Educação popular no SUS: desafios atuais no olhar do Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira

Pedro José Santos Carneiro Cruz Pedro Nascimento Araujo Brito Elôysa Laura Pereira de Santana José Carlos da Silva Daniella de Souza Barbosa Odara Alves Moraes Sobre os autores

Resumo

Este trabalho se propõe a trazer reflexões e apontamentos para o fortalecimento de políticas públicas estruturantes no Brasil, com foco na Educação Popular em Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir das perspectivas construídas no Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira. O Observatório é um espaço profícuo para o compartilhamento de interpretações e experiências de profissionais de saúde e educadores populares sobre a realidade local e realidade brasileira, a partir da ótica da Educação Popular em Saúde. De forma dialógica e participativa, ao longo de seus 2 anos de atividade, o Observatório foi capaz de reunir interpretações sintéticas da Educação Popular em Saúde para as crises que atravessam a história recente do país. De maneira panorâmica, as falas compartilhadas apontam desafios para valorização da abordagem humana na promoção da saúde, com a inclusão e o respeito aos saberes e práticas sociais locais e comunitárias. Além disso, destaca-se a importância da participação social na construção de processos sociais participativos na saúde pública, visando à autonomia do cidadão e à ampliação da dinâmica democrática no Estado brasileiro e em seus equipamentos sociais.

Palavras-chave:
Educação Popular em Saúde; Saúde Coletiva; Movimentos Sociais; Participação da Comunidade; Tecnologias da Informação e Comunicação

Introdução

O presente manuscrito apresenta e problematiza os desafios atuais para a Educação Popular em Saúde (EPS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de um artigo de opinião, redigido a partir de construtos coletivamente produzidos no âmbito da experiência do “Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira”. Desenvolvido há dois anos, ele é ancorado institucionalmente no Departamento de Promoção da Saúde do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) por meio do Programa de Pesquisa e Extensão Práticas Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição na Atenção Básica (PINAB). E tem apoio do Grupo de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR), vinculado ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Economia Solidária e Educação Popular (NUPLAR) da UFPB.

As reflexões e os apontamentos aqui presentes visam a contribuir com o debate em torno da atual agenda de fortalecimento de políticas públicas estruturantes, em especial aquelas voltadas à constituição de processos sociais participativos e que valorizem a institucionalização de ações e serviços caracterizados por uma abordagem humanística e promotora da emancipação da população. E que incluam e respeitem - na ação dos serviços públicos - os saberes e as práticas sociais locais e comunitárias.

A EPS configura um amplo e histórico campo de práticas, de experiências e de movimentos sociais que, ao longo das últimas seis décadas, vêm acumulando saberes e difundindo ideias, metodologias, abordagens e tecnologias de relacionamento entre os profissionais de saúde e a população. Esses últimos - profissionais de saúde e população - apontam, efetivamente, para novas possibilidades de formatação dos serviços de saúde, construindo-os com um olhar dialógico, humanizado e profundamente articulado com a escuta e a inclusão.

Nos últimos sete anos, o conjunto de retrocessos civilizatórios aos quais a população brasileira foi exposta, especialmente repercutindo no desmantelamento e desestruturação de várias políticas públicas atingiu também as experiências, os movimentos e as práticas de EPS. Tanto as iniciativas ancoradas nos serviços e gestão em saúde das universidades e centros de pesquisa e ensino como as protagonizadas pelos movimentos sociais e demais grupos populares e comunitários11 Cruz PJSC, Silva MRF, Pulga VL, Machado AMB, Brutscher VJ. Educação Popular em Saúde: concepção para o agir crítico ante os desafios da década de 2020. Rev Ed Pop 2020; ed. esp.:6-28.,22 Lima LO, Silva MRF, Cruz PJSC, Pekelman R, Pulga VL, Dantas VLA. Perspectivas da Educação Popular em Saúde e de seu Grupo Temático na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Cien Saude Colet 2020; 25(7):2737-2742.. Apesar dos recuos, o movimento de EPS brasileiro, com sua diversidade e amplitude de práticas e grupos, manteve-se ativo, mesmo em face da pandemia da COVID-19.

