Corpos transmasculinos negros em intersecções estéticas: entrevista com Leonardo Peçanha

Leonardo Morjan Britto Peçanha Aureliano Lopes Silva Junior Thiago Barcelos Soliva Sobre os autores

Resumo

Este artigo de opinião consiste em uma entrevista realizada com Leonardo Peçanha, um homem negro trans, ativista no campo dos direitos humanos e dos direitos das pessoas trans e pesquisador do campo da Saúde Coletiva. Na conversa que se segue Leonardo Peçanha, de forma interseccional, reflete sobre o lugar da beleza, modificações corporais e atividade física no processo de transição de gênero de sujeitos homens trans e transmasculinos, como também toca no tema das (im)possibilidades das pessoas trans no campo dos esportes de alto rendimento e nos conta sobre o concurso de beleza Mister Trans Brasil.

Palavras-chave:
Pessoas Trans; Constituição corporal; Normatividade de Gênero; Masculinidades; Beleza

Precisamos entender que não se vence o racismo com transfobia nem transfobia com racismo. Não se pode vencer opressão com opressão. Neste sentido, acredito num vínculo entre homens negros trans e homens negros cisgêneros. Os fatores que, de certa forma, nos unem, podem contribuir de forma mútua para que possamos compartilhar experiências, aprendendo e trocando singularidades. Não tem como apagar o passado, de diferencia ou separar o fato de ser negro do fato de ser trans. Eu sou um homem negro trans e a minha vivência e experiência passam por isso11 Peçanha LMB. Ensaio sobre Transmasculinidades Negras - desafios e inquietações. In: Santana B, Peçanha LMB, Conceição VG, organizadores. Transmasculinidades negras: narrativas plurais em primeira pessoa. São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial; 2021. p.133-140..

Leonardo Peçanha é um homem negro trans, ativista no campo dos direitos humanos e dos direitos das pessoas trans e pesquisador do campo da Saúde Coletiva. Professor de Educação Física (UNISUAM) e doutorando em Saúde Coletiva pelo Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/FIOCRUZ), Leonardo Peçanha também é mestre em Ciências da Atividade Física (PPGCAF-UNIVERSO) e especialista em Gênero e Sexualidade (IMS/UERJ). É pesquisador no Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Identidade e Diversidade (ODARA/IFRJ) e no Núcleo de estudos sobre gênero, sexualidade e saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (GENSEX/FIOCRUZ). Coordenador de Políticas LGBTQIAPN+ no projeto Feminismo Negro no Esporte.

Na conversa que se segue, Leonardo Peçanha, de forma interseccional, reflete sobre o lugar da beleza, modificações corporais e atividade física no processo de transição de gênero de sujeitos homens trans e transmasculinos, como também toca no tema das (im)possibilidades das pessoas trans no campo dos esportes de alto rendimento e nos conta sobre o concurso de beleza Mister Trans Brasil.

Nos últimos anos temos assistido um crescimento da preocupação acadêmica sobre o controle de corpos de atletas que concorrem em esportes de alto rendimento, sobretudo os corpos de mulheres trans atletas. Como essas questões vêm sendo pensadas em esportes que envolvem corpos trans masculinos?

É um debate bastante misógino e transfóbico. Não está diferente do que se desenrolou ao longo da história para os Jogos Olímpicos. Já aconteceu com as mulheres, com as pessoas negras, agora está acontecendo com pessoas trans. As mulheres só vieram a concorrer nos Jogos Olímpicos muito depois dos homens. As pessoas negras tiveram muitas dificuldades de acesso na participação dos Jogos Olímpicos. Então, agora a bola da vez são as pessoas trans, embora mulheres ainda sigam tendo seus corpos controlados. Quando é percebido que as mulheres só vão poder ter tanto de testosterona no sangue, isso é uma maneira de controlar os corpos que vão ou não poder participar das competições. Embora o Comitê Olímpico Internacional tenha dado diretrizes numa perspectiva de inclusão, de equidade, o COI só dá diretrizes, ele não é uma lei que todo mundo tem que acatar. Ele dá diretrizes e se espera que as federações e as confederações acatem. Só que tanto a FINA, a Federação Internacional de Natação, como a Federação Internacional de Atletismo deram determinações contrárias à participação de pessoas trans. A FINA deu uma definição muito fora da realidade: pedir que só poderia participar mulheres trans que começassem a transição com doze anos? Ninguém toma hormônios com doze anos. Mas o que a FINA exige é não ter começado, mas finalizado a transição aos doze anos. Ou seja, como se ela tivesse que começar a bloquear e tomar hormônio com doze anos. Isso é proibido, não pode se fazer isso.

