Resumo
O objetivo do estudo foi avaliar o estado nutricional antropométrico e o crescimento físico de crianças Terena residentes na área urbana de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no primeiro ano de vida. Participaram da pesquisa crianças nascidas de junho de 2017 a julho de 2018 (n = 42). As curvas de crescimento foram construídas por modelos aditivos generalizados mistos. Aos 12 meses, 4,8% das crianças apresentaram baixa E/I. Segundo o índice de massa corporal para a idade, o sobrepeso atingiu 15,0% das meninas aos 12 meses e a obesidade 4,8% dos meninos e meninas nessa idade. A curva de comprimento das crianças Terena não alcançou a mediana da população de referência. A curva de peso e índice da massa corporal para a idade, especialmente entre as meninas, seguiram, em geral, uma trajetória superior à mediana de referência. As curvas de crescimento Terena registram um crescimento linear médio inferior ao esperado e um ganho de peso superior ao da mediana de referência. Esse perfil é compatível com a persistência de condições desfavoráveis ao crescimento e à nutrição infantis e com um acelerado processo de transição alimentar e nutricional, em que a dimensão racial das iniquidades em saúde não pode ser desconsiderada.
Palavras-chave:
Povos indígenas; Antropometria; Criança
Introdução
Estudos com populações indígenas no mundo têm sinalizado para altas prevalências de desnutrição11 Anderson I, Robson B, Connolly M, Al-Yaman F, Bjertness E, King A, Tynan M, Madden R, Bang A, Coimbra CE Jr, Pesantes MA, Amigo H, Andronov S, Armien B, Obando DA, Axelsson P, Bhatti ZS, Bhutta ZA, Bjerregaard P, Bjertness MB, Briceno-Leon R, Broderstad AR, Bustos P, Chongsuvivatwong V, Chu J, Deji, Gouda J, Harikumar R, Htay TT, Htet AS, Izugbara C, Kamaka M, King M, Kodavanti MR, Lara M, Laxmaiah A, Lema C, Taborda AM, Liabsuetrakul T, Lobanov A, Melhus M, Meshram I, Miranda JJ, Mu TT, Nagalla B, Nimmathota A, Popov AI, Poveda AM, Ram F, Reich H, Santos RV, Sein AA, Shekhar C, Sherpa LY, Skold P, Tano S, Tanywe A, Ugwu C, Ugwu F, Vapattanawong P, Wan X, Welch JR, Yang G, Yang Z, Yap L. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet-Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388(10040):131-157.
2 Gracey M, King M. Indigenous health part 1: determinants and disease patterns. Lancet 2009; 374(9683):65-75.-33 Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet 2006; 367(9525):1859-1869.. Na América Latina em especial, indígenas apresentam frequências bastante elevadas de baixa estatura para a idade (E/I), além de outros agravos nutricionais11 Anderson I, Robson B, Connolly M, Al-Yaman F, Bjertness E, King A, Tynan M, Madden R, Bang A, Coimbra CE Jr, Pesantes MA, Amigo H, Andronov S, Armien B, Obando DA, Axelsson P, Bhatti ZS, Bhutta ZA, Bjerregaard P, Bjertness MB, Briceno-Leon R, Broderstad AR, Bustos P, Chongsuvivatwong V, Chu J, Deji, Gouda J, Harikumar R, Htay TT, Htet AS, Izugbara C, Kamaka M, King M, Kodavanti MR, Lara M, Laxmaiah A, Lema C, Taborda AM, Liabsuetrakul T, Lobanov A, Melhus M, Meshram I, Miranda JJ, Mu TT, Nagalla B, Nimmathota A, Popov AI, Poveda AM, Ram F, Reich H, Santos RV, Sein AA, Shekhar C, Sherpa LY, Skold P, Tano S, Tanywe A, Ugwu C, Ugwu F, Vapattanawong P, Wan X, Welch JR, Yang G, Yang Z, Yap L. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet-Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388(10040):131-157.,33 Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet 2006; 367(9525):1859-1869.. No Brasil, crianças indígenas também são afetadas por elevadas prevalências de déficits antropométricos, além de altas taxas de mortalidade infantil, anemia e doenças infecto-parasitárias44 Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AM, Lira PC, Coimbra CE Jr. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.
5 Marinho GL, Borges GM, Paz EPA, Santos RV. Mortalidade infantil de indígenas e não indígenas nas microrregiões do Brasil. Rev Bras Enferm 2019; 72(1):57-63.
6 Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr CEA, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PC, Horta BL, Santos RV, Escobar AL. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.-77 Escobar AL, Coimbra Jr. CEA, Welch JR, Horta BL, Santos RV, Cardoso AM. Diarrhea and health inequity among Indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. BMC Public Health 2015; 15:191..
As prevalências de baixa E/I atingiam 25,7% das crianças indígenas menores de 5 anos no Brasil em 2009, valor muito superior àqueles registrados entre crianças não indígenas44 Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AM, Lira PC, Coimbra CE Jr. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,88 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estado nutricional antropométrico da criança e da mãe: prevalência de indicadores antropométrico de crianças brasileiras menores de 5 anos de idade e suas mães biológicas. Rio de Janeiro: UFRJ; 2022.. Variações regionais, etárias e entre etnias podem chegar a frequências ainda maiores99 Barreto CTG, Cardoso AM, Coimbra Jr CEA. Nutritional status of Guarani indigenous children in the States of Rio de Janeiro and São Paulo, Brazil. Cad Saude Publica 2014; 30(3):657-662.
10 Ferreira AA, Welch JR, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr CEA. Nutritional status and growth of indigenous Xavante children, Central Brazil. Nutr J 2012; 11:3.
11 Leite MS, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr CEA. Crescimento físico e perfil nutricional da população indígena Xavánte de Sangradouro-Volta Grande, Mato Grosso, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22(2):265-276.