No período pandêmico, exatamente em 2021, o PINAB/UFPB iniciou a experiência do Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira em ambiente remoto, por meio de videoconferências pelo Google Meet, na perspectiva de, em um momento de crise, manter, promover e tornar possível o encontro entre os diferentes protagonistas das práticas de EPS. O intento foi incentivar a participação dessas pessoas em encontros virtuais, a fim de que juntas pudessem refletir sobre a conjuntura brasileira e os desafios da realidade social e política, vislumbrando, por meio do diálogo, as possibilidades, alternativas e estratégias de resistência e de superação dos desafios, mantendo vivas as experiências e suas potencialidades33 Souza IG, Carvalho LMS, Silva FM, Vasconcelos ACCP, Cruz PJSC. Experiências de extensão em educação popular em saúde no enfrentamento à pandemia da Covid-19 na Atenção Primária à Saúde. Interface (Botucatu) 2022; 26:e210146..

Assim, com o artigo em tela, pretendemos aprofundar esse processo que busca o aprimoramento dos princípios da integralidade, da equidade e da participação da comunidade no cotidiano do fazer das práticas locais de saúde.

Educação Popular em Saúde e seu papel atual

As palavras formuladas e partilhadas no presente manuscrito buscam constituir-se como contribuições às atividades de companheiros e companheiras de todo o país que persistem na caminhada pelo campo da Educação Popular (EP) e sua interface com a saúde.

É preciso situar que a EPS tem se apresentado como um referencial significativo na orientação da construção de espaços, iniciativas e experiências concretas para o desenvolvimento crítico de trabalhos sociais e educativos, conectados com a realidade social e com a vida que pulsa nos territórios44 Stotz E. Enfoques sobre educação e saúde. In: Rodrigues JAS, Cruz PJSC, organizadores. Educação popular e promoção da saúde na atenção primária: ideias, saberes e experiências. João Pessoa: Editora do CCTA; 2020. p. 27-50., particularmente o contexto da Atenção Primária à Saúde (APS).

Nesse contexto, a EP mobiliza as pessoas a se organizarem na formulação e desenvolvimento de um agir crítico, participativo e transformador da realidade55 Calado AJF. Educação popular como processo humanizador: quais protagonistas? In: Lins LT, Oliveira VLB, organizadores. Educação popular e movimentos sociais: aspectos multidimensionais na construção do saber. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB; 2008. p. 225-242., seja pela pesquisa, ensino e ação social, seja por intermédio de grupos educativos e terapêuticos, de projetos, de espaços de escuta e encontro comunitário, de ações de apoio social e solidariedade, de oficinas, cursos populares e criação de espaços de organização local. São seus protagonistas atores sociais de diferentes lugares e com variadas experiências em movimentos sociais, em práticas populares, por meio de estudantes, técnicos e professores e professoras universitários, trabalhadores e trabalhadores da área da saúde e demais áreas sociais, como educação, meio ambiente, assistência social, entre outras66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Ideias e dicas para o desenvolvimento de processos participativos em Saúde [Internet]. Brasília: MS; 2016 [acessado 2023 jun 28]. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/ images/pdf/2016/novembro/10/Ideias-Dicas-P-Participativos-2016-10-04-final-final.pdf..

No agir dessas pessoas e de seus grupos, a EP vai se revelando como um conjunto de princípios ético-políticos e pedagógicos que subsidiam a construção compartilhada da ação social necessária para o enfrentamento às iniquidades sociais locais e o desvelamento de alternativas e possibilidades de novos horizontes para a vida com qualidade e dignidade.

Se é verdade que a EP não pode chamar apenas para si a capacidade de mobilizar processos de mudança ante às injustiças, também é verdadeiro sinalizar que é próprio dessa perspectiva a mobilização de estratégias de enfrentamento e de superação que, necessariamente, passem por uma leitura crítica do mundo e da vida77 Cruz PJSC, Silva MRF, Pulga VL. Educação Popular e Saúde nos processos formativos: desafios e perspectivas. Interface (Botucatu) 2020; 24:e200152..

