Resumo
O aleitamento materno (AM) é um direito humano e deve ser iniciado desde o nascimento. A adequação das estratégias da Rede Cegonha (RC) pode contribuir na promoção do AM. O objetivo foi identificar os fatores associados ao AM na primeira e nas 24 horas de nascidos vivos a termo em maternidades vinculadas à RC. Estudo transversal com dados do segundo ciclo avaliativo 2016-2017 da RC, que abrangeu todo o Brasil. Foram obtidas razões de chance por meio de regressão logística binária segundo modelo hierarquizado, com intervalos de confiança a 95% e p-valor < 0,01. A prevalência de AM na primeira hora foi de 31%, e nas 24 horas, de 96,6%. Aumentaram as chances de AM na primeira hora: presença de acompanhante na internação, contato pele a pele, parto vaginal, assistência ao parto por enfermeira e acreditação da unidade na Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Resultados semelhantes nas 24 horas, e associação com idade materna inferior a 20 anos. O AM na primeira hora foi menos satisfatório do que nas 24h, provavelmente pela elevada prevalência de cesariana, fator associado à menor chance de AM precoce. A capacitação dos profissionais sobre AM de forma contínua e a presença de enfermeiro obstetra no parto são recomendadas para ampliar o AM na primeira hora.
Key words:
Breastfeeding; Postpartum period; Maternities; Maternal and child health services; Sectional studies
Abstract
Breastfeeding (BF) is a human right, and it must start from birth. The adequacy of Rede Cegonha (RC) strategies can contribute to the promotion of BF. The objective was to identify factors associated with BF in the first and 24 hours of live births at full-term maternity hospitals linked to CR. Cross-sectional study with data from the second evaluation cycle 2016-2017 of the RC that covered all of Brazil. Odds ratios were obtained through binary logistic regression according to a hierarchical model, with 95% confidence intervals and p-value < 0.01. The prevalence of BF in the first hour was 31% and in the 24 hours 96.6%. The chances of BF in the first hour increased: presence of a companion during hospitalization, skin-to-skin contact, vaginal delivery, delivery assistance by a nurse and accreditation of the unit in the Baby-Friendly Hospital Initiative. Similar results at 24 hours, and association with maternal age below 20 years. BF in the first hour was less satisfactory than in the 24 hours, probably due to the high prevalence of cesarean sections, a factor associated with a lower chance of early BF. Continuous training of professionals about BF and the presence of an obstetric nurse during childbirth are recommended to expand BF in the first hour.
Key words:
Breastfeeding; Postpartum period; Maternities; Maternal and child health services; Sectional studies
Introdução
A amamentação é considerada um direito humano que deve ser protegido e promovido em benefício do binômio mãe-bebê11 Brasil. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos [Internet]. 2019. [acessado 2021 maio 3]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_da_crianca_2019.pdf
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab... ,22 Fundo das Nações Unidas para a Infância. Aleitamento materno [Internet]. 2019. [acessado 2021 set 10]. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/aleitamento-materno
https://www.unicef.org/brazil/aleitament... . Tem papel inigualável na alimentação infantil, provendo crescimento e desenvolvimento saudável. O aleitamento materno (AM) deve ser iniciado logo após o nascimento, sendo mantido de forma exclusiva até os seis meses e complementar a uma alimentação adequada até os dois anos de idade ou mais33 World Health Organizatio (WHO), editor. Global strategy for infant and young child feeding. Geneva: WHO; 2003.. Quando iniciado na primeira hora de vida, aumenta o período em AM e diminui o risco de mortalidade neonatal44 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Pérez-Escamilla R. A amamentação na primeira hora de vida e mortalidade neonatal. J Pediatr (Rio J) 2013; 89(2):131-136.,55 Khan J, Vesel L, Bahl R, Martines JC. Timing of breastfeeding initiation and exclusivity of breastfeeding during the first month of life: effects on neonatal mortality and morbidity - a systematic review and meta-analysis. Matern Child Health J 2015; 19(3):468-479., e se postergado para após as 24 horas de vida, dobram as chances de morte neonatal55 Khan J, Vesel L, Bahl R, Martines JC. Timing of breastfeeding initiation and exclusivity of breastfeeding during the first month of life: effects on neonatal mortality and morbidity - a systematic review and meta-analysis. Matern Child Health J 2015; 19(3):468-479.
6 Edmond KM, Zandoh C, Quigley MA, Amenga-Etego S, Owusu-Agyei S, Kirkwood BR. Delayed breastfeeding initiation increases risk of neonatal mortality. Pediatrics 2006; 117(3):e380-e386.
7 Smith ER, Hurt L, Chowdhury R, Sinha B, Fawzi W, Edmond KM. Delayed breastfeeding initiation and infant survival: a systematic review and meta-analysis. PLoS One 2017; 12(7):e0180722.-88 Phukan D, Ranjan M, Dwivedi LK. Impact of timing of breastfeeding initiation on neonatal mortality in India. Int Breastfeed J 2018; 13:27..