No início, era 10 nanomol no sangue que o COI delimitou, depois o próprio COI passou para 5 nanomol junto com a Federação Internacional de Atletismo e, agora, a Federação Internacional de Atletismo passou para 0,5 nanomol no sangue. Quer dizer, um número muito pequeno de testosterona, nem mulheres cisgênero produzem só isso de testosterona, tem mais do que isso. E é ruim até para as próprias mulheres cis ter tão pouco de testosterona no sangue, porque a testosterona no sangue da mulher também ajuda no metabolismo e em outras questões do corpo, assim como o estrogênio nos corpos de homens ajuda também em outras questões. Todas as pessoas, homens e mulheres, têm estrogênio e testosterona, alguns corpos mais e outros menos, varia de acordo com a corporeidade. Então, ao se exigir um índice tão baixo de hormônios, é uma tentativa de eliminar pessoas trans de jogos, de jogos oficiais.

Existe um debate em relação à questão da vantagem biológica, que é complexo porque não se diz qual o critério da vantagem. Eles falam em vantagem, mas não se fala qual o critério, não se fala vantagem em relação a que? Não se fala... não se tem estranhamento com corpos masculinos como, por exemplo, o Phelps, que foi nadador olímpico, que tem uma amplitude de braços, de ombros e de braço enormes e ele nunca foi questionado, nunca fez um teste, nunca fez nada. Mas aí a Tifanny Abreu, que é uma atleta de vôlei brasileira, mulher trans que compete na categoria feminina, ela até hoje tem que fazer diversos testes para comprovar que a testosterona dela está num nível abaixo do que é esperado para ela poder competir. Sendo que isso já é uma questão também delicada, porque a própria reposição hormonal que as pessoas trans fazem já dá conta de deixar nesses níveis, que são os níveis padrões, ou seja, níveis padrões de pessoas cisgênero, porque não se tem o parâmetro trans, tem um parâmetro cis, então se usa esse parâmetro cis. Níveis muito altos ou baixos podem ocasionar problemas de saúde.

Outro ponto é o debate sobre a memória muscular. Só falar que é vantagem é muito raso, pois vantagem biológica pode ser muita coisa, e quando você traz para o aspecto da memória muscular o que chama atenção é o fato deles falarem sobre o que a pessoa deixou de memória em relação ao corpo que ela tinha antes. Só que eu levo em consideração a memória muscular se levarem em consideração o corpo trans e não o corpo cisgênero. Porque quando eles fazem essa avaliação da memória muscular, eles estão levando em consideração a corporeidade antiga: “ah, aquele corpo já tinha aquela força!”. Tudo bem, então, vocês estão dizendo que agora, mesmo ela tendo feito tudo isso, ainda está com a mesma força, por exemplo? Mas será que você está levando em consideração as modificações corporais que ela fez? Será que não vai ter impacto isso? Será que agora ela com esse corpo tendo feito a cirurgia de redesignação sexual, tendo tomado hormônio para reposição hormonal, será que esse corpo agora vai ter a mesma força daquele corpo que era antes? Isso não se sabe, pois se foca na ideia de comparação com a corporeidade cisgênera anterior à transição e não da corporeidade trans.

São três elementos que perpassam o debate: do critério, da vantagem e da memória muscular. Muitas das vezes, é debatido com violência, com transfobia institucional, com transfobia, com misoginia. Reduz as mulheres trans, principalmente, a homens de forma muito errada. Fora outros debates que vão para outros lugares, como feministas radicais, dizendo que mulher trans vão tirar o protagonismo de mulheres. Uma coisa absurda! Então, é bem delicado esse tema e as pessoas tendem a falar dele de uma forma muito errada, sem embasamento teórico, sem embasamento legítimo. O debate em relação aos homens trans no esporte cai num não lugar, num limbo como diz o professor Eric Seger, onde na categoria masculina é indiferente e na feminina é lido como problema, devido ao uso da testosterona (para os que usam). Além da invisibilização do debate em relação a esfera transmasculina. Um homem negro trans americano, venceu três vezes de um homem cis, em lutas oficiais de boxe e não teve repercussão da notícia aqui no Brasil.

