Enfrentamento de epidemias de ISTs em população jovem: caracterização da linguagem dos materiais educativos

Polyanna da Costa Lima Clélia Maria de Sousa Ferreira Parreira Júlia Escalda Ruth da Conceição Costa e Silva Sacco Amanda de Siqueira Cabral Yunara Venturelli Ana Valéria Machado Mendonça Patrícia Maria Fonseca Escalda Sobre os autores

Resumo

O objetivo do artigo é caracterizar a linguagem utilizada nos materiais educativos e comunicacionais vinculados à temática das IST, do HIV/Aids e hepatites virais produzidos e veiculados pelo Ministério da Saúde no período de 2010 a 2019, identificando elementos de promoção à saúde e de prevenção de doenças. Metodologia descritiva exploratória para a caracterização da linguagem utilizada nos materiais educativos e comunicacionais sobre as IST, do HIV/Aids e hepatites virais. Para a seleção dos materiais educativos, adotou-se a estratégia de busca sistemática realizada no site do Ministério da Saúde do Brasil por um período de dez anos: de 2010 a 2019. Os materiais foram observados por meio dos enfoques educativos. O enfoque preventivo foi identificado em 100% dos materiais analisados (201). O enfoque educativo foi encontrado em 24,87% (50) dos materiais, e o enfoque de desenvolvimento pessoal foi encontrado em 7,96% (16). Os enfoques radical e da educação popular em saúde não foram observados. A atenção quase exclusiva ao enfoque preventivo revela que cuidados individuais isoladamente não são suficientes para combater e sanar o problema das IST, do HIV/Aids e das hepatites virais no Brasil.

Palavras-chave:
Educação em saúde; Infecções sexualmente transmissíveis; Materiais educativos e de divulgação; Saúde do adolescente

Introdução

A incidência de infecções sexualmente transmissíveis (IST) é um problema de saúde pública, tanto no cenário brasileiro como mundial. Segundo a Organização Mundial de Saúde, há uma alta incidência global de IST, estimando-se mais de 1 milhão de contaminações por dia, trazendo consequências à saúde individual e coletiva, bem como consequências sociais e econômicas¹.

O problema de pesquisa surgiu considerando o aumento significativo dessas infecções entre jovens de 15 e 24 anos no Brasil, apesar dos investimentos do Ministério da Saúde em estratégias comunicacionais abordando tais temas. A justificativa da pesquisa se sustenta na medida em que, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Aids é a segunda causa de morte mundial na faixa etária de 10 a 19 anos. De acordo com Paula Laboissiére², a estimativa é que, a cada hora, 29 adolescentes são infectados por HIV.

Nesse contexto, o comportamento sexual de adolescentes e jovens configura um desafio para a saúde pública, pois são múltiplos os fatores relacionados às condutas sexuais que apontam os jovens como grupo de risco para IST. Isso pode ser explicado pela vulnerabilidade da população jovem, mais exposta, visto que é uma fase de imaturidade etária, cognitiva e emocional, além de um período de descobertas e de grande influência de grupos sociais³.

A comunicação é campo estratégico para a promoção da saúde desse grupo, ao permitir a difusão de informações sobre saúde e favorecer processos comunicacionais alinhados às diretrizes de participação social na definição das políticas públicas44 Vasconcelos WRM, Oliveira-Costa MS, Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2016; 10(2):1-11.,55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): revisão da Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006. Brasília: MS; 2015.. Assim, a comunicação traz a saúde como objeto para produção do discurso - como é o caso das campanhas de saúde em políticas públicas - e a saúde usa o saber comunicacional como ferramenta para ações de promoção e prevenção, estabelecendo-se uma relação complexa entre comunicação e saúde, sendo essas equivalentes e complementares, cada campo com suas especificidades44 Vasconcelos WRM, Oliveira-Costa MS, Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2016; 10(2):1-11.. Diante disso, o governo brasileiro investe em ações de controle dessas doenças utilizando estratégias comunicacionais abordando o tema das IST.

A efetiva compreensão, assimilação e aceitação dessas políticas públicas se dão pela visibilidade que alcançam e por sua conversão em saberes correspondentes e sintonizados com aqueles das populações que pretendem atingir44 Vasconcelos WRM, Oliveira-Costa MS, Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2016; 10(2):1-11.. Desse modo, a produção de um material educativo em saúde sempre precisa ser cuidadosa em relação a muitos aspectos, entre eles se destaca a linguagem de seus textos, qualquer que seja o nível, curso ou o grau de escolaridade de seu público-alvo, para estabelecer uma comunicação promotora da saúde de qualidade.

Conceituar a promoção da saúde traz o desafio de diferenciá-la da prevenção (de riscos, doenças e agravos)44 Vasconcelos WRM, Oliveira-Costa MS, Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2016; 10(2):1-11.. A promoção da saúde pode ser definida como um conjunto de estratégias e formas de produzir saúde, tanto no âmbito individual quanto coletivo, reduzindo vulnerabilidades e riscos à saúde decorrentes dos determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais, visando a equidade, melhoria das condições de saúde e dos modos de viver e a qualidade de vida55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): revisão da Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006. Brasília: MS; 2015.. A prevenção de doenças, por sua vez, busca apenas que os indivíduos fiquem isentos das mesmas. Nessa perspectiva, a ausência de doença é o objetivo final e suficiente66 Buss PM. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p. 19-42..

