Efeito dos transtornos mentais comuns na gestação e seis a nove anos pós-parto para a tentativa de suicídio em mulheres

Wellington Bruno Araujo Duarte Elisabete Pereira Silva Ana Bernarda Ludermir Sobre os autores

Resumo

Há escassez de dados globais sobre as tentativas de suicídio (TS). A maior frequência de adoecimento mental coloca as mulheres em maior risco de TS. Os transtornos mentais (TM) estão em primeiro lugar na carga global de doenças em termos de anos vividos com incapacidade (AVI). Entre os problemas de saúde mental que mais acometem mulheres estão os transtornos mentais comuns (TMC). O objetivo desta pesquisa foi investigar o impacto dos TMC na gravidez e seis a nove anos após o parto para a TS em mulheres cadastradas na Estratégia de Saúde da Família no Recife, Pernambuco, Brasil. O estudo engloba duas etapas de uma coorte prospectiva. Foram incluídas 643 mulheres adultas. A prevalência de TMC na etapa I (gestação) e sua incidência na etapa III (seis a nove anos após o parto) foram, respectivamente, 19,3% e 12,6%. A incidência da TS foi de 10,9%. A análise multivariada demonstrou efeito cumulativo dos TMC para a TS: TMC só na gestação (OR 5,4; IC95% 2,2-13,3); só na terceira etapa (OR 5,8; IC95% 2,3-14,9); e em ambas (OR 6,0; IC95% 2,5-14,4). O acúmulo dos TMC em mulheres aumenta a chance de TS, sendo importante a implementação de políticas públicas para a saúde das mulheres, principalmente com histórico de doença mental, hábitos não saudáveis e que sofrem violência.

Palavras-chave:
Saúde da mulher; Transtornos mentais; Tentativa de suicídio; Estudos de coorte

Introdução

A tentativa de suicídio (TS) é caracterizada como um episódio específico de comportamento prejudicial realizado com a intenção consciente de acabar com a própria vida11 World Health Organization (WHO). CID-11 para Estatísticas de Mortalidade e Morbidade 2019 [Internet]. 2019. [acessado 2021 set 25]. Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http%3a%2f%2fid.who.int%2ficd%2fentity%2f179322472?view=G0
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. Aproximadamente 703.000 pessoas morreram no mundo por suicídio em 2019, o que representou uma taxa global de 9,0 por 100.000 habitantes, sendo a quarta causa mais comum de morte entre jovens. Embora tenha havido redução da taxa em 10% entre 2013 e 2019, isso não se verificou na região das Américas, a única que apresentou aumento neste período22 World Health Organization (WHO). Suicide in the world Global Health Estimates 2021 [Internet]. 2021. [cited 2021 set 25]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/341728
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Em relação às TS, existem poucos dados globais e, quando há, a qualidade é baixa devido à falta de estatísticas, que se relacionam com diagnósticos e relatórios insuficientes. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recebe informações de nenhum país do mundo sobre o tema33 Bachmann, S. Epidemiology of suicide and the psychiatric perspective. Int J Environ Res Public Health 2018; 15(7):1425..

Estudos mundiais mostram uma variação da prevalência da TS de 0,3% a 4,2%44 Bertolote J M, Fleischmann A, De Leo D, Bolhari J, Botega N, Silva D, Tran Thi Thanh H, Phillips M, Schlebusch L, Värnik A, Vijayakumar L, Wasserman D. Suicide attempts, plans, and ideation in culturally diverse sites: the WHO SUPRE-MISS community survey. Psychol Med 2005; 35(10):1457-1465.,55 Borges G, Nock MK, Haro Abad, JM, Hwang I, Sampson NA, Alonso J, Andrade LH, Angermeyer MC, Beautrais A, Bromet E, Bruffaerts R, Girolamo G, Florescu S, Gureje O, Hu Chiyi, Karam EG, Kovess-Masfety V, Lee S, Levinson D, Medina-Mora ME, Ormel J, Posada-Villa J, Sagar R, Tomov T, Uda H, Williams DR, Kessler RC. Twelve-Month Prevalence of and Risk Factors for Suicide Attempts in the World Health Organization World Mental Health Surveys. J Clin Psychiatry 2010; 71(12):1617-1628.. Estes apontam que, considerando o sexo, as mulheres são predominantes, apesar de ser consenso que os homens têm taxas mais elevadas de suicídio22 World Health Organization (WHO). Suicide in the world Global Health Estimates 2021 [Internet]. 2021. [cited 2021 set 25]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/341728
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. É o que também demonstram, por exemplo, os estudos brasileiros de Botega et al. (2009)66 Botega NJ, Marín-León L, Oliveira HB, Barros MBA, Silva VF, Dalgalarrondo P. Prevalências de ideação, plano e tentativa de suicídio: um inquérito de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2009; 25(12):2632-2638., Vidal, Gontijo e Lima (2013)77 Vidal CEL, Gontijo ECDM, Lima LA. Tentativas de suicídio: fatores prognósticos e estimativa do excesso de mortalidade. Cad Saude Publica 2013; 29(1):175-187., Brixner et al. (2016)88 Brixner B, Koch CL, Marth MP, Freitas AP, Garske CCD, Giehl VM, Schneider APH. Methods used in suicide attempts and sociodemographic characteristics of patients treated at the emergency department of a teaching hospital. Sci Med 2016; 26(4):24467., Bahia et al. (2017)99 Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Lesão autoprovocada em todos os ciclos da vida: Perfil das vítimas em serviços de urgência e emergência de capitais do Brasil. Cien Saude Colet 2017; 22(9):2841-2850., Grigoletto et al. (2020)1010 Grigoletto AP, Souto VT, Terra MG, Tisott ZL, Ferreira CN. Tentativas de suicídio notificadas em um hospital de ensino no estado do Rio Grande do Sul, 2014-2016. Rev Pesq Cuid Fund 2020; 12:413-419. e Aguiar et al. (2022)1111 Aguiar RA, Riffel RT, Acrani GO, Lindemann IL. Tentativa de suicídio: prevalência e fatores associados entre usuários da Atenção Primária à Saúde. J Bras Psiquiatr 2022; 71(2):133-140..

