Resumo
Objetivou-se analisar os fatores associados ao policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas, entre adolescentes escolares brasileiros de 13 a 17 anos. Estudo transversal, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (2019). A variável desfecho foi o relato de consumo das três substâncias nos últimos 30 dias. As variáveis independentes foram agrupadas em quatro blocos: características sociodemográficas; contexto familiar; situações estressoras; aspectos comportamentais. Foi realizada análise de regressão logística múltipla hierarquizada, permanecendo no modelo final as variáveis com p<0,05. A prevalência de policonsumo em adolescentes escolares foi 3,3%. No modelo final, sexo masculino, morar na região Centro-Oeste, Sul e Sudeste, faltar a escola sem permissão, pais não saberem o que fazem no tempo livre, ter pais fumantes, sofrer agressão física pelos pais, sentir que a vida não vale a pena ser vivida, experimentar bebida alcoólica e drogas ilícitas antes dos 13 anos, ter amigos que bebem bebida alcoólica, fumam e usam drogas na sua presença permaneceram associados ao desfecho. Os dados mostram alta prevalência de policonsumo de três substâncias entre adolescentes e sua associação a fatores sociodemográficos, familiares, comportamentais e a eventos estressantes.
Palavras-chave:
Adolescente; Estudantes; Drogas Ilícitas; Fatores de Risco
Introdução
O uso de substâncias psicoativas é reconhecidamente um dos comportamentos de risco mais comuns durante a adolescência, sendo particularmente preocupante entre os adolescentes que fazem uso de múltiplas drogas, em um padrão conhecido como policonsumo11 Banks DE, Rowe AT, Mpofu P, Zapolski TCB. Trends in typologies of concurrent alcohol, marijuana, and cigarette use among US adolescents: An ecological examination by sex and race/ethnicity. Drug Alcohol Depend 2017; 179:71-77.. O policonsumo é definido como o uso de mais de uma substância psicoativa lícita ou ilícita não prescrita, podendo ocorrer de forma concorrente, que consiste no uso de duas ou mais substâncias psicoativas em ocasiões diferentes (dentro de um período de um mês, um ano ou em qualquer outro intervalo de tempo); ou de forma simultânea, que envolve a coingestão de duas ou mais substâncias em uma mesma sessão de uso22 Nóbrega MPSS, Simich L, Strike C, Brands B, Giesbrecht N, Khenti A. Policonsumo simultâneo de drogas entre estudantes de graduação da área de ciências da saúde de uma universidade: implicações de gênero, sociais e legais, Santo André - Brasil. Texto Contexto Enferm 2012; 21(n. esp.):25-33..
Dados epidemiológicos de diferentes países apontam para estimativas de policonsumo entre adolescentes escolares, variando, conforme o tamanho da amostra, período da pesquisa e definição de policonsumo. Pesquisas transversais encontraram prevalência de 18,0% no Canadá entre os anos de 2018-201933 Zuckermann AME, Williams GC, Battista K, Jiang Y, Groh M, Leatherdale ST. Prevalence and correlates of youth poly-substance use in the COMPASS study. Addict Behav 2020; 107:106400., 13,9% na Espanha em 201144 Font-Mayolas S, Gras ME, Cebrián N, Salamó A, Planes M, Sullman MJ. Types of polydrug use among Spanish adolescents. Addict Behav 2013; 38(3):1605-1609. e 5,1% na Malásia em um levantamento nacional realizado em 201755 Rodzlan Hasani WS, Saminathan TA, Ab Majid NL, Miaw Yn JL, Mat Rifin H, Abd Hamid HA, Lourdes, TGR, Ahmad A, lsmail H, Abd Rashid R, Yusoff MFM. Polysubstance use among adolescents in Malaysia:Findings from the National Health and Morbidity Survey 2017. PLoS One 2021; 16(1):e0245593..
Descobertas mais recentes sobre o policonsumo entre adolescentes brasileiros são resultantes de estudos que aplicaram análises de classes latentes para identificar grupos de adolescentes de acordo com seus padrões de uso. Um desses estudos consistiu em uma análise de transição com dados de pesquisa longitudinal realizada com 6.391 alunos de seis cidades brasileiras entre os anos de 2014 e 2015, revelando três padrões de uso de drogas: abstêmios/baixos usuários (81,54% no início do estudo; 70,61% após 21 meses), usuários de álcool/bebedores compulsivos (16,65% no início do estudo; 21,45% após 21 meses) e usuários de múltiplas drogas (1,80% no início do estudo; 7,92% após 21 meses)66 Valente JY, Cogo-Moreira H, Swardfager W, Sanchez ZM. A latent transition analysis of a cluster randomized controlled trial for drug use prevention. J Consult Clin Psychol 2018; 86(8):657-665.. Em outro estudo, o mesmo tipo de análise de classes latentes foi aplicada a dados de 5.213 adolescentes escolares de três cidades do país, com dados coletados em 2019. Foram identificados três perfis de uso de drogas: abstêmios/usuários de baixo consumo (63,4%), usuários de álcool/bebedores compulsivos (29,5%) e usuários de múltiplas drogas (7,1%)77 Garcia-Cerde R, Valente JY, Sanchez ZM. Attitudes are associated with the drug use profiles of middle school adolescents: A latent class analysis. Psychiatry Res 2021; 295:113592..