Esses conceitos não são excludentes, mas complementares. Contudo, Vasconcelos, Oliveira-Costa e Mendonça44 Vasconcelos WRM, Oliveira-Costa MS, Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2016; 10(2):1-11. destacam que é importante que a comunicação possa incorporar um caráter promotor da saúde, em vez de apenas disparar conteúdos preventivos em relação à área da saúde. Considerando-se a importância e o papel da comunicação para a prevenção e promoção da saúde, cabe verificar, portanto, como o Ministério da Saúde brasileiro tem orientado sua comunicação.

Objetivo

A pesquisa busca caracterizar a linguagem utilizada nos materiais educativos e comunicacionais vinculados à temática das IST, do HIV/Aids e hepatites virais produzidos e veiculados pelo Ministério da Saúde no período de 2009 a 2019, identificando elementos de promoção à saúde e de prevenção de doenças.

Referencial teórico

Pretende-se fazer uma aproximação com a área de saber denominada educação e saúde pela análise da linguagem utilizada nos materiais educativos e comunicacionais, apresentando seus diferentes enfoques, isto é, os modos como esses materiais têm lidado com os problemas de saúde da população. Para tanto, foram examinados os enfoques educativos, com base na tipologia proposta por Tones77 Tones BR. Educación para la salud: prevención o subversión? Tendencias actuales en educación sanitária. Quadern CAPS 1987; (8):27-37., que foi revista e ampliada por Stotz88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Os enfoques de educação e saúde são vertentes filosóficas nas abordagens sobre educação e saúde, sendo eles: preventivo; educativo (da escolha informada); de desenvolvimento pessoal; radical; e educação popular em saúde (EPS). Segundo Eduardo Navarro Stotz88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22. e Ana Lúcia Magalhães Fittipaldi et al.99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806., a educação em saúde se materializa por meio desses enfoques como estratégias que direcionam as práticas de educação no cuidado em saúde.

O enfoque preventivo parte do pressuposto de que o comportamento dos indivíduos (visto como fator de risco) está implicado na etiologia das doenças modernas (crônico-degenerativas). Nessa perspectiva, busca-se estimular ou persuadir as pessoas a modificar esses padrões, substituindo-os por estilos de vida mais saudáveis, o que demonstraria a eficácia desse enfoque88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22.. A principal crítica em relação a essa abordagem está centrada no fato de que se busca persuadir as pessoas a modificar seus comportamentos de risco, sem considerar o contexto social em que vivem e suas subjetividades, transferindo exclusivamente para os indivíduos a responsabilidade por sua saúde ou doença99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806..

O chamado enfoque educativo (ou da escolha informada), por sua vez, enfatiza o lugar do indivíduo, sua privacidade e dignidade, propondo uma ação com base no princípio da eleição informada sobre os riscos à saúde. A eficácia dessa abordagem pressupõe simplesmente a que o usuário tenha uma compreensão genuína da situação88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22.. Assim, o enfoque educativo foi proposto com base na ideia de que, após a compreensão dos riscos, as pessoas estariam aptas e livres para fazerem suas escolhas99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806..

O enfoque de desenvolvimento pessoal adota, em linhas gerais, as mesmas proposições do educativo, aprofundando-as no sentido de aumentar as potencialidades do indivíduo. Assume-se ser fundamental facilitar a eleição informada e o desenvolvimento de destrezas para a vida. Contudo, são desconsideradas as influências externas no processo saúde-doença, pressupondo indivíduos livres e em condições de realizar a “eleição informada” de comportamentos ou ações, quando grande parte da população não se encontra em condições de fazer tal eleição88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Os enfoques referidos até aqui se baseiam na assunção da responsabilidade individual sobre a ação e o aperfeiçoamento do homem por meio da educação. Porém, apresentam características individualizantes, parciais e corretivas frente a problemas que requerem, predominantemente, soluções sociais e holísticas. Afirma-se, ainda, que esses tipos de enfoques de educação e saúde acabam por reforçar a própria ordem social, pois transferem para os indivíduos a responsabilidade por problemas cuja determinação se encontra nas relações sociais, portanto na própria estrutura da sociedade88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Diante disso, o enfoque radical, alternativo a esses, parte precisamente da consideração de que as condições e a estrutura social são causas básicas dos problemas de saúde, baseando-se na perspectiva de transformação das condições geradoras de doenças através de uma luta política que envolve o Estado, uma vez que a intervenção deste poderia modificar leis e normas que influenciariam positivamente a saúde da população. Em contrapartida, esse enfoque desconhece a dimensão singular dos problemas de saúde, em detrimento do caráter social da doença e da necessidade das políticas públicas de saúde88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Com o objetivo de abranger a complexidade da educação em saúde, um novo enfoque à tipologia77 Tones BR. Educación para la salud: prevención o subversión? Tendencias actuales en educación sanitária. Quadern CAPS 1987; (8):27-37. foi acrescido: o da educação popular em saúde88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22.. Ele valoriza as experiências dos indivíduos sobre o seu sofrimento e também dos movimentos sociais e das organizações populares em sua luta pela saúde. Assim, considera o diálogo entre o conhecimento técnico-científico e aquele adquirido nas experiências e lutas populares pela saúde o caminho para possibilitar o estímulo à autonomia e à construção compartilhada do conhecimento na educação para transformar a realidade99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806..