Entrando nesse debate sobre saúde, gostaríamos que você falasse mais detalhadamente como você vem pensando essa relação entre a saúde transmasculina e a prática de exercícios físicos.

Eu comecei a pensar sobre tudo isso através da minha própria prática. Eu comecei a observar que vários homens trans eram da Educação Física, como eu nunca tinha visto em outra profissão. Tudo bem, eu sei que existem muitas pedagogas mulheres trans e travestis. Existem muitas pessoas trans e travestis que são psicólogas, mas me chamou a atenção ser a Educação Física, porque eu comecei a pensar que isso estava atrelado a uma questão corporal. Em meu projeto de doutorado, quero entender a prática do exercício físico em relação à construção do corpo.

Já é uma coisa dada na própria Educação Física que a gente pode construir nosso corpo através do movimento, que é a prática do exercício físico, e não a atividade física, que é diferente. Atividade física é quando você faz uma atividade corriqueira, como varrer a casa ou fazer uma caminhada, ou correr para pegar um ônibus, ou então você descer e subir uma escada, isso é uma atividade física. O exercício físico é mais do âmbito do treinamento, quando você tem ali um treinamento, uma periodicidade que vai colocar você a exercer determinados tipos de força, você vai ter ali uma pessoa que vai fazer o seu treino. É bem diferente. Então, eu comecei a pensar que os homens trans vão para o exercício físico porque queriam moldar o seu corpo através da musculação, como os homens cis já fazem, como as pessoas cis já fazem. Só que, como os homens trans, principalmente, tem essa questão do conforto corporal, da mudança corporal, me chamou atenção. Então, eu comecei a perceber que, por exemplo, já existiam homens trans que já tinha um corpo muito masculino antes de se entender como homens trans, por que tinham algum vínculo com o esporte ou vínculo com o exercício físico, ou que era atleta de boxe, ou por que era atleta de MMA, fazia atletismo, que fazia alguma coisa... jogava bola, alguma coisa assim. Ou era uma pessoa que sempre praticou exercício físico porque gostava, ou era uma pessoa que era da Educação Física e sempre se preocupou com o corpo ou com a saúde. E eu comecei a achar que tinha algum vínculo nisso.

Eu estou tentando entender ainda, mas o que eu posso dizer é que: eu acredito que tenha um vínculo muito forte com a construção da corporeidade dos homens trans e a prática do exercício físico, porque é onde o homem trans pode colocar o seu corpo em movimento e, ao mesmo tempo, reconstruir esse corpo. Antigamente, quando ainda se tinha que pedir laudos psicológicos e psiquiátricos, já se tinha essa ideia de modificar o corpo dentro do exercício físico sem essa ideia de transição. Quer dizer, a educação física já estava agindo ali, mesmo que empiricamente e inconscientemente, nesses corpos, nesses caras que estavam modificando seus corpos ao longo da vida. E depois também quando começaram a fazer a transição de alguma maneira.

Então, eu acho que tem uma relação muito grande entre o exercício físico e a corporeidade transmasculina, não que as mulheres não estejam nisso. Tem várias mulheres trans também que são atletas, que praticam fisiculturismo e que malham, só que eu percebo que os homens trans têm mais a ver também, principalmente, por conta da condição corporal em relação à masculinidade. Eu acho que é uma maneira de externalizar a masculinidade através do corpo. Isso não quer dizer que este corpo construído quer imitar um corpo cisgênero. Vão ter aqueles homens trans que vão ter uma ideia corporal mais próxima de uma cisgeneridade, mas vão ter homens trans que não vão ter, mesmo fazendo exercício físico. Tem homens trans que preferem fazer mamoplastia masculinizadora, tem homens trans que não tomam hormônios e vice-versa. Tem homens que tomam hormônios, que fizeram a cirurgia e querem ter o corpo mais masculino, mas também isso não quer dizer que eles estão copiando um corpo cisgênero. Eles estão ficando confortáveis com suas corporeidades. Quem lê como corpo cisgênero é a sociedade, a própria cisgeneridade pautada pela cisnormatividade.