Apesar dos resultados oriundos de publicações que abordam o policonsumo de substâncias psicoativas entre adolescentes brasileiros66 Valente JY, Cogo-Moreira H, Swardfager W, Sanchez ZM. A latent transition analysis of a cluster randomized controlled trial for drug use prevention. J Consult Clin Psychol 2018; 86(8):657-665.,77 Garcia-Cerde R, Valente JY, Sanchez ZM. Attitudes are associated with the drug use profiles of middle school adolescents: A latent class analysis. Psychiatry Res 2021; 295:113592., dados que retratem melhor tal cenário frente ao território nacional são escassos. O principal levantamento realizado no Brasil sobre fatores de risco e proteção para o desenvolvimento de doenças crônicas entre adolescentes escolares, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), em nenhuma de suas edições88 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rio de Janeiro: IBGE; 2009.
9 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013.
10 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.-1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021. apresenta análises detalhadas sobre o policonsumo de substâncias, que consiste na proposta deste estudo.
No âmbito da prática profissional em saúde, a potência de se compreender as variáveis que resultam no consumo de múltiplas drogas por adolescentes é relevante, tendo em vista que pode culminar em resultados sociais e de saúde negativos já conhecidos, dentre os quais incluem comportamentos sexuais de risco1212 Kokkevi A, Kanavou E, Richardson C, Fotiou A, Papadopoulou S, Monshouwer K, Matias J, Olszewski D. Polydrug use by European adolescents in the context of other problem behaviours. Nord Stud Alcohol DR 2014; 31(4):323-342., fracasso escolar1313 Kelly AB, Evans-Whipp TJ, Smith R, Chan GC, Toumbourou JW, Patton GC, Hemphill SA, Hall WD, Catalano RF. A longitudinal study of the association of adolescent polydrug use, alcohol use and high school non-completion. Addiction 2015; 110(4):627-635., delinquência1212 Kokkevi A, Kanavou E, Richardson C, Fotiou A, Papadopoulou S, Monshouwer K, Matias J, Olszewski D. Polydrug use by European adolescents in the context of other problem behaviours. Nord Stud Alcohol DR 2014; 31(4):323-342., risco aumentado para o suicídio1414 Reyes JC, Robles RR, Colón HM, Negrón JL, Matos TD, Calderón JM. Polydrug use and attempted suicide among Hispanic adolescents in Puerto Rico. Arch Suicide Res 2011; 15(2):151-159. e overdose fatal ou não fatal1515 Liu S, Vivolo-Kantor A. A latent class analysis of drug and substance use patterns among patients treated in emergency departments for suspected drug overdose. Addict Behav 2020; 101:106142..
Pesquisas com amostras representativas de adolescentes brasileiros são fundamentais para a construção do perfil epidemiológico e, consequentemente, para orientar a elaboração de políticas de prevenção ao policonsumo destinadas ao referido estrato populacional. Diante disso, este estudo teve por objetivo analisar os fatores associados ao policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas entre adolescentes escolares brasileiros de 13 a 17 anos participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal analítico que utilizou dados da 4ª edição da PeNSE (2019), contemplando escolares de 13 a 17 anos de 4.242 escolas públicas e privadas, incluindo os cursos técnicos com ensino médio integrado e os cursos normal/magistério, e 6.612 turmas do 7º ano do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio. A amostra é representativa para o Brasil, Grandes Regiões Unidades da Federação, Municípios das Capitais e Distrito Federal1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.. Mais detalhes sobre a amostra são fornecidos em outra publicação1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021. e estão disponíveis publicamente na página eletrônica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (www.ibge.gov.br).
Para o presente estudo, foram selecionados do banco de dados apenas os estudantes que responderam “sim” ou “não” para as perguntas referentes ao consumo atual de álcool, tabaco e drogas ilícitas. Considerando os alunos não respondentes, houve uma perda amostral de aproximadamente 4,2%.
A coleta dos dados da PeNSE foi realizada por meio da aplicação de um questionário, respondido pelos próprios estudantes por meio de um smartphone, no ano de 2019. Quanto a obtenção dos dados para este estudo, ocorreu em agosto de 2022, por meio do site do IBGE (https://biblioteca.ibge.gov.br), quando os microdados se tornaram disponíveis.
Definiu-se como variável desfecho o “policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas”. Foram considerados policonsumidores os adolescentes que responderam “sim” para o consumo das três substâncias nos 30 dias que antecederam à realização da pesquisa. O consumo foi avaliado e categorizado por meio dos seguintes indicadores:
Consumo de bebida alcoólica - medido a partir da pergunta “Nos últimos 30 dias, em quantos dias você tomou pelo menos um copo ou uma dose de bebida alcoólica?” - avaliado pela resposta: sim, não.