Metodologia

A pesquisa envolveu a análise de documentos de domínio público, especificamente os materiais das campanhas do Ministério da Saúde sobre Controle das IST, do HIV/Aids e das hepatites virais de diversos tipos (cartazes, vídeos, banners, spots, folders/mini folders, jingles, outdoors, camisetas, mobiliários urbanos, áudios, anúncios, GIFs, painéis, filipetas, walkmídias, backgrounds Twitter, posts para Facebook, bandanas, e-mail marketings, mini doors, abrigos de ônibus, assinaturas de e-mail, avatares, porta camisinhas, abadás, blimps, bonés, faixas, flamulas de bicicleta, folhetos, laterais caminhão, leques, peças para WhatsApp, placas, porta documentos, ventarolas, adesivo para banheiro, álbum seriado, avatares para Facebook, YouYube e Twitter, avatar Twitter, avatar YouTube, backdrops, bandeira, bolsa, broadside, caixa dispenser, capa do Facebook, capa do YouTube, dispenser, display, estandarte, flyer, fundo de palco, imagem para Twitter, máquina de camisinha, parajet, parintins painel, plug de carregadores, porta trecos, praguinha, squeeze, testeira caminhão, traseira caminhão, YouTube) em vários formatos de apresentação (impresso, online, mídia digital ou sonoros).

Adotou-se a metodologia descritiva exploratória para a caracterização da linguagem utilizada nos materiais educativos e comunicacionais sobre as IST, do HIV/Aids e hepatites virais. Para a seleção dos materiais educativos, adotou-se a estratégia de busca sistemática realizada no site do Ministério da Saúde do Brasil (https://www.gov.br/saude/pt-br) por um período de dez anos: de 2010 a 2019. Foram incluídos materiais de campanhas que tivessem como assunto a promoção da saúde e a prevenção das IST, do HIV/Aids e das hepatites virais e que fossem voltados para a população jovem (10 a 24 anos).

Sendo o objeto deste estudo constituído por materiais educacionais que tivessem os jovens como parte do foco da comunicação, foi necessário realizar a exploração preliminar dos materiais a fim de selecionar apenas materiais que tivessem o devido foco de comunicação. Nesse contexto, foram encontrados 371 materiais. Dessa totalidade foi extraída uma amostra, considerando:

Categorização do tipo de material nas diversas linguagens: linguagem visual (cartazes, banners, folders/ mini folders, outdoors, camisetas, mobiliários urbanos, anúncios, GIFs, painéis, filipetas, walkmídias, backgrounds Twitter, posts para Facebook, bandanas, e-mail marketings, mini doors, abrigos de ônibus, assinaturas de e-mail, avatars, porta camisinhas, abadás, blimps, bonés, faixas, flamulas de bicicleta, folhetos, laterais caminhão, leques, peças para WhatsApp, placas, porta documentos, ventarolas, adesivo para banheiro, álbum seriado, avatar para Facebook, YouTube e Twitter, avatar Twitter, avatar YouTube, backdrop, bandeira, bolsa, broadside, caixa dispenser, capa do Facebook, capa do YouTube, dispenser, display, estandarte, flyer, fundo de palco, imagem para Twitter, máquina de camisinha, parajet, parintins painel, plug de carregadores, porta trecos, praguinha, squeeze, testeira caminhão, traseira caminhão, YouTube), linguagem audiovisual (vídeos) e linguagem sonora (spots comerciais, jingles e áudios).

Inclusão na amostra dos materiais relativos as diversas linguagens que apresentavam mais de cinco exemplares e menos do que 20 no período considerado. Portanto, foram excluídos da amostra aqueles produzidos em número inferior a cinco exemplares no mesmo período (bandanas, e-mail marketings, mini doors, abrigos de ônibus, assinaturas de e-mail, avatars, porta camisinhas, abadás, blimps, bonés, faixas, flâmulas de bicicleta, folhetos, laterais de caminhão, leques, peças para WhatsApp, placas, porta documentos, ventarolas, adesivo para banheiro, álbum seriado, avatar para Facebook, YouTube e Twitter, backdrop, bandeiras, bolsas, broadsides, caixa dispenser, capa do Facebook, capa do YouTube, dispenser, displayy, estandarte, flyer, fundo de palco, imagem Twitter, máquina de camisinha, parajet, parintins painel, plug carregador, porta trecos, praguinha, squeeze, testeira caminhão, traseira caminhão, YouTube). Este procedimento foi realizado no sentido de manter apenas aqueles que melhor representavam quantitativamente, dentro das categorias de linguagem, os materiais comunicacionais mais frequentes. Desse procedimento amostral foram excluídos 20% (70) do total analisado. Nessa primeira etapa, restaram 301 materiais.

