Resumo
O estudo avaliou o perfil nutricional e metabólico da população adulta do Território Indígena do Xingu, de acordo com o sexo e o polo-base. Foi desenvolvido em 18 aldeias no período entre 2017 e 2019. A antropometria, os exames clínicos e físicos foram realizados in loco nos indivíduos maiores de 18 anos. Foram avaliados 1.598 indígenas, com média de 36,7 anos. Desses, 50,6% eram homens, 53,2% residiam no Polo Leonardo, 22,7% no Diauarum, 12,3% no Pavuru e 11,8% no Wawi. As mulheres apresentaram maior prevalência (p < 0,05) do que os homens, respectivamente, de baixo peso (2,0% vs 0,1%), eutrofia (46,1% vs 37,4%), obesidade central (63,4% vs 21,8%), baixo HDL colesterol (77,7% vs 72,9%) e síndrome metabólica (29,0% vs 23,5%). Em contrapartida, os homens apresentaram maior prevalência (p < 0,05) do que as mulheres, respectivamente, de sobrepeso (46,3% vs 37,5%), triglicerídeos elevados (34,5% vs 28,2%) e níveis pressóricos elevados (13,2% vs 8,6%). Os polos-base Leonardo e Wawi apresentaram os piores resultados nutricionais e cardiometabólicos. No geral, os indivíduos avaliados apresentaram elevada frequência de doenças não transmissíveis e risco cardiometabólico. Medidas urgentes precisam ser tomadas para controlar essa situação.
Palavras-chave:
População indígena; Saúde de populações indígenas; Doenças não transmissíveis; Síndrome metabólica; Avaliação nutricional
Introdução
Dados divulgados pelos pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS)11 World Health Organization (WHO). Fact sheets - noncommunicable diseases [Internet]. 2022. [cited 2023 maio 19]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases
https://www.who.int/news-room/fact-sheet... em 2022 mostram que as doenças não transmissíveis (DNT) foram responsáveis por 74,0% das mortes no mundo. Apesar de seu caráter não transmissível22 Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Descritores em Ciências da Saúde - DECS/MESH. Doenças não transmissíveis [Internet]. 2023. [acessado 2023 maio 19]. Disponível em: https://tinyurl.com/dey442j9
https://tinyurl.com/dey442j9... , temos assistido a uma verdadeira epidemia de DNT nas últimas décadas, com destaque para doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias crônicas e diabetes33 Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645.
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Entre indígenas de 23 países, incluindo o Brasil, as condições sociais e de saúde foram piores, quando comparadas com as condições da população não indígena88 Tynan M, Madden R, Bang A, Coimbra CE Jr, Pesantes MA, Amigo H, Andronov S, Armien B, Obando DA, Axelsson P, Bhatti ZS, Bhutta ZA, Bjerregaard P, Bjertness MB, Briceno-Leon R, Broderstad AR, Bustos P, Chongsuvivatwong V, Chu J, Deji, Gouda J, Harikumar R, Htay TT, Htet AS, Izugbara C, Kamaka M, King M, Kodavanti MR, Lara M, Laxmaiah A, Lema C, Taborda AM, Liabsuetrakul T, Lobanov A, Melhus M, Meshram I, Miranda JJ, Mu TT, Nagalla B, Nimmathota A, Popov AI, Poveda AM, Ram F, Reich H, Santos RV, Sein AA, Shekhar C, Sherpa LY, Skold P, Tano S, Tanywe A, Ugwu C, Ugwu F, Vapattanawong P, Wan X, Welch JR, Yang G, Yang Z, Yap L. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet-Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388(10040):131-157.. O aumento das DNT tem se destacado no perfil epidemiológico em várias comunidades indígenas do mundo e instigado pesquisadores na análise de fatores de risco cardiometabólicos e nas mudanças em seu estilo de vida, embora persistam altas prevalências de doenças carenciais e infecciosas88 Tynan M, Madden R, Bang A, Coimbra CE Jr, Pesantes MA, Amigo H, Andronov S, Armien B, Obando DA, Axelsson P, Bhatti ZS, Bhutta ZA, Bjerregaard P, Bjertness MB, Briceno-Leon R, Broderstad AR, Bustos P, Chongsuvivatwong V, Chu J, Deji, Gouda J, Harikumar R, Htay TT, Htet AS, Izugbara C, Kamaka M, King M, Kodavanti MR, Lara M, Laxmaiah A, Lema C, Taborda AM, Liabsuetrakul T, Lobanov A, Melhus M, Meshram I, Miranda JJ, Mu TT, Nagalla B, Nimmathota A, Popov AI, Poveda AM, Ram F, Reich H, Santos RV, Sein AA, Shekhar C, Sherpa LY, Skold P, Tano S, Tanywe A, Ugwu C, Ugwu F, Vapattanawong P, Wan X, Welch JR, Yang G, Yang Z, Yap L. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet-Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388(10040):131-157.
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A relação entre as sociedades indígenas e a sociedade nacional, considerando diferentes cenários e momentos históricos, moldou comportamentos e determinou mudanças no modo de viver e de se alimentar dos povos indígenas, principalmente pela exploração e expropriação de seus territórios pelas frentes de expansão agropecuária, madeireira e da mineração1919 Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, Chor D, Menezes PR. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377(9781):1949-1961.