Assim, compreendemos que EP é um processo de ensino e de aprendizagem mediatizado pelo trabalho88 Melo Neto JF. Extensão Popular. 2ª ed. João Pessoa: Editora da UFPB; 2014., compreendido como uma ação transformadora sobre a realidade social para sua humanização permanente. A EP, na nossa visão é um fazer educacional pautado pelo diálogo de saberes e práticas, pela participação ativa, crítica e propositiva das pessoas, na construção compartilhada de possibilidades de suplantação dos problemas sociais vividos no cotidiano. A EP é, assim, uma ação humana99 Cananéa FAALC. Educação popular e identidade: navegando com a associação artístico-cultural de Cabedelo [tese]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; 2015. cujo conteúdo está na realidade do concreto vivido e nas formas de sentir, de pensar e de agir das pessoas, no mundo concreto da realidade social1010 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 2005., nas suas buscas por autonomia e por emancipação.

Como fundamentado por Jara Holliday1111 Holliday OJ. Desafíos para la Educación Popular en América Latina hoy. Interface (Botucatu) 2020; 24:e200151., a EP configura-se como uma teoria do conhecimento, que possui pressupostos e bases filosóficas específicas no sentido de orientar uma ação humana propositiva, consequente e socialmente referenciada.

Aspectos metodológicos

Trata-se de um artigo de opinião, construído com abordagem qualitativa1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. rev. aprim. São Paulo: Hucitec; 2014., à luz da perspectiva metodológica da sistematização de experiências, nos termos fundamentados por Oscar Jara Holliday1313 Holliday OJ. Para sistematizar experiências. 2ª ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; 2006., o qual indica, em seu método, ser fundamental se explicitar a experiência a ser sistematizado e o fio condutor (foco) da sistematização. Como assinalado anteriormente, a experiência analisada ocorreu no Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira, e o foco da sistematização foram as propostas para a EPS no Governo Lula, formuladas pelos participantes do Observatório no decurso de debates em duas de suas reuniões. As reuniões sistematizadas ocorreram no 8º encontro do Observatório, em 14/11/20221414 Práticas Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição na Atenção Básica (PINAB/UFPB). Educação popular em saúde no governo lula: desafios e estratégias [vídeo no Youtube]. 2022 [acessado 2023 out 30]. [2h33min18s]. Disponível em: https://youtu.be/H0P73zYnMyE?si=o1ri1Xjw2GWtLjb5.
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, e no 9º encontro, realizado em 19/12/20221515 Práticas Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição na Atenção Básica (PINAB/UFPB). IX Encontro do Observatório - Construindo propostas para a Educação Popular em Saúde no Governo Lula [vídeo no Youtube]. 2023 [acessado 2023 out 30]. [1h47min29s]. Disponível em: https://youtu.be/EOKaXobxnug?si=L2yQcPdF0YsE5IUC.
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. Nas referidas reuniões, estiveram presentes 74 pessoas com diferentes inserções na área da saúde: conselheiros(as) de saúde, integrantes de movimentos sociais e de práticas populares de saúde, trabalhadores(as) e gestores de saúde com atuação nos serviços do SUS, estudantes, docentes e pesquisadores(as) da área de saúde e áreas afins, oriundos(as) de instituições de ensino superior.

A primeira reunião contemplou uma exposição formulada por Osvaldo Bonetti, (educador popular e pesquisador da Fiocruz) e por Eliana Cruz (educadora popular e pesquisadora da área de Saúde Coletiva). Logo em seguida, foram abertos diálogos e debates, levantamento de questões para reflexão, bem como com formulação de proposições. Na segunda reunião, não houve exposições iniciais, de maneira que se abriu prioritariamente o espaço para propostas e sugestões para o fortalecimento da EPS no SUS.

As reuniões foram gravadas e depois postadas no YouTube, no Canal do PINAB/UFPB. Para a sistematização, os pesquisadores e organizadores do Observatório realizaram a transcrição dos debates, seguindo-se a leitura do material e sua análise, na perspectiva de se identificarem propostas relevantes. Após enumerar as diversas proposições, os pesquisadores buscaram construir sínteses que reuniram as temáticas próximas. Após essa etapa, dividiu-se o conjunto de propostas em categorias, de maneira didática e amplamente compreensível.