No entanto, para os tipos de materiais de elevada confecção, ou seja, com mais de 20 exemplares [cartazes (85) e vídeos (41)], utilizou-se o método de amostragem estratificada por ano da edição, selecionando-se até dois dos materiais educativos existentes a cada ano, no sentido de alcançar o limite superior estabelecido (20), aproximando do quantitativo dos demais materiais. Para cartazes e vídeos, os materiais selecionados para análise em cada ano foram obtidos por meio de sorteio.

O sorteio foi feito por meio de plataforma digital. O site sorteador de números foi o https://sorteador.com.br. Para isso, foi necessário sequenciar os materiais numericamente por ano. Depois, o sorteador selecionava até dois materiais dentro do quantitativo anual a ser sorteado, levando em conta o sequenciamento.

Assim, foram selecionados 19 cartazes de 2010 a 2019, pois no ano de 2018 só havia um cartaz entre os materiais a serem analisados, enquanto em todos os outros anos foram obtidos dois cartazes. Quanto aos vídeos, o quantitativo total foi de 16, sendo zero em 2010, dois em 2011, dois em 2012, dois em 2013, dois em 2014, dois em 2015, um em 2016, dois em 2017, um em 2018 e dois em 2019.

Como resultado, foram obtidos 19 cartazes e 16 vídeos, o que representou 22,35% e 39,02% da quantidade total desses materiais, respectivamente. Após o fim da seleção de materiais, a amostra obtida foi de 210 materiais, o que corresponde a 56,60% da quantidade selecionada inicialmente. Este processo está representado na Figura 1.

Figura 1
Obtenção da amostra.

Construiu-se um banco de dados com os materiais selecionados, considerando as seguintes variáveis: campanha, ano, tipo de material, tema abordado, link de acesso e enfoque educativo. Os dados foram processados usando-se o software Excel. A análise dos materiais foi sistematizada considerando a linguagem como mensagem (observando-se a forma de apresentação dos conteúdos), separando-os pelas diversas linguagens: visual, audiovisual e sonora.

A partir dessa ordenação, os materiais foram observados por meio dos enfoques educativos aplicados nesses materiais comunicacionais, examinando como esses têm lidado com os problemas de saúde da população, usando como referencial metodológico os textos77 Tones BR. Educación para la salud: prevención o subversión? Tendencias actuales en educación sanitária. Quadern CAPS 1987; (8):27-37.,88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Os enfoques de educação em saúde se traduzem em possibilidades de ação, que não são necessariamente excludentes, sendo denominados preventivo, educativo, radical, desenvolvimento pessoal e educação popular em saúde88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

O enfoque preventivo foi imputado a materiais que privilegiam nos seus objetivos o desenvolvimento de comportamentos saudáveis entre indivíduos, com o objetivo de persuasão das pessoas sobre os riscos à saúde a que estão expostos. A estratégia é propiciar o desenvolvimento de comportamentos e estilos de vida considerados mais saudáveis.

O enfoque educativo foi atribuído a materiais de predominância informativa, que tinham como objetivo a compreensão da situação de saúde por parte dos indivíduos. O princípio orientador desse enfoque é a eleição informada por parte dos indivíduos sobre os riscos à saúde a que estão submetidos.

Já o enfoque de desenvolvimento pessoal foi atribuído a materiais cujos objetivos estivessem orientados para o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos pela ênfase nas potencialidades individuais como estratégia para o desenvolvimento de habilidades e atitudes individuais para a vida.

O enfoque radical, por sua vez, foi imputado a materiais que estivessem concentrados no desenvolvimento de uma consciência crítica em relação à saúde por parte dos indivíduos e grupos sociais e para a persuasão política sobre os determinantes do binômio saúde-doenças, que são vistos como um processo social.

Por último, o enfoque da educação popular em saúde foi considerado para materiais que objetivassem promover uma luta política pela saúde direcionada e intencionalizada, voltados a uma prática educativa orientada para a autonomia e a libertação das classes populares, como mulheres, homossexuais, indígenas e negros.

Resultados

Após a análise dos materiais, o enfoque preventivo foi identificado em 100% dos materiais analisados (210), o educativo em 24, 87% (50) e o de desenvolvimento pessoal em 7,96% (16). O enfoque radical e o da educação popular em saúde não foram observados.

Os materiais listados dentro do conjunto da linguagem visual totalizaram 151. Desses, 108 (71,52%) eram exclusivamente preventivos, 27 (17,88%) abordaram o enfoque preventivo associado ao educativo, 12 (8%) foram associações entre os enfoques preventivo, educativo e de desenvolvimento pessoal e quatro (2,64%) eram preventivos e de desenvolvimento pessoal, simultaneamente.