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Os impactos dessas mudanças ambientais e comportamentais podem ser identificados por meio do surgimento das DNT nos indígenas brasileiros. Os estudos realizados no país nas últimas décadas mostram crescimento rápido e progressivo das prevalências de obesidade, dislipidemias, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e síndrome metabólica (SM), revelando alto risco para as doenças cardiovasculares (DCV) e diabetes mellitus (DM) em ambos os sexos99 Boaretto JD, Molena-Fernandes CA, Pimentel GGA. Estado nutricional de indígenas Kaingang e Guarani no estado do Paraná, Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(8):2323-2328.,1313 Santos KM, Tsutsui MLS, Galvão PPO, Mazzucchetti L, Rodrigues D, Gimeno SGA. Grau de atividade física e síndrome metabólica: um estudo transversal com indígenas Kisêdjê do Parque Indígena do Xingu, Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(12):2327-2338.,1616 Welch JR, Ferreira AA, Tavares FG, Lucena JRM, Gomes de Oliveira MV, Santos RV, Coimbra Jr CEA. The Xavante Longitudinal Health Study in Brazil: objectives, design, and key results. Am J Hum Biol 2020; 32(2):e23339.,2323 Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EN, Lima EE de S, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saude Publica 2007; 23(8):1946-1954.
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24 Gimeno SG, Rodrigues D, Canó EN, Lima EE, Schaper M, Pagliaro H, Lafer MM, Baruzzi RG. Cardiovascular risk factors among Brazilian Karib indigenous peoples: Upper Xingu, Central Brazil, 2000-3. J Epidemiol Community Health 2009; 63(4):299-304.-2525 Mazzucchetti L, Galvão PPO, Tsutsui MLS, Santos KM, Rodrigues DA, Mendonça SB, Gimeno SG. Incidence of metabolic syndrome and related diseases in the Khisêdjê indigenous people of the Xingu, Central Brazil, from 1999-2000 to 2010-2011. Cad Saude Publica 2014; 30(11):2357-2367.,3232 Salvo VLMA, Rodrigues D, Baruzzi RG, Pagliaro H, Gimeno SGA. Perfil metabólico e antropométrico dos Suyá: Parque Indígena do Xingu, Brasil Central. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(3):458-468.
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Outros fatores têm contribuído para as mudanças no modo de viver e comer dos povos indígenas, entre eles a monetarização e a diversificação de sua economia e o surgimento de novos papeis sociais. Welch et al. documentaram a existência de associações estatisticamente significantes entre renda familiar, condições de saúde e medidas antropométricas indicativas da presença de obesidade em adultos de ambos os sexos do povo Xavante1616 Welch JR, Ferreira AA, Tavares FG, Lucena JRM, Gomes de Oliveira MV, Santos RV, Coimbra Jr CEA. The Xavante Longitudinal Health Study in Brazil: objectives, design, and key results. Am J Hum Biol 2020; 32(2):e23339.,2222 Welch JR, Coimbra CEA Jr. A'uw? (Xavante) views of food security in a context of monetarization of an indigenous economy in Central Brazil. PLoS One 2022; 17(2):e0264525..
Os programas governamentais de transferência de renda e distribuição de cestas básicas, em geral de composição inadequada para as dietas locais, também estimulam o consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados, em detrimento do consumo de alimentos tradicionais, contribuindo para o surgimento das DNT entre os povos indígenas2121 Welch JR, Ferreira AA, Souza MC, Coimbra CEA Jr. Food profiles of Indigenous households in Brazil: results of the First National Survey of Indigenous Peoples' Health and Nutrition. Ecol Food Nutr 2021; 60(1):4-24.
22 Welch JR, Coimbra CEA Jr. A'uw? (Xavante) views of food security in a context of monetarization of an indigenous economy in Central Brazil. PLoS One 2022; 17(2):e0264525.
23 Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EN, Lima EE de S, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saude Publica 2007; 23(8):1946-1954.
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Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs a seus membros, incluindo o Brasil, o estabelecimento de “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS”. O objetivo Saúde e Bem-Estar apresenta como uma das metas, “Até 2030, reduzir em um terço a mortalidade prematura por DNT via prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar”3535 Organização das Nações Unidas (ONU). Sobre o nosso trabalho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil [Internet]. 2022. [acessado 2023 maio 19]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs... . Em 2021, um novo “Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil, 2021-2030 (Plano de Dant)”, foi elaborado em conformidade com os ODS mundiais e nacionais e está em vigor3636 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas e agravos não transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: MS; 2021.. Ainda nesse contexto, em 2018, o Ministério da Saúde (MS) definiu que tanto as DNT como os estudos sobre a saúde das populações indígenas fossem prioridades da agenda nacional de pesquisa em saúde3737 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agenda de prioridades de pesquisa do Ministério da Saúde [Internet]. 2018. [acessado 2023 maio 19]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/agenda_prioridades_pesquisa_ms.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco... .
Considerando que as DNT englobam as principais causas de morte no mundo, que diminuem a qualidade de vida e podem levar a mortes prematuras, que impactam negativamente aspectos socioeconômicos das famílias e comunidades, que são relevantes frente aos ODS pactuados pelo país e com os programas de combate a estes agravos vigentes, bem como a prioridade na agenda nacional de pesquisa sobre esse tema e sobre a saúde das populações indígenas, entende-se como oportuna a realização deste trabalho, cujo objetivo foi avaliar o perfil nutricional e metabólico da população adulta do TIX, de acordo com o sexo e o polo-base.
Salienta-se o ineditismo desta pesquisa no que se refere à quantidade e à diversidade étnica de indígenas avaliados no TIX, além da análise por polo-base, que são subdivisões territoriais pertencentes aos Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI). Essa estratificação foi selecionada para análise porque cada polo-base apresenta particularidades importantes, principalmente as diferenças relacionadas ao acesso ao território e a serviços de saúde; ao histórico de contato de cada etnia por região; e à diversidade cultural expressa nesses espaços que compõem o TIX. A análise por sexo, por sua vez, decorreu pelas questões biológicas. Espera-se que os resultados possam subsidiar políticas que visam a redução das DNT no país, em especial para os povos indígenas.
Métodos
Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, que utilizou dados primários coletados diretamente com a população adulta e idosa do Território Indígena do Xingu, Mato Grosso (MT), Brasil (11°14’41.4”S 53°12’26.3”W). Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), esse espaço tem um total 2,8 milhões de hectares demarcados e homologados2020 Atix, ISA, RCA. Protocolo de consulta dos povos do Território Indígena do Xingu. Canarana: Editora Atix, ISA, RCA; 2019..