Consumo de tabaco - (1) “Nos últimos 30 dias, em quantos dias você fumou cigarros?” - avaliado pela resposta: sim, não; (2) “Nos últimos 30 dias, quais desses outros produtos do tabaco você usou - narguilé (cachimbo de água)?”, sim, não; (3) “Nos últimos 30 dias, quais desses outros produtos do tabaco você usou - cigarros eletrônicos (e-cigarrete)?”, sim, não; (4) “Nos últimos 30 dias, quais desses outros produtos do tabaco você usou - cigarros de cravo (cigarros de Bali)?”, sim, não; (5) “Nos últimos 30 dias, quais desses outros produtos do tabaco você usou - cigarros enrolados à mão (palha ou papel)?”, sim, não; (6) “Nos últimos 30 dias, quais desses outros produtos do tabaco você usou - outros?”, sim, não. Para este indicador foram consideradas as respostas negativas das perguntas filtro “Alguma vez na vida você já experimentou narguilé (cachimbo de água)?”; “Alguma vez na vida você já experimentou cigarro eletrônico (e-cigarrette)?”; “Alguma vez na vida você já experimentou outros produtos do tabaco, sem contar narguilé e cigarro eletrônico?”.
Consumo de drogas ilícitas - “Nos últimos 30 dias, quantos dias você usou alguma droga?” - avaliado pela resposta: sim; não.
Para avaliar os fatores associados, as variáveis independentes foram agrupadas em quatro blocos: 1) Características sociodemográficas; 2) Contexto familiar; 3) Situações estressoras; 4) Aspectos comportamentais (Figura 1).
Modelo hierárquico proposto para determinação do policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas entre escolares brasileiros.
1) Características sociodemográficas (Modelo 1): Idade; Sexo; Raça/cor da pele; Escolaridade materna; Dependência administrativa da escola; Situação da escola; Região geográfica.
2) Contexto familiar (Modelo 2): Morar com a mãe; Morar com o pai; Faltar à escola sem permissão dos pais/responsáveis (últimos 30 dias); Pais/responsáveis sabiam o que os filhos estavam fazendo no tempo livre (últimos 30 dias); Pais/responsáveis fumam; Pais/responsáveis bebem bebidas alcoólicas; Sofreu agressão física pelos pais/responsáveis (últimos 12 meses).
3) Situações estressoras (Modelo 3): Foi tocado, manipulado, beijado ou teve partes do corpo expostas contra a sua vontade (alguma vez na vida); Foi ameaçado, intimidado ou obrigado a ter relações sexuais ou qualquer outro ato sexual contra a sua vontade (alguma vez na vida); Sofreu bullying (últimos 30 dias); Sentiu que a vida não vale a pena ser vivida (últimos 30 dias); Sentiu que ninguém se preocupa com você (últimos 30 dias).
4) Aspectos comportamentais (Modelo 4): Experimentou cigarro pela primeira vez antes dos 13 anos; Experimentou bebida alcoólica pela primeira vez antes dos 13 anos; Experimentou drogas pela primeira vez antes dos 13 anos; Os amigos beberam bebida alcoólica na sua presença (últimos 30 dias); Os amigos fumaram na sua presença (últimos 30 dias); Os amigos usaram drogas na sua presença (últimos 30 dias).
Na análise de dados foram calculadas as frequências (porcentagem e intervalo de confiança de 95% - IC95%) das variáveis e investigadas as associações. Para o cálculo da prevalência de policonsumo no numerador foram considerados os que responderam SIM ao consumo combinado das substâncias: álcool, tabaco e drogas ilícitas e no denominador todos os adolescentes que responderam à pergunta, sendo excluídos apenas, os que não responderam a uma destas questões.
A análise dos fatores associados à prevalência do policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas foi realizada levando em consideração um modelo hierarquizado em 4 blocos (Figura 1). No primeiro bloco do modelo, foram incluídas as variáveis relacionadas às características sociodemográficas; no segundo, contexto familiar; no terceiro, situações estressoras; e, por último, incluiu-se as variáveis relacionadas aos aspectos comportamentais.
Para identificação das variáveis associadas ao policonsumo, todas as variáveis com significância estatística de p-valor<0,20 na análise bivariada, obtidas por meio do teste Qui-quadrado de Wald, foram incluídas no modelo multivariado. A razão de prevalência foi utilizada como medida de efeito com intervalo de confiança de 95% (IC95%), obtida pela análise de regressão de Poisson, tendo como categorias de referência as de menor prevalência para o policonsumo. No modelo hierarquizado incluindo-se todas as variáveis do mesmo bloco, sendo retiradas, uma a uma, aquelas com p-valor maior que 0,05 por meio do método backward elimination. Obtiveram-se, ao final, quatro modelos de regressão.
No modelo 1, as variáveis do bloco 1 foram ajustadas isoladamente, permanecendo incluídas as que tiveram significância estatística de p-valor<0,05; no modelo 2, as variáveis do bloco 2 foram ajustadas entre si e pelas variáveis do modelo 1 que tiveram significância estatística de p-valor<0,05; no modelo 3, as variáveis do bloco 3 foram ajustadas entre si e pelas variáveis do modelo 2 que tiveram significância estatística de p-valor<0,05, e, no modelo 4 (modelo final) as variáveis foram ajustadas entre si e pelas variáveis do bloco 3, permanecendo aquelas com significância estatística de p-valor<0,05.
As análises estatísticas foram realizadas no pacote estatístico do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 20.0, sendo considerado o efeito do desenho amostral para amostras complexas.
Considerações éticas
A PeNSE 2019 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), conforme o parecer nº 3.249.268, de 08.04.2019.