O primeiro boletim brasileiro sobre suicídio mostra que, entre 2011 e 2016, dos 48.204 casos de TS notificados (27,4% das lesões autoprovocadas), a maioria prevaleceu em mulheres (69% dos casos), aumentando cerca de 200% no período1212 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Perfil epidemiológico das tentativas e óbitos por suicídio no Brasil e a rede de atenção à saúde. Bol Epidemiol 2017; 48:1-15..

Entre os mais fortes preditores de uma TS estão uma tentativa anterior, seguida por ser vítima de abuso sexual, baixo funcionamento global, ter um transtorno psiquiátrico, estar em tratamento psiquiátrico, ter depressão, ansiedade e abusar ou apresentar dependência de álcool1313 Beghi M, Rosenbaum JF, Cerri C, Cornaggia CM. Risk factors for fatal and nonfatal repetition of suicide attempts: a literature review. Neuropsychiatr Dis Treat 2013; 9:1725-1736..

Os transtornos mentais (TM) estão em primeiro lugar na carga global da doença em termos de anos vividos com incapacidade (AVI), e no mesmo nível das doenças cardiovasculares e circulatórias em termos de anos de vida ajustados pela incapacidade (AVAI)1414 Vigo D, Thornicroft G, Atun R. Estimating the true global burden of mental illness. Lancet Psychiatry 2016; 3(2):171-178.. Os TM são responsáveis pela grande maioria dos suicídios e tentativas de suicídio, sendo os números dez vezes maiores do que na população em geral33 Bachmann, S. Epidemiology of suicide and the psychiatric perspective. Int J Environ Res Public Health 2018; 15(7):1425..

Goldberg e Huxley (1992)1515 Goldberg DP, Huxley P. Common mental disorders: a bio-social model. New York: Tavistock/Routledge; 1992. cunharam a expressão transtorno mental comum (TMC) para classificar o grupo de sintomas que apresentam expressões clínicas muito variáveis, como insônia, cansaço, queixas somáticas difusas, irritabilidade, entre outras, que podem não obedecer fielmente às condições necessárias para a identificação de um transtorno mental já reconhecido mas que provocam prejuízos funcionais e psicossociais, bem como alto custo social e econômico. Tristeza profunda, ansiedade e somatização constituem a tríade clássica de sinais e sintomas dos TMC.

As taxas de TMC variam ao longo dos estudos. Steel et al. (2014)1616 Steel Z, Marnane C, Iranpour C, Chey T, Jackson JW, Patel V, Silove D. The global prevalence of common mental disorders: a systematic review and meta-analysis 1980-2013. Int J Epidemiol 2014; 43(2):476-493. encontraram taxa global de TMC de 29,2% para adultos diagnosticados em algum momento da vida. Gonçalves et al. (2014)1717 Gonçalves DA, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tofoli LF, Campos M, Portugal FB, Ballester D, Fortes S. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saude Publica 2014; 30(3):623-632. encontraram índices de 51,9%, 53,3%, 57,7% e 64,3% nas capitais brasileiras Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza, respectivamente, sendo estatisticamente associados a mulheres (OR = 2,0; IC95% 1,6-2,6), pessoas com baixa escolaridade (OR = 1,3; IC95% 1,0-1,6) e com renda mais baixa (OR = 1,6; IC95% 1,3-2,0).