Dessa forma, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera satisfatório um percentual de AM na primeira hora superior a 50%, valor ainda não alcançado em 2020, quando a prevalência no mundo foi de 48%33 World Health Organizatio (WHO), editor. Global strategy for infant and young child feeding. Geneva: WHO; 2003.,99 United Nations Children's Fund (UNICEF). Infant and Young Child Feeding. Current Status + Progress [Internet]. 2021. [cited 2022 fev 8]. Available from: https://data.unicef.org/topic/nutrition/breastfeeding/
https://data.unicef.org/topic/nutrition/... . No Brasil, dados da pesquisa Nascer no Brasil, de 2011-2012, apontaram prevalência de AM na primeira hora de 55%, porém com diferenças regionais1010 Silva LAT, Fonseca VM, Oliveira MIC, Silva KS, Ramos EG, Gama SGN. Professional who attended childbirth and breastfeeding in the first hour of life. Rev Bras Enferm 2020; 73(2):e20180448.. Em 2019, dados no Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) mostraram que avançamos e alcançamos uma prevalência de 62,4% de AM na primeira hora1111 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. Rio de Janeiro: UFRJ; 2021..
O início do AM dependerá das orientações e da assistência prestada no pré-natal e hospitalar à mulher e ao recém-nascido e à família. Destaca-se a atenção ao parto e suas características relacionadas ao conjunto de práticas e rotinas que permitam apoiar e assegurar o início do AM na primeira hora de vida1212 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Vasconcellos AGG. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida. Rev Saude Publica 2011; 45(1):69-78.
13 Carvalho ML, Boccolini CS, Oliveira MIC, Leal MC. The baby-friendly hospital initiative and breastfeeding at birth in Brazil: a cross sectional study. Reproductive Health 2016; 13(3):119.
14 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2014; 48(4):697-708.-1515 Sousa PKS, Novaes TG, Magalhães EIS, Gomes AT, Bezerra VM, Pereira Netto M, Rocha DS. Prevalência e fatores associados ao aleitamento materno na primeira hora de vida em nascidos vivos a termo no sudoeste da Bahia, 2017. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(2):e2019384..
Ao longo das últimas três décadas, têm sido priorizadas, nas políticas públicas de saúde, ações para promover o AM desde o nascimento, entre elas a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) e a Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso - Método Canguru1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Bases para a discussão da Política Nacional de Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno. Brasília: MS; 2017.. Tais ações foram intensificadas com o lançamento da estratégia da RC pelo Ministério da Saúde (MS) em 2011, com um novo modelo de atenção centrado nas necessidades da mulher1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Diário Oficial da União 2011; 24 jun..
A RC consiste em um conjunto de ações estratégicas para garantir uma rede de assistência de qualidade e humanizada desde o planejamento familiar até o pós-parto para a mulher e a criança. Tem como objetivo a implementação de um novo modelo de assistência e organização da rede de atenção à saúde materno infantil e reduzir a mortalidade materna e neonatal. Em seu componente parto e nascimento, estabeleceu o estímulo ao AM na primeira hora de vida e sua manutenção exclusiva no alojamento conjunto. Sua estrutura e organização contam com fatores relacionados ao sucesso do início do AM de forma oportuna, como a assistência de enfermeira obstetra no parto e direito a acompanhante de livre escolha em todo o tempo de internação1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Diário Oficial da União 2011; 24 jun..
O monitoramento e a avaliação de práticas na atenção ao parto e nascimento, um dos eixos estratégicos da RC, integram a base de informações empregadas no direcionamento de políticas e na regulamentação na atenção hospitalar ao parto e nascimento. Nessa perspectiva, o artigo teve o objetivo de identificar os fatores associados ao AM na primeira e nas 24 horas de nascidos vivos a termo em maternidades vinculadas à RC, de forma a subsidiar o planejamento, a organização dos serviços de saúde e o diálogo entre a clínica e gestão.
Método
Trata-se de um estudo transversal com a utilização dos dados da “Avaliação das práticas de cuidado ao parto e nascimento em maternidades da Rede Cegonha”, do segundo ciclo avaliativo, 2016-2017, realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e a Universidade Federal do Maranhão. Foram avaliadas in loco todas as maternidades que aderiram à RC, 606 maternidades de todas as unidades da federação, das quais 351 públicos e 255 privadas conveniados ao SUS. Juntas representavam quase 50% dos partos realizados no país e 61,2% dos partos do SUS em 20171818 Vilela MEA, Leal MC, Thomaz EBAF, Gomes MASM, Bittencourt SDA, Gama SGN, Silva LBRAA, Lamy ZC. Avaliação da atenção ao parto e nascimento nas maternidades da Rede Cegonha: os caminhos metodológicos. Cien Saude Colet 2021; 26(3):789-800..
A coleta de dados foi conduzida entre dezembro de 2016 e outubro de 2017. Foram avaliadas cinco diretrizes do componente parto e nascimento da RC: acolhimento em obstetrícia; boas práticas na atenção ao parto e nascimento; monitoramento do cuidado e vigilância da mortalidade materna e neonatal; gestão participativa e compartilhada; e ambiência. Utilizou-se a técnica de estimativa rápida participativa, recomendada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), empregando três técnicas de coleta de dados: entrevista estruturada com puérperas, profissionais de saúde e gestores; análise documental dos prontuários das puérperas e recém-nascidos, bem como dos documentos referentes aos indicadores de saúde da unidade; e observação in loco1818 Vilela MEA, Leal MC, Thomaz EBAF, Gomes MASM, Bittencourt SDA, Gama SGN, Silva LBRAA, Lamy ZC. Avaliação da atenção ao parto e nascimento nas maternidades da Rede Cegonha: os caminhos metodológicos. Cien Saude Colet 2021; 26(3):789-800..