Resultados
Responderam às perguntas relacionadas ao consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas 124.654 estudantes. A prevalência dos que responderam “sim” para o consumo das três substâncias nos 30 dias anteriores à realização da pesquisa, independentemente de ser concorrente ou simultâneo foi referido por 3,3% (n=4.110) dos adolescentes (Tabela 1).
A Tabela 1 mostra as razões de prevalência brutas, apontando que os adolescentes com idade de 16 e 17 anos (RP=2,71; IC95%: 2,55-2,88), sexo masculino (RP=1,19; IC95%: 1,13-1,27), raça/cor preta (RP=1,50; IC95%: 1,37-1,65), filhos de mães que não estudaram (RP=1,24; IC95%: 1,04-1,47), estudantes de escola pública (RP=1,25; IC95%: 1,17-1,33), situadas na zona urbana (RP=1,72; IC95%: 1,44-2,06) e que residiam na região Sul (RP=2,36; IC95%: 2,15-2,60), região Sudeste (RP=2,09; IC95%: 1,92-2,29) e região Centro-Oeste (RP=1,92; IC95%: 1,75-2,11) apresentaram maior prevalência para o policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas.
A Tabela 2 apresenta as associações referentes as variáveis do contexto familiar. Não morar com a mãe aumentou a prevalência de policonsumo em 62% e não morar com o pai, aumentou em 63%. Também apresentaram associação significativa (p<0,001) com o policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas os adolescentes que referiram ter faltado uma ou mais vezes às aulas/escola sem permissão dos pais (RP=3,22; IC95%: 3,03-3,43); aqueles cujos pais não sabiam o que estavam fazendo em seu tempo livre (RP=2,09; IC95%: 1,92-2,29); os pais/responsáveis fumam (RP=2,05; IC95%: 1,92-2,18); pais/responsáveis ingerem bebida alcoólica (RP=1,65; IC95%: 1,54-1,77) e sofreram agressão física por seus pais/responsáveis (RP=1,87; IC95%: 1,76-1,99).
A Tabela 3 apresenta as associações referentes as variáveis situações estressoras. A prevalência de policonsumo foi (RP=2,54; IC95%: 2,38-2,71) naqueles adolescentes que foram tocados, manipulados, beijados ou tiveram partes do corpo expostas contra à vontade e (RP=3,11; IC95%: 2,87-3,36) entre adolescentes que que foram ameaçados, intimidados ou obrigados a terem relações sexuais quando comparados aos adolescentes que não passaram por essas situações. Além disso, a prevalência de policonsumo foi (RP=1,19; IC95%: 1,12-1,27) entre adolescentes que sofreram bullying; (RP=1,78; IC95%: 1,67-1,90) naqueles que sentiram que ninguém se preocupa com ele e (RP=2,20; IC95%: 2,08-2,34) naqueles que sentem que a vida não vale a pena ser vivida.
Em relação aos aspectos comportamentais, houve associação significativa entre o policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas (p<0,001) com as variáveis experimentar bebida alcoólica e drogas antes dos 13 anos (Tabela 3). Também foi observada elevada prevalência de policonsumo entre os adolescentes que referiram ter amigos que ingeriram bebida alcoólica (RP=22,29; IC95%: 19,61-25,25), fumaram (RP=21,80; IC95%: 19,88-23,92) e usaram drogas ilícitas (RP=51,98; IC95%: 46,85-57,66) na sua presença.
Os resultados da análise hierarquizada estão na Tabela 4. Permaneceram associadas ao policonsumo no modelo final as variáveis sexo masculino, morar nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, faltar à escola sem permissão dos pais/responsáveis, pais/responsáveis não sabiam o que os filhos estavam fazendo no tempo livre, pais/responsáveis fumavam, sofreu agressão física por seus pais/responsáveis, sentiu que a vida não vale a pena ser vivida, experimentar bebida alcoólica e drogas antes dos 13 anos, amigos ingeriram bebida alcoólica, fumaram e usaram drogas na sua presença. Dentre todas as variáveis incluídas no modelo final, as maiores RP foram verificadas naqueles adolescentes cujos amigos usaram drogas (RP=3,94; IC95% 3,50-4,43) e ingeriram bebidas alcoólicas (RP=2,22; IC 95% 1,93-2,54) na sua presença.
Discussão
O policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas foi mais prevalente entre adolescentes do sexo masculino, residentes na região Centro-Oeste, Sul, Sudeste e Norte do Brasil, que faltam à escola sem permissão dos pais/responsáveis, cujos pais/responsáveis não sabem o que fazem no tempo livre, têm pais/responsáveis que fumam e foram agredidos fisicamente por seus pais/responsáveis. Também são fatores associados ao policonsumo na adolescência sentir que a vida não vale a pena ser vivida, experimentar álcool e drogas ilícitas antes dos 13 anos e ter amigos que bebem, fumam e usam drogas ilícitas na sua presença. Esses resultados indicam que o policonsumo relaciona-se a questões multifatoriais e requer um olhar atento da saúde pública, pois compreender o padrão de uso de substâncias entre adolescentes é essencial para criar estratégias mais adequadas de prevenção e redução de danos.