O conjunto dos elementos de linguagem sonora totalizou 43 materiais. Desses, 37 (86,04%) eram exclusivamente preventivos e seis (13,95%) adotaram o enfoque preventivo associado ao educativo.

Quanto à linguagem audiovisual, obteve-se o total de 16 materiais. Desses, 11 (68,75%) eram exclusivamente preventivos e cinco (31,25%) foram associações entre os enfoques preventivo e educativo.

Em resumo, pode-se observar que, em relação às diversas linguagens, 156 (74,28%) materiais apresentaram enfoque exclusivamente preventivo; 38 (18,09%) adotam o enfoque preventivo associado ao educativo; 12 (5,71%) foram associações entre os enfoques preventivo, educativo e de desenvolvimento pessoal; e quatro (1,90%) apresentavam associações dos enfoques preventivos e de desenvolvimento pessoal. Esse resultado está representado na Figura 2.

Figura 2
Enfoques observados nos materiais.

Ao todo foram analisados 18 diferentes tipos de materiais. Os de linguagem visual corresponderam a 75,12% (151), a linguagem sonora foi encontrada em 21,39% (43) e a audiovisual em 7,96% (16).

Os dados completos da pesquisa estão disponíveis em: https://doi.org/10.48331/scielodata.WR0LZK

Discussão

A análise revelou que os componentes que embasam a construção dos enfoques da educação em saúde estão presentes nos materiais das campanhas avaliadas. Assim, é possível explorar seus aspectos em relação à linguagem desses materiais, identificando elementos de promoção da saúde e de prevenção.

Observou-se que o enfoque preventivo é enfatizado, sendo identificado em 100% dos materiais analisados (210). Nesse enfoque, há uma associação entre padrões comportamentais e padrões de doença, ao partir do pressuposto de que o comportamento dos indivíduos está implicando a etiologia das doenças, visto como fator de risco. Nessa perspectiva, O preventivismo busca estimular ou persuadir as pessoas a modificar esses padrões de comportamento específicos, substituindo-os por estilos de vida mais saudáveis88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Nesses casos, a orientação da informação, além de ser altamente técnica e receituária, incorpora nenhum ou poucos fatores sociais relativos à doença, apoiada por uma forma desconectada da realidade. Os órgãos oficiais depositam suas informações e receitas do que fazer ou não, abordando apenas fatores de risco comportamentais e individuais1010 Pimenta DN, Leandro A, Schall VT. A estética do grotesco e a produção audiovisual para a educação em saúde: segregação ou empatia? O caso das leishmanioses no Brasil. In: Monteiro S, Pimenta D, organizadoras. Ciência, saúde e educação: o legado de Virgínia Schall. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018. p. 281-300.. Esses aspectos foram frequentemente encontrados nos materiais analisados que apresentam enfoque preventivo de forma exclusiva, correspondendo a 74,28% do total (156).

Esse resultado corrobora os achados de Vasconcelos, Oliveira-Costa e Mendonça44 Vasconcelos WRM, Oliveira-Costa MS, Mendonça AVM. Promoção ou prevenção? Análise das estratégias de comunicação do Ministério da Saúde no Brasil de 2006 a 2013. Rev Electron Comun Inf Inov Saude 2016; 10(2):1-11., que, ao analisarem campanhas de comunicação do Ministério da Saúde no período de 2006 a 2013, concluíram que a abordagem das campanhas de saúde do governo brasileiro está voltada às características preventivas, reservadas ao direcionamento individual de sua comunicação, fornecendo instruções ou lembretes pontuais a públicos específicos. Quando realizada dessa maneira, a comunicação é mais superficial, elaborada a partir de frases de efeito simplificadas e repetitivas, e consequentemente a comunicação acaba por se estabelecer de forma “propagandística”, também chamada pelas autoras de “campanhística”.

É necessário salientar que as medidas preventivas têm seu valor99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806. e suas intervenções contribuem efetivamente para a prevenção de riscos, doenças e agravos em grupos específicos. Contudo, a mensagem por si só não é forte o suficiente para mobilizar as comunidades para novas ações sociais, à medida que as iniquidades em saúde persistem, e em muitos contextos continuam avançando99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806..

Stotz88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22. afirma que a opção por um dos enfoques não exclui totalmente os outros, podendo haver aproximação entre enfoques distintos, como foi possível observar no estudo. O enfoque educativo, também conhecido como “enfoque da escolha informada”, foi o segundo mais encontrado nos materiais analisados, tendo sido identificado em 50 elementos (24,87%). Esse enfoque surgiu a partir da instituição do Programa de Saúde da Família em 1994, propondo uma ação com base no princípio da eleição informada sobre os riscos à saúde, com vistas à humanização, buscando que o usuário tenha compreensão genuína da situação88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Entretanto, Travassos1111 Travassos RS. Cuidado, autonomia e emancipação. In: Bornstein VJ, Alencar A, Leandro BBS, Matielo E, Nespoli G, Goldschmidt IL, Pinto JMC, Wong Un JA, Princeswal M, Oliveira MS, Bonetti OP, Travassos RS, Paiva TCR, Trindade T., organizadores. Curso de aperfeiçoamento em educação popular em saúde: textos de apoio. Rio de Janeiro: EPSJV; 2016; p. 145-147. considera que, neste enfoque, a informação apresentada, embora aparentemente promova a autonomia do indivíduo pela escolha informada, reduz suas possibilidades de independência ao virem carregadas de “verdades incontrariáveis” da ciência. Essa visão concebe o sujeito como alguém que nada sabe sobre a vida saudável. Nessa perspectiva, “ser autônomo” é se cuidar seguindo as orientações técnicas fornecidas pelos profissionais de saúde, ou seja: sob as regras dos padrões de comportamentos considerados saudáveis. Segundo o autor, para uma educação em saúde que busque o protagonismo do sujeito seria necessária a escuta do outro como forma de promover a autonomia do indivíduo, com vistas à sua emancipação.

