 10 unidades de pronto atendimento da capital, além dos 16 hospitais entre públicos e particulares, recebendo, em média, 236 notificações por mês apenas de agravos de notificação compulsória imediata ou de interesse de saúde local. Dessa forma, suplantou-se o atraso anteriormente citado na disponibilização de informações, potencializando-se a tomada de decisões de forma mais ágil, em consonância com a gravidade/emergência dos agravos.

Os painéis apresentados operam com as bases nacionais do SINAN, Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), e Sistema do Programa Nacional de Controle da Dengue (SisPNCD) além de dois sistemas municipais (Hygia e Planilha Geral de Ovos) e duas bases de dados desenvolvidos no próprio serviço (notificação qualitativa e quantitativa). Os painéis de monitoramento evidenciam a integração e visualização dos dados.

O Painel de arboviroses apresenta de forma retrospectiva as características do agravo por faixa etária, sexo, local de residência e atendimento, inclusive um mapa interativo. O painel apresenta os indicadores epidemiológicos, como as taxas de incidência e letalidade, que permitem as comparações entre os anos e com outras realidades locais, sejam no nível de bairros, distritos ou de outros municípios. Além dessa comparação temporal, uma das principais funcionalidades presentes no painel é o diagrama de controle, que indica se a quantidade de casos notificados no presente ano está ou não dentro da normalidade de acordo o limiar epidêmico, conforme o método adotado pelo Ministério da Saúde. O painel é alimentado com bases dos anos de 2008 até 2023 do SINAN Online, contando com 274.835 notificações, dentre essas 156.067 são de casos positivos e 80 óbitos. Isso demonstra taxas de letalidade, mortalidade e incidência médias de 0,03%, 8,49/100.000 hab. e 29.178/100.000 hab. respectivamente. A distribuição etária apresenta o mesmo comportamento da distribuição populacional como um todo, com faixas mais robustas dos 10 aos 49 anos de idade. A distribuição por sexo apresenta uma maioria de casos em pessoas do sexo feminino com 55,8% dos casos, de acordo com a Figura 1. O painel também traz o georreferenciamento dos casos notificados por bairro e distrito sanitário do município, onde vê-se a maior incidência de casos nos distritos Anhanduizinho, Imbirussu e Segredo, que coincidem com as maiores populações de Campo Grande. Além de dados epidemiológicos, o painel traz informações assistenciais de atendimentos por dengue das unidades básicas e unidades de urgência e emergência do município. A consolidação de todas essas informações em um único local permite análise e tomada de decisão oportuna por parte dos gestores. O painel é utilizado em todas as reuniões da sala de situação de arboviroses que acontece semanalmente no município.

Figura 1
Painel de Arboviroses do CIEVS, Campo Grande-MS, 2023.

O Painel de síndromes respiratórias apresenta de forma retrospectiva as características do agravo por faixa etária, sexo, agente etiológico, evolução e unidade notificadora. Também separa os dados de Síndrome Gripal (SG) e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e compara os dois últimos anos desses agravos. Está alimentado com bases dos anos de 2020 a 2024 dos sistemas SIVEP-Gripe e e-SUS Notifica. Apresenta 29.980 notificações de SRAG e 381.720 notificações de SG. Nas páginas comparativas pode-se observar o comportamento mais brando de ambos os agravos em 2023 em relação a 2022, incluindo a mudança no panorama de agentes etiológicos da SRAG. Em 2022 o município registrou 6.869 casos de SRAG e em 2023 foram 3.133. O perfil etário também se alterou, havendo maior incidência relativa em idosos no ano de 2022 (36,48%) que em 2023 (22,06%). Considerando o agente etiológico, a covid-19 representou menos casos em 2023 (10,44%) do que em 2022 (28,74%), já o rinovírus apresentou aumento com uma fatia de 6,57% em 2022 e 11,49% em 2023, assim como o vírus sincicial respiratório que conta com 4,09% dos casos de 2022 e 13,53% dos casos de 2023. Os dados referentes às síndromes respiratórias estão apresentados na Figura 2.