Existem pesquisas relacionando os TM às tentativas de suicídio ou ao próprio suicídio, a exemplo dos estudos de Santos et al. (2009)1818 Santos AS, Lovisi G, Legay L, Abelha L. Prevalência de transtornos mentais nas tentativas de suicídio em um hospital de emergência no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica 2009; 25(9):2064-2074., Grigoletto et al. (2020)1010 Grigoletto AP, Souto VT, Terra MG, Tisott ZL, Ferreira CN. Tentativas de suicídio notificadas em um hospital de ensino no estado do Rio Grande do Sul, 2014-2016. Rev Pesq Cuid Fund 2020; 12:413-419. e Bastos et al. (2019)1919 Bastos L, Escorsim SM, Lima MCD, Rodrigues NCS. Desafios no atendimento a mulheres com risco e/ou tentativa de suicídio em uma maternidade de alto risco. R Saude Publ Parana 2019; 2(1):43-56., mas são poucos os que associam os TMC ao suicídio ou à TS.

Várias estratégias vêm sendo adotadas para enfrentar o suicídio, entre elas o primeiro Plano de Ação para a saúde mental 2013-20302020 World Health Organization (WHO). Comprehensive Mental Health Action Plan 2013-2030 [Internet]. 2021. [cited 2021 set 25]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240031029
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da OMS. Reduzir a taxa de suicídio em um terço até 2030 é uma das metas globais incluídas. Apesar disso, no Atlas de Saúde Mental 2020 dessa instituição, apenas 35 países dos 194 estados membros relataram ter uma estratégia, política ou plano próprios de prevenção ao suicídio2121 World Health Organization (WHO). Mental Health Atlas 2020 [Internet]. 2021. [cited 2020 abr 21]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240036703/
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São ainda mais escassos os estudos de coorte investigando a associação entre os TMC e as TS, assim como são poucos os de base populacional, os quais podem ser de grande contribuição para a intervenção precoce na saúde mental das mulheres, possibilitando a prevenção de tentativas e mortes por suicídio, bem como outros prejuízos sociais subsequentes.

O objetivo deste estudo foi investigar o impacto isolado e cumulativo dos transtornos mentais comuns na gravidez e seis a nove anos após o parto para a TS em uma coorte de mulheres cadastradas na Estratégia de Saúde da Família no Recife, Pernambuco, Brasil.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa que engloba as etapas I e III de um estudo de coorte prospectivo, composto de três etapas, realizado no Distrito Sanitário (DS) II da cidade do Recife.

A etapa I (linha de base da coorte) ocorreu entre os anos de 2005 e 2006. Nela, todas as gestantes (n = 1.133), com idades de 18 a 49 anos, com 31 semanas ou mais de gravidez, cadastradas na Estratégia Saúde da Família do DS II do Recife foram consideradas elegíveis. Essas gestantes foram identificadas por meio dos registros dos agentes comunitários de saúde e incluídas no estudo. Das 1.133 mulheres elegíveis, 1.120 (98,9%) foram entrevistadas na gravidez. Na terceira etapa da coorte, entre julho de 2013 e dezembro de 2014, ou seja, seis a nove anos após o parto, foram entrevistadas 643 mulheres (57,4% da amostra original), pois houve 477 perdas (454 por mudança de endereço, 5 óbitos e 18 recusas).

Para a coleta de dados, profissionais de nível superior com experiência em pesquisa sobre saúde das mulheres foram treinadas, momento em que se enfatizaram as questões éticas e a necessidade de coleta de informações precisas. Previamente à coleta dos dados, foram feitos estudos piloto com entrevistas simuladas em DS distintos ao estudado. O primeiro contato com as gestantes foi feito durante a consulta de pré-natal. A entrevista foi realizada na própria USF, no veículo disponível para as entrevistadoras ou em data e local mais convenientes para a mulher, visando o seu conforto e segurança. Os contatos com as gestantes que não faziam o pré-natal na USF e com aquelas que não realizavam pré-natal com regularidade foram feitos no domicílio. Seis a nove anos após o parto, as entrevistas foram realizadas na residência das mulheres, de maneira reservada, ou em outro local mais conveniente a elas.

Como instrumento de coleta de dados, foram elaborados questionários para ambas as etapas, com perguntas referentes à identificação da mulher, entre outros aspectos da sua vida. O questionário utilizado na etapa III incluiu ainda questões que tiveram como referência o Questionário da Mulher do Estudo Multipaíses sobre a Saúde da Mulher e Violência Doméstica da OMS2222 Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Couto MT, Hanada H, Kiss LB, Durand JG, Puccia MI, Andrade MC. Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo. Rev Saude Publica 2007; 41(3):359-367..

As informações sobre características sociodemográficas das mulheres, variáveis comportamentais, perfil do relacionamento do casal e sobre tentativa de suicídio (variável dependente) analisadas neste estudo foram coletadas da última etapa. A TS foi investigada pela pergunta: “Você já tentou pôr fim à sua vida? (sim e não).”

Nos questionários de ambas as etapas (I e III), a presença dos TMC (variável independente) foi identificada pelo Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20).