Contudo, não se pode excluir o fato de que um estilo de vida saudável preconiza escolhas pessoais e que há muitos benefícios em agregar conhecimentos para que os indivíduos tomem decisões informadas sobre prós e contras em relação à própria saúde. Nesse sentido, o enfoque educativo incorpora aspectos comunicacionais interessantes.

O enfoque de desenvolvimento pessoal, por sua vez, foi encontrado em 16 (7,96%) dos materiais analisados. Esse enfoque aprofunda o educativo no sentido de aumentar as potencialidades do indivíduo, desenvolvendo destrezas para a vida, como a comunicação, o conhecimento do corpo, a gestão do tempo para cumprir a prescrição médica, entre outras. Stotz88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22. afirma que tais destrezas incrementam a capacidade individual para controlar a vida e recusar a crença de que a vida e a saúde estão controladas a partir do “exterior”.

Esse enfoque pode incorporar aspectos comunicacionais relevantes para a prevenção das IST na população jovem, pois um dos principais fatores associados ao grande número de jovens com IST é a falta de percepção desses da própria vulnerabilidade, já que muitos não estão preparados para lidar com a sexualidade, têm dificuldades na tomada de decisões, não apresentam identidade totalmente definida, passam por conflitos entre razão e sentimento e são, muitas vezes, conduzidos por uma necessidade de se sentirem inseridos em algum grupo social1212 Ciriaco NLC, Pereira LAAC, Costa RA. A importância do conhecimento sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) pelos adolescentes e a necessidade de uma abordagem que vá além das concepções biológicas. Em Extensao 2019; 18(1): 63-80..

Em resumo, os três enfoques encontrados nos materiais analisados (preventivo, educativo e de desenvolvimento pessoal) estabelecem uma linguagem baseada na presunção de responsabilidade individual sobre as atitudes e o aperfeiçoamento dos sujeitos por meio da educação. Entretanto, é preciso considerar que esses cuidados individuais, embora tenham seu valor, isoladamente não são suficientes para o enfrentamento das IST, do HIV/Aids e das hepatites virais no Brasil, já que, segundo Stotz88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22., a maioria absoluta da população (no caso de países como o nosso) e uma parcela ponderável desta (nos países desenvolvidos) não se encontra em condições de realizar essa eleição informada de comportamentos e ações88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22..

Além disso, é necessário compreender que o indivíduo age além da racionalidade, e que a existência das subjetividades e o contexto social também influenciam suas escolhas e ações99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806.. É preciso que as orientações sejam dadas sem desvalorizar o contexto em que as pessoas vivem, sua cultura e suas formas de lidar com os desafios da vida1313 Morel CMTM, Pereira IDF, Lopes MCR. Para pensar sobre materiais educativos. In: Morel CMTM, Pereira I.DF, Lopes MCR, organizadoras. Educação em saúde: material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2020; p. 175-177..

O objeto desta pesquisa foi composto por materiais educativos e comunicacionais obtidos no site do Ministério da Saúde, tratando-se, portanto, de uma análise documental. A investigação ocorre, dessa forma, pela observação de elementos que já foram distribuídos e divulgados para a sociedade. Nesse ponto, a limitação desses materiais impõe também uma limitação à pesquisa, já que, considerando a dependência do diálogo entre profissionais de saúde e população para empregar os enfoques radical e o enfoque de educação popular e saúde, há maior potencial da adoção desses na formulação das campanhas.

Isso justifica o fato de o enfoque radical e o enfoque da educação popular em saúde não terem sido observados, já que esses não se tratam de simples materiais, constituem ações educativas, sendo utilizados no contexto de um diálogo entre educador e educando, em que há oportunidade para explicações, indagações e reflexões conjuntas1313 Morel CMTM, Pereira IDF, Lopes MCR. Para pensar sobre materiais educativos. In: Morel CMTM, Pereira I.DF, Lopes MCR, organizadoras. Educação em saúde: material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2020; p. 175-177.. No entanto, tais enfoques foram mantidos na pesquisa no sentido de ampliar o debate sobre aspectos relativos à linguagem desses materiais e também acerca da formulação das campanhas de saúde.