12 Orellana JDY, Marrero L, Alves CLM, Ruiz CMV, Hacon SS, Oliveira MW, Basta PC. Association of severe stunting in indigenous Yanomami children with maternal short stature: clues about the intergerational transmission. Cien Saude Colet 2019; 24(5):1875-1883.-1313 Pantoja LN, Orellana JDY, Leite MS, Basta PC. Cobertura do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena (SISVAN-I) e prevalência de desvios nutricionais em crianças Yanomami menores de 60 meses, Amazônia, Brasil. Rev Bras Saude Mater Infant 2014; 14(1):53-63., apontando para persistentes iniquidades em saúde entre indígenas e não indígenas no Brasil88 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estado nutricional antropométrico da criança e da mãe: prevalência de indicadores antropométrico de crianças brasileiras menores de 5 anos de idade e suas mães biológicas. Rio de Janeiro: UFRJ; 2022.. Em países como Austrália, China, Colômbia, Índia e Paquistão também são observadas frequências maiores de desnutrição infantil entre povos nativos11 Anderson I, Robson B, Connolly M, Al-Yaman F, Bjertness E, King A, Tynan M, Madden R, Bang A, Coimbra CE Jr, Pesantes MA, Amigo H, Andronov S, Armien B, Obando DA, Axelsson P, Bhatti ZS, Bhutta ZA, Bjerregaard P, Bjertness MB, Briceno-Leon R, Broderstad AR, Bustos P, Chongsuvivatwong V, Chu J, Deji, Gouda J, Harikumar R, Htay TT, Htet AS, Izugbara C, Kamaka M, King M, Kodavanti MR, Lara M, Laxmaiah A, Lema C, Taborda AM, Liabsuetrakul T, Lobanov A, Melhus M, Meshram I, Miranda JJ, Mu TT, Nagalla B, Nimmathota A, Popov AI, Poveda AM, Ram F, Reich H, Santos RV, Sein AA, Shekhar C, Sherpa LY, Skold P, Tano S, Tanywe A, Ugwu C, Ugwu F, Vapattanawong P, Wan X, Welch JR, Yang G, Yang Z, Yap L. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet-Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388(10040):131-157.. Por outro lado, o excesso de peso ainda é pouco observado entre crianças indígenas no Brasil, embora já sinalizado na literatura entre etnias específicas1414 Fávaro TR, Ferreira AA, Cunha GM, Coimbra Jr CEA. Excesso de peso em crianças indígenas Xukuru do Ororubá, Pernambuco, Brasil: magnitude e fatores associados. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 3):e00056619.,1515 Santos AP, Mazzeti CMDS, Franco MDCP, Santos NLGO, Conde WL, Leite MS, Pimenta AM, Villela LCM, Castro TG. Estado nutricional e condições ambientais e de saúde de crianças Pataxó, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00165817. e frequente entre a população indígena adulta1616 Coimbra CE, Tavares FG, Ferreira AA, Welch JR, Horta BL, Cardoso AM, Santos RV. Socioeconomic determinants of excess weight and obesity among Indigenous women: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Public Health Nutr 2021; 24(7):1941-1951.
17 Bresan D, Bastos JL, Leite MS. Epidemiologia da hipertensão arterial em indígenas Kaingang, Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013. Cad Saude Publica 2015; 31(2):331-344.
18 Fávaro TR, Santos RV, Cunha GM, Leite IC, Coimbra Jr CEA. Obesidade e excesso de peso em adultos indígenas Xukuru do Ororubá, Pernambuco, Brasil: magnitude, fatores socioeconômicos e demográficos associados. Cad Saude Publica 2015; 31(8):1685-1697.-1919 Chagas CA, Castro TG, Leite MS, Barroso MAC, Viana M, Beinner MA, Pimenta AM. Prevalência estimada e fatores associados à hipertensão arterial em indígenas adultos Krenak do Estado de Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(1):e00206818.. A dupla carga de má nutrição, em que excesso de peso e baixa estatura e baixo peso para a idade coexistem em uma população2020 Popkin BM, Corvalan C, Grummer-Strawn LM. Dynamics of the double burden of malnutrition and the changing nutrition reality. Lancet 2020; 395(10217):65-74., é cada vez mais documentada entre indígenas de outras partes do mundo2121 Villena-Esponera MP, Moreno-Rojas R, Molina-Recio G. Food insecurity and the double burden of malnutrition of Indigenous refugee Épera Siapidara. J Immigrant Minority Health 2019; 21(5):1035-1042.
22 Ramirez-Zea M, Kroker-Lobos MF, Close-Fernandez R, Kanter R. The double burden of malnutrition in indigenous and nonindigenous Guatemalan populations. Am J Clin Nutr 2014; 100(6):1644S-1651S.-2323 Wong CY, Zalilah, MS, Chua, EY, Norhasmah S, Chin YS, Nur'Asyura AS. Double-burden of malnutrition among the indigenous peoples (Orang Asli) of Peninsular Malaysia. BMC Public Health 2015; 15:680..
O crescimento físico na infância é fortemente influenciado pelas condições de vida a que a criança está submetida. Fatores ambientais, como condições socioeconômicas e sanitárias desfavoráveis, doenças infecciosas recorrentes, insegurança alimentar, carências alimentares, estão entre as principais causas de baixa estatura e baixo peso para a idade na infância44 Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AM, Lira PC, Coimbra CE Jr. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,2424 Jensen SKG, Berens AE, Nelson CA. Effects of poverty on interacting biological systems underlying child development. Lancet 2017; 1(3):225-239.. Do mesmo modo, alguns desses fatores também podem resultar em ganho excessivo de peso2323 Wong CY, Zalilah, MS, Chua, EY, Norhasmah S, Chin YS, Nur'Asyura AS. Double-burden of malnutrition among the indigenous peoples (Orang Asli) of Peninsular Malaysia. BMC Public Health 2015; 15:680.,2525 Jehn M, Brewis A. Paradoxical malnutrition in mother-child pairs: untangling the phenomenon of over- and under-nutrition in underdeveloped economies. Econ Hum Biol 2009; 7(1):28-35.. Além disso, determinado grupo pode apresentar baixa frequência de déficits de peso e estaturais mas apresentar falhas de crescimento cumulativamente, com impactos negativos ao final da infância ou mesmo na vida adulta, como o aumento do risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)2626 Barker DJP. Mothers, babies and disease in later life. J R Soc Med 1995; 88(8):458.,2727 Cameron N. Growth patterns in adverse environments. Amer J Hum Biol 2007; 19(5):615-621..