Na avaliação da RC foram incluídas as puérperas cujos partos ocorreram durante o período de estudo, exceto aquelas com transtorno mental grave, que não compreendiam a língua portuguesa, surdas, internadas por aborto ou encaminhadas à unidade de terapia intensiva (UTI) no pós-parto. Maior detalhamento do estudo está disponível em Vilela et al.1818 Vilela MEA, Leal MC, Thomaz EBAF, Gomes MASM, Bittencourt SDA, Gama SGN, Silva LBRAA, Lamy ZC. Avaliação da atenção ao parto e nascimento nas maternidades da Rede Cegonha: os caminhos metodológicos. Cien Saude Colet 2021; 26(3):789-800.
Para o presente estudo foram excluídas também as puérperas com parto prematuro (≤ 37 semanas), natimortos, recém-nascidos (RN) com baixo peso ao nascer (< 2.500 g), índice de Apgar no primeiro minuto menor que sete, gemelar, RN encaminhado à UTI Neonatal. Esses critérios foram adotados por serem possíveis fatores impeditivos do AM feito de forma precoce.
Foram considerados dois desfechos: o AM na sala de parto na primeira hora de vida e o AM nas primeiras 24 horas de vida do recém-nascido, obtidos do questionário da puérpera: “Depois do nascimento, você deu o peito no local do parto?”; “Você amamentou o seu bebê nas primeiras 24 horas após o parto?”. As demais variáveis foram coletadas do questionário feito à puérpera e da análise documental do prontuário da puérpera e do RN.
Adotou-se o modelo hierarquizado por nível de proximidade com o desfecho conforme revisão da literatura1212 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Vasconcellos AGG. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida. Rev Saude Publica 2011; 45(1):69-78.,1919 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saude Publica 2008; 24(11):2681-2694.,2020 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados ao início tardio da amamentação em hospitais do Sistema Único de Saúde no município do Rio de Janeiro, Brasil, 2009. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2390-2400. para análise e seleção dos modelos (Figura 1). Na análise foram selecionadas as seguintes variáveis para AM na primeira hora: cor da pele, situação conjugal, escolaridade, paridade (nível distal); realização do pré-natal, número de consultas do pré-natal, desejo de engravidar (planejamento a gravidez), idade materna (nível intermediário) e no nível proximal foram incluídas as seguintes variáveis: presença de acompanhante, uso de indutor (ocitocina e misoprostrol), contato pele a pele, profissional que assistiu ao parto, tipo de parto, peso ao nascer (peso insuficiente, 2.500 g a 2.999 g, peso adequado, ≥ 3.000 g) , aspiração de vias áreas, idade gestacional ao nascimento (termo precoce, 37-38 semanas e termo completo ≥ 39 semanas). Também foi incluído nesse nível “se maternidade era acreditada pelo IHAC” e o grau de implantação das Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento conforme preconizado pela RC, a partir da configuração de uma matriz de julgamento para o Brasil e grandes regiões2121 Bittencourt SDA, Vilela MEA, Marques MCO, Santos AM, Silva CKRT, Domingues RMSM, Reis AC, Santos GLD. Atenção ao parto e nascimento em Maternidades da Rede Cegonha/Brasil: avaliação do grau de implantação das ações. Cien Saude Colet 2021; 26(3):801-821.. Essa matriz contempla informações sobre a permanência de acompanhante de livre escolha e garantia de acolhimento a esse acompanhante, como poltrona e oferta de refeição; assistência ao parto de baixo risco por enfermeira obstétrica; uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor e outros itens referentes ao parto e pós-parto.
Modelo teórico hierarquizado de amamentação na primeira hora de vida e nas primeiras 24 horas de vida.
Para AM nas primeiras 24 horas: cor da pele, situação conjugal, escolaridade, paridade (nível distal); realização do pré-natal, número de consultas do pré-natal, desejo de engravidar, idade materna (nível intermediário); presença de acompanhante, tipo de parto, acreditação IHAC, grau de implementação da diretriz 2 da RC, peso ao nascer, idade gestacional (nível proximal).
A análise descritiva dos dados foi realizada com cálculo de frequências absolutas e relativas. Foi realizada análise bivariada (teste qui-quadrado de Pearson) para cada variável, a fim de examinar a associação com cada desfecho separadamente, sendo selecionadas para análise de regressão aquelas com valor de p < 0,20. Foi utilizada a estimação de modelos de regressão logística segundo modelo hierárquico (Figura 1) para o cálculo da razão de chances (OR), com intervalo de confiança de 95% (IC95%), e variáveis com valor de p < 0,01 foram mantidas. As estimativas foram ponderadas pelo inverso da probabilidade da seleção. Os dados foram analisados no software SPSS, versão 20.0.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz em 13 de janeiro de 2022, com CAAE 53989321.2.0000.5240.
Resultado
Após aplicação dos critérios de exclusão, obteve-se uma amostra de 8.047 pares de puérperas e RN. Do total da amostra utilizada, houve perda de 133 dados por ausência de informação para a análise da amamentação na primeira hora e 104 nas primeiras 24 horas. A amostra final foi de 7.914 puérperas para a primeira hora e 7.943 para as 24 horas. Do total de RN saudáveis, 31% foram amamentados na primeira hora de vida e 96,6% nas primeiras 24 horas.