O SRQ-20 é um instrumento elaborado pela OMS para detecção de problemas psiquiátricos na atenção primária à saúde (APS) em países em desenvolvimento2323 Harding TW, De Arango MV, Baltazar J, Climent CE, Ibrahim HH, Ladrido-Ignacio L, Murthy RS, Wig NN. Mental disorders in primary health care: a study of their frequency and diagnosis in four developing countries. Psychol Med 1980; 10(2):231-241., composto de 20 questões do tipo sim-não, sendo quatro sobre sintomas físicos e 16 sobre transtornos psicoemocionais apresentados nos últimos 30 dias. Foi validado no Brasil com sensibilidade de 85% e especificidade de 80%2424 Mari JJ, William P. Misclassification by psychiatric screening questionnaires. J Chronic Dis 1968; 39:371-378., e em Pernambuco, de 62% e 80%, respectivamente2525 Ludermir AB, Lewis G. Investigating the effect of demographic and socioeconomic variables on misclassification by the SRQ-20 compared with a psychiatric interview. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2005: 40(1):36-41.. Na análise de dados foi atribuído um ponto para cada resposta afirmativa e zero para cada resposta negativa. O escore de corte do SRQ-20 para este estudo foi definido em 7/8, baseado nos resultados dos estudos de Mari e William (1968)2424 Mari JJ, William P. Misclassification by psychiatric screening questionnaires. J Chronic Dis 1968; 39:371-378. e Ludermir e Lewis (2005)2525 Ludermir AB, Lewis G. Investigating the effect of demographic and socioeconomic variables on misclassification by the SRQ-20 compared with a psychiatric interview. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2005: 40(1):36-41., sendo as mulheres divididas em dois grupos: não suspeitas de TMC (escore igual ou menor que 7) e suspeitas de TMC (escore igual ou acima de 8).

Os dados foram digitados no Programa Epi-Info, versão 3.5.4, através de entrada dupla de dados e por digitadores diferentes. Posteriormente, o aplicativo Validate foi utilizado para checar os erros de digitação, sendo realizadas a limpeza e a verificação da consistência dos dados. A análise estatística foi conduzida no programa Stata, versão 13.1 para Windows.

Inicialmente foi feita a descrição da amostra pelas covariáveis estudadas. Com relação às características das mulheres, foram incluídas: idade (< 30 anos vs ≥ 30 anos); escolaridade (≤ 9 vs > 9 anos de estudo); presença de companheiro (sim vs não); e história de doença mental (sim vs não). Para avaliar a raça/cor, as mulheres foram convidadas a se autorreferir em uma das categorias: branca, preta ou parda. As variáveis comportamentais analisadas foram: hábito de fumar (sim vs não) e uso de álcool (sim vs não). O perfil do relacionamento do casal foi medido por meio das covariáveis brigas do casal (< 1 vs ≥ 1 vez por mês) e violência pelo parceiro íntimo (sim vs não).

O teste do qui-quadrado foi utilizado para estimar a prevalência dos TMC na gestação e a incidência seis a nove anos após o parto, além da incidência da tentativa de suicídio nas mulheres seis a nove anos após o parto. Também foi realizada a descrição da amostra pelas covariáveis estudadas (características da mulher, variáveis comportamentais e perfil do relacionamento).

A regressão logística foi utilizada para analisar a independência da associação entre as covariáveis e a TS e os TMC, assim como entre a TS e os TMC, de forma bruta e ajustada.

Para a associação da TS com os TMC, uma variável categórica foi construída a partir dos TMC: 0. Sem TMC; 1. Com TMC na gestação e sem TMC na terceira etapa; 2. Sem TMC na gestação e com TMC na terceira etapa; e 4. TMC em ambas as etapas.

As covariáveis incluídas no modelo ajustado foram aquelas descritas na literatura como potenciais fatores de confusão e que, no presente estudo, mostraram-se associadas aos TMC e à tentativa de suicídio com valor de p < 0,10.

A razão de chances (odds ratio - OR) foi calculada com intervalos de 95% de confiança (IC95%), e as associações com p < 0,05 foram consideradas estatisticamente significantes.

A confidencialidade e a privacidade foram garantidas durante e após a entrevista. Todas as participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, lido no início da entrevista, momento em que foi discutido o local, o caráter voluntário e sigiloso e a natureza delicada e pessoal de algumas questões. O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (Parecer nº 194.672, emitido em 06/02/2013). As etapas anteriores da pesquisa foram aprovadas pelo CEP do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFPE (protocolo de pesquisa número 303/2004-CEP/CCS).

Resultados

A distribuição das características da mulher, das variáveis comportamentais e do perfil de relacionamento (Tabela 1) mostrou que houve predomínio de mulheres da faixa etária ≥ 30 anos (73,6%). A maioria se definiu com raça/cor da pele parda (65,0%) e pouco mais da metade apresentava ≤ 9 anos de estudo (50,5%). A maior parte dessas mulheres tinha companheiro (81,2%) e 14,2% apresentava histórico de doença mental. Em relação às variáveis comportamentais, cerca de um quarto tinha o hábito de fumar (24,4%) e a maioria delas (56,3%) fazia uso de bebidas alcoólicas.