Apesar da reconhecida gravidade da situação nutricional de crianças indígenas no Brasil, os dados disponíveis ainda são insuficientes para se identificar tendências, salvo em poucos estudos de caso2828 Ferreira ALF, Leite, MS, Tavares NI, Santos RV. Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Fiocruz/Atheneu. No prelo 2024.. Ainda mais escassos são os estudos direcionados para a população indígena que vive em áreas urbanas, que constituíam 40,0% da população indígena no Brasil, segundo o censo demográfico de 20102929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010: características gerais dos indígenas. Rio de Janeiro: IBGE; 2012.. Dessa forma, o objetivo do estudo foi avaliar o estado nutricional antropométrico e o crescimento físico de crianças Terena residentes na área urbana de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no primeiro ano de vida.
Métodos
Desenho e população de estudo
Trata-se de um estudo de coorte prospectivo que realizou o acompanhamento de crianças indígenas Terena durante o primeiro ano de vida. Participaram do estudo o universo das mulheres Terena que residiam em quatro aldeias (Água Bonita, Darcy Ribeiro, Marçal de Souza e Tarsila do Amaral) localizadas na área urbana de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e que tiveram filhos nascidos vivos no período de 1º de junho de 2017 a 31 de julho de 2018. Essas aldeias são as únicas reconhecidas, em área urbana, pelo referido estado3030 Secretaria Especial de Cidadania do Estado de Mato Grosso do Sul. Comunidades indígenas [internet]. 2021. [acessado 2021 jul 18]. Disponível em: https://www.secid.ms.gov.br/comunidades-indigenas-2/
https://www.secid.ms.gov.br/comunidades-... . Foram excluídas as crianças nascidas de gestação gemelar (n = 2) e com nascimento pré-termo (idade gestacional < 37 semanas, n = 1).
Os Terena pertencem à família linguística Aruák e os primeiros contatos com não indígenas ocorreram no século XVI3131 Oberg K. The Terena and the Caduveo of Southern Mato Grosso, Brazil. Washington: Institute of Social Anthropology; 1949.. No Mato Grosso do Sul existem pelo menos 13 terras indígenas (TI) onde vivem os Terena, além de uma TI no estado de Mato Grosso e duas em São Paulo. É considerada a quinta etnia mais numerosa no Brasil e o grupo com o maior quantitativo de pessoas vivendo fora das TI (9.626 pessoas)2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010: características gerais dos indígenas. Rio de Janeiro: IBGE; 2012.. A cidade de Campo Grande está entre os dez municípios brasileiros com maior população indígena vivendo na área urbana (5.657 pessoas), e os Terena representam dois terços dessa população2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010: características gerais dos indígenas. Rio de Janeiro: IBGE; 2012.,3232 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Banco multidimensional de estatísticas - consultas livres [internet]. 2010. [acessado 2018 jul 5]. Disponível em: https://www.bme.ibge.gov.br/app/adhoc/index.jsp
https://www.bme.ibge.gov.br/app/adhoc/in... .
Os Terena iniciaram a migração para a cidade de Campo Grande na década de 1910, com intensificação desse fluxo a partir dos anos 1970. Foram se instalando de forma dispersa nas periferias da cidade e na forma de agrupamentos3333 Mussi VPL. As estratégias de inserção dos índios Terena: da aldeia ao espaço urbano (1990-2005) [tese]. Assis: Universidade Estadual Paulista; 2006.. A partir desses agrupamentos nas periferias da cidade, na década de 1990 iniciou-se a construção de conjuntos habitacionais, com casas populares especificamente para a população indígena, que passaram a ser conhecidas como aldeias urbanas3333 Mussi VPL. As estratégias de inserção dos índios Terena: da aldeia ao espaço urbano (1990-2005) [tese]. Assis: Universidade Estadual Paulista; 2006.. Não há registros oficiais sobre o quantitativo indígena nessas aldeias, no entanto, estimativas apontam que Água Bonita, Darcy Ribeiro, Marçal de Souza e Tarsila do Amaral tenham, respectivamente, cerca de 200, 115, 170 e 80 famílias residentes3434 Comissão Pró-Índio de São Paulo. A cidade como local de afirmação dos direitos indígenas. São Paulo: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos; 2013..
Coleta de dados e variáveis do estudo
Os dados foram coletados por meio de visitas domiciliares em três ondas: no 1º, no 6º e no 12º mês de vida da criança. No que se refere à representatividade dos dados, o estudo contemplou a totalidade das crianças nascidas nas quatro comunidades urbanas Terena do município de Campo Grande, o que corresponde à metade dos nascimentos indígenas do município no período3535 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Nascidos vivos Mato Grosso do Sul [internet]. 2017. [acessado 2019 jul 8]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvms.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht... .
As entrevistas foram feitas com as mães das crianças, não havendo necessidade de tradutor. Foram consideradas perdas quando as mães não aceitaram participar da pesquisa, quando houve desistência e quando a mãe se mudou para outro município durante a de coleta de dados.
O peso e o comprimento da criança foram aferidos nas visitas do 6º e do 12º mês. Um entrevistador foi responsável por todas as medidas antropométricas das crianças, tendo sido treinado em antropometria. A aferição das medidas seguiu o protocolo descrito por Lohman et al.3636 Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric Standardization Reference Manual. Champaign: Human Kinetics; 1988. Para a aferição do comprimento da criança foi utilizado antropômetro portátil desmontável, com precisão de 0,1 cm. Para a aferição do peso da criança foi usada uma balança eletrônica portátil, tipo plataforma, com capacidade para 200 kg e precisão de 50 g. O peso da criança foi determinado pela função “mãe/bebê” (a criança foi pesada com o mínimo de roupa possível, no colo da mãe; posteriormente, apenas a mãe foi pesada para verificar o peso da criança (peso da criança = peso mãe e criança - peso mãe).
Foram coletados da Caderneta de Saúde da Criança o peso e o comprimento ao nascer e as medidas de peso e comprimento de acompanhamento ao longo dos meses durante o primeiro ano de vida das mesmas.