Neste estudo, a maior concentração de nascimentos foi nas regiões Nordeste (30,5%) e Sudeste (36,8%). A maioria das puérperas era adulta e jovem, com idade entre 20 e 24 anos, mais da metade era parda (60,2%), tinha companheiro (79%), completou o ensino médio (56,3%), era primípara (46,1%), realizou pré-natal (98,2%) e teve mais de seis consultas (79,9%), conforme recomendado pela OMS. Quanto às características do parto e nascimento, elas contaram com a presença de acompanhante em todos os momentos (72,1%), não foi utilizado indutor de parto (67,2%), a maternidade garantiu o contato pele a pele no pós-parto imediato (67,5%), tiveram parto assistido por médico obstetra (79,9%) e parto vaginal (56,8%). A idade gestacional foi em grande parte a termo completo (66,8%) e os RN apresentaram peso adequado ao nascer (75,5%). Do total de maternidades avaliadas, 64% não tinham acreditação IHAC (64%), e 77,1% apresentaram grau de implementação acima de 50%, ou seja, adequado ou parcialmente adequado na implementação da diretriz 2 (Tabela 1).
A prevalência da amamentação na primeira hora, de 31%, foi maior na região Sudeste (34,9%), entre as mulheres de cor preta (33,3%), que não tinham companheiro (31,7%), com ensino superior completo (35,4%), multíparas com três filhos ou mais (34,3%), que não realizaram o pré-natal (35%), não planejaram a gravidez (33,3%), idade materna de 20 a 34 anos (31,6%), com a presença de acompanhante em todos os momentos (35,8%), sem utilização de ocitocina e/ou misoprostol como indutos de parto (32,3% em ambos), com parto assistido por enfermeira obstetra/obstetriz (47,8%), parto vaginal (44%), em maternidade com acreditação IHAC (36,2%), com implementação da diretriz 2 da RC como adequado e parcialmente adequado (37,6% e 30,4%, respectivamente), peso ao nascer menor do que 3 kg (31,8%), sem intervenção de aspiração de vias aéreas (34,3%), e nascimento a termo precoce, 37 ou 38 semanas gestacionais (31,4%) (Tabela 1).
No desfecho amamentação nas 24 horas, a prevalência foi de 96,6%, sendo maior na região Norte (97,2%), mulheres pardas (96,9%), com companheiro (96,9%), ensino médio completo (96,9%), multíparas com um ou dois partos anteriores (97,5%), não realização do pré-natal (100%), não planejamento da gravidez (100%), idade menor do que 20 anos (97,8%), presença de acompanhante (97,2%), parto vaginal (97,8%), maternidade coma acreditação IHAC (97,8%), grau de implementação da diretriz 2 da RC como adequado e parcialmente adequado (96,4 e 96,7%, respectivamente), peso ao nascer menor 3 kg (96,7%) e nascimento a termo completo, maior do que 38 semanas gestacionais (96,8%) (Tabela 1).
Na análise bivariada foram selecionadas (p < 0,20) para o modelo com desfecho de AM na primeira hora as seguintes variáveis: região de nascimento, cor de pele materna, escolaridade materna e paridade (nível distal); idade materna (nível intermediário); presença de acompanhante na internação, uso de ocitocina, contato pele a pele, profissional que assistiu ao parto, tipo de parto, acreditação da maternidade na IHAC, grau de implementação da diretriz 2 da RC e aspiração de vias aéreas do RN (nível proximal).
Para o desfecho AM nas primeiras 24 horas foram selecionadas as variáveis: região de nascimento, situação conjugal e paridade (nível distal); planejamento da gravidez e idade materna (nível intermediário); presença de acompanhante durante a internação, tipo de parto e acreditação da maternidade na IHAC (nível proximal) (Tabela 1).
No modelo final ajustado, as puérperas que tiveram seus partos na região Nordeste apresentaram chance 43% menor de amamentar na primeira hora (OR 0,57; IC95%: 0,45-0,71), quando comparadas às da região Centro-Oeste. Apresentaram ainda maior chance de AM na primeira hora aquelas que contaram com a presença de acompanhante em todos os momentos da internação (OR 1,67; IC95%: 1,38-2,02), contato pele a pele com RN após o parto (OR 2,03; IC95%: 1,73-2,37), parto vaginal (OR 3,05; IC95%: 2,63-3,52), parto assistido por enfermeira obstetra/obstetriz (OR 1,30; IC95%: 1,13-1,50) e partos assistidos em unidade com acreditação IHAC (OR 1,40; IC95%: 1,24-1,58). Os RN submetidos a aspiração de vias aéreas apresentaram menor chance de AM na primeira hora (OR 0,65; IC95%: 0,57-0,75) (Tabela 2).
Quanto ao modelo ajustado final da amamentação nas 24 horas de vida, as puérperas que apresentaram mais chances de amamentar tinham idade inferior a 20 anos de idade (OR 1,90; IC95%: 1,21-2,99), contaram com a presença de acompanhante em todos os momentos da internação (OR 1,98; IC95%: 1,41-2,77), a via de parto foi vaginal (OR 2,09; IC 95%: 1,61-2,71), e a unidade de saúde possuía acreditação IHAC (OR 1,76; IC95%: 1,31-2,36) (Tabela 3).