Como recomendado por Jara Holliday1313 Holliday OJ. Para sistematizar experiências. 2ª ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; 2006., pautamos a análise pela perspectiva da concepção metodológica dialética. Para o autor, essa é “uma maneira de conceber a realidade, de aproximar-se dela, para conhecê-la e atuar sobre ela para transformá-la. É, por isso, uma maneira integral de pensar e de viver: uma filosofia”1313 Holliday OJ. Para sistematizar experiências. 2ª ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; 2006.. Tal metodologia de análise, segundo o autor, envolve considerar o objeto na perspectiva da realidade em movimento, da historicidade, das contradições e da totalidade à luz da abordagem marxista.

Propostas das pessoas que compõem o Observatório

A construção das propostas apresentadas neste artigo é resultado das discussões dos membros do Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira, numa ação tecida coletivamente com mais de uma centena de pessoas atuantes na saúde pública do país. Nessa perspectiva, buscamos colocar ênfase no fazer: i) do Estado, que pudesse romper com a perspectiva ante participativa; ii) das políticas públicas, que aprofundassem os processos de cuidado humanizado em saúde e, iii) das perspectivas de construção participativa, democrática e integral da saúde.

Fortalecimento e consolidação do campo da Educação Popular em Saúde:

  • Valorização das experiências e das práticas de EPS e sua potencialidade de apontar e propor metodologias, abordagens e princípios ético-políticos e pedagógicos capazes de contribuir com o aprimoramento do cuidado, da gestão, da participação social e da formação em saúde no SUS;

  • Criação de espaços de discussão e de construção conjunta nacional com os vários coletivos, grupos, entidades e movimentos que defendem e praticam a EPS no Brasil, na perspectiva de resgatar questões e debates descontinuados desde que a EP saiu do cenário institucional nos últimos anos;

  • Mobilização de estratégias de diálogos e de encantamento, na perspectiva de aproximação e integração de protagonistas mais jovens nas ações de EPS e de participação social em saúde, inclusive com o objetivo de revitalizar as lideranças.

Educação Popular em Saúde, Garantia de Direitos e Defesa do SUS:

  • Garantia de escuta dos(as) protagonistas das experiências e das práticas de EPS nos espaços de debate, de construção e de deliberação das políticas de saúde no SUS;

  • Valorização das experiências e das práticas de EPS e sua potencialidade de apontar e propor metodologias, abordagens e princípios ético-políticos e pedagógicos capazes de contribuir com o aprimoramento do cuidado, da gestão, da participação social e da formação em saúde no SUS;

  • Rememoração, na perspectiva de estudar e analisar criticamente, do neofascismo, seus movimentos e suas políticas, na perspectiva de não apagar da memória dos sujeitos sociais os retrocessos civilizatórios e cuidar, nas práticas de saúde, do cultivo de relações e de ações que se contraponham explicitamente a essa vertente política, não apenas não sendo fascistas, mas sendo antifascistas.

Educação Popular em Saúde, Institucionalização e Gestão do SUS:

  • Reconstituição do Comitê Nacional de Educação Popular em Saúde (CNEPS), como instância de coordenação e de articulação nacional em torno da retomada e fortalecimento da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS-SUS) de forma participativa, com os vários coletivos, grupos, entidades e movimentos que a defendem e a praticam;

  • Aprofundamentos das iniciativas de planejamento em saúde de forma efetiva e participativa, priorizando-se assim, uma relação entre sociedade, governo e Sistema Único de Saúde mais dialógica nos projetos de construção da saúde e nos vários fóruns e instâncias de discussão e de deliberação;

  • Restabelecimento da Política Nacional de Gestão Participativa em Saúde, no âmbito federal;

  • Valorização das iniciativas que, organicamente, trazem a dimensão da cultura popular e dos saberes ancestrais nas ações de saúde nos territórios;

  • Incentivo às estratégias de comunicação em saúde que valorizem a cultura popular e incluam/envolvam seus mestres e mestras.