O TIX compreende hoje quatro terras indígenas (TI), sendo elas a TI Parque Indígena do Xingu, TI Wawi, TI Batovi e TI Pequizal do Naruvotu2020 Atix, ISA, RCA. Protocolo de consulta dos povos do Território Indígena do Xingu. Canarana: Editora Atix, ISA, RCA; 2019.. Em 2017, o TIX abrigava 93 aldeias e 16 etnias, somando um total de 6.616 indivíduos; desses, 3.025 com idade igual ou maior a 18 anos3838 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Censo populacional 2017. Canarana: MS; 2017..
Esse território está dividido em quatro regiões: Alto, Médio, Baixo e Leste Xingu. Cada uma conta com um polo-base, que são “subdivisões territoriais do DSEI, sendo base para as equipes multiprofissionais de saúde indígena organizarem técnica e administrativamente a atenção à saúde da população indígena adscrita”3939 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.317, de 3 de agosto de 2017. Adequa o registro das informações relativas a estabelecimentos que realizam ações de Atenção à Saúde para populações indígenas no CNES. Diário Oficial da União 2017; 4 ago. (art. 2º, III). Os polos-base do TIX são: Diauarum (Baixo Xingu), Leonardo (Alto Xingu), Pavuru (Médio Xingu) e Wawi (Leste Xingu). Cada etnia apresenta particularidades relacionadas à história de contato com a sociedade envolvente, interações com outros povos indígenas, acesso aos municípios do entorno, bem como regras e conhecimentos tradicionais, tecnologias agrícolas, língua materna, entre outras especificidades4040 Baruzzi RG, Junqueira C. Parque Indígena do Xingu: saúde, cultura e história. São Paulo: Terra Virgem; 2005..
No decorrer de quatro viagens anuais, este trabalho foi desenvolvido em 18 aldeias e contemplou todas as etnias presentes no período entre 2017 e 2019. As aldeias foram selecionadas com base no maior número de moradores e diversidade étnica, ou seja, não houve um processo de amostragem probabilística ou busca por amostra com tamanho representativo do TIX. Evidencia-se, entretanto, que se almejava continuar com as avaliações in loco em outras aldeias, mas a pandemia de COVID-19 inviabilizou esse processo.
Foram avaliados adultos maiores de 18 anos de ambos os sexos que estiveram presentes nas aldeias no momento das avaliações e aceitaram participar da pesquisa. Os critérios de exclusão foram: estar gestante; não se submeter à medida de peso ou altura; e não ter disponível ao menos 80,0% dos exames clínicos. Foram coletados dados de 1.612 indígenas, mas considerando os critérios de elegibilidade expostos, foram incluídos 1.598, o que representa uma amostra de 52,8% em relação ao total disponível para da faixa etária (n = 3.025). A Figura 1 apresenta as aldeias avaliadas no TIX.
O projeto base para a realização deste estudo foi desenvolvido com dois componentes: um com enfoque epidemiológico, outro de caráter etnográfico, a partir de técnicas de observação participante, entrevista individual e coletiva, visitas domiciliares, rodas de conversa e oficinas de culinária em conjunto com a sistematização de experiências dos pesquisadores. Para este manuscrito, foram utilizados apenas os dados epidemiológicos.
O exame físico, incluindo antropometria e exames clínicos, foram feitos nas próprias aldeias, por profissionais devidamente capacitados para tais funções. A equipe da pesquisa foi composta por médicos, enfermeiros, nutricionistas, odontólogos, estudantes de medicina e enfermagem, agentes indígenas de saúde e saneamento, técnicos de enfermagem, professores indígenas e educadores.
As informações sociodemográficas de nome, sexo e idade dos indígenas foram obtidas por meio do censo demográfico fornecido pelo DSEI Xingu. As medidas antropométricas (peso e altura) foram feitas em duplicata e seguiram os procedimentos recomendados pela OMS4141 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry, report of a WHO Expert Committee. Geneva: WHO; 1995.. Para a medida do peso corporal (kg) foi utilizada uma balança portátil eletrônica da marca KRATOS-CAS, com capacidade máxima para 150 kg e escala de 50 g. Durante a avaliação, todos os indivíduos estavam com roupas leves e sem calçados. Para a medida da altura, utilizou-se um estadiômetro portátil, com plataforma, da marca AlturaExata, com escala de 1 mm a 213 cm. A parte móvel do estadiômetro foi posicionada no ponto mais alto da cabeça do indivíduo, estando ele com os braços estendidos ao longo do corpo, com os calcanhares e joelhos unidos, corpo e cabeça em contato com a régua de medição.
O índice de massa corporal (IMC) foi obtido por meio da fórmula de peso dividido pela altura elevada ao quadrado. Para avaliar o estado nutricional foi utilizado o critério proposto pela OMS4141 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry, report of a WHO Expert Committee. Geneva: WHO; 1995., que classifica o IMC como: baixo peso (IMC < 18,5 Kg/m2), eutrofia (IMC ≥ 18,5 e < 25,0 Kg/m2), sobrepeso (IMC ≥ 25,0 e < 30,0 Kg/m2) e obesidade (IMC ≥ 30,0 Kg/m2).
A circunferência abdominal (CA) foi mensurada com trena antropométrica inelástica, no ponto médio entre a borda inferior da última costela e a borda superior da crista ilíaca4141 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry, report of a WHO Expert Committee. Geneva: WHO; 1995.. A presença de obesidade central (OC) foi caracterizada por valores de CA maiores do que 94 cm e 80 cm, para homens e mulheres, respectivamente4242 Zimmet P, Magliano D, Matsuzawa Y, Alberti G, Shaw J. The metabolic syndrome: a global public health problem and a new definition. J Atheroscler Thromb 2005; 12(6):295-300.,4343 World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic: report of a WHO Consultation. Geneva: WHO; 2000..