Discussão
A prevalência de amamentação na primeira hora de vida, considerando mulheres e recém-nascidos saudáveis do segundo ciclo avaliativo da RC, foi de 31%. A chance de amamentar na primeira hora de vida foi significativamente menor naquelas cujos partos ocorreram na região Nordeste e cujos RN tiveram as vias aéreas aspiradas. Por outro lado, ter acompanhante em todas as fases da internação, parto vaginal, assistência ao parto por enfermeira obstétrica e acreditação da unidade hospitalar na IHAC ampliaram as chances de aleitamento na primeira hora de vida. AM nas 24 horas foi quase universal, 96,6%. Ser mãe adolescente ou adulta jovem (até 34 anos) aumentou a chance de amamentar nas 24 horas, assim como ter parto vaginal, ter acompanhante em todo o período de internação ou em parte e o parto ter ocorrido em hospital Amigo da Criança.
A proporção de crianças amamentadas na primeira hora foi menor do que a observada na pesquisa Nascer no Brasil de 2011-2012 e no ENANI em 2019: 55% e 62,4%, respectivamente1111 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. Rio de Janeiro: UFRJ; 2021.,1313 Carvalho ML, Boccolini CS, Oliveira MIC, Leal MC. The baby-friendly hospital initiative and breastfeeding at birth in Brazil: a cross sectional study. Reproductive Health 2016; 13(3):119.. Diferentemente do observado nos dois estudos nacionais citados, cuja prevalência de AM na primeira hora foi maior na região Norte, no presente estudo o maior percentual foi encontrado na região Sul1111 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aleitamento materno: prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. Rio de Janeiro: UFRJ; 2021.,1313 Carvalho ML, Boccolini CS, Oliveira MIC, Leal MC. The baby-friendly hospital initiative and breastfeeding at birth in Brazil: a cross sectional study. Reproductive Health 2016; 13(3):119..
Essa diferença encontrada pode ser devida a distintos métodos empregados, como o critério adotado para definir amamentação na primeira hora, que no presente estudo foi bastante rígido comparado a outros estudos. O ENANI 2019 foi um inquérito domiciliar realizado com crianças menores de cinco anos, o que poderia aumentar a possibilidade de viés de memória. O estudo Nascer no Brasil foi conduzido em hospitais públicos e privados, considerando nascimentos com idade gestacional a partir de 32 semanas e peso ao nascer > 1.500 g. A amostra utilizada no segundo ciclo avaliativo da RC não foi aleatória como nos estudos citados, foram incluídas todas as maternidades que aderiram à política pública RC, além de não serem consideradas as instituições privadas.
Outro achado importante foi confirmar a realização do pré-natal quase universal, com mais da metade das mulheres tendo feito seis consultas ou mais, como preconizado pelo MS2222 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 570, de 1o de junho de 2000 [Internet]. [acessado 2023 set 5]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2000/prt0570_01_06_2000_rep.html
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi... . Mesmo assim, a prevalência de amamentação na primeira hora foi baixa, resultado que pode estar associado à ausência ou à insuficiência de informação recebida sobre amamentação durante o pré-natal1919 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saude Publica 2008; 24(11):2681-2694..
O papel da rede básica de saúde na promoção do AM tem se destacado. Práticas de promoção, proteção e apoio ao AM em grupos que se estendam ao período pré-natal e pós-natal geram impacto positivo na duração e manutenção da amamentação2323 Oliveira MIC, Camacho LAB, Tedstone AE. Extending breastfeeding duration through primary care: a systematic review of prenatal and postnatal interventions. J Hum Lact 2001; 17(4):326-343.,2424 Hannula L, Kaunonen M, Tarkka MT. A systematic review of professional support interventions for breastfeeding. J Clin Nurs 2008; 17(9):1132-1143.. Dessa forma, no Brasil podemos destacar duas políticas que fortalecem e qualificam o trabalho da rede básica na promoção, proteção e apoio ao AM: a Rede Amamenta e Alimenta Brasil, e a Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Bases para a discussão da Política Nacional de Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno. Brasília: MS; 2017..
Achado positivo foi a baixa prevalência de uso de indutores de parto, como a ocitocina e o misoprostrol, que pode estar associada à implementação da RC, que preconiza a humanização do parto, evitando intervenções desnecessárias, como o uso de drogas uterotônicas durante o trabalho de parto. Estudo realizado em um hospital universitário em Porto Alegre observou que após a implementação da RC na unidade houve diminuição no uso de indutores de parto e também das analgesias farmacológicas2525 Lopes GDC, Gonçalves AC, Gouveia HG, Armellini CJ. Atenção ao parto e nascimento em hospital universitário: comparação de práticas desenvolvidas após Rede Cegonha. Rev Latino-Am Enferm 2019; 27:e3139..
Constatou-se a ausência de fatores maternos associados à amamentação na primeira hora, o que mostra a baixa influência e poder de decisão materno na amamentação na sala de parto e ressalta a importância das práticas institucionais da maternidade e a influência e poder decisório do profissional de saúde. Estudo retrospectivo conduzido em maternidades no Rio de Janeiro observou que os fatores individuais maternos perdiam a significância quando se inseria no modelo os fatores proximais, referentes à maternidade1212 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Vasconcellos AGG. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida. Rev Saude Publica 2011; 45(1):69-78.. Outro estudo conduzido em uma maternidade pública também no Rio de Janeiro identificou que menos de metade das mulheres sabia da possibilidade de amamentar na sala de parto, porém 85% das puérperas não foram questionadas sobre o desejo e/ou possibilidade de colocar o recém-nascido para mamar após o parto2626 Pereira CRVR, Fonseca VM, Oliveira MIC, Souza IEO, Mello RR. Avaliação de fatores que interferem na amamentação na primeira hora de vida. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(2):525-534..