Queríamos saber um pouco mais sobre o Mister Trans Brasil, que você falasse um pouco sobre o que é esse projeto, como ele foi criado.

O Mister Trans é um concurso de beleza de homens trans com performance masculina. Na sua primeira edição foi organizado por Cá Bandeira, uma pessoa não binária, realizado em São Paulo, em 2021, onde tiveram homens trans de diversos estados do país para concorrer ao prêmio principal que seria a mamoplastia masculinizadora. Foi um concurso nacional e os concursos regionais eram feitos em cada estado ou município, quem ganhasse essas edições municipais e estaduais ia para o nacional. No primeiro, não tinha todos estados, mas tinha de todas as regiões. É um concurso que foi feito com bastante patrocínio. Tinha uma taxa de participação, que era cara, se não me engano era R$ 700 ou R$ 800. Era bem caro, porque esse valor custeava, acho, alimentação e hospedagem deles nos dias que iam ficar confinados. Muitos desistiram de ir por conta desse alto custo, que eles não tinham como arcar, outros fizeram vaquinha, outros tentaram patrocínio, mas alguns ficaram no meio do caminho, não puderam ir ou desistiram por outro motivo, mas a gente conseguiu levar bastante pessoas para o Mister Trans.

Comecei a fazer meu trabalho do Mister Trans, na primeira edição de 2021, porque eu queria usar como campo para o meu trabalho de doutorado, já que eu ia falar de corporeidade. Mas, logo assim que eu entrei no campo eu vi que não ia dar, porque se eu fosse para o lado do Mister Trans, eu ia ter que fazer outro trabalho, e não o que eu quero de saúde transmasculina. Então, eu só fiz o trabalho de campo e não fiz meu trabalho de doutorado no Mister Trans. E aí, essa foi uma edição bastante polêmica, porque não se tinha uma diversidade, por exemplo, no que diz respeito a raça/cor, no que diz respeito a corpos diversos, tinha até homens mais velhos, uns três ou quatro acima dos 40 anos, mas corpos diversos, por outras intersecções, não eram tantos. Por exemplo, não tinha tantos corpos que ainda estavam com peito, ou corpos gordos, ou corpos negros, então tinha ali uma certa restrição. Isso que ficou muito latente durante os quatro dias de confinamento e nas provas também.

No dia do evento foi pedido para levar um alimento para poder ajudar, todos os alimentos iam para a Casa Florescer [casa de acolhimento para travestis e mulheres trans]. No primeiro dia a gente teve uma roda de conversa na Casa Florescer, em que eu falei com eles sobre a questão da saúde transmasculina, como a questão de reposição hormonal, de engravidar e da gestação, questões de ginecologia, etc. Falei também da questão do exercício físico e ali eu percebi novamente que muitos que estavam ali, eram meus colegas, profissionais da Educação Física.

Eu fui jurado da prova de desfile, aí trocava a roupa, isso era bem interessante. Eles já apareceram primeiro com traje de gala, depois com traje de banho. Alguns estavam com uma bandeira trans e com a cueca. Alguns que estavam com o peito, abriram a bandeira quando chegou na frente. Outros, não. Deixaram cair em cima, ficou para esconder o peito. E outros, vieram com camisa, porque não se sentiam confortáveis de mostrar.

Tiveram as provas internas, eles se apresentavam e cada um fazia uma coisa: um cantava, outro dançava, outro lia um poema. Foi num teatro, o Santo Agostinho, em São Paulo. As pessoas que estavam no júri também não eram pessoas tão diversas, tanto das provas internas quanto da última apresentação. A gente também questionou isso. Geralmente, eram pessoas brancas, pessoas homossexuais, tinha sempre uma pessoa trans, geralmente era uma mulher trans. Tinha uma mulher trans ou um homem trans, e as outras eram pessoas LGBT, sempre em sua maioria branca. Eu percebi que tinha um grupinho dos sarados, um grupinho dos que eram, assim... não eram gordos, mas também não eram magros, mas que estavam ali interagindo. Tinha um grupo dos rapazes que eram mais gordos, que não tinham feito a mamoplastia. Tinha um outro grupo dos caras que eram sarados, mas não eram tão velhos. Esses dois grupos dialogavam: tanto o dos sarados mais velhos e os sarados, eles andavam juntos, basicamente juntos. E tinha os que andavam com o pessoal da organização. Daí eu percebi que foi se formando tipo lado A, lado B. Por exemplo, os meninos negros ficaram mais com essa galera dos caras gordos e a outra galera ficou com o grupo que já tinha mastectomia, às vezes nem tinha mastectomia, mas a aparência corporal não parecia feminina.