O perfil lipídico [colesterol total (CT), lipoproteína de alta densidade (HDLc), lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e triglicerídeos (TG)] e a glicemia de jejum (GJ) foram determinados pelo método de fingerstick de coleta de sangue capilar, com o uso do equipamento automatizado portátil Cholestech LDX (Alere, Waltham, MA - USA), por meio de fotometria de reflectância. Foram considerados alterados concentrações de CT > 200 mg/dL ou TG >150 mg/dL ou LDLc > 130 mg/dL ou HDLc < 40 mg/dL para homens e < 50 mg/dL para mulheres33 Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645.,4444 Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults. Executive summary of the third report of The National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). JAMA 2001; 285(19):2486-2497..
Para a classificação dos indivíduos quanto ao grau de tolerância à glicose, foram considerados normais os indivíduos com GJ < 100 mg/dL, com GJ alterada (pré-diabéticos) aqueles com valores entre ≥ 100 e < 126 mg/dL, e diabéticos com GJ ≥ 126 mg/dL33 Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645.,4545 Rodacki M, Cobas RA, Zajdenverg L, Silva Júnior WS, Giacaglia L, Calliari LE, Noronha RM, Valerio C, Custódio J, Scharf M, Barcellos CRG, Almeida-Pititto B, Negrato CA, Gabbay M, Bertoluci M. Diagnóstico do diabetes e rastreamento do diabetes tipo 2. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes 2022; DOI: 10.29327/5412848.2024-1
https://doi.org/10.29327/5412848.2024-1... .
A aferição dos valores da pressão arterial sistólica (PAS) e da pressão arterial diastólica (PAD) foi realizada através de um monitor automático de braço (modelo HEM 741C-INT; OMRON, China). Para a classificação da pressão arterial (PA) de forma clínica foram considerados normais valores de PAS < 140 mmHg e PAD < 90 mmHg, e como níveis pressóricos elevados quando PAS ≥ 140 mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg4646 Barroso WKS, Rodrigues CIS, Bortolotto LA, Mota-Gomes MA, Brandão AA, Feitosa AD, Machado CA, Poli-de-Figueiredo CE, Forjaz CLM, Amodeo C, Mion Júnior D, Nobre F, Pio-Abreu A, Pierin AMG, Nilson EAF, Cesarino EJ, Marques F, Baptista FS, Silva GV, Almeida MQ, Klein MRST, Koch VHK. Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial - 2020. Arq Bras Cardiol 2021; 116(3):516-568.. Para a avaliação dos critérios da SM foram considerados com os níveis pressóricos elevados valores de PAS ≥ 130 mmHg ou PAD ≥ 85mmHg33 Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645..
A SM foi identificada de acordo com os critérios diagnósticos definidos por Alberti et al.33 Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation 2009; 120(16):1640-1645. O diagnóstico da síndrome ocorreu na presença de ao menos três dos seguintes componentes: circunferência abdominal aumentada, glicemia de jejum elevada, níveis pressóricos elevados, lipoproteínas de alta densidade reduzidas e triglicerídeos elevados; o uso de medicação para tratamento da(s) patologia(s) referida(s) caracteriza(m) o diagnóstico.
Na descrição dos dados foram utilizadas frequências absolutas (n) e relativas (%) para variáveis qualitativas e medidas de tendência central e dispersão para as quantitativas. A normalidade foi identificada pelo teste de Shapiro-Wilk. A existência de associação foi avaliada por meio do teste qui-quadrado de independência de Pearson; nos casos das tabelas de contingência maiores que 2 x 2 em que se verificou significância estatística, utilizou-se o post hoc para análise de resíduos com ajuste de Bonferroni e teste Z4747 Sharpe D. Chi-square test is statistically significant: now what? Pract Assess Res Evaluation 2015; 20(8):1-10.,4848 MacDonald, P. L., Gardner, R. C. (2000). Type I error rate comparisons of post hoc procedures for I × J chi-square tables. Educ Psychological Measurement 2000; 60(5):735-754.. Para comparar as médias segundo o sexo, utilizou-se o teste t de Student, e para avaliar o polo-base, utilizou-se a análise de variância (ANOVA), com o teste post hoc de Bonferroni. O nível de significância usado na pesquisa foi de 5% (p < 0,05). As prevalências por ponto e por intervalo com 95% de confiança foram calculadas para as variáveis do estado nutricional e doenças metabólicas alteradas. O programa Excel foi empregado para elaboração do banco de dados, e o software SPSS 20.0 (IBM), para análise dos dados.
O estudo fez parte do projeto “Novos problemas de saúde: avaliação do perfil nutricional e metabólico dos indígenas do Território Indígena do Xingu”, desenvolvido pelo Projeto Xingu, programa de extensão da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, que desenvolve atividades de atenção à saúde, pesquisa e ensino no Território Indígena do Xingu (TIX) desde 19654040 Baruzzi RG, Junqueira C. Parque Indígena do Xingu: saúde, cultura e história. São Paulo: Terra Virgem; 2005..
A fase de planejamento foi realizada por meio de reuniões com a participação de diversas lideranças e atores sociais de cada comunidade. Os agentes indígenas de saúde e professores indígenas de cada comunidade participaram de todo o processo de execução do projeto e de tradução para a língua materna, com o consentimento dos participantes. Os resultados prévios foram consolidados, apresentados e discutidos com a comunidade durante o momento da pesquisa. Todas as alterações diagnosticadas foram discutidas com a equipe médica e com cada paciente para o devido encaminhamento terapêutico.
Os resultados foram enviados e discutidos com o Distrito Sanitário Especial Indígena do Xingu. O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CAAE: 65147817.4.0000.5505) e pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Unifesp (nº 0140.0088.02-2017 e 2.185.654).