O credenciamento das maternidades no IHAC tem sido um fator determinante para o início precoce do AM. Estabelece os dez passos fundamentais para o sucesso do AM, sendo o quarto passo o incentivo e apoio para a amamentação desde o nascimento, e o quinto passo, apoiar o início e a manutenção do AM2727 Figueredo SF, Mattar MJG, Abrão ACF V. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: uma política de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. Acta Paul Enferm 2012; 25(3):459-463.. Em 2011, a chance de amamentar na primeira hora era duas vezes maior quando a mulher dava à luz em uma unidade acreditada do país1313 Carvalho ML, Boccolini CS, Oliveira MIC, Leal MC. The baby-friendly hospital initiative and breastfeeding at birth in Brazil: a cross sectional study. Reproductive Health 2016; 13(3):119.. Resultados semelhantes foram observados na Bahia em 2017, com chance três vezes maior de AM na primeira hora em maternidades IHAC1515 Sousa PKS, Novaes TG, Magalhães EIS, Gomes AT, Bezerra VM, Pereira Netto M, Rocha DS. Prevalência e fatores associados ao aleitamento materno na primeira hora de vida em nascidos vivos a termo no sudoeste da Bahia, 2017. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(2):e2019384.. No Rio de Janeiro, em 2009, a certificação da maternidade pela IHAC se destacou como relevante fator de proteção contra o início tardio do AM, reduzindo em 83% a chance de amamentar após a primeira hora2020 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados ao início tardio da amamentação em hospitais do Sistema Único de Saúde no município do Rio de Janeiro, Brasil, 2009. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2390-2400..
A presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto é instituída por lei e faz parte das ações do componente parto e nascimento da RC1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Diário Oficial da União 2011; 24 jun.. Puérperas que contaram com a presença de acompanhante de livre escolha durante todo a internação apresentaram maior chance de AM na primeira hora, enquanto nas 24 horas foi também significativa a presença de acompanhante em algum momento. O acompanhante atua no apoio e transmite segurança para a mulher durante o trabalho de parto, parto e no pós-parto.
Estudo de revisão sobre a eficácia do acompanhante de escolha no nascimento apontou que a presença de acompanhante se mostrou uma experiência positiva para as mulheres, proporcionando maior sensação de segurança quanto a sofrer algum tipo de violência durante o trabalho de parto. Ressaltou também a importância da sensibilidade da equipe profissional em acolher o acompanhante de livre escolha da mulher e permitir também a privacidade do mesmo, quando do sexo masculino2828 Kabakian-Khasholian T, Portela A. Companion of choice at birth: factors affecting implementation. BMC Preg Childbirth 2017; 17(1):265.. Estudo realizado em maternidades públicas e privadas no Rio de Janeiro observou menor chance de amamentação na primeira hora em mulheres que não contaram com acompanhante na sala de parto e ressalta a importância desse apoio na garantia de humanização e direitos da mulher no parto1919 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saude Publica 2008; 24(11):2681-2694..
Resultados de estudo realizado com essa mesma base de dados, do segundo ciclo avaliativo da RC, demonstrou avanço na garantia do direito à presença de acompanhante a partir da implementação política da RC, em comparação ao observado no estudo Nascer no Brasil em 2011. No entanto, expõe desigualdades para usufruir desse direito, uma vez que puérperas pretas, de baixa escolaridade, sem companheiro, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste foram as menos acompanhadas. Destaca-se, ainda, que o momento do parto foi o mais difícil de se obter permissão para a presença de acompanhante2929 Goiabeira YNLA, Thomaz EBAF, Lamy ZC, Santos AM, Leal MC, Bittencourt SDA, Gama SGND, Quei roz RCS. Presença do acompanhante em tempo integral em maternidades brasileiras vinculadas à Rede Cegonha. Cien Saude Colet 2022; 27(4):1581-1594., ainda que vá de encontro à Lei nº 11.1083030 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Lei no 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2005; 8 abr., que vigora desde 2005 e garante a presença, junto à parturiente, de um acompanhante indicado por ela durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
A cesariana tem sido apontada, na literatura, como importante fator na diminuição da chance de amamentar. Estudo conduzido com análise secundária dos dados da OMS em 24 países observou chance reduzida em 72% de AM na primeira hora em mulheres que tiveram partos cesarianos3131 Takahashi K, Ganchimeg T, Ota E, Vogel JP, Souza JP, Laopaiboon M, Mori R. Prevalence of early initiation of breastfeeding and determinants of delayed initiation of breastfeeding: secondary analysis of the WHO Global Survey. Sci Rep 2017; 7:44868.. Achados semelhantes foram observados em outras pesquisas, como uma revisão sistemática em que a cesariana foi apontada como o fator mais relevante de postergação do início do AM para além da primeira hora1414 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2014; 48(4):697-708.. Em um hospital universitário nos EUA, estudo com mulheres elegíveis para o parto vaginal observou que, mesmo sendo elegíveis para o parto normal, 36,9% tiveram cesariana de emergência, não tendo o contato pele a pele pós-parto e, consequentemente, não aleitando na primeira hora3232 Cadwell K, Brimdyr K, Phillips R. Mapping, measuring, and analyzing the process of skin-to-skin contact and early breastfeeding in the first hour after birth. Breastfeed Med 2018; 13(7):485-492.. Pesquisa conduzida com a Coorte de Lactentes de Botucatu-SP, que analisou o efeito negativo de cesarianas eletivas, observou risco duas vezes maior de não ser amamentado na primeira hora de vida, quando comparado aos nascidos por parto vaginal3333 Ferrari AP, Almeida MAM, Carvalhaes MABL, Parada CMG L. Efeitos da cesárea eletiva sobre os desfechos perinatais e práticas de cuidado. Rev Bras Saude Mater Infant 2020; 20(3):879-888.. No presente estudo, a cesariana foi a via de parto de 43,2% das mulheres estudadas, valor bem superior ao recomendado pela OMS3434 Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração da OMS sobre taxas de cesáreas [Internet]. 2015. [acessado 2022 maio 31]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161442/WHO_RHR_15.02_por.pdf;jsessionid=15936C499C421AFF173E60AA0B145B57?sequence=3
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl... .