Levando isso em consideração, o enfoque radical propõe que o Estado, em vez de trabalhar transferindo exclusivamente para os indivíduos a responsabilidade, promova mudanças políticas, econômicas e sociais para apoiar as escolhas individuais que conduzam à saúde. O enfoque da educação popular em saúde, por sua vez, tendo por objetivo a luta política pela saúde mais direcionada a classes populares nos espaços de lutas populares, coloca-se a serviço dos “oprimidos” da sociedade brasileira. Em ambos, a ação se desloca do plano individual e passa a ser vista como um processo social88 Stotz EN. Enfoques sobre educação e saúde. In: Valla VV, Stotz EM, organizadores. Participação popular, educação e saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1993; p. 11-22.,1111 Travassos RS. Cuidado, autonomia e emancipação. In: Bornstein VJ, Alencar A, Leandro BBS, Matielo E, Nespoli G, Goldschmidt IL, Pinto JMC, Wong Un JA, Princeswal M, Oliveira MS, Bonetti OP, Travassos RS, Paiva TCR, Trindade T., organizadores. Curso de aperfeiçoamento em educação popular em saúde: textos de apoio. Rio de Janeiro: EPSJV; 2016; p. 145-147..

Estudo conduzido por Fittipaldi, O’Dwyer e Henriques99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806. analisou as estratégias de educação em saúde descritas na formulação das políticas públicas por meio de análise documental, tendo como referencial teórico os enfoques da educação em saúde. Nessa pesquisa, o enfoque radical foi evidenciado essencialmente a partir da promoção da participação popular na formulação e no controle das políticas públicas de saúde pelo estímulo à cooperação e à articulação intra e intersetorial - de forma que alcance os determinantes e condicionantes da saúde -, e também pela previsão de gestão participativa que assegure o protagonismo de todos os atores envolvidos na definição das suas diretrizes.

Nesse sentido, é possível refletir que a afetividade de uma comunicação promotora de saúde sexual para jovens necessita diretamente da contribuição deles desde a sua formulação, já que a participação na construção de seus próprios aprendizados pode ser uma maneira eficiente de engajar essa população. A configuração passiva de apenas receber instruções e obrigações tende a colocá-los em posição inferior e a não conferir o direito de se articularem sobre suas próprias questões1414 Campos HM, Paiva CGA, Mourthé ICA, Ferreira YF, Fonseca MC. Direitos humanos, cidadania sexual e promoção de saúde: diálogos de saberes entre pesquisadores e adolescentes. Saude Debate 2017; 41(113): 658-669.. Desse modo, a participação juvenil é capaz de promover a autonomia dos jovens, tornando-os agentes transformadores da realidade de todas as pessoas envolvidas em seus ciclos1515 Lima P, Venturelli Y, Siqueira A. Protagonismo juvenil: a importância da participação de jovens no processo de construção de políticas públicas e materiais educativos. In: Mendonça AVM, Parreira CMSF, Andrade NF, Sousa MF, organizadoras. Comunicação e educação em saúde - jovens e HIV/Aids e hepatites virais: aspectos teórico-conceituais. Brasília: Editora ECoS; 2022. p. 111-120..

O enfoque da educação popular em saúde, por sua vez, foi observado na formulação de políticas públicas que previam o fortalecimento das práticas populares de cuidado, considerando o diálogo como um encontro de conhecimentos, em que há o compartilhamento respeitoso dos mais diversos saberes, ampliando o conhecimento crítico e contribuindo para o processo de autonomia e emancipação dos sujeitos. Esse enfoque foi identificado também a partir do estímulo ao desenvolvimento da autonomia dos indivíduos por meio de ações educativas que tinham o objetivo de intervir no processo de saúde-doença, com respeito às diversas experiências e vivências dos sujeitos, a fim de construir possibilidades terapêuticas e de vida mais autônomas e efetivas99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806..

Precisa-se considerar, portanto, que o planejamento de ações educativas para a promoção da saúde e a prevenção das IST, do HIV/Aids e das hepatites virais na população jovem deve ocorrer com base nas experiências desses usuários. Dessa forma, se estabelece diálogo entre os saberes técnicos e populares como uma estratégia para alcançar os objetivos da promoção da saúde, desenvolvendo habilidades pessoais para ampliação da autonomia, com ênfase na participação social e na corresponsabilização99 Fittipaldi ALM, O'Dwyer G, Henriques P. Educação em saúde na atenção primária: as abordagens e estratégias contempladas nas políticas públicas de saúde. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200806..

Assim, deve-se proporcionar a possibilidade de os jovens se manifestarem como sujeitos da comunidade, colocarem sua opinião e dizerem o que sentem. Essa estratégia valoriza a possibilidade dos sujeitos de ajudar a produzir novos saberes e a encontrar novas soluções, já que muitas vezes aquilo que é determinado como certeza absoluta impede o aparecimento de novos saberes1616 Travassos RS. Educação popular: um outro olhar para a saúde. In: Morel CMTM, Pereira IF, Lopes MCR, organizadoras. Educação em saúde: material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2020; p. 221-230..