Resultados
Na presente pesquisa foram avaliados um total de 1.598 indígenas. Desses, 850 residiam no Leonardo, 363 no Diauarum, 197 no Pavuru e 188 no Wawi. No que se refere às etnias, foram verificadas um total de 15, sendo as mais frequentes Kaiabi, Kamaiura e Kisêdjê. Na Tabela 1 verifica-se que as etnias mais frequentes no Diauarum foram a Kaiabi e a Yudja; no Leonardo foram a Kamaiura e a Kuikuro; no Pavuru foram a Ikpeng e a Trumai; e no Wawi foram a Kisedjê e a Kamaiura. A avaliação das etnias segundo o sexo mostrou a presença de 808 (50,6%) homens e 790 (49,4%) mulheres. No sexo feminino as etnias mais frequentes foram a Kaiabi e a Kamaiurá; já no sexo masculino foram a Kaiabi e a Kisedjê. O polo-base com maior diversidade étnica foi o de Leonardo (11; 73,3%), e o com menor, Diauarum (4; 26,7%). O polo-base Wawi (57,7%) apresentou a maior frequência de indivíduos avaliados na população elegível para a pesquisa.
A média de idade dos 1.598 indivíduos avaliados foi de 36,7 anos (desvio-padrão - DP: 15,3 anos, e variou entre 18,0 e 87,1 anos). Não se verificou diferença estatisticamente significante na média de idade entre os sexos (p = 0,3103) feminino (média: 36,3 anos; DP: 15,1 anos) e masculino (média: 37,1 anos; DP: 15,5 anos), assim como entre os polos-base (p = 0,229) Diauarum (média 36,1 anos; DP: 16,3 anos), Leonardo (média: 37,2 anos; DP: 15,0 anos), Pavuru (média: 35,4 anos; DP: 14,8 anos) e Wawi (média: 37,0 anos; DP: 15,3 anos). A Figura 2 mostra que a faixa etária mais frequente entre os avaliados foi a de 20 a 29 anos (35,2%); as faixas etárias se mostraram semelhantes na distribuição por sexo.
As prevalências das alterações do estado nutricional entre os avaliados foram 1,1% (IC95% 0,6-1,7%) de baixo peso; 41,9% (IC95% 39,5-44,4%) de sobrepeso; 15,3% (IC95% 13,6-17,2%) de obesidade. As alterações metabólicas foram 42,4% (IC95% 39,9-44,8%) de obesidade central; 22,8% (IC95% 20,8-25,0%) de colesterol total elevado; 31,4% (IC95% 29,1-33,8%) de triglicerídeos elevados; 75,3% (IC95% 73,1-77,4%) de baixo HDLc; 24,5% (IC95%22,3-26,8%) de elevado LDLc; 9,9% (IC95% 8,5-11,5%) de pré-diabetes; 2,1% (IC95% 1,5-3,0%) de DM; 10,9% (IC95% 9,4-12,5%) de níveis pressóricos elevados e 26,2% (IC95% 24,2-28,4%) de SM.
A Tabela 2 mostra as prevalências relacionadas ao estado nutricional e a doenças metabólicas segundo o sexo. As mulheres mostraram maior prevalência (p < 0,05) do que os homens de baixo peso, eutrofia, obesidade central, baixo HDLc e SM. Em contrapartida, os homens apresentaram maior prevalência (p < 0,05) do que as mulheres de sobrepeso, triglicerídeos elevados e níveis pressóricos elevados.
A Tabela 3 mostra as prevalências relacionadas ao estado nutricional e a doenças metabólicas segundo o polo-base. Observa-se que apenas as variáveis colesterol total e LDLc elevados não apresentaram associação estatisticamente significante (p > 0,05). O polo-base Leonardo apresentou maior frequência (p <0,05) de sobrepeso (Leonardo 45,3% vs Pavuru 31,4%), obesidade (19,8% vs Diauarum 9,6% vs Pavuru 5,6%), obesidade central (48,7% vs Diauarum 36,4% vs Pavuru 27,9%), triglicerídeos elevados (31,4% vs Pavuru 23,8%), pré-diabetes (12,8% vs Diauarum 4,5%) e SM (28,8% vs Pavuru 19,3%). No polo-base Wawi se observou maior frequência de obesidade (16,5% vs Diauarum 9,6% vs Pavuru 5,6%), triglicerídeos elevados (44,9% vs Leonardo 31,4% vs Diauarum 28,1% vs Pavuru 23,8%), baixo HDLc (89,1% vs Leonardo 71,7% vs Diauarum 70,8%) do que nos demais. O Pavuru apresentou maior frequência de baixo peso (3,1% vs Leonardo 0,2%), baixo HDLc (86,2% vs Leonardo 71,7% vs Diauarum 70,8%) e pré-diabetes (10,6% vs Diauarum 4,5%). O Diauarum apresentou maior frequência de níveis pressóricos elevados (16,3% vs. Leonardo 9,5% vs Wawi 8,0%) e foi o polo-base que apresentou as menores frequências de DNT.
Discussão
Estudos com diferentes etnias do TIX têm sido realizados para conhecer as condições de saúde ao longo dos anos. O primeiro identificado, de 19644949 Pazzanese D, Ramos OL, Lanfranchi W, Portugal OP, Finatti AA, Barreto HP, Sustovich DR. Serum-lipid levels in a Brazilian Indian population. Lancet 1964; 2(7360):615-617., teve como objetivo avaliar a prevalência de aterosclerose em 53 indígenas, das etnias Tupi, Gê, Aruaque e Caraíbas, e mostrou que os níveis das frações lipídicas foram mais baixos do que qualquer outro reportado para adultos indígenas, e muito mais baixos quando comparados aos não indígenas. Todas as frações lipídicas foram significativamente maiores nas mulheres e não se verificou evidências de aterosclerose. Os indígenas não apresentavam sinais de desnutrição e os homens tinham bom desenvolvimento muscular.