A prevalência do policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas neste estudo (3,3%) foi semelhante à encontrada em estudo nacional realizado em 2012, que investigou a vitimização por pares e a associação com o policonsumo de substâncias e comportamentos violentos, no qual 3,1% dos adolescentes referiram o uso de três substâncias1616 Horta CL, Horta RL, Levandowski DC, Teixeira VA, Lisboa CSM. Efeitos da vitimização por pares sobre o uso de substâncias psicoativas e comportamentos violentos em adolescentes. Estud Psicol (Natal) 2019; 24(4): 402-413.. Destaca-se ainda os resultados do III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado em 2015, no qual mais de um milhão de adolescentes consumiram álcool e tabaco nos 12 meses anteriores à pesquisa e, quase 400 mil consumiram álcool e pelo menos uma substância ilícita1717 Bastos FIPM, Vasconcellos MTL, Boni RB, Reis NB, Coutinho CFS. III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira. Rio de Janeiro: ICICT/Fiocruz; 2017.. Esses dados chamam atenção para o uso combinado de substâncias pelo público adolescente, tendo em vista que o uso concomitante de substâncias leva a um maior risco para a saúde e consequências sociais11 Banks DE, Rowe AT, Mpofu P, Zapolski TCB. Trends in typologies of concurrent alcohol, marijuana, and cigarette use among US adolescents: An ecological examination by sex and race/ethnicity. Drug Alcohol Depend 2017; 179:71-77..
Neste estudo os adolescentes do sexo masculino apresentaram maior prevalência de serem policonsumidores. Estudo realizado nos Estados Unidos também indicou que os meninos eram mais prováveis de pertencer a todas as tipologias de policonsumo quando comparados com as meninas11 Banks DE, Rowe AT, Mpofu P, Zapolski TCB. Trends in typologies of concurrent alcohol, marijuana, and cigarette use among US adolescents: An ecological examination by sex and race/ethnicity. Drug Alcohol Depend 2017; 179:71-77.. Isso também foi observado em adolescentes malasianos55 Rodzlan Hasani WS, Saminathan TA, Ab Majid NL, Miaw Yn JL, Mat Rifin H, Abd Hamid HA, Lourdes, TGR, Ahmad A, lsmail H, Abd Rashid R, Yusoff MFM. Polysubstance use among adolescents in Malaysia:Findings from the National Health and Morbidity Survey 2017. PLoS One 2021; 16(1):e0245593. e europeus1818 Göbel K, Scheithauer H, Bräker AB, Jonkman H, Soell ner R. Substance use patterns among adolescents in Europe: a latent class analysis. Subst Use Misuse 2016; 51(9):1130-1138.. Entretanto, estudo nacional realizado em três cidades brasileiras observou que as meninas têm maior probabilidade de beber pesado e de serem policonsumidoras77 Garcia-Cerde R, Valente JY, Sanchez ZM. Attitudes are associated with the drug use profiles of middle school adolescents: A latent class analysis. Psychiatry Res 2021; 295:113592.. Essas diferenças entre os gêneros podem ser influenciadas pelas mudanças culturais relacionadas aos papéis sociais das mulheres1919 Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS, Prado RR, Pinto AMS, Oliveira-Campos M, Souza MFM, Assunção AA. Uso de substâncias psicoativas em adolescentes brasileiros e fatores associados: Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares, 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180004., bem como meninos e meninas podem ser adeptos de combinações de substâncias diferentes, não permitindo, ainda, estabelecer com precisão essa associação2020 Goodwin SR, Moskal D, Marks RM, Clark AE, Squeglia LM, Roche DJO. A Scoping Review of Gender, Sex and Sexuality Differences in Polysubstance Use in Adolescents and Adults. Alcohol Alcohol 2022; 57(3):292-321..
Em relação às regiões brasileiras, houve menor associação entre policonsumo e residir na região Nordeste e, a maior associação foi observada entre adolescentes da região Centro-Oeste do país. Nesta região são altas as prevalências de experimentação e uso recente das substâncias investigadas no presente estudo, destaca-se o Distrito Federal ocupando o primeiro lugar entre todos os estados brasileiros quando se trata de experimentação de drogas ilícitas e o segundo lugar na experimentação de narguilé e consumo recente de drogas ilícitas por adolescentes1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.. Outros estudos nacionais2121 Horta RL, Mola CL, Horta BL, Mattos CNB, Andreazzi MAR, Oliveira-Campos M, Malta DC. Prevalência e condições associadas ao uso de drogas ilícitas na vida: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180007.,2222 Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Barreto SM, Morais Neto OL. Exposição ao álcool entre escolares e fatores associados. Rev Saude Publica 2014; 48(1):52-62., têm mostrado que escolares moradores das regiões com maior produto interno bruto, como as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, apresentam maiores prevalências de uso de álcool e drogas ilícitas.