Análise dos dados
Os dados foram tabulados com dupla entrada no programa EpiData 3.1 (EpiData Assoc., Odense, Dinamarca) e as análises estatísticas foram feitas no Stata 16.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Foram calculados os escores-z para os índices de peso ao nascer para a idade gestacional, comprimento ao nascer para a idade gestacional e razão peso (kg)/ comprimento (m) para a idade gestacional, segundo os parâmetros do Intergrowth - 21st3737 Villar J, Cheikh Ismail L, Victora CG, Ohuma EO, Bertino E, Altman DG, Lambert A, Papageorghiou AT, Carvalho M, Jaffer YA, Gravett MG, Purwar M, Frederick IO, Noble AJ, Pang R, Barros FC, Chumlea C, Bhutta ZA, Kennedy SH; International Fetal and Newborn Growth Consortium for the 21st Century (INTERGROWTH-21st). International standards for newborn weight, length, and head circumference by gestational age and sex: the Newborn Cross-Sectional Study of the INTERGROWTH-21st Project. Lancet 2014; 384(9946):857-868.. Para as medidas antropométricas do 6º e do 12º mês foram calculados os escores-z para os índices comprimento para a idade (C/I), peso para a idade (P/I) e índice de massa corporal (IMC) para a idade (IMC/I), segundo os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS)3838 World Health Organization (WHO). Child Growth Standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva: WHO; 2006.. As diferenças entre os valores médios de escores-z para os três índices ao longo do tempo (ao nascer, 6 meses e 12 meses) foram analisadas através do teste Anova, com pós-teste de Tukey, considerando-se com significância estatística valores de p < 0,05.
Os valores de escores-z foram utilizados para classificar o estado nutricional das crianças. Para o índice C/I, considerou-se baixo valores de escores-z < -2. Para o índice P/I, considerou-se baixo peso valores de escores-z < -2 e peso elevado para idade valores de escores-z > 2. Para o IMC/I, considerou-se baixo peso valores de escores-z < -2, sobrepeso valores de escores-z > 2 e ≤ 3 e obesidade valores de escores-z > 33939 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. Brasília: MS; 2011.. Considerou-se excesso de peso a junção das categorias sobrepeso e obesidade.
Para as médias de escores-z dos índices antropométricos e para as prevalências do estado nutricional aos 6 e aos 12 meses foram utilizados exclusivamente os dados antropométricos aferidos na pesquisa, visto que se tratava da avaliação do estado nutricional em uma idade específica das crianças. Para a construção das curvas de crescimento, utilizou-se o conjunto de medidas antropométricas aferidas e aquelas coletadas diretamente da Caderneta de Saúde da Criança. Foram construídas curvas de C/I, P/I e IMC/I.
O número de aferições antropométricas de um mesmo indivíduo variou ao longo do tempo e as medidas não foram equidistantes no tempo, sendo considerados dados desbalanceados e não estruturados. Assim, para a construção das curvas de crescimento foram utilizados os modelos aditivos generalizados mistos (GAMM), levando em consideração a relação existente entre as medidas interindividual e intra-individual ao longo do tempo4040 Pinheiro JC, Bates DM. Mixed effects models in S and S-PLUS. New York: Springer-Verlag; 2000.. Foi utilizada a função de ajuste spline na construção das curvas. O procedimento foi realizado separadamente para cada sexo, incluindo todas as medidas de cada indivíduo, tanto aquelas aferidas como as coletadas das Cadernetas de Saúde das Crianças, seguindo a metodologia proposta por Ferreira et al.1111 Leite MS, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr CEA. Crescimento físico e perfil nutricional da população indígena Xavánte de Sangradouro-Volta Grande, Mato Grosso, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22(2):265-276.
As curvas ajustadas foram comparadas às curvas de referência da OMS3939 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. Brasília: MS; 2011.,4141 De Onis M, Onyango AW. WHO child growth standards. Lancet 2008; 371(9608):204. de acordo com sexo e idade. O software Anthro 3.2.2 (WHO Anthro, Suíça) foi utilizado para calcular os escores-z para índices antropométricos. Para o desenvolvimento das curvas foi utilizado o software estatístico R 3.6.8 (R Development Core Team, 2004) e as bibliotecas gamm44242 Wood S, Scheipl F. Package 'gamm4' [internet]. 2017. [cited 2019 out 31]. Available from: https://cran.r-project.org/web/packages/gamm4/gamm4.pdf
https://cran.r-project.org/web/packages/... e lme44343 Dai B, Scheipl F, Grothendieck G, Green P, Fox J, Bauer A, Krivitsky PN, Tanaka E, Jagan M. Package 'lme4' [internet]. 2019. [cited 2019 out 31]. Available from: https://cran.r-project.org/web/packages/lme4/lme4.pdf
https://cran.r-project.org/web/packages/... .
Aspectos éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CAAE nº 64555517.6.0000.0021). Houve aprovação pelos líderes das comunidades investigadas e o consentimento livre e esclarecido das mães entrevistadas, bem como de seu responsável quando ela tinha menos de 18 anos.
Resultados
Entre 49 crianças elegíveis para o estudo, 42 participaram (85,7%). Houve três recusas (6,1%), duas desistências (4,1%) e duas mães mudaram para outro município ao longo da pesquisa (4,1%). Entre as crianças que participaram do estudo, em um caso não foi possível obter os dados antropométricos aos 6 meses devido a uma mudança temporária de município. Para as curvas de crescimento foram utilizadas 207 medidas de peso e 207 medidas de comprimento.
Os escores-z médios do índice C/I, em ambos os sexos, diminuíram ao longo do primeiro ano de vida. A diferença foi estatisticamente significativa quando comparadas as médias ao nascer com as médias aos 6 meses e aos 12 meses no sexo masculino (-0,01 versus -0,47; p < 0,05 e -0,01 versus -0,67; p < 0,05; respectivamente) e no sexo feminino (0,18 versus -0,36; p < 0,05 e 0,18 versus -0,53; p < 0,05; respectivamente). Para o índice P/I não houve diferença ao longo do tempo em ambos os sexos. A média de escore-z do IMC/I foi maior aos 6 meses quando comparado com o escore-z ao nascer para o sexo masculino (0,15 versus 0,78; p < 0,05) (Tabela 1).
No sexo masculino, a prevalência de baixo C/I no final do primeiro ano de vida foi de 4,5%. No sexo feminino, houve um caso de baixo C/I aos 12 meses. Não foram registrados casos de baixo peso entre as crianças avaliadas, de acordo com os índices P/I e IMC/I, respectivamente. Segundo o índice P/I, 4,5% dos meninos e 10,0% das meninas apresentaram peso elevado para idade no final do primeiro ano de vida. Segundo o IMC/I, o excesso de peso foi registrado em 4,5% dos meninos e 20,0% das meninas aos 12 meses (Tabela 2).