Em 1981, Baruzzi e Franco5050 Baruzzi R, Franco L. Amerindians of Brazil. In: Trowel HC, Burkitt DP, editors. Western diseases: their emergence and prevention. Cambridge: Harvard University Press; 1981. p. 138-153. avaliaram 392 indígenas do TIX e encontraram entre os povos Suya, Txukahamaye e Kren-akarore (Leste Xingu) as maiores médias de peso e altura, e nos Kaiabi (Baixo Xingu) as menores médias. Os homens apresentavam pouca gordura subcutânea e bom desenvolvimento muscular. A HAS era rara e não aumentava com a idade. Esses resultados foram relacionados com atividade física constante, preservação da alimentação tradicional e baixos níveis de estresse.
Em 1989, estudo internacional multicêntrico denominado INTERSALT5151 Carvalho JJ, Baruzzi RG, Howard PF, Poulter N, Alpers MP, Franco LJ, Marcopito LF, Spooner VJ, DyerAR, Elliott P. Blood pressure in four remote populations in the INTERSALT Study. Hypertension 1989; 14(3):238-246. incluiu uma amostra de dez etnias do TIX (n = 198) e não identificou nenhum caso de excesso de peso. As mulheres mostraram IMC médio de 22,6 Kg/m2 e os homens de 24,2 Kg/m2. Em relação à HAS, verificaram frequência de 1,0%, sem aumento pressórico com a idade.
Em 2007, entre os 201 indígenas do grupo Aruak (Mehinaku, Waurá e Yawalapiti) (Alto Xingu), observou-se prevalências de 51,8% de sobrepeso, 15,0% de obesidade, 52,1% de obesidade central, 77,1% de dislipidemias, 6,7% de alterações dos níveis pressóricos, 4,9% de glicemia de jejum alterada e sem DM2323 Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EN, Lima EE de S, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saude Publica 2007; 23(8):1946-1954..
Em 2009, no grupo de 251 indígenas do grupo Karib (Kalapalo, Kuikuro, Matipu, Nahukuá) (Alto Xingu), a prevalência de sobrepeso foi de 39,3%, obesidade 6,8%, obesidade central 41,8%, colesterol total elevado 20,8%, baixo HDLc 48,0%, elevado LDLc 20,4%, triglicerídeos elevados 23,4%, alterações dos níveis pressóricos 2,6%, glicemia de jejum alterada 5,5%, sem DM e SM 15,5%2424 Gimeno SG, Rodrigues D, Canó EN, Lima EE, Schaper M, Pagliaro H, Lafer MM, Baruzzi RG. Cardiovascular risk factors among Brazilian Karib indigenous peoples: Upper Xingu, Central Brazil, 2000-3. J Epidemiol Community Health 2009; 63(4):299-304..
No ano de 2009, entre o povo Kisêdjê (Suyá) (Leste Xingu), foram avaliados 86 indígenas e verificados 33,7% de sobrepeso, 12,8% de obesidade, 38,4% de obesidade central, 3,5% de alterações dos níveis pressóricos, 63,9% de dislipidemia, 4,0% de glicemia de jejum alterada, sem DM e 21,9% de SM3232 Salvo VLMA, Rodrigues D, Baruzzi RG, Pagliaro H, Gimeno SGA. Perfil metabólico e antropométrico dos Suyá: Parque Indígena do Xingu, Brasil Central. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(3):458-468..
Na década seguinte, um novo estudo foi feito com o povo Khisêdjê, sendo possível identificar medidas inéditas de incidência no TIX. Entre os 78 indígenas avaliados concomitantemente nos anos de 1999/2000 e 2010/2011, verificou-se a incidência acumulada de 30,4% de excesso de peso, 32,0% de obesidade central, 29,1% de colesterol total elevado, 25,0% de baixo HDLc, 10,4% de elevado LDLc, 47,4% de triglicerídeos elevados, 38,9% de HAS, 2,9% de DM tipo 2 e 37,5% de SM. Diferentemente do verificado por Barruzzi e Franco5050 Baruzzi R, Franco L. Amerindians of Brazil. In: Trowel HC, Burkitt DP, editors. Western diseases: their emergence and prevention. Cambridge: Harvard University Press; 1981. p. 138-153. e Pazzanese et al.4949 Pazzanese D, Ramos OL, Lanfranchi W, Portugal OP, Finatti AA, Barreto HP, Sustovich DR. Serum-lipid levels in a Brazilian Indian population. Lancet 1964; 2(7360):615-617., a idade se mostrou um fator de risco para a incidência de HAS, DM e LDLc elevado, independentemente do sexo2525 Mazzucchetti L, Galvão PPO, Tsutsui MLS, Santos KM, Rodrigues DA, Mendonça SB, Gimeno SG. Incidence of metabolic syndrome and related diseases in the Khisêdjê indigenous people of the Xingu, Central Brazil, from 1999-2000 to 2010-2011. Cad Saude Publica 2014; 30(11):2357-2367.. Ainda no que se refere aos Khisêdjê, outros dois estudos avaliaram as condições físicas dos indígenas e mostraram resultados cardiometabólicos satisfatórios1313 Santos KM, Tsutsui MLS, Galvão PPO, Mazzucchetti L, Rodrigues D, Gimeno SGA. Grau de atividade física e síndrome metabólica: um estudo transversal com indígenas Kisêdjê do Parque Indígena do Xingu, Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(12):2327-2338.,5252 Tsutsui MLS, Santos KM dos, Mazzucchetti L, Galvão PPO, Rodrigues DR, Maia RRP. Aptidão física e estado nutricional dos indígenas Khisêdjê. Parque Indígena do Xingu. DeC Foco 2017; 1(2):5-26..