Tabela 1
Associação entre características da mulher, variáveis comportamentais e perfil do relacionamento, e a tentativa de suicídio seis a nove anos após o parto. Recife, 2013-2014.

Sobre o perfil de relacionamento do casal, 32,9% brigavam uma ou mais vezes ao mês e 33,0% das mulheres referiram ter sofrido violência por parceiro íntimo. A incidência de tentativa de suicídio seis a nove anos após o parto foi de aproximadamente 10,9%.

Os resultados da análise da associação das covariáveis com a TS mostraram que esta foi mais frequente nas mulheres com história de doença mental (OR = 5,40; p < 0,0001) e nas que tinham hábito de fumar (OR = 1,86; p = 0,021) e usavam álcool (OR = 1,94; p = 0,016). Além disso, brigas do casal com frequência maior ou igual a uma vez por mês (OR = 3,46; p < 0,0001) e violência por parceiro íntimo (OR = 2,91; p < 0,0001) também foram estatisticamente associadas à TS seis a nove anos após o parto.

A Tabela 2 apresenta a associação entre as características da mulher, suas variáveis comportamentais e o perfil do relacionamento com a variável categórica dos TMC.

Tabela 2
Associação entre características da mulher, variáveis comportamentais e perfil do relacionamento, e os transtornos mentais comuns. Recife, 2005-2014.

Das 643 mulheres acompanhadas, 47,7% não tiveram TMC em nenhum momento da pesquisa, 19,3% apenas na gestação, 12,6% apenas na terceira etapa e 20,4% em ambos os períodos.

A distribuição das características da mulher, das variáveis comportamentais e do perfil de relacionamento do casal mostrou que a maioria das mulheres que tiveram TMC só na gestação foram também as que mais consumiam álcool seis a nove anos depois (66,1%). Além disso, as mulheres que tiveram TMC na gestação e seis a nove anos após o parto foram também as que mais frequentemente apresentaram 9 anos de estudo (65,4%), além de apresentarem histórico de doença mental (34,3%) e terem o hábito de fumar (31,3%). O mesmo ocorreu em relação às brigas do casal ≥ 1 vez/mês (49,6%) e à violência pelo parceiro íntimo (55,0%).

Os resultados da análise da associação das características da mulher, das variáveis comportamentais e do perfil de relacionamento do casal com os TMC mostraram que estes foram significativamente associados às mulheres que tinham ≤ 9 anos de estudo (OR = 1,49; IC95% 1,1-2,0; p = 0,012;) e com história de doença mental (OR = 3,60; IC95% 2,2-6,0; p < 0,0001).

Em relação às variáveis comportamentais, os TMC se mostraram associados àquelas que tinham hábito de fumar (OR = 1,56; IC95% 1,1-2,3; p = 0,018) e faziam uso de álcool (OR = 1,50; IC95% 1,1-2,1; p = 0,012). Além disso, brigas do casal com frequência maior ou igual a uma vez por mês (OR = 1,73; IC95% 1,2-2,4; p = 0,001) e violência por parceiro íntimo (OR = 2,84; IC95% 2,0-4,0; p < 0,0001) também foram estatisticamente associados aos TMC.

Já a associação entre os momentos de TMC e a TS seis a nove anos após o parto demonstrou que houve significância estatística, tanto no modelo bruto (TMC na gestação = OR 5,5; IC 95% 2,3-13,3; TMC seis a nove anos após o parto = OR 8,5; IC 95% 3,5-20,9; TMC na gestação e seis a nove anos após o parto = OR 11,6; IC95% 5,2- 26,0) quanto no ajustado (TMC na gestação = OR 5,4; IC95% 2,2-13,3; TMC seis a nove anos após o parto = OR 5,8; IC95% 2,3-14,9; TMC na gestação e seis a nove anos após o parto = OR 6,0; IC95% 2,5-14,4), como se observa na Tabela 3, indicando efeito cumulativo dos TMC para a TS. Ou seja, mulheres que apresentaram TMC na gestação e seis a nove anos após o parto tiveram mais chances de tentar suicídio em relação às que não apresentaram ou apresentaram TMC em apenas uma dessas etapas.

Tabela 3
Associação entre os transtornos mentais comuns e a tentativa de suicídio seis a nove anos após o parto. Recife, 2005-2014.

Discussão

A incidência da TS se mostrou alta no presente estudo quando comparada a outras pesquisas.