Educação Popular na Atenção Primária à Saúde e seu apoio às equipes e dinamização de ações nos territórios:

  • Valorização do papel da EPS, na organização das ações e dos serviços da APS, com o incentivo à realização de práticas educativas com esse olhar, com apoio e valorização para que os(as) profissionais de saúde realizem práticas de cuidado, de participação social, de gestão e de vigilância em saúde com o olhar dialógico nos territórios;

  • Criação de dispositivos institucionais que garantam aos(às) trabalhadores(as) da APS disponibilidade de tempo para se dedicarem a ações de práticas educativas junto à comunidade, a realização de práticas de cuidado, de participação social, de gestão e de vigilância em saúde, com o olhar dialógico nos territórios, transbordando a vertente assistencial do pronto-atendimento;

  • Estímulo, valorização e apoio ao envolvimento ativo dos(as) agentes comunitários(as) de saúde com ações de cuidado, de promoção à saúde e de vigilância à saúde nos territórios, sobretudo aquelas que enfatizam e desenvolvem o protagonismo comunitário na saúde;

  • Fortalecimento de iniciativas de redes e de experiências de apoio social nos territórios, na perspectiva do fortalecimento do cuidado coletivo e da participação comunitária nas ações de cuidado em saúde;

  • Prioridade à capilarização da participação popular nos territórios, especialmente por meio de conselhos locais, vigilância popular em saúde, agentes populares de saúde e outras iniciativas locais e comunitárias de construção participativa da saúde.

Educação Popular em Saúde, Trabalho em Saúde e Educação Permanente:

  • Desenvolvimento de estratégias de processos de educação permanente em saúde que incluam, em suas metodologias e bases pedagógicas, elementos como o diálogo e a criticidade;

  • Valorização de processos de educação permanente em saúde que enfatizem a perspectiva de saúde como construção compartilhada, além de dinâmicas, metodologias e possibilidades para que os(as) trabalhadores(as) reconheçam, valorizem e incluam o protagonismo da comunidade e de seus(suas) protagonistas no dia a dia dos serviços de saúde, em especial na APS;

  • Realização de processos formativos em EPS, para profissionais da saúde, tanto em nível nacional, como nos estados e municípios;

  • Fortalecimento das iniciativas e das experiências de trabalho de base na saúde, inspirando-se em projetos como o dos(a) agentes populares de saúde;

  • Valorização das experiências de Extensão, com ênfase comunitária, na formação dos(as) profissionais de saúde;

  • Difusão e ampliação, nas instituições formadoras, da discussão em torno dos fundamentos da Extensão Universitária e das abordagens, dinâmicas e metodologias extensionistas que, efetivamente, remem na direção do fortalecimento do SUS, da integralidade e do enfrentamento às iniquidades;

  • Apoio à realização de projetos de extensão universitária, construídos de forma compartilhada nos territórios e equipes de saúde da família, como forma de apoiar experiências de EPS na APS;

  • Apoio a iniciativas de formação de profissionais em saúde, na perspectiva da comunicação em saúde, de maneira a potencializar o encontro dialógico com a comunidade e o território.

Educação Popular em Saúde, Políticas de Equidade, Controle Social e Participação

  • Retomada das ações das políticas de equidade em saúde, construindo-as de forma integrada com as políticas de gestão participativa e de EPS, considerando-se temas como: política de Saúde da População Negra, Saúde da Pessoa com Deficiência, Saúde da População LGBTQIAPN+, política do campo, floresta e águas, população em situação de rua, população cigana;

  • Fortalecimento da EP como um dos fundamentos primordiais para o controle social em saúde e para a ação de suas instâncias, em especial nos Conselhos e nas Conferências de saúde;

  • Desenvolvimento de estratégias de EP voltadas à promoção integral da saúde junto a população em situação de rua, tanto na formação dos(das) profissionais que desvelam o cuidado com essas pessoas, como dos(as) ativistas em seus movimentos e organizações;

  • Ênfase ao caráter antirracista, antimachista, anticapacitista e antilgbtransfóbico nas práticas de saúde, tanto pela aplicação de estratégias comunicativas como nas práticas de cuidado e nas práticas educativas em saúde;

  • Mobilização da participação de protagonistas mulheres, de negras e negros, de indígenas e de pessoas LGBTQIAP+ nas práticas de saúde, nas experiências de EPS e nas instâncias de participação social em saúde;

  • Ampliação e facilitação do acesso às práticas de cuidado em saúde para a comunidade LGBTQIAP+ nos territórios, com enfoque na população transvestigênere, garantindo a participação dessa população na construção dessas políticas;

  • Utilização e atualização dos Conselhos como estruturas que ultrapassam a rigidez institucional, tornando os processos de discussões mais atrativos;

  • Articulação de modo mais orgânico e cotidiano (à) a ação dos Conselhos institucionais e dos fóruns e espaços populares de participação social em saúde, unificando as pautas comuns entre essas experiências.