Mantiveram-se associadas ao policonsumo as variáveis relacionadas ao monitoramento parental “faltar a escola sem permissão dos pais” e “pais não saberem o que os filhos fazem no tempo livre”. Estudos nacionais2323 Valente JY, Cogo-Moreira H, Sanchez ZM. Gradient of association between parenting styles and patterns of drug use in adolescence: A latent class analysis. Drug Alcohol Depend 2017; 180:272-278.,2424 Valente JY, Cogo-Moreira H, Sanchez ZM. Predicting latent classes of drug use among adolescents through parental alcohol use and parental style: a longitudinal study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2019; 54(4):455-467. destacam a importância do monitoramento parental na prevenção do uso de drogas por adolescentes, pois aqueles que os pais pertenciam ao estilo parental negligente tinham maior probabilidade de serem policonsumidores. Prestar atenção, manter-se informado sobre o tempo livre dos filhos, suas atividades, amigos2424 Valente JY, Cogo-Moreira H, Sanchez ZM. Predicting latent classes of drug use among adolescents through parental alcohol use and parental style: a longitudinal study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2019; 54(4):455-467. e ter uma comunicação aberta2525 Rusby JC, Light JM, Crowley R, Westling E. Influence of parent-youth relationship, parental monitoring, and parent substance use on adolescent substance use onset. J Fam Psychol 2018; 32(3):310-320.,2626 Chan GC, Kelly AB, Carroll A, Williams JW. Peer drug use and adolescent polysubstance use: Do parenting and school factors moderate this association? Addict Behav 2017; 64:78-81. são considerados fatores protetivos. Além disso, é importante que programas escolares de prevenção às drogas incluam atividades dirigidas aos pais para reduzir as práticas negligentes e sensibilizá-los do seu papel2323 Valente JY, Cogo-Moreira H, Sanchez ZM. Gradient of association between parenting styles and patterns of drug use in adolescence: A latent class analysis. Drug Alcohol Depend 2017; 180:272-278.,2424 Valente JY, Cogo-Moreira H, Sanchez ZM. Predicting latent classes of drug use among adolescents through parental alcohol use and parental style: a longitudinal study. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2019; 54(4):455-467..
A desaprovação dos pais ao uso de drogas também é apontada como importante fator protetivo ao policonsumo, de modo que famílias que estabelecem regras restritivas contra o uso de substâncias podem reduzir seu uso pelos adolescentes2626 Chan GC, Kelly AB, Carroll A, Williams JW. Peer drug use and adolescent polysubstance use: Do parenting and school factors moderate this association? Addict Behav 2017; 64:78-81.. Já em famílias em que os pais fazem uso de substâncias psicoativas, evidencia-se maior probabilidade de policonsumo entre seus filhos2727 Tomczyk S, Isensee B, Hanewinkel R. Latent classes of polysubstance use among adolescents-a systematic review. Drug Alcohol Depend 2016; 160:12-29.. Embora os dados da presente pesquisa sejam transversais, presumimos que a associação significativa entre a variável “pais/responsáveis que fumam” e o policonsumo dos escolares, pode ser um reflexo da influência dos pais sobre os adolescentes, tendo em vista que esses pais podem reforçar comportamentos favoráveis ao uso de drogas. Vale ressaltar, ainda, que estudos2828 Oliveira LMFT, Santos ARM, Farah BQ, Ritti-Dias RM, Freitas CMSM, Diniz PRB. Influence of parental smoking on the use of alcohol and illicit drugs among adolescents. Einstein (São Paulo) 2019; 17(1):eAO4377.,2929 Negrão AB, Cordeiro Q, Vallada H. Genética, genômica, epigenética e farmacocinética da dependência química. In: Diehl A, Cordeiro D, Laranjeira R. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2019. p. 30-38. têm demonstrado uma possível predisposição genética para o uso/dependência de substâncias, entretanto algumas questões ainda precisam ser esclarecidas, principalmente em relação ao modelo epigenético de desenvolvimento, onde condições biológicas hereditárias associadas a situações ambientais ao longo da vida terão um impacto na manifestação de predisposição à dependência química.
Ainda em relação à esfera familiar, sofrer violência física cometida pelos pais/responsáveis associou-se à maior prevalência de policonsumo em adolescentes. Estudo realizado na Espanha mostrou que adolescentes policonsumidores apresentaram maior prevalência de todos os tipos de maus-tratos pois buscam nas drogas uma forma de lidar com a vitimização sofrida no passado3030 Alvarez-Alonso MJ, Jurado-Barba R, Martinez-Martin N, Espin-Jaime JC, Bolaños-Porrero C, Ordoñez-Franco A, Association between maltreatment and polydrug use among adolescents. Child Abuse Negl 2016; 51:379-389.. A crença social de que a educação dos filhos se dá por meio de castigos, palmadas, humilhações e punições revela-se como um fator de risco bastante preocupante devido à naturalização dessa forma de violência3131 Magalhães JRF, Gomes NP, Campos LM, Camargo CL, Estrela FM, Couto TM. Expressão da violência intrafamiliar: história oral de adolescentes. Texto Contexto Enferm 2017; 26(4):e1730016..