Figura 2
Painel de síndromes respiratórias.

O painel de acompanhamento das notificações qualitativa e quantitativa (Figura 3) apresenta os dados dos preenchimentos dos links de notificação de maneira consolidada. Trazendo informações sobre as unidades notificantes, turno de notificação, agravo notificado, série histórica e bairro de residência do caso notificado. Os dados fornecidos por esse painel permitem compreender mais assertivamente a situação de saúde no momento atual, pois suas informações são, dentro das analisadas até o presente momento, a que apresenta menor intervalo entre notificação e disponibilidade no painel.

Figura 3
Painel de acompanhamento das notificações qualitativa e quantitativa do CIEVS, Campo Grande-MS, 2023.

O Painel de atendimentos fornece informações assistenciais de maneira oportuna, quantificando os atendimentos por semana epidemiológica, unidade de ocorrência, turno, procedimento e agravo (utilizando o CID-10 do atendimento para criar esta distinção). Com os dados assistenciais das unidades de pronto atendimento tem-se disponível as informações do que ocorre nas portas de entrada do sistema municipal de saúde mais rapidamente, o que possibilita identificar mudanças de padrão epidemiológico antes das notificações serem registradas. O painel é alimentado com bases dos anos de 2022 e 2023 do sistema Hygia, que é um sistema de prontuário utilizado pelas unidades de urgência do município de Campo Grande. O painel apresenta 4,57 milhões de atendimentos entre os anos de 2022 e 2023, com predominância do sexo feminino (63,72%). Os atendimentos estão distribuídos por unidade notificadora e demonstram que as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) Leblon, UPA Coronel Antonino e UPA Universitário são as unidades com os maiores números de atendimentos realizados com 653003, 604757 e 521546 atendimentos cada, respectivamente. Quanto aos agravos os atendimentos têm maior recorrência para Exames e investigação, Síndromes respiratórias e Doenças do aparelho osteomuscular com 804.510, 414.890 e 104.070 atendimentos cada, respectivamente. A distribuição dos atendimentos ao longo do ano é uniforme mesmo com as sazonalidades que a região apresenta, conforme a Figura 4.

Figura 4
Painel de atendimentos.

Discussão

Os resultados apontam que nos anos 2022 e 2023, as digitações de notificações de casos de dengue ocorreram em datas posteriores a sete dias em 91,57 % em 2022 e 95,29% em 2023. O prazo de sete dias foi considerado o parâmetro, pois segundo a portaria de doenças, agravos e eventos (DAE) de notificação compulsória do Ministério da Saúde, a dengue é de notificação semanal1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 3.148, de 6 de fevereiro de 2024. Altera o Anexo 1 do Anexo V à Portaria de Consolidação GM/MS nº 4, de 2017, para incluir a infecção pelo vírus Linfotrópico de Células T Humanas -HTLV, da Infecção pelo HTLV em gestante, parturiente ou puérpera e da criança exposta ao risco de transmissão vertical do HTLV na lista nacional de notificação compulsória de doenças, agravos e eventos de Saúde Pública, nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. Diário Oficial da União 2024; 15 fev.. No entanto, sabe-se que o aumento da demanda de pessoas com suspeita de dengue mesmo em um menor período, pode acarretar sobrecarga de trabalho e queda na qualidade assistencial. Ressalta-se que, frequentemente, outras medidas de mitigação precisam ser implementadas.

A adoção da tecnologia de comunicação de casos suspeitos de DAE via Google Forms demonstrou sua importância, uma vez que é possível aos profissionais de saúde fazerem a notificação imediatamente após o atendimento. A equipe da CIEVS acessa a planilha em tempo real, a fim de monitorar e comunicar os casos. Essa ferramenta foi fundamental para a vigilância oportuna e resposta adequada.