Educação Popular em Saúde, Práticas de Cuidados e Integralidade:

  • Ampliação das estratégias de cuidado com a saúde mental e emocional na APS, valorizando tanto a comunidade como os(as) próprios(as) trabalhadores(as);

  • Continuidade da valorização das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) em diálogo com a EPS;

  • Valorização da participação e contribuição das práticas populares de saúde nas ações e nos serviços do SUS;

  • Estruturação de estratégias de formação em PICS, a partir dos saberes e fazeres da comunidade;

  • Fortalecimento e propagação dos conhecimentos e práticas dos povos tradicionais na saúde, garantindo a participação desses povos na construção dos planos de ação;

  • Viabilização de oportunidades de atuação da EPS nas políticas e ações de promoção da segurança alimentar e nutricional, reconhecendo, valorizando e apoiando iniciativas de EPS, mediatizadas pelo diálogo e pela participação popular, no enfrentamento à fome e à pobreza econômica.

Essas proposições, construídas coletivamente, em diálogos remotos por meio do Observatório permitem reconhecer as muitas possibilidades dos educadores e das educadoras populares em saúde, bem como o uso das tecnologias virtuais colocadas à disposição dos processos educativos, organizativos e comunicativos próprios e necessários à EPS.

Lições aprendidas, desafios e perspectivas da agenda atual

Os momentos de construção das propostas acima referidas relembraram a potência existente nos fóruns e espaços quando de sua construção compartilhada assim como das ideias e estratégias para o fortalecimento de EPS no SUS, algo que foi tão presente no processo de construção da PNEPS-SUS, desde a criação do CNEPS, com suas dezenas de representações de coletivos, movimentos, grupos e áreas técnicas do Ministério da Saúde e de outros Ministérios, passando por encontros regionais e nacionais1616 Pedrosa JIS. A Política Nacional de Educação Popular em Saúde em debate: (re)conhecendo saberes e lutas para a produção da Saúde Coletiva. Interface (Botucatu) 2021; 25:e200190..

Este momento recupera a esperança e restabelece o senso de compromisso profissional, para formular propostas em consonância com os anseios da maior parte da população brasileira. Assim, a participação expressiva de muitas pessoas, de vários coletivos, práticas e movimentos de EPS, nos encontros do Observatório resultaram nas propostas aqui elencadas as quais demonstram a força da sociedade na perspectiva da reconstrução de políticas públicas estruturantes e da resiliência de tantos grupos, coletivos e movimentos sociais.

Neste sentido, cabe destacar, no conjunto das propostas, a necessidade premente de se resgatar o CNEPS, na medida em que, no período 2009-2016, esse consistiu precisamente em uma das marcas muito importantes da PNEPS-SUS como um espaço democrático, público e aberto para a construção participativa, acompanhamento, monitoramento e avaliação do desenvolvimento das principais ações contempladas em seu plano operativo.

Outra dimensão importante que as propostas elencadas revelam é a da necessidade de a EPS e suas expressões na atual gestão do Ministério da Saúde insistirem no caminho de apoiar e incentivar práticas, experiências e movimentos locais de EPS, em especial no contexto da APS. Na experiência anterior de implementação da PNEPS-SUS, houve um grande apoio a projetos de relevância nacional e com escopo amplo, mas a dimensão do apoio às práticas locais e comunitárias (embora presente, especialmente pelo Prêmio Victor Valla de Educação Popular em Saúde) não foi expressiva o suficiente. Alinhando esse pensamento com as propostas formuladas coletivamente pelo Observatório, vemos quanto devemos efetivamente pautar o apoio financeiro como incentivo para as práticas locais, na capilaridade dos territórios e das Comunidades.