Embora as variáveis relacionadas a violência sexual não tenham permanecido associadas no modelo final, vale destacar que entre os adolescentes policonsumidores quase um terço referiu ter sofrido importunação sexual e cerca de 17% foi ameaçado, intimidado ou obrigado a ter relação sexual ou qualquer outro ato sexual contra a vontade. De acordo com dados notificados no Sinan no período de 2011 a 2017, dos tipos de violência sexual contra adolescentes brasileiros, 70,4% foram estupros e 19,9% assédio sexual3232 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Brasília: MS; 2018.. Estudo com adolescentes americanos apontou que aqueles que sofreram tanto agressão física como sexual tiveram maior probabilidade de fazer uso de múltiplas substâncias3333 Charak R, Koot HM, Dvorak RD, Elklit A, Elhai JD. Unique versus cumulative effects of physical and sexual assault on patterns of adolescent substance use. Psychiatry Res 2015; 230(3):763-769.. Uma possível explicação é que sofrer esse tipo de violência é muito perturbador para o adolescente refletindo negativamente na construção da sua identidade e aumentando o risco de policonsumo ao buscarem nas drogas efeitos positivos para lidar com essas experiências traumáticas3030 Alvarez-Alonso MJ, Jurado-Barba R, Martinez-Martin N, Espin-Jaime JC, Bolaños-Porrero C, Ordoñez-Franco A, Association between maltreatment and polydrug use among adolescents. Child Abuse Negl 2016; 51:379-389.,3434 Mota RS, Gomes NP, Campos LM, Cordeiro KCC, Souza CNP, Camargo CL. Adolescentes escolares: associação entre vivência de bullying e consumo de álcool/drogas. Texto Contexto Enferm 2018; 27(3):e3650017..
Destaca-se que um pouco mais da metade dos adolescentes policonsumidores referiram sentir que a vida não vale a pena ser vivida, esse dado deve ser visto com preocupação, pois segundo o relatório Situação Mundial da Infância 2021, 17,1% dos adolescentes brasileiros vivem com algum transtorno mental3535 United Nations Children's Fund (Unicef). The State of the World's Children 2021: On My Mind--Promoting, Protecting and Caring for Children's Mental Health [Internet]. 2021 [cited 2021 jan 13]. Available from: https://www.unicef.org/media/114636/file/SOWC-2021-full-report-English.pdf.
https://www.unicef.org/media/114636/file... . Exposição a problemas diversos como violência na escola, dificuldades escolares e problemas de saúde mental, comuns no início da adolescência, pode aumentar o uso de substâncias ao longo do tempo, além de prever o policonsumo subsequente3636 Chau K, Mayet A, Legleye S, Beck F, Hassler C, Khlat M, Choquet M, Falissard B, Chau N. Association between cumulating substances use and cumulating several school, violence and mental health difficulties in early adolescents. Psychiatry Res 2019; 280:112480.. Como forma de reduzir seus sintomas depressivos ou outro estresse psicológico, os adolescentes podem buscar no tabaco, álcool ou drogas momentos de prazer e bem-estar55 Rodzlan Hasani WS, Saminathan TA, Ab Majid NL, Miaw Yn JL, Mat Rifin H, Abd Hamid HA, Lourdes, TGR, Ahmad A, lsmail H, Abd Rashid R, Yusoff MFM. Polysubstance use among adolescents in Malaysia:Findings from the National Health and Morbidity Survey 2017. PLoS One 2021; 16(1):e0245593.. Essa inter-relação entre o policonsumo de substâncias e os sintomas depressivos na adolescência é complexa, pois os sintomas de um distúrbio podem promover sintomas do outro e vice-versa3737 Felton JW, Kofler MJ, Lopez CM, Saunders BE, Kilpatrick DG. The emergence of co-occurring adolescent polysubstance use and depressive symptoms: A latent growth modeling approach. Dev Psychopathol 2015; 27(4 Pt. 1):1367-1383..
Outro dado alarmante diz respeito à experimentação precoce de álcool, tendo em vista que entre os adolescentes policonsumidores aproximadamente metade referiu ter experimentado álcool antes dos 13 anos. Isso confirma que apesar da proibição da venda de bebidas alcoólicas para adolescentes, dificilmente eles encontram dificuldade de acesso a essa substância, de modo que as bebidas alcoólicas ficam facilmente disponíveis em festas, na casa de parentes ou na própria residência3838 Benincasa M, Tavares AL, Barbosa VMM, Lajara MP, Rezende MM, Heleno MGV, Custódio, EM. A influência das relações e o uso de álcool por adolescentes. SMAD 2018; 14(1):5-11., bem como acessíveis para compra3939 Carvalho BGC, Andrade ACS, Andrade RG, Mendes LL, Velasquez-Melendez G, Xavier CC, Proietti FA, Caiaffa WT. Densidade de estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas na área residencial está associada ao consumo de álcool em adolescentes? Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200089.. Além de ser a droga mais consumida isoladamente, o álcool está presente na maioria das combinações de substâncias consideradas entre usuários de múltiplas drogas, e sua ampla disponibilidade faz dele a substância base dessas combinações4040 Azevedo RCS; Oliveira KD. Poliusuários de substâncias psicoativas. In: Diehl A, Cordeiro D, Laranjeira R. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2019. p. 214-220..