No ano de 2013, entre os Kawaiwete (Baixo Xingu) (n = 62), verificou-se 35,5% de sobrepeso, 4,8% de obesidade, 58,1% de obesidade central, 22,5% de colesterol total elevado, 67,7% de baixo HDLc, 29,0% de elevado LDLc, 17,7% de triglicerídeos elevados, 25,8% de glicemia de jejum alterada, 24,2% de níveis pressóricos elevados e 25,8% de SM3333 Haquim VM. Perfil nutricional e metabólico de adultos do Povo Kawaiwete (Kaiabi) da aldeia Kwarujá, Parque Indígena do Xingu, Brasil [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2017..
Assim como a presente pesquisa, os estudos citados e divulgados entre os anos de 2007 e 20171313 Santos KM, Tsutsui MLS, Galvão PPO, Mazzucchetti L, Rodrigues D, Gimeno SGA. Grau de atividade física e síndrome metabólica: um estudo transversal com indígenas Kisêdjê do Parque Indígena do Xingu, Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(12):2327-2338.,2323 Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EN, Lima EE de S, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saude Publica 2007; 23(8):1946-1954.
24 Gimeno SG, Rodrigues D, Canó EN, Lima EE, Schaper M, Pagliaro H, Lafer MM, Baruzzi RG. Cardiovascular risk factors among Brazilian Karib indigenous peoples: Upper Xingu, Central Brazil, 2000-3. J Epidemiol Community Health 2009; 63(4):299-304.-2525 Mazzucchetti L, Galvão PPO, Tsutsui MLS, Santos KM, Rodrigues DA, Mendonça SB, Gimeno SG. Incidence of metabolic syndrome and related diseases in the Khisêdjê indigenous people of the Xingu, Central Brazil, from 1999-2000 to 2010-2011. Cad Saude Publica 2014; 30(11):2357-2367.,3232 Salvo VLMA, Rodrigues D, Baruzzi RG, Pagliaro H, Gimeno SGA. Perfil metabólico e antropométrico dos Suyá: Parque Indígena do Xingu, Brasil Central. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(3):458-468.,3333 Haquim VM. Perfil nutricional e metabólico de adultos do Povo Kawaiwete (Kaiabi) da aldeia Kwarujá, Parque Indígena do Xingu, Brasil [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2017.,5252 Tsutsui MLS, Santos KM dos, Mazzucchetti L, Galvão PPO, Rodrigues DR, Maia RRP. Aptidão física e estado nutricional dos indígenas Khisêdjê. Parque Indígena do Xingu. DeC Foco 2017; 1(2):5-26. com diferentes etnias indígenas do Xingu identificaram o aumento das prevalências de DNT e, consequentemente, a deterioração do perfil cardiometabólico, quando considerados os estudos publicados entre 1964 e 19864949 Pazzanese D, Ramos OL, Lanfranchi W, Portugal OP, Finatti AA, Barreto HP, Sustovich DR. Serum-lipid levels in a Brazilian Indian population. Lancet 1964; 2(7360):615-617.
50 Baruzzi R, Franco L. Amerindians of Brazil. In: Trowel HC, Burkitt DP, editors. Western diseases: their emergence and prevention. Cambridge: Harvard University Press; 1981. p. 138-153.-5151 Carvalho JJ, Baruzzi RG, Howard PF, Poulter N, Alpers MP, Franco LJ, Marcopito LF, Spooner VJ, DyerAR, Elliott P. Blood pressure in four remote populations in the INTERSALT Study. Hypertension 1989; 14(3):238-246..
A comparação de estudos realizados com outros povos indígenas exige muito cuidado, devido aos diferentes critérios e amostras, todavia, uma revisão sistemática e metanálise divulgada em 2022 avaliou o impacto da urbanização na saúde cardiometabólica dos indígenas brasileiros e, considerando sua amplitude, poderá servir de parâmetro de referência. A pesquisa incluiu 46 estudos, com um total de 20.574 indígenas de ao menos 33 etnias e encontrou para a população total e para a região Centro-Oeste (CO), local em que se localiza o TIX, respectivamente, 57,0% e 64,0% de excesso de peso (sobrepeso + obesidade); 18,0% e 23,0% de obesidade; 58,0% e 58,0% de obesidade central; 31,0% (região CO sem informação) de triglicerídeos elevados; 53,0% (região CO sem informação) de baixo HDLc; 40,0% (região CO sem informação) de dislipidemias; 23,0% e 24,0% de pré-diabetes (glicemia de jejum alterada); 5,0% e 8,0% de DM; e 11,0% e 19,0% de níveis pressóricos elevados.
A prevalência de obesidade entre os indígenas que residem em áreas urbanizadas foi 3,5 vezes a identificada entre os que residem em terras nativas (28,0% vs 8,0%, respectivamente). Os autores encontraram ainda que, entre 1997 e 2019, a taxa bruta de mortalidade cardiovascular dos indígenas que residiam na região Sudeste (mais urbanizada) foi 2,5 vezes a verificada nos residentes da região Norte (menos urbanizada) (1.942 vs 758 casos para cada 100.000 habitantes, respectivamente), com o mesmo padrão identificado nas taxas padronizadas. Por fim, os autores concluem que as mudanças no modo de vida tradicional dos indígenas, especialmente relacionadas à urbanização, estão associadas com a maior prevalência e risco de eventos cardiovasculares adversos1414 Kramer CK, Leitão CB, Viana LV. The impact of urbanisation on the cardiometabolic health of Indigenous Brazilian peoples: a systematic review and meta-analysis, and data from the Brazilian Health registry. Lancet 2022; 400(10368):2074-2083.. Esses resultados corroboram os verificados nesta pesquisa para o TIX e reforçam a necessidade de analisar as especificidades de cada região e etnia.