Em Bangladesh, Li et al. (2021)2626 Li J, Imam SZ, Jing Z, Wang Y, Zhou C. Suicide attempt and its associated factors amongst women who were pregnant as adolescents in Bangladesh: a cross sectional study. Reprod Health 2021; 18(1):71. encontraram taxa de TS de 6,5% entre mulheres, com a maioria delas (88,5%) ocorrendo em até um ano após a gravidez. Similarmente, Seponski et al. (2019)2727 Seponski DM, Somo CM, Kao S, Lahar CJ, Khan S, Schunert T. Family, health, and poverty factors impacting suicide attempts in Cambodian women. Crisis 2019; 40(2):141-145., no Camboja, identificaram prevalência de TS em mulheres de 5,5% (n = 100).

A incidência de TS no estudo de coorte de base populacional de Maselko e Patel2828 Maselko J, Patel V. Why women attempt suicide: the role of mental illness and social disadvantage in a community cohort study in India. J Epidemiol Community Health 2008; 62(9):817-822. foi ainda menor, de apenas 0,8%. Assim como no presente estudo, participaram mulheres atendidas na atenção primária em Goa, na Índia. Em modelos não ajustados, a exposição à violência (OR 7,70; IC95% = 2,80-22,21) foi um dos preditores mais fortes de casos de TS, aparecendo também como fator preditor independente da TS no modelo multivariado (OR 5,18, IC95% 1,55-18,75), corroborando os achados deste estudo.

A associação significante que há entre a violência por parceiro íntimo e a tentativa de suicídio em mulheres já é reconhecida na literatura, a exemplo do demonstrado na revisão sistemática de Devries et al.2929 Devries KM, Mak JY, Bacchus LJ, Child JC, Falder G, Petzold M, Astbury J, Watts C. Intimate partner violence and incident depressive symptoms and suicide attempts: a systematic review of longitudinal studies. PLoS Medicine 2013; 10(5):e1001439..

A VPI é um sério problema de saúde pública, com consequências para a saúde mental e as funções cognitivas das mulheres, podendo levar a transtornos mentais, somatoformes ou doenças crônicas, assim como a outras condições físicas e até resultar em tentativa de suicídio e suicídio consumado3030 World Health Organization (WHO). Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and nonpartner sexual violence. Geneva: WHO; 2013..

Na pesquisa de caráter global realizada entre 2000 e 20033131 Devries K, Watts C, Yoshihama M, Kiss L, Schraiber LB, Deyessa N, Heise L, Durand J, Mbwambo J, Jansen H, Berhane Y, Ellsberg M, Garcia-Moreno C. Violence against women is strongly associated with suicide attempts: evidence from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women. Soc Sci Med 2011; 73(1):79-86., também envolvendo apenas mulheres, incluindo Brasil, Etiópia, Japão, Namíbia, Peru, Samoa, Sérvia, Tailândia e Tanzânia, identificou-se variação na prevalência de TS na vida entre 0,8% (Tanzânia) e 12,0% (Peru), esta última superando a taxa apresentada no presente estudo. A violência por parceiro íntimo também foi um dos fatores de risco mais consistentes para tentativas de suicídio após o ajuste para prováveis ​​transtornos mentais comuns. Além disso, problemas com uso de álcool foram significativamente associados às tentativas de suicídio em todos os locais citados, similarmente ao presente estudo.

Um dos reconhecidos comportamentos subsequentes à VPI é o consumo de álcool pelas mulheres, ao tentarem gerenciar as consequências negativas da violência sofrida. A natureza dessa associação é complexa e bidirecional. O consumo de álcool, em situações de dependência, pode levar a vários problemas de saúde, inclusive à tentativa de suicídio.

No estudo de Vasquez-Escobar e Benitez-Camargo3232 Vásquez-Escobar L, Benítez-Camargo S. Intento suicida: un análisis municipal de factores asociados 2012-2017. Hacia Promoc Salud 2021; 26(2):68-82. sobre fatores associados à TS em Sogamoso, Colômbia, a variável consumo de álcool, associou-se às mulheres na categoria de início da idade adulta (jovem), com OR = 2,2 (1/0,45), assim como a variável violência, que também apresentou associação estatisticamente significativa (p < 0,05) e OR = 1,8 (1/0,55).

Ainda em relação à associação entre TS e uso de álcool, no estudo transversal de Alvarado-Esquivel3333 Alvarado-Esquivel, C. Suicidal ideation and suicide attempts in middle-aged women attending a primary care center: a cross-sectional study in Mexico. J Clin Med Res 2018; 10(9):693-699., a variável consumo de álcool também se associou de maneira independente às TS entre as mulheres (OR = 2,82; IC95%: 1,01-7,84; p = 0,04). Similarmente ao presente estudo, foi conduzido na APS em Durango, México, e nenhuma das características sociodemográficas foi associada às TS, que apresentaram uma taxa menor dos que a deste estudo, de 5,1%.