A pesquisa também expõe a diversidade de formatos industriais da publicidade utilizados nas campanhas do Ministério da Saúde voltadas ao tema. É notável a ampla difusão de informação relacionada à promoção da saúde e prevenção das IST para jovens no Brasil, levando em consideração a multiplicidade de veículos de transmissão utilizados e também a grande variação de tipos de materiais, dos quais a pesquisa analisou 18 diferentes tipos. Isso é positivo porque demonstra preocupação pela criação de diferentes propostas educativas para atender aos mais diversos públicos.

A categorização dos tipos de materiais nas diversas linguagens (visual, audiovisual e sonora) e sua correlação com os enfoques educativos também possibilitou observar que a linguagem visual foi a única a incorporar o enfoque de desenvolvimento pessoal. Nesse conjunto, observou-se que os cartazes são amplamente confeccionados, superando quantitativamente todos os outros tipos de materiais. Antes da seleção dos elementos que fariam parte da pesquisa foram encontrados 85 cartazes, sendo necessária inclusive a realização de amostragem estratificada para estabelecer uma amostra passível de análise para a composição desta pesquisa.

Constatou-se que materiais audiovisuais apresentaram maior associação entre os enfoques preventivo e Educativo. Isso ocorre porque vídeos são recursos didáticos, tecnológicos e disseminadores de conhecimentos com capacidade para estabelecer formas multidimensionais de comunicação sensorial, emocional e racional que facilitam a interação. Dessa forma, nas últimas décadas o uso do vídeo é o meio técnico audiovisual com maior projeção e com tendência a aumentar1717 Alcântara YCL, Santos Junior JB, Silva J, Santana ES, Cavalcante MNS, Lima Filho AM. Desafios na criação de um vídeo sobre infecções sexualmente transmissíveis. Div Journ 2022; 7(2):1023-1030..

Considerações finais

A análise aqui apresentada buscou caracterizar a linguagem utilizada nos materiais educativos e comunicacionais vinculados à temática das infecções sexualmente transmissíveis (IST), do HIV/Aids e hepatites virais produzidos e veiculados pelo Ministério da Saúde no período de 2009 a 2019, identificando elementos de prevenção e promoção da saúde a partir da observação dos diversos enfoques educativos.

Os materiais analisados demonstraram a presença dos diversos enfoques educativos como abordagens estratégicas. Ainda que nem todos os enfoques possam ser avaliados em todos os materiais analisados, suas concepções diversas e complementares propiciam a ampliação de discussões sobre aspectos relativos à linguagem desses materiais e também sobre a adequação da formulação das campanhas de saúde.

Em resumo, os três enfoques encontrados nos materiais analisados (preventivo, educativo e de desenvolvimento pessoal) estabelecem uma linguagem baseada na presunção de responsabilidade individual sobre as atitudes e no aperfeiçoamento dos sujeitos através da educação. Entretanto, é preciso considerar que esses cuidados individuais, embora tenham seu valor, isoladamente não são suficientes para combater e sanar o problema das IST, do HIV/Aids e das hepatites virais no Brasil.

A pesquisa também aponta a diversidade de formatos industriais da publicidade a partir da multiplicidade de tipos de materiais, dos quais a pesquisa analisou 18 diferentes tipos. Isso é muito positivo, já que a criação de diferentes propostas educativas expressa a diversidade das realidades.

A categorização dos tipos de materiais nas diversas linguagens (visual, audiovisual e sonora) e sua correlação com os enfoques educativos também possibilitou observar que a linguagem visual foi a única a incorporar o enfoque de desenvolvimento pessoal e que materiais audiovisuais apresentaram maior associação entre os enfoques preventivo e educativo.

Os enfoques radical e da educação popular em saúde trazem perspectivas interessantes em relação à formulação das campanhas de saúde voltadas à educação sexual dos jovens, pois fomentam a promoção da participação popular na formulação dessas campanhas, assegurando o protagonismo dos atores envolvidos, bem como o compartilhamento respeitoso dos mais diversos saberes através do fortalecimento das práticas populares de cuidado. O emprego desses enfoques na formulação das campanhas de comunicação constitui uma estratégia para se alcançar os objetivos da promoção da saúde.

Considerando que esta pesquisa analisou materiais educativos e comunicacionais obtidos no site do Ministério da Saúde, não é possível definir com exatidão se os enfoques radical e de educação popular em saúde foram ou não empregados. Essa é uma limitação da pesquisa, pois a observação dos enfoques ocorreu por meio de análise documental, e esses dois enfoques não se tratam de simples materiais, eles constituem ações educativas, com maior potencial de emprego na formulação das campanhas.

Depreende-se, portanto, que as ações essencialmente preventivas - encontradas na totalidade dos materiais analisados - são limitadas para apoiar o combate às infecções sexualmente transmissíveis (IST), HIV/Aids e hepatites virais, e que é preciso investir em estratégias voltadas para o diálogo, como propõem ações educativas pautadas pelo enfoque radical e pelo enfoque da educação popular em saúde.

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  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Fev 2024

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2022
  • Aceito
    22 Maio 2023
  • Publicado
    24 Maio 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br