Buscando atender às propriedades que painéis devem apresentar, a propriedade de integração dos bancos de dados é encontrada em todos os painéis apresentados, pois o consumo e manipulação das informações é feita pela plataforma de ETL do Power BI, sendo que em cada painel consolida-se dois a quatro sistemas de informação de saúde e outros bancos de dados. Em relação ao estudo do contexto e sua relação temporal, esta propriedade é cumprida em todos os painéis, pois sua construção parte da primeira etapa da metodologia CRISP-DM, a qual objetiva compreender quais informações devem constar no painel incluindo dados retrospectivos e os principais indicadores epidemiológicos. Considerando a visualização de dados e da usabilidade, os gráficos e elementos visuais utilizados permitem uma compreensão mais fácil dos dados consolidados com o uso de padrões de cores, gráficos conhecidos e frequentemente utilizados pelos usuários, guia de utilização e mapas.

Os dados aqui apresentados demonstram a relevância da construção e utilização de painéis epidemiológicos interativos para a otimização da gestão da vigilância e da atenção à saúde, destacando-se como uma ferramenta essencial na exploração de informações em diversos setores. Os painéis têm relevância na análise de dados, dada a capacidade de fornecer uma abordagem sistemática e iterativa, adaptada para lidar com a complexidade e heterogeneidade dos dados epidemiológicos. Ao guiar os profissionais de saúde através de fases distintas, desde o entendimento do contexto até a implementação prática de soluções, o CRISP-DM oferece um roteiro preciso para o desenvolvimento de análises robustas e interpretáveis. Essa metodologia não apenas contribui para a estruturação adequada dos dados, garantindo qualidade e confiabilidade, mas também facilita a identificação de padrões, tendências e insights cruciais para a tomada de decisões informadas em saúde pública, sem esquecer da importância da qualidade dos dados88 Wilbanks BA, Langford PA. A review of dashboards for data analytics in nursing. Comput Inform Nurs 2014; 32(11):545-549..

A análise do Quadrante Mágico da Gartner desempenhou um papel crítico na escolha da plataforma a ser utilizada, fornecendo uma avaliação objetiva das capacidades e posicionamento do Power BI em relação a outros fornecedores de soluções de BI. Essa análise orientou a decisão metodológica, garantindo que a plataforma escolhida oferecesse não apenas funcionalidades de ponta em análise de dados e visualização, mas também uma base sólida de suporte e desenvolvimento contínuo.

A natureza multidimensional dos painéis de monitoramento desempenha um papel crucial na construção da transparência dos dados de saúde. Essa transparência não é apenas um indicador de qualidade no atendimento, mas também é essencial para o estabelecimento de confiança e colaboração entre os profissionais de saúde, gestores, mídia, conselhos locais e, principalmente, a população. A visibilidade abrangente dos dados cria uma base sólida para uma participação mais ativa da comunidade na promoção da saúde, resultando em uma abordagem mais coletiva e envolvente.

Os painéis de monitoramento são ferramentas estratégicas que fornecem uma visão integral e detalhada das condições de saúde da comunidade, esses painéis direcionam os profissionais de saúde a fornecer cuidados mais localizados, centrados no território e preventivos. A capacidade de antecipar necessidades e identificar tendências emergentes reforça a APS como a base sólida para o sistema de saúde.

A implementação de painéis de monitoramento de agravos tem um impacto direto no modo como as ações de saúde são planejadas e executadas. Ao adotar uma abordagem data-driven, os gestores de saúde podem responder rapidamente a surtos de doenças, ajustar estratégias de prevenção e alocação de recursos com base em dados em tempo real. Isso não apenas aumenta a eficiência operacional, mas também permite uma resposta mais eficaz a eventos epidemiológicos, contribuindo para a contenção rápida de ameaças à saúde pública.