As análises por sexo do TIX mostram um perfil cardiometabólico preocupante, não sendo possível destacar um deles como menos afetado. No que se refere às análises por polo-base, destacam-se as diferenças nas frequências de DNT. Os polos-base Leonardo e Wawi apresentaram piores indicadores metabólicos do que Pavuru e Diauarum. Diauarum apresentou as menores frequências de indicadores e DNT. Essas diferenças podem estar relacionadas a fatores como acesso mais frequente às cidades e a alimentos não tradicionais, à redução do padrão de atividade física e às mudanças socioeconômicas e ambientais pelas quais as comunidades do TIX estão passando nas últimas décadas1616 Welch JR, Ferreira AA, Tavares FG, Lucena JRM, Gomes de Oliveira MV, Santos RV, Coimbra Jr CEA. The Xavante Longitudinal Health Study in Brazil: objectives, design, and key results. Am J Hum Biol 2020; 32(2):e23339.,2121 Welch JR, Ferreira AA, Souza MC, Coimbra CEA Jr. Food profiles of Indigenous households in Brazil: results of the First National Survey of Indigenous Peoples' Health and Nutrition. Ecol Food Nutr 2021; 60(1):4-24.,3434 Mendonça SBM. Mudança e permanência no modo de viver, comer e adoecer entre os Khisêdjê: tecendo novas práticas, saberes e significados [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2021.. No entanto, são necessários mais estudos que identifiquem associações entre diferentes fatores que estejam implicados no aumento das DNT por região e etnias.
Estudo divulgado em 2021 com indígenas da etnia Kisêdjê ressalta que, para além de identificar as DNT, é fundamental associá-las ao significado dessas doenças para cada povo, bem como implementar estratégias coletivas, com base em metodologias participativas e/ou colaborativas, garantindo o diálogo e o entrelaçamento entre concepções, práticas e saberes pode mobilizar processos de reversão de muitos problemas de saúde, sendo necessário o envolvimento e a implicação de todos os sujeitos na produção da saúde, na prevenção e na possibilidade de modificar o rumo dessas novas doenças3434 Mendonça SBM. Mudança e permanência no modo de viver, comer e adoecer entre os Khisêdjê: tecendo novas práticas, saberes e significados [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2021..
Os estudos citados evidenciam uma tendência de contínuo crescimento dos agravos à saúde relacionados às condições crônicas e não transmissíveis no TIX ao longo dos anos. O crescimento das cidades e das estradas no entorno, o agravamento da insegurança alimentar durante a pandemia de COVID-19 e as mudanças no modo de viver e de se alimentar podem sinalizar uma deterioração ainda mais grave para os próximos anos. Monitorar esse quadro de saúde é fundamental.
Uma limitação deste estudo é que os dados apresentados não permitem aprofundar a discussão sobre os determinantes e fatores que estão influenciando o aumento das DNT. Os dados qualitativos coletados, não analisados na presente pesquisa, poderão auxiliar na compreensão desses determinantes a posteriori. A segunda questão se refere à coleta de dados de 52,8% dos indígenas do TIX, que pôde ser minimizada pela avaliação dos IC95% dos desfechos de interesse, que mostraram, para a população, valores muito próximos aos então identificados pontualmente.
Como pontos fortes, menciona-se que este é o maior estudo com indígenas do TIX, e a análise por polo-base possibilitou identificar diferenças relevantes no perfil das DNT existentes em um mesmo território indígena. Os resultados se aproximam de realidades de outros territórios e colaboram para uma maior compreensão das transformações epidemiológicas e da vulnerabilidade que os povos indígenas estão enfrentando no Brasil.
Em 2023, no campo da macropolítica, a construção do Ministério dos Povos Indígenas e a reestruturação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) foram conquistas importantes para a retomada da proteção dos territórios indígenas, após vários anos de ataque aos direitos indígenas conquistados e garantidos pela Constituição Federal. Por se tratar de agravos que necessitam de abordagem intersetorial, entende-se que todas as instituições envolvidas no cuidado dos povos que vivem no TIX devem estruturar ações de proteção territorial, incluindo ações de manejo e valorização de alimentos tradicionais.
Em relação ao setor saúde, além dos estudos como este, que buscam uma melhor compreensão e visibilidade das DNT no referido território, propostas relacionadas à formação das equipes multiprofissionais para o enfrentamento desses agravos em território e o constante diálogo com as comunidades devem ser continuadas no TIX. A realização de oficinas de valorização da alimentação tradicional e o uso adequado de alimentos não tradicionais também são algumas estratégias que têm se mostrado exitosas com as comunidades desde território. O modelo de vigilância de saúde torna-se fundamental no território em questão para lidar com a complexidade desse tema, e as informações produzidas no presente estudo auxiliarão no planejamento e na avaliação dos serviços do DSEI Xingu, identificando prioridades e estratégias mais pertinentes à realidade.
Por fim, gostaríamos de responder ao questionamento “Quanto tempo os indígenas, em contato intermitente com os não indígenas, conseguirão manter suas características tradicionais de alimentação, saúde e vida?”, feito em 19815050 Baruzzi R, Franco L. Amerindians of Brazil. In: Trowel HC, Burkitt DP, editors. Western diseases: their emergence and prevention. Cambridge: Harvard University Press; 1981. p. 138-153. por dois autores pioneiros nos cuidados com a saúde indígena, Roberto Baruzzi e Laércio Franco - in memorian. Infelizmente, no decorrer de aproximadamente quatro décadas, essa situação se modificou amplamente e teve importantes prejuízos. Políticas públicas que reconheçam o direito dos indígenas às terras e que protejam seu modo de vida tradicional precisam ser implementadas com urgência, para que o quadro de saúde identificado seja controlado e os danos aos povos originários sejam minimizados.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
16 Dez 2024 - Data do Fascículo
Dez 2024
Histórico
- Recebido
15 Set 2023 - Aceito
20 Fev 2024 - Publicado
09 Abr 2024