As curvas de C/I, tanto para os meninos como para as meninas, não alcançam em nenhum momento a mediana da população de referência, com exceção do momento do nascimento, quando partem próximas ao escorez-0. Para as meninas, o afastamento em relação à mediana parece mais acentuado que o dos meninos, com uma leve aproximação por volta dos 6 meses até os 10 meses aproximadamente, quando também voltam a se afastar (Figura 1).
Curvas de comprimento (cm) de meninos (A) e meninas (B) Terena até 12 meses de idade em comparação com os escores-z da população de referência da Organização Mundial da Saúde. Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2017-2018.
No que se refere ao índice P/I, a curva masculina segue bem próxima à mediana, com algumas flutuações ao longo do tempo. Já para as meninas, a curva inicia levemente acima da mediana, sobrepondo-se a ela aproximadamente aos 30 dias de vida e a partir dos 4 meses, permanecendo acima dela (Figura 2).
Curvas de peso (Kg) de meninos (A) e meninas (B) Terena até 12 meses de idade em comparação com os escores-z da população de referência da Organização Mundial da Saúde. Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2017-2018.
A curva masculina do IMC/I iniciou sua trajetória próxima à mediana e na sequência ficou abaixo da mediana até por volta dos 3 meses, quando a superou definitivamente. Para as meninas, a curva de IMC/I esteve sempre acima da mediana de referência (Figura 3).
Curvas de índice de massa corporal (IMC) (Kg/m²) de meninos (A) e meninas (B) Terena até 12 meses de idade em comparação com os escores-z da população de referência da Organização Mundial da Saúde. Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 2017-2018.
Discussão
Em síntese, os dados aqui registrados para as crianças Terena apontam para um crescimento linear médio inferior ao esperado a partir dos critérios internacionalmente utilizados para a avaliação do crescimento físico e do estado nutricional de crianças. Ao mesmo tempo, registram excesso de peso já no primeiro ano de vida, bem como um ganho de peso superior ao da mediana de referência.
As crianças Terena avaliadas apresentam um perfil mais favorável do que aquele observado em alguns estudos transversais que foram realizados em décadas passadas em comunidades Terena não urbanas, que revelaram à época prevalências elevadas de baixa E/I4444 Ribas DLB, Sganzerla A, Zorzatto JR, Philippi ST. Nutrição e saúde infantil em uma comunidade indígena Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2001; 17(2):323-331.
45 Alves GMS, Morais MB, Fagundes-Neto U. Estado nutricional e teste de hidrogênio no ar expirado com lactose e lactulose em crianças indígenas terenas. J Pediatr (Rio J) 2002; 78(2):113-119.-4646 Morais, MB, Alves GMS, Fagundes-Neto U. Estado nutricional de crianças índias Terenas: evolução do peso e estatura e prevalência atual de anemia. J Pediatr (Rio J) 2005; 81(5):383-389., chegando a 26,1% entre crianças de um a cinco anos4545 Alves GMS, Morais MB, Fagundes-Neto U. Estado nutricional e teste de hidrogênio no ar expirado com lactose e lactulose em crianças indígenas terenas. J Pediatr (Rio J) 2002; 78(2):113-119.. No comparativo com as crianças indígenas menores de um ano, avaliadas no primeiro e único Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição de Povos Indígenas, realizado em áreas rurais, a prevalência de baixo C/I no final do primeiro ano de vida das crianças Terena também foi menor (4,8% versus 14,9%)44 Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AM, Lira PC, Coimbra CE Jr. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23..
As baixas prevalências de déficits estaturais observadas entre as crianças Terena poderiam apontar para um crescimento linear ótimo, bem como para a vigência de condições socioambientais favoráveis ao crescimento infantil. No entanto, não parece ser este o caso. As curvas de C/I permaneceram abaixo das medianas de referência ao longo de todo o primeiro ano de vida. Além disso, estudo já publicado dessa mesma população4747 Bresan D, Pontes ERJC, Leite MS. Fatores associados ao peso ao nascer de crianças indígenas Terena, residentes na área urbana de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2019; 3(Supl. 35):e00086819. mostra que variáveis como escolaridade materna, condições de saneamento, habitação e renda per capita apresentam indicadores sistematicamente piores do que aqueles registrados para a população brasileira e do estado de Mato Grosso do Sul4848 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Renda domiciliar per capita 2017 [Internet]. [acessado 2019 jan 30]. Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Renda_domiciliar_per_capita/Renda_domiciliar_per_capita_2017.pdf
https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendi...
49 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saneamento básico 2017: abastecimento de água e esgotamento sanitário. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.-5050 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.. Quase metade das mulheres Terena (46,5%) tinham até oito anos de estudo, 74,4% residiam em domicílios que não estavam ligados à rede coletora de esgoto e um terço residia em casas onde havia de sete a nove moradores4747 Bresan D, Pontes ERJC, Leite MS. Fatores associados ao peso ao nascer de crianças indígenas Terena, residentes na área urbana de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2019; 3(Supl. 35):e00086819.,5151 Bresan D. Crescimento físico e condições de saúde e nutrição de crianças Terena em Campo Grande, MS: um estudo de coorte [tese]. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; 2019.. A renda per capita atingiu um valor máximo de R$ 800,00, sendo que em 65,5% dos domicílios esse valor não passou de R$ 265,004747 Bresan D, Pontes ERJC, Leite MS. Fatores associados ao peso ao nascer de crianças indígenas Terena, residentes na área urbana de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2019; 3(Supl. 35):e00086819.. Os dados revelam que pelo menos metade dessas crianças estava anêmica aos 6 (53,6%) e aos 12 meses de idade (61,9%)5151 Bresan D. Crescimento físico e condições de saúde e nutrição de crianças Terena em Campo Grande, MS: um estudo de coorte [tese]. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; 2019.. A diarreia foi registrada para 19,5% das crianças na semana anterior à entrevista dos 6 meses de idade e o aleitamento materno exclusivo teve uma duração mediana de 2,5 meses5151 Bresan D. Crescimento físico e condições de saúde e nutrição de crianças Terena em Campo Grande, MS: um estudo de coorte [tese]. Campo Grande: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; 2019.. Esse conjunto de variáveis delineia, portanto, um cenário amplamente desfavorável para a saúde e a nutrição infantis, e que possivelmente terá um efeito cumulativo ao longo da infância.