No segundo ciclo avaliativo da RC, mulheres com parto vaginal tiveram três vezes mais chances de amamentar na primeira hora do que as que tiveram cesariana, achados que vão ao encontro dos observados no estudo Nascer no Brasil1313 Carvalho ML, Boccolini CS, Oliveira MIC, Leal MC. The baby-friendly hospital initiative and breastfeeding at birth in Brazil: a cross sectional study. Reproductive Health 2016; 13(3):119.. A mulher com via de parto vaginal apresenta maior prontidão e empoderamento para manejo e contato com o RN imediatamente após o parto. Em caso de cesariana, devido ao efeito da anestesia, pode haver uma letargia tanto da mãe quanto do RN, além da necessidade de cuidados no pós-operatório. Dessa forma, o contato do binômio mãe-bebê é postergado1414 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida: revisão sistemática. Rev Saude Publica 2014; 48(4):697-708.,2020 Esteves TMB, Daumas RP, Oliveira MIC, Andrade CAF, Leite IC. Fatores associados ao início tardio da amamentação em hospitais do Sistema Único de Saúde no município do Rio de Janeiro, Brasil, 2009. Cad Saude Publica 2015; 31(11):2390-2400.. O contato pele a pele entre a mãe e o RN precede a busca e oferta do seio materno. Neste estudo, o contato dobrou as chances de amamentar na primeira hora. Para Boccolini et al., mesmo em partos vaginais, a ausência do contato mãe e bebê logo após o parto pode ampliar o tempo até a primeira mamada em 40%1919 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saude Publica 2008; 24(11):2681-2694..
O contato pele a pele é uma rotina possível e considerada boa prática do parto e do nascimento em RN saudáveis. Mas da mesma forma que muitas vezes essa prática não é implementada, práticas desnecessárias, não recomendadas em RN saudáveis sem intercorrências, como a aspiração de vias aéreas, ainda são praticadas3535 Moreira MEL, Gama SGN, Pereira APE, Silva AAM, Lansky S, Pinheiro RS, Gonçalves AC, Leal MC. Práticas de atenção hospitalar ao recém-nascido saudável no Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(Supl. 1):S128-S139.. A aspiração de vias aéreas superiores diminuiu em 35% a chance de amamentar na primeira hora, por afastar o RN da mãe. Abandonar práticas não mais recomendadas e adotar novas práticas pode ser desafiador para a rotina hospitalar no parto e nascimento.
O componente parto e nascimento da RC propõe o estímulo de equipes horizontais do cuidado na assistência na atenção obstétrica e neonatal1717 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011. Diário Oficial da União 2011; 24 jun.. Entretanto, a participação do médico obstetra, em relação à enfermeira obstetra, foi quatro vezes maior, mesmo em se tratando de partos a termo e sem intercorrências. Não trazer a enfermeira obstétrica para a assistência do parto de risco habitual contribui para o excesso de cesarianas e outras intervenções desnecessárias, como observado nesta avaliação. Em Recife, estudo realizado em um hospital universitário observou que mulheres com partos assistidos por enfermeira obstetra tiveram duas vezes mais chance de AM na primeira hora3636 Silva JLP, Linhares FMP, Barros AA, Souza AG, Alves DS, Andrade PON. Texto Contexto Enferm 2019; 27(4):e4190017.. Resultados semelhantes foram observados por Gama et al., em que mulheres com partos assistidos por enfermeira apresentaram maior chance de amamentação na sala de parto3737 Gama SGN, Viellas EF, Medina ET, Angulo-Tuesta A, Silva CKRT, Silva SD, Santos YRP, Esteves-Pereira AP. Atenção ao parto por enfermeira obstétrica em maternidades vinculadas à Rede Cegonha, Brasil - 2017. Cien Saude Colet 2021; 26(3):919-929..
A assistência ao parto de baixo risco por enfermeira obstétrica é um dos componentes que compõe a “diretriz 2 - Boas práticas de atenção ao parto e nascimento” da matriz avaliativa do segundo ciclo. Foi observada maior prevalência de AM na primeira hora nas mulheres que tiveram seus partos em maternidades com grau adequado de implementação da RC. Esse resultado ressalta a importância da implementação adequada da política RC como estratégia para promoção, proteção e apoio ao AM na primeira hora pós-parto.