A pesquisa de Nam et al.3434 Nam B, Kim JY, DeVylder J, Kim J. Suicidal ideation and attempt among north korean refugee women in South Korea: factors that distinguish suicide attempt from suicidal ideation. Suicide Life Threat Behav 2021; 51(3):564-571. foi uma das que apresentaram uma das mais altas prevalências de TS (18%), entre a amostra de norte-coreanas refugiadas na Coréia do Sul. De maneira diversa a este estudo, o uso de álcool não foi estatisticamente significante para a TS. Os autores acreditam que o estresse pós-migração pode ter tido um papel importante na taxa elevada de TS, uma vez que as refugiadas norte-coreanas tinham níveis relativamente mais altos de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) do que a população em geral.

Em relação ao histórico de doença mental, Seghatoleslam et al.3535 Seghatoleslam T, Habil H, Rezaee O, Sadr S, Emamhadi R. Is suicide predictable? A classification of predictive factors in iranian women who had multiple suicide attempts. Eur Psychiatry 2011; 26:1642. encontraram associação estatisticamente significante entre as múltiplas tentativas de suicídio em mulheres iranianas e seu histórico de doença mental, além de depressão e abuso de substâncias.

Não foram identificadas pesquisas que associassem o tabagismo às tentativas de suicídio.

Assim como em relação às TS, também são escassos os estudos de base populacional dos TMC em mulheres. Neste estudo, as frequências de TMC investigadas foram menores do que a maioria das encontradas em outras pesquisas. Nota-se que as mesmas covariáveis investigadas que se associaram estatisticamente às TS também se associaram aos TMC, além de escolaridade ≤ 9 anos, o que se observa também em outras pesquisas.

As taxas de prevalência dos TMC em mulheres oscilam muito entre os estudos. Bezerra et al.3636 Bezerra H, Alves R, Nunes A, Barbosa I. Prevalence and associated factors of common mental disorders in women: a systematic review. Public Health Rev 2021; 42:1604234-1604234. apontam uma variação global de 9,6% a 69,3%, sendo a maior delas identificada no Brasil, na cidade de Petrópolis - RJ3737 Fortes S, Lopes CS, Villano LAB, Campos MR, Goncalves DA, Mari JJ. Common mental disorders in Petrópolis-RJ: a challenge to integrate mental health into primary care strategies. Braz J Psychiatry 2011; 33(2):150-156.. Vários fatores foram associados com TMC em mulheres adultas, como desemprego, endividamento, baixa renda, ser dona de casa, fumar, baixa escolaridade, autoavaliação ruim da saúde, ser solteira, divorciada ou viúva3636 Bezerra H, Alves R, Nunes A, Barbosa I. Prevalence and associated factors of common mental disorders in women: a systematic review. Public Health Rev 2021; 42:1604234-1604234..

Audi et al.3838 Audi CAF, Santiago SM, Andrade MGG, Francisco PMS. Transtorno mental comum em mulheres encarceradas: um estudo sobre prevalência e fatores associados. Cien Saude Colet 2018; 23(11):3587-3596. estimaram uma frequência de TMC de 66,7% em mulheres encarceradas em um presídio feminino em Campinas, São Paulo. As variáveis violência psicológica no ano anterior à prisão e tabagismo se associaram independentemente e positivamente ao TMC, corroborando os resultados deste estudo. Acreditamos que a situação de cárcere tenha contribuído de maneira significativa para a taxa elevada de TMC.

Já em relação à prevalência de gestantes com TMC, estudo realizado no sudeste da Etiópia revelou que, entre as 743 mulheres grávidas entrevistadas, a prevalência de TMC se mostrou também superior à deste estudo (35,8%; IC95%: 34-38%). Corroborando nossos achados, situações de violência apontadas no estudo como abuso físico ou emocional e ter relação sexual sem sua vontade foram alguns dos determinantes dos TMC, além de história de doença crônica3939 Woldetsadik AM, Ayele AN, Roba AE, Haile GF, Mubashir K. Prevalence of common mental disorder and associated factors among pregnant women in South-East Ethiopia, 2017: a community based cross-sectional study. Reprod Health 2019; 16(1):173..

Ao contrário dos estudos já citados, o de Maselko e Patel2828 Maselko J, Patel V. Why women attempt suicide: the role of mental illness and social disadvantage in a community cohort study in India. J Epidemiol Community Health 2008; 62(9):817-822., também conduzido na APS, encontrou prevalência de TMC menor do que no presente estudo, de apenas 6,5% (n = 151; IC95%: 5,5-7,6).

Em relação à associação entre os TMC e a TS, os resultados deste estudo demonstram, no modelo ajustado, que as mulheres que apresentaram TMC apenas na gestação ou seis a nove anos após o parto tiveram cerca de cinco vezes mais chances de TS seis a nove anos após o parto, sendo a probabilidade ainda maior quando apresentaram TMC nas duas etapas analisadas, em relação às mulheres que não apresentaram TMC, demonstrando um efeito cumulativo. Isso reforça a importância da intervenção precoce nas situações de TMC, também de maneira a evitá-los nas mulheres, a fim de que as chances de tentativa de suicídio se anulem ou se reduzam.