A literatura tem apontado que o crescimento humano até os cinco anos de idade sofre pouca influência genética5252 Bogin B. Patterns of human growth. Cambridge: Cambridge University Press; 1999.,5353 Eveleth PB, Tanner JM. Worldwide variation in human growth. Cambridge: Cambridge University Press; 1990.. A proposta de aplicabilidade universal de parâmetros antropométricos de avaliação do crescimento infantil preconizada pela OMS se baseia nessas evidências, que apontam menor influência da variabilidade genética quando comparada ao impacto das condições ambientais sobre o crescimento físico infantil. As curvas de crescimento Terena são compatíveis com as precárias condições ambientais e de saúde a que estas crianças são submetidas desde o nascimento, e é plausível ver nelas o impacto negativo desse cenário. Em outras palavras, em seu conjunto e em suas interações, esses fatores têm um reconhecido impacto nas condições de nutrição e crescimento físico infantis e em parte explicam o comportamento das curvas de crescimento das crianças Terena aqui avaliadas.
Contextos equivalentes têm sido apontados na análise da situação nutricional de crianças indígenas em todo o país e apontam para condições socioeconômicas e sanitárias precárias, além de perfis nutricionais em que predominam déficits estaturais em prevalências usualmente elevadas e superiores àquelas registradas entre crianças não indígenas das mesmas regiões44 Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AM, Lira PC, Coimbra CE Jr. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,1010 Ferreira AA, Welch JR, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr CEA. Nutritional status and growth of indigenous Xavante children, Central Brazil. Nutr J 2012; 11:3.
11 Leite MS, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr CEA. Crescimento físico e perfil nutricional da população indígena Xavánte de Sangradouro-Volta Grande, Mato Grosso, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22(2):265-276.
12 Orellana JDY, Marrero L, Alves CLM, Ruiz CMV, Hacon SS, Oliveira MW, Basta PC. Association of severe stunting in indigenous Yanomami children with maternal short stature: clues about the intergerational transmission. Cien Saude Colet 2019; 24(5):1875-1883.-1313 Pantoja LN, Orellana JDY, Leite MS, Basta PC. Cobertura do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena (SISVAN-I) e prevalência de desvios nutricionais em crianças Yanomami menores de 60 meses, Amazônia, Brasil. Rev Bras Saude Mater Infant 2014; 14(1):53-63.. Evidências na literatura sugerem que condições de saneamento básico inadequadas têm efeito negativo no crescimento e desenvolvimento infantil, devido à maior exposição a patógenos e mesmo aos mecanismos sociais e econômicos que estão ligados a essas condições5454 Cumming O, Cairncross S. Can water, sanitation and hygiene help eliminate stunting? Current evidence and policy implications. Matern Child Nutr 2016; 12(Suppl. 1):91-105.. Em trabalho que analisou a presença dos serviços de saneamento básico em domicílios urbanos com crianças de até 5 anos de idade, baseado nos dados do Censo 2010, revelou que os domicílios indígenas apresentavam em geral a menor frequência de serviços de saneamento adequado5555 Raupp L, Cunha GM, Fávaro TR, Santos RV. Saneamento básico e desigualdades de cor/raça em domicílios urbanos com a presença de crianças menores de 5 anos, com foco na população indígena. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 3):e00058518.. A maior escolaridade materna está associada a uma série de comportamentos que podem ser positivos para a saúde e a nutrição da criança, como maior duração da amamentação, uso dos serviços de saúde e alimentação infantil apropriada, além de normalmente significar melhores condições econômicas para a família, o que, conjuntamente, pode influenciar no crescimento linear5656 Mensch BS, Chuang EK, Melnikas AJ, Psaki SR. Evidence for causal links between education and maternal and child health: systematic review. Trop Med Int Health 2019; 24(5):504-522..
Ainda que a avaliação do excesso de peso pelo índice IMC/I em crianças menores de 5 anos necessite de avaliações complementares para o diagnóstico, nas crianças Terena foram registradas prevalências ao final do primeiro ano de vida semelhantes àquelas encontradas entre crianças não indígenas menores de um ano no país (12,3% versus 9,1%)99 Barreto CTG, Cardoso AM, Coimbra Jr CEA. Nutritional status of Guarani indigenous children in the States of Rio de Janeiro and São Paulo, Brazil. Cad Saude Publica 2014; 30(3):657-662.. São raros os estudos que avaliaram excesso de peso entre crianças indígenas no Brasil, especialmente nessa faixa etária e utilizando o índice IMC/I, que é recomendado para a classificação de sobrepeso e obesidade infantil e comparação com a população de referência da OMS5757 World Health Organization (WHO). Training Course on Child Growth Assessment. Geneva: World Health Organization; 2008.,5858 De Onis M, Lobstein, T. Defining obesity risk status in the general childhood population: which cut-offs should we use? Int J Pediatr Obes 2010; 5(6):458.. Entre crianças Xukuru do Orurubá menores de 2 anos em Pernambuco, segundo o IMC/I, a prevalência de excesso de peso foi de 6,9%1414 Fávaro TR, Ferreira AA, Cunha GM, Coimbra Jr CEA. Excesso de peso em crianças indígenas Xukuru do Ororubá, Pernambuco, Brasil: magnitude e fatores associados. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 3):e00056619.. Entre crianças Pataxó menores de 5 anos em Minas Gerais, a prevalência de sobrepeso, também segundo o IMC/I, foi de 2,9%1515 Santos AP, Mazzeti CMDS, Franco MDCP, Santos NLGO, Conde WL, Leite MS, Pimenta AM, Villela LCM, Castro TG. Estado nutricional e condições ambientais e de saúde de crianças Pataxó, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00165817.. Em ambos os estudos1414 Fávaro TR, Ferreira AA, Cunha GM, Coimbra Jr CEA. Excesso de peso em crianças indígenas Xukuru do Ororubá, Pernambuco, Brasil: magnitude e fatores associados. Cad Saude Publica 2019; 35(Supl. 3):e00056619.,1515 Santos AP, Mazzeti CMDS, Franco MDCP, Santos NLGO, Conde WL, Leite MS, Pimenta AM, Villela LCM, Castro TG. Estado nutricional e condições ambientais e de saúde de crianças Pataxó, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00165817. os autores apontam que as prevalências de excesso de peso registradas refletem, em grande medida, as transformações nas estratégias de subsistência, aliadas às modificações nos padrões alimentares e de atividade física entre as populações nativas.