Quanto ao uso de drogas ilícitas, cerca de um quarto dos adolescentes policonsumidores referiram ter experimentado antes dos 13 anos. A facilidade de acesso às drogas socialmente aceitas (álcool3939 Carvalho BGC, Andrade ACS, Andrade RG, Mendes LL, Velasquez-Melendez G, Xavier CC, Proietti FA, Caiaffa WT. Densidade de estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas na área residencial está associada ao consumo de álcool em adolescentes? Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200089. e cigarro4141 Szklo AS, Cavalcante TM. Noncompliance with the law prohibiting the sale of cigarettes to minors in Brazil: an inconvenient truth. J Bras Pneumol 2018; 44(5):398-404.) expõe o adolescente a uma maior disponibilidade e influência social de outros usuários de drogas, predispondo-o ao consumo de drogas ilícitas4242 Pike JR, Fadardi JS, Stacy AW, Xie B. The prospective association between illicit drug use and nonprescription opioid use among vulnerable adolescents. Prev Med 2021; 143:106383.. Quanto mais cedo o acesso a essas substâncias, maior será a probabilidade de uso prolongado podendo resultar em impacto cerebral permanente4343 Samudio Domínguez GC, Ortiz Cuquejo LM, Soto Meza MA, Samudio Genes CR. Fatores associados ao consumo de drogas ilícitas em uma população adolescente: investigação em zonas marginais de área urbana. Pediatr (Asunción) 2021; 48(2):107-112.. Além disso, o efeito dessas drogas está associado à maior morbidade e mortalidade na adolescência4444 Willoughby T, Good M, Adachi PJ, Hamza C, Tavernier R. Examining the link between adolescent brain development and risk taking from a social-developmental perspective (reprinted). Brain Cognition 2014; 89:70-78.. Desse modo, dentre as estratégias para prevenir o uso e retardar seu início inclui-se a restrição efetiva de acesso ao álcool e cigarros4545 Otten R, Mun CJ, Dishion TJ. The social exigencies of the gateway progression to the use of illicit drugs from adolescence into adulthood. Addict Behav 2017; 73:144-150. e projetar intervenções eficazes nas escolas77 Garcia-Cerde R, Valente JY, Sanchez ZM. Attitudes are associated with the drug use profiles of middle school adolescents: A latent class analysis. Psychiatry Res 2021; 295:113592..
Na adolescência, o policonsumo ocorre principalmente em contexto grupal, no qual o uso não necessariamente se dá em função dos efeitos psicoativos das substâncias, como supracitado, mas por serem as drogas de escolha do grupo4040 Azevedo RCS; Oliveira KD. Poliusuários de substâncias psicoativas. In: Diehl A, Cordeiro D, Laranjeira R. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2019. p. 214-220.. Adolescentes que são mais suscetíveis à pressão do grupo e aqueles cujos amigos valorizam ou usam drogas são mais propensos a também fazerem uso4646 Diehl A, Figlie NB, Campos GM. Prevenção ao uso de substâncias. In: Diehl A, Cordeiro D, Laranjeira R, organizadores. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2019. p. 98-516. embora integrar um grupo que usa ou abusa de substâncias não seja necessário para o próprio uso4747 Vázquez Fernández ME, Muñoz Moreno MF, Fierro Urturi A, Alfaro González M, Rodríguez Carbajo ML, Rodríguez Molinero, L. Consumo de sustancias adictivas en los adolescentes de 13 a 18 años y otras conductas de riesgo relacionadas. Rev Pediatr Aten Primaria 2014; 16(62):125-134.. Destaca-se também que a supervisão dos pais e o seu apoio aos adolescentes, reduz o consumo de substâncias4848 Malta DC, Port DL, Melo FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Lessa BH. Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes. Pesquisa nacional de Saúde dos Escolares. Rer Bras Epidemiol 2011; 14:166-177., podendo reduzir a influência negativa dos colegas usuários de drogas2626 Chan GC, Kelly AB, Carroll A, Williams JW. Peer drug use and adolescent polysubstance use: Do parenting and school factors moderate this association? Addict Behav 2017; 64:78-81..
As limitações deste estudo devem ser consideradas, pois os dados são compostos por uma amostra de base escolar, logo não refletem a situação do policonsumo entre adolescentes que estão fora da escola. Cabe ressaltar que o estudo analisou o consumo referido dos últimos 30 dias, porém, o questionário não admite fazer distinção se as substâncias foram utilizadas em uma mesma sessão ou em diferentes momentos, informação que seria útil para estimar a prevalência de policonsumo dos tipos concorrente e simultâneo entre os adolescentes brasileiros. Entretanto, os dados apresentados são relevantes, tendo em vista ser imprescindível reconhecer quem são os escolares que estão mais expostos ao policonsumo. Este estudo também apresenta como aspecto positivo a análise de dados da PeNSE de 2019 sobre policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas, tendo em vista que estudos dessa natureza ainda são escassos no Brasil, pois muitos limitam-se a análise de uso de drogas e outras substâncias separadamente, não considerando uma gama de variáveis relacionadas ao uso associado de múltiplas substâncias e ao contexto em que esses adolescentes vivem.
Conclusão
Os resultados deste estudo permitiram concluir que a prevalência do policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas pelos adolescentes escolares brasileiros foi alta e foi associada a fatores sociodemográficos, familiares, comportamentais e a eventos estressantes. Ademais, este estudo tem implicações importantes e sugere que a prevenção ao uso de drogas ilícitas e ao policonsumo passa pela restrição de acesso ao álcool e aos derivados do tabaco que são a porta de entrada para o uso de outras drogas e deve ser complementada pela programação de ações preventivas ao uso concomitante de substâncias. Isso requer esforços das famílias, escolas, sociedade civil e mídia no sentido de reforçar ações educativas e pressionar as esferas governamentais a propor medidas restritivas assim como cobrar a efetividade das mesmas.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
13 Maio 2024 - Data do Fascículo
Maio 2024
Histórico
- Recebido
08 Maio 2023 - Aceito
26 Set 2023 - Publicado
28 Set 2023