São escassos os estudos que investigam essa associação. Devries et al.3131 Devries K, Watts C, Yoshihama M, Kiss L, Schraiber LB, Deyessa N, Heise L, Durand J, Mbwambo J, Jansen H, Berhane Y, Ellsberg M, Garcia-Moreno C. Violence against women is strongly associated with suicide attempts: evidence from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women. Soc Sci Med 2011; 73(1):79-86. identificaram que ter um provável TMC foi significativamente associado às tentativas de suicídio em todos os locais estudados. Maselko e Patel2828 Maselko J, Patel V. Why women attempt suicide: the role of mental illness and social disadvantage in a community cohort study in India. J Epidemiol Community Health 2008; 62(9):817-822. encontraram, em modelos não ajustados, que os TMC (OR = 8,71; IC95: 2,86-24,43) foram um dos preditores mais fortes de casos de TS.

Sabe-se que a maior frequência de problemas de saúde mental entre mulheres coloca-as em posição de maior risco para comportamento suicida e que elas tentam mais suicídio do que os homens, que têm mais êxito em acabar com a própria vida99 Bahia CA, Avanci JQ, Pinto LW, Minayo MCS. Lesão autoprovocada em todos os ciclos da vida: Perfil das vítimas em serviços de urgência e emergência de capitais do Brasil. Cien Saude Colet 2017; 22(9):2841-2850..

Teti et al.4040 Teti G, Rebok F, Rojas S, Grendas L, Daray F. Systematic review of risk factors for suicide and suicide attempt among psychiatric patients in Latin America and Caribbean. Rev Panam Salud Publica 2014; 36(2):124-133., ao analisarem as evidências publicadas da região da América Latina e Caribe referentes a fatores de risco para suicídio consumado e tentativas de suicídio entre populações com doenças psiquiátricas, encontraram transtorno depressivo grave, disfunção familiar e tentativa anterior de suicídio como os principais fatores de risco para tentativas de suicídio.

Considerações finais

A TS é o mais forte fator preditor da ocorrência do suicídio e não pode ser desconsiderada, necessitando de notificação, vigilância e acompanhamento da mulher. Com os resultados deste estudo, nota-se o quanto o acúmulo de episódios de TMC contribui para a TS em mulheres.

Os TMC precisam ser mais discutidos e, assim como a violência contra as mulheres, necessitam de vigilância por profissionais de saúde, autoridades públicas e sociedade em geral, principalmente em situações de maior vulnerabilidade, como a gestação e o puerpério.

Diversas medidas podem ser tomadas para evitar o suicídio, e a APS é o primeiro e principal ponto de referência para o cuidado em saúde mental das mulheres, que junto a outros setores, como assistência social, educação, cultura e lazer, contribuem para a promoção da saúde. A criação de espaços que estimulem a adoção de comportamentos saudáveis, de acolhimento às mulheres vítimas de violência e de prevenção de sofrimento mental/transtornos mentais e agravos podem ser importantes contribuições para evitar o adoecimento e a morte de mulheres jovens.

Por se tratar de um estudo de coorte e de base populacional, esta pesquisa consegue compreender o comportamento dos fatores de exposição e o desfecho ao longo do tempo, além de acompanhar as mulheres o mais perto de onde vivem, sendo fonte mais precisa de informações. O estudo traz novos dados sobre os riscos para TS nesse público, podendo respaldar ações para a prevenção do TMC e da TS, revelando aspectos para intervenções. Além disso, os dados foram coletados numa área estratégica e prioritária para as políticas públicas, com indicadores socioeconômicos e de saúde precários, havendo a possibilidade de generalização dos resultados para populações com condições semelhantes.

Entre as restrições do presente estudo, há a limitação da possibilidade de generalização dos resultados para outras mulheres de estratos distintos aos do local do estudo, além das perdas consideráveis de sujeitos da pesquisa entre as duas etapas. Outra limitação diz respeito à possibilidade de constrangimento das mulheres ao tratar de temas sensíveis a elas, dificultando a coleta de informações. Por esse motivo, alguns cuidados foram adotados, como a garantia da confidencialidade, o direito de escolha quanto ao local da entrevista e a seleção de entrevistadoras mulheres e com experiência de pesquisa sobre saúde da mulher.

É importante que sejam realizadas mais estudos sobre o tema, inclusive contemplando mulheres não acompanhadas por equipes de saúde e em outras condições de vida, como aquelas que não gestaram, idosas, do campo, viúvas, entre outras. A partir da identificação de fatores preditivos de TS, é possível que se evitem novas tentativas, internamentos, sofrimento mental e, consequentemente, suicídios.

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  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Processo: 403060/2004-4) e Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (Decit - Processo: 473545/2004-7).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Fev 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2023
  • Aceito
    13 Jun 2023
  • Publicado
    15 Jun 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br