Na interpretação do excesso de peso entre crianças é importante considerar o peso dos pais; uma criança com um dos pais obesos tem probabilidade 40,0% maior de apresentar excesso de peso; quando os dois são obesos a probabilidade aumenta para 70,0%5757 World Health Organization (WHO). Training Course on Child Growth Assessment. Geneva: World Health Organization; 2008.. A obesidade, assim como outras DCNT, tem sido referida com frequência em estudos com adultos indígenas no país1212 Orellana JDY, Marrero L, Alves CLM, Ruiz CMV, Hacon SS, Oliveira MW, Basta PC. Association of severe stunting in indigenous Yanomami children with maternal short stature: clues about the intergerational transmission. Cien Saude Colet 2019; 24(5):1875-1883.,1818 Fávaro TR, Santos RV, Cunha GM, Leite IC, Coimbra Jr CEA. Obesidade e excesso de peso em adultos indígenas Xukuru do Ororubá, Pernambuco, Brasil: magnitude, fatores socioeconômicos e demográficos associados. Cad Saude Publica 2015; 31(8):1685-1697.,1919 Chagas CA, Castro TG, Leite MS, Barroso MAC, Viana M, Beinner MA, Pimenta AM. Prevalência estimada e fatores associados à hipertensão arterial em indígenas adultos Krenak do Estado de Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2020; 36(1):e00206818.,5959 Coimbra Jr CEA, Santos RV, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, Rassi E, Follér ML, Horta BL. The First National Survey of Indigenous People´s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.
60 Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(5):1399-1409.
61 Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EN, Lima EED, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saude Publica 2007; 23(8):1946-1954.-6262 Oliveira GF, Oliveira TR, Rodrigues FF, Corrêa LF, Ikejiri AT, Casulari LA. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in indigenous people from Aldeia Jaguapiru, Brazil. Rev Panam Salud Pública 2011; 29(5):315-321.. Além disso, resultado de estudo com a mesma população avaliada no presente trabalho apontou que 61,0% das mulheres Terena estavam com excesso de peso antes da gestação e a obesidade pré-gestacional materna esteve associada ao maior peso ao nascer das crianças Terena4747 Bresan D, Pontes ERJC, Leite MS. Fatores associados ao peso ao nascer de crianças indígenas Terena, residentes na área urbana de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2019; 3(Supl. 35):e00086819.. O excesso de peso durante a infância aumenta o risco de excesso de peso na adolescência e na vida adulta e está associado ao surgimento de DCNT6363 Daniels SR. Complications of obesity in children and adolescents. Int J Obes (Lond) 2009; 33(Suppl .1):S60-S605.
64 Vos MB, Welsh J. Childhood obesity: update on predisposing factors and prevention strategies. Curr Gastroenterol Rep 2010; 12(4):280-287.-6565 Urlacher SS, Blackwell AD, Liebert MA, Madimenos FC, Cepon-Robins TJ, Gildner TE, et al. Physical growth of the shuar: Height, Weight, and BMI references for an indigenous amazonian population. Am J Hum Biol 2016; 28(1):16-30..
Quando examinados os dados de forma longitudinal, observa-se que a curva de C/I das crianças Terena não alcançou a mediana da população de referência em nenhum momento durante o primeiro ano de vida, sendo registradas flutuações ao longo do tempo: apresenta maior distanciamento da mediana até os 6 meses, com uma posterior aproximação até os 10 meses, quando volta a se distanciar. Somado a esse quadro, as médias dos escores-z do índice C/I diminuíram ao longo do primeiro ano de vida. Por outro lado, a curva de P/I, especialmente entre as meninas, inicia levemente acima da mediana, sobrepondo-se à mesma por volta do primeiro mês de vida e a partir do quarto mês segue uma trajetória acima do escores-z 0. As curvas de IMC/I acompanham a mesma tendência, e é também no sexo feminino que a curva Terena permanece sistematicamente acima da mediana de referência.
O único estudo localizado que avaliou longitudinalmente o crescimento físico de crianças indígenas no Brasil foi entre crianças Xavante menores de 10 anos no Mato Grosso1111 Leite MS, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr CEA. Crescimento físico e perfil nutricional da população indígena Xavánte de Sangradouro-Volta Grande, Mato Grosso, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22(2):265-276.. A pesquisa mostrou que as curvas de E/I dessas crianças partem, para ambos os sexos, próximas à mediana da população de referência, começando a se distanciar da mesma por volta dos 6 a 8 meses de idade, mas, diferentemente do observado entre os Terena, alcançam o escores-z -2 por volta dos 12 meses. De maneira semelhante, a curva de P/I parte próxima da mediana, mas por volta dos 6 a 8 meses se distancia negativamente, embora não chegue a alcançar o escores-z -2 em nenhum momento de sua trajetória1111 Leite MS, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr CEA. Crescimento físico e perfil nutricional da população indígena Xavánte de Sangradouro-Volta Grande, Mato Grosso, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22(2):265-276.. Em contrapartida, entre os Terena a curva de P/I, especialmente entre as meninas, supera a mediana da população de referência. São raros os estudos com povos nativos de outras partes do mundo que realizaram análises longitudinais sobre o crescimento físico de crianças, e, somado a isso, diferenças metodológicas dificultam e limitam qualquer tentativa de comparação6565 Urlacher SS, Blackwell AD, Liebert MA, Madimenos FC, Cepon-Robins TJ, Gildner TE, et al. Physical growth of the shuar: Height, Weight, and BMI references for an indigenous amazonian population. Am J Hum Biol 2016; 28(1):16-30.,6666 Alfonso-Durruty MP, Valeggia CR. Growth patterns among indigenous Qom children of the Argentine Gran Chaco. Am J Hum Biol 2016; 28(6):895-904..
Estudos apontam que falhas no crescimento linear durante os dois primeiros anos de vida geram maiores riscos de morbimortalidade e podem levar a desfechos desfavoráveis a longo prazo, como menor estatura na idade adulta, redução da produtividade econômica e, para as mulheres, menor peso da prole ao nascer6767 Victora CG, Adair L, Fall C, Hallal M, Reynaldo, Richter L, Sachdev HS; Maternal and Child Undernutrition Study Group. Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. Lancet 2008; 371(9609):340-357.. Há também um maior risco de desenvolver na vida adulta DCNT, especialmente quando experimentam rápido ganho de peso após os dois primeiros anos de vida6767 Victora CG, Adair L, Fall C, Hallal M, Reynaldo, Richter L, Sachdev HS; Maternal and Child Undernutrition Study Group. Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. Lancet 2008; 371(9609):340-357.