A prevalência de amamentação dentro das 24 horas pós-parto foi bastante satisfatória no segundo ciclo avaliativo, tendo quase todas as puérperas amamentado seus filhos. Estudo conduzido na Colômbia identificou que crianças que iniciaram a amamentação após as 24 horas apresentaram maior risco de abandono do AM exclusivo3838 Arocha-Zuluaga GP, Caicedo-Velasquez B, Forero-Ballesteros LC. Determinantes económicos, sociales y de salud que inciden en la lactancia materna exclusiva en Colombia. Cad Saude Publica 2022; 38(9):e00186621. 39..
Assim como o AM na primeira hora, foi observada associação com a presença de acompanhante na internação, via de parto vaginal e acreditação da maternidade na IHAC. A presença de acompanhante em todos os momentos da internação e o parto vaginal dobraram as chances de AM nas 24 horas. Estudo em maternidades públicas do Rio de Janeiro encontrou que mulheres que tiveram parto vaginal levaram em média até seis horas para iniciar o AM, enquanto nas que tiveram parto por cesariana esse tempo foi de dez horas1919 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saude Publica 2008; 24(11):2681-2694.. A via de parto vaginal é um fator protetor para o AM, seja início precoce ou tardio, enquanto na cesariana a demanda maior de cuidados pós-operatórios na puérpera posterga o início da amamentação.
A idade materna inferior a 35 anos aumentou as chances de AM, com destaque para as adolescentes. O mesmo resultado foi obtido em estudo no Rio de Janeiro, no qual o aumento na idade materna retardou o tempo da primeira mamada1919 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Leal MC, Carvalho MS. Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Cad Saude Publica 2008; 24(11):2681-2694.. Outros estudos1010 Silva LAT, Fonseca VM, Oliveira MIC, Silva KS, Ramos EG, Gama SGN. Professional who attended childbirth and breastfeeding in the first hour of life. Rev Bras Enferm 2020; 73(2):e20180448.,1212 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MIC, Vasconcellos AGG. Fatores associados à amamentação na primeira hora de vida. Rev Saude Publica 2011; 45(1):69-78.,1313 Carvalho ML, Boccolini CS, Oliveira MIC, Leal MC. The baby-friendly hospital initiative and breastfeeding at birth in Brazil: a cross sectional study. Reproductive Health 2016; 13(3):119. observaram maior chance de AM na primeira hora entre as adolescentes. Apesar de no presente estudo não ter sido significativo em relação ao AM na primeira hora, as adolescentes apresentaram maior sucesso na amamentação tardia até as 24 horas pós-parto. Adolescentes costumam ter como acompanhante mulheres que apoiam a amamentação, por experiência prévia com o AM3939 Guimarães CMS, Conde RG, Gomes-Sponholz FA, Oriá MOB, Monteiro JCS. Fatores relacionados à autoeficácia na amamentação no pós-parto imediato entre puérperas adolescentes. Acta Paul Enferm 2017; 30(1):109-115..
A limitação do presente estudo foi a ausência de informações que agregariam à discussão mas que não foram coletadas, como o recebimento de informações da puérpera sobre o AM no pré-natal, profissional que realizou as consultas no pré-natal e intercorrências maternas como sífilis e diabetes gestacional.
Por outro lado, o estudo tem pontos fortes, como a abrangência de todos os hospitais que aderiram à RC, uma política pública do Ministério da Saúde, com representação de mais de 50% das maternidades vinculadas ao SUS, o fato de ter as variáveis explicativas ocorridas previamente aos desfechos, o AM na primeira e nas 24 horas após o nascimento. Além de ter tido treinamento e coleta de dados de forma padronizada pela coordenação da avaliação.
A estratégia da RC trouxe ganhos para o início do AM, como maior acesso ao pré-natal, menor uso de indutores de parto, maior garantia de presença de acompanhante durante toda a internação, promoção do cuidado e assistência ao parto e nascimento com equipes horizontais. A atuação de equipes multidisciplinares na rede permite uma abordagem que contribui para o parto mais humanizado. Com a suspensão da RC, importante política pública para mulheres e neonatos, caminhamos para um cenário de retrocesso, retorno da assistência ao parto e nascimento medicalocêntrico, desvalorização da atuação da equipe horizontal na assistência ao parto, com destaque para a enfermeira obstétrica, e também de risco ao aleitamento na primeira hora de vida.
Conclusão
Os resultados aqui apresentados apontam a necessidade de melhoria na assistência à mulher e ao recém-nascido no pós-parto, visando garantir o início precoce do AM, reforçando o papel da maternidade quanto ao início oportuno do AM ainda na primeira hora pós-parto, e reiteram a importância da política da RC na promoção e no apoio do AM nas primeiras 24 horas de vida do recém-nascido, diminuindo o risco de morbimortalidade neonatal.
As políticas institucionais e a conduta adotada pelos profissionais de saúde nas maternidades são decisivas na promoção, proteção e apoio ao AM. Ressaltamos a acreditação da maternidade como IHAC como fator protetor imprescindível no pós-parto.
Acreditamos na retomada da RC como política de assistência que assegura à mulher e à criança o direito à gravidez, ao parto e ao crescimento seguros e saudáveis. Reforçamos a necessidade de capacitação contínua dos profissionais de saúde nas práticas de AM desde a atenção primária, para superar os obstáculos para o início do AM na primeira hora.
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Financiamento
Ministério da Saúde.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
19 Abr 2024 - Data do Fascículo
Abr 2024
Histórico
- Recebido
11 Abr 2023 - Aceito
23 Jun 2023 - Publicado
25 Jun 2023