O próximo passo na evolução dos painéis de monitoramento é a integração com prontuários eletrônicos, substituindo os métodos tradicionais de notificação e vigilância. Esta mudança representa não apenas uma modernização tecnológica, mas uma transformação na maneira como entendemos e respondemos à saúde da comunidade. De acordo com Bastos et al.1313 Bastos LS, Economou T, Gomes MFC, Villela DAM, Coelho FC, Cruz OG, Stoner O, Bailey T, Codeço CT. A modelling approach for correcting reporting delays in disease surveillance data. Statistics Med 2019; 38(22):4363-4377. a capacidade de realizar nowcast e forecast proporciona uma visão mais preditiva e proativa, permitindo uma alocação mais eficiente de recursos, intervenções personalizadas e uma gestão mais resiliente diante de desafios emergentes.

O estudo de Campo Grande-MS revela desafios na vigilância em saúde, como o atraso na notificação de casos, a dispersão dos dados em diferentes fontes e a necessidade de garantir a qualidade das informações. O atraso na digitação no sistema SINAN dificulta a análise e tomada de decisões em tempo real, mas soluções como integração com prontuários eletrônicos e formulários Google podem reduzir esse problema. A dispersão dos dados dificulta o acesso e a comparação, mas a construção de painéis epidemiológicos interativos e a integração das diferentes fontes de dados podem ajudar a solucionar essa questão. A qualidade dos dados é fundamental para a confiabilidade dos resultados, mas o estudo não apresenta medidas específicas para garantir sua qualidade. É importante considerar que os resultados do estudo são específicos para Campo Grande-MS e podem não ser generalizáveis para outras realidades, sendo necessário levar em conta as características socioeconômicas, culturais e epidemiológicas de cada região.

O estudo trouxe algumas perspectivas como: investigar o uso de inteligência artificial e machine learning para análise de dados epidemiológicos; avaliar o impacto dos painéis de monitoramento na tomada de decisões e na saúde da população e explorar o uso de painéis de monitoramento para outras áreas da saúde pública, como gestão de recursos humanos e financeiros.

Ao abordar essas perspectivas, pesquisas futuras podem fortalecer a vigilância em saúde e contribuir para a tomada de decisões mais eficazes e eficientes, com o objetivo final de melhorar a saúde da população.

Considerações finais

O intervalo entre a notificação e digitação das fichas, conforme apresentado pelos dados de dengue, demonstram a necessidade de se obter informações relacionadas a agravos de interesse de saúde pública de maneira mais célere conforme é feito pelo CIEVS-CG.

A transição da análise de dados de saúde de uma perspectiva retrospectiva para um cenário mais atualizado e proativo representa um marco significativo na evolução da gestão e assistência à saúde. Ao adotar painéis de monitoramento de agravos, movemo-nos além do método cartorial tradicional, entrando em uma era de inteligência que não apenas informa, mas transforma os processos de tomada de decisão e ações estratégicas. Isto não implica somente melhor gestão em saúde, mas também promove o cuidado oportuno, integral e equânime à comunidade e aos territórios.

Os dados aqui apresentados demonstram a relevância da construção e utilização de painéis epidemiológicos interativos para a otimização da gestão da vigilância e da atenção à saúde. Por meio da análise dos painéis de arboviroses, atendimentos e síndromes respiratórias, foi possível identificar e compreender os principais desafios e oportunidades para o controle da dengue, a otimização da gestão dos serviços de saúde e a tomada de decisões estratégicas baseadas em dados.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos às equipes da Coordenadoria de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde de Campo Grande-MS (CIEVS-CG) e do Projeto Territórios Integrados de Atenção à Saúde (TEIAS) da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande-MS.

Referências

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    Teixeira MG, Carmo EH, Saavedra RC, Costa MCN. Vigilância epidemiológica e emergências em saúde pública produzidas por agentes infecciosos. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2021. [Textos para Discussão, n. 57].
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    Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Regulamento Sanitário Internacional (RSI), 2005 [Internet]. Brasília: Anvisa; 2009 [acessado 2023 jun 10]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/regulamento-sanitario-internacional/arquivos/7181json-file-1.
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    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Emergências em Saúde Pública. Relatório de gestão 2023. Brasília: MS; 2024.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2024
  • Data do Fascículo
    Nov 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2024
  • Aceito
    06 Maio 2024
  • Publicado
    08 Maio 2024
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