68 Adair LS, Fall CHD, Osmond C, Stein AD, Martorell R, Ramirez-Zea M, Sachdev HS, Dahly DL, Bas I, Norris SA, Micklesfield L, Hallal P, Victora CG; COHORTS group. Associations of linear growth and relative weight gain during early life with adult health and human capital in countries of low and middle income: findings from five birth cohort studies. Lancet 2013; 382(9891):525-534.-6969 De Onis M, Branca F. Childhood stunting: a global perspective. Matern Child Nutr 2016; 12(Suppl. 1):12-26..
Padrões de crescimento que apresentam simultaneamente déficits estaturais e excesso de peso têm sido descritos na literatura2828 Ferreira ALF, Leite, MS, Tavares NI, Santos RV. Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Fiocruz/Atheneu. No prelo 2024.,5757 World Health Organization (WHO). Training Course on Child Growth Assessment. Geneva: World Health Organization; 2008.,7070 Popkin BM, Richards MK, Monteiro CA. Stunting is associated with overweight in children of four nations that are going through the nutrition transition. J Nutr 1996; 126(12):3009-3016.. Revisão sistemática com pesquisas de países de média e baixa renda verificou que, embora a desnutrição infantil esteja diminuindo, ainda há populações com elevadas frequências de déficits de crescimento linear e ao mesmo tempo com registros crescentes de excesso de peso, produzindo uma dupla carga de doença em níveis populacional e individual7171 Tzioumis E, Kay MC, Bentley ME, Adair LS. Prevalence and trends in the childhood dual burden of malnutrition in low- and middle-income countries, 1990-2012. Public Health Nutr 2016; 19(8):1375-1388..
O quadro registrado entre as crianças Terena revela curvas de C/I sistematicamente abaixo da mediana de referência, apontando para falhas no crescimento, e o excesso de peso aparece já no primeiro ano de vida. Embora o universo de crianças avaliadas seja reduzido e não disponhamos de informações sobre o consumo alimentar dessa população, o quadro é compatível com processos de transição alimentar e nutricional que vêm sendo referidos entre adultos indígenas de diversas etnias no país há pelo menos duas décadas6060 Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(5):1399-1409.
61 Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EN, Lima EED, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saude Publica 2007; 23(8):1946-1954.-6262 Oliveira GF, Oliveira TR, Rodrigues FF, Corrêa LF, Ikejiri AT, Casulari LA. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in indigenous people from Aldeia Jaguapiru, Brazil. Rev Panam Salud Pública 2011; 29(5):315-321.,7272 Lourenço AEP, Santos RV, Orellana JDY, Coimbra Jr. CEA. Nutrition transition in Amazonia: Obesity and socioeconomic change in the Suruí Indians from Brazil. Amer J Hum Biol 2008; 20(5):564-571.. Esses registros descrevem elevadas prevalências de sobrepeso e obesidade e a emergência de outras DCNT, como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus. Em nível nacional, esse quadro é evidenciado no Inquérito Nacional entre mulheres em idade reprodutiva1717 Bresan D, Bastos JL, Leite MS. Epidemiologia da hipertensão arterial em indígenas Kaingang, Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013. Cad Saude Publica 2015; 31(2):331-344..
A urbanização, experimentada pela população Terena aqui avaliada, pode ser um ponto importante na compreensão do perfil de crescimento encontrado entre suas crianças. Embora povos indígenas no país tenham passado por importantes mudanças nos modos de subsistência ao longo da história, a migração para centros urbanos pode acelerar ainda mais as transformações, envolvendo a adoção de dietas de alto valor calórico, ricas em gorduras e carboidratos simples, com alto teor de sal e baixa quantidade de fibras alimentares; as mudanças também se estendem para os padrões de atividade física, que podem ser afetados negativamente por esse processo22 Gracey M, King M. Indigenous health part 1: determinants and disease patterns. Lancet 2009; 374(9683):65-75.,7373 Damman S, Eide WB, Kuhnlein HV. Indigenous peoples' nutrition transition in a right to food perspective. Food Policy 2008; 33(2):135-155..
Por fim, destacamos que períodos maiores de acompanhamento do crescimento físico de crianças indígenas podem ser importantes para entender esse processo complexo, ainda pouco descrito na literatura. Constituem limitações do estudo o seguimento durante apenas o primeiro ano de vida e o número de crianças avaliadas, ainda que a totalidade de crianças nascidas no período tenha sido incluída no estudo e acompanhada durante todo o período. Outras limitações residem no número de avaliações antropométricas e o intervalo variável entre elas.
Conclusão
Ainda que a mudança para o ambiente urbano possa potencialmente representar uma melhora nas condições ambientais e de acesso a bens e serviços, incluindo os de saúde, nas famílias aqui acompanhadas ela não se traduz na garantia de condições francamente favoráveis para o crescimento e a nutrição infantis. A inserção no ambiente urbano ocorreu nas periferias de Campo Grande e nos estratos socioeconômicos mais baixos, onde vivenciam condições precárias de saneamento, habitação e, em termos mais amplos, menor acesso a bens e serviços, incluindo os de saúde, quando comparadas às de outros segmentos sociais. Seus indicadores socioeconômicos e de saneamento são sistematicamente piores do que as médias regionais e nacionais, o que aponta para a dimensão racial das importantes desigualdades socioeconômicas e de iniquidades em saúde que atingem os povos indígenas no país.
Os dados sugerem ainda que a população urbana Terena está atravessando um rápido processo de transição nutricional, com excesso de peso presente já no primeiro ano de vida, o que representa, em médio e longo prazo, um inegável desafio para os serviços de saúde que atendem a esta e a outras populações indígenas que hoje vivem em ambientes urbanos. É urgente que as políticas e programas de saúde direcionados a povos indígenas considerem essas particularidades e sejam capazes de contemplar o crescente contingente populacional indígena que vive em áreas urbanas, atualmente não assistidos pela Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, que se destina apenas a indígenas residentes em TI.
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Financiamento
Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul; Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (TO nº 026/17). Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Código de Financiamento 001).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
13 Dez 2024 - Data do Fascículo
Dez 2024
Histórico
- Recebido
15 Set 2023 - Aceito
29 Fev 2024 - Publicado
02 Maio 2024