No último dia, tiveram umas provas em que tinham que falar, fazer uma explanação perante os jurados. Uma das participações foi a do Natan, do Rio de Janeiro, que é homem trans negro e ele falou que estava ali concorrendo com a maioria de homens trans brancos, que ele era um corpo preto, gordo, que não tinha mamoplastia, que ele para estar ali teve que “fazer muito corre”, diferente de outras pessoas que não tinham os mesmos problemas que ele teve pra chegar até ali. E que ele estava ali para disputar aquele prêmio.

Quem ganhou o concurso foi um homem trans branco bastante cotado, que é modelo, corpo mais trincado, musculoso, leitura social de uma pessoa cis. Já era modelo, que foi uma coisa questionada, pois já tinha essa experiência. E essa questão do corpo em si foi muito julgada. Tiveram muitas críticas ao concurso, porque da mesma forma que já acontecia com as mulheres trans - toda aquela disputa de beleza, de quem era a mais bela -, também teve no dos homens trans, mas eu acredito que ficou uma perspectiva mais do corpo, a beleza estava ali, estava mais uma questão da leitura social: se fez a cirurgia, se não fez, se toma hormônio ou se não toma. Tiveram muitas conversas sobre isso nos bastidores, muitos homens trans dialogando sobre isso, sobre reposição hormonal, como que fazia, onde tomava, se era do ambulatório, se não era. Essas conversas permearam todo o encontro. Alguns conversaram comigo, eu conversei com eles também, foi uma troca. E, o que ficou para mim foi a leitura social, que embora pareça ter uma ideia próxima da cisgêneridade, eram corpos com vulva, útero, seios (nem todos, mas alguns tinham) e isso desloca toda a ideia de normatividade pensando em gênero masculino e masculinidade. É uma beleza trans. Mas essa ideia de corporeidade que ainda estava em construção, ou que era daquela forma, sem modificação corporal. Pois esses são corpos trans também. Muitos podem fazer a reposição hormonal, mas muitos por diversos motivos também não podem. A testosterona entra como determinante nessa leitura social devido as mudanças rápidas que ela traz para o corpo. Porém, quem ganhou foi um homem trans que tinha já feito as modificações corporais, como por exemplo a mamoplastia masculinizadora.

Então, o que eu posso falar do Mister Trans é dizer que as críticas que eles tiveram desde a primeira edição foram críticas pesadas, inclusive com os próprios homens trans. Muita gente dizendo que isso é uma besteira, vocês estão querendo reproduzir concursos de homem trans como se fossem homens cis. Só que a gente também tem direito, a gente também tem beleza, a gente também quer mostrar nossas belezas para o mundo. Se tiver oportunidade de fazer com os homens cis, também acho legal. Não precisa ser algo apenas guetificado. Também tem relação com podermos estar nos lugares que quisermos, pra competir com quem a gente quiser. Mas lá no concurso dos homens cis são outros corpos, outras questões corporais que vão aparecer. Nesse caso, ter também o nosso eu acho importante porque isso é uma maneira de mostrar nossa diversidade e como nós somos belos de diferentes formas dentro de uma categoria basicamente cisnormativa.

Referências

  • 1
    Peçanha LMB. Ensaio sobre Transmasculinidades Negras - desafios e inquietações. In: Santana B, Peçanha LMB, Conceição VG, organizadores. Transmasculinidades negras: narrativas plurais em primeira pessoa. São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial; 2021. p.133-140.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Fev 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2023
  • Aceito
    11 Dez 2023
  • Publicado
    13 Dez 2023
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