Nessa direção, as propostas apresentadas enunciam, de forma assertiva, a centralidade da valorização do papel da EPS na APS. Fazemos referência aqui à forma equivocada de gestão de muitas unidades básicas de saúde atuando como centros de pronto atendimento, muito na linha das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA), deixando de cumprir um importante papel no sentido da abordagem comunitária, das ações de promoção da saúde, da territorialização, da vigilância em saúde, das ações de prevenção em saúde, da participação social local, entre outras. Ficando muito centradas no pronto atendimento, de cunho médico centralizado, parte numerosa das unidades básicas brasileiras na APS têm se tornado, de certo modo, espaços permeados pela doença e não pela saúde, pela tristeza e não pela alegria, pela desesperança e não pela potência, pelo medo da morte e não pela ânsia de viver mais e melhor. A EPS possui metodologias, dinâmicas e estratégias capazes de subsidiar a ação dos profissionais e das lideranças comunitárias no sentido de colaborar com a construção das unidades básicas de saúde como centros de referência para a construção da vida e de projetos de felicidade66 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Ideias e dicas para o desenvolvimento de processos participativos em Saúde [Internet]. Brasília: MS; 2016 [acessado 2023 jun 28]. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/ images/pdf/2016/novembro/10/Ideias-Dicas-P-Participativos-2016-10-04-final-final.pdf.. Podemos, portanto, dinamizar e apoiar as experiências de EPS na APS, com grupos, ações e projetos locais construídos de forma compartilhada nos territórios com as equipes de Saúde da família, como já é realidade em vários lugares do Brasil1717 Vasconcelos EM. A construção conjunta do Tratamento Necessário. In: Grupo de Estudos em Educação Popular e Saúde [Internet]. 2009 [acessado 2023 jun 28]. São Paulo: Grupo de Estudos em Educação Popular e Saúde. Disponível em: https://geepsaude.wordpress.com/cadernos-%20de-texto/.
https://geepsaude.wordpress.com/cadernos...
,1818 Cruz PJSC, Brutscher VJ. Participação popular e Atenção Primária à Saúde no Brasil: fundamentos, desafios e caminhos de construção. In: Mendonça MHM, Matta GC, Gondim R, Giovanella L, editores. Atenção primária à saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2018. p. 231-264..

Compreendemos que a experiência do Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira tem apontado uma nova perspectiva de construção de lugares de encontro, de diálogos e de intercâmbios. Como diferencial em relação a outros espaços, o Observatório tem a característica de ser gerido coletivamente, porém sem a demanda organizativa que muitos grandes movimentos e coletivos precisam ter. Nele não há lugar para tensões em torno de disputas por representatividades ou gerências internas. As pessoas que frequentam esse espaço se encontram para se conhecer, para partilhar reflexões, para socializar invenções, descobertas e potências de seus fazeres, para aprender com os saberes e os fazeres dos outros e para aprender juntos e juntas. Sem demérito de qualquer tipo às experiências de movimentos, coletivos e organizações de maior complexidade e de tensões políticas e organizativas, a experiência do Observatório apresenta-se como um espaço mais leve de articulação e comunicação, na medida em que, sendo um projeto de extensão, a participação é feita, pelas pessoas, de modo mais despretensioso e desapegado de expectativas outras, inclusive do ponto de vista das disputas de poder. No Observatório, as pessoas se encontram para se conhecer, se reconhecer, aprender, reaprender, formular e realizar coletivamente ações de EPS, experiências de humanização e de recivilização.

Sob tal perspectiva, é fundamental se marcar, neste texto, as contribuições singulares trazidas pelos participantes do Observatório, não apenas nos dois encontros já citados, mas durante todos os 12 já ocorridos desde maio de 2021. Nos encontros periódicos para avaliação crítica e planejamento participativo da atuação, acolhemos orientações, possibilidades, proposições e novos caminhos para melhorar o que fazemos. Também buscamos entender e acolher críticas sobre os limites de nossas ações. Assim, o Observatório tem se constituído em um lugar de compartilhamento de troca de impressões dos protagonistas do campo da EPS sobre os desafios de suas práticas. Nos diálogos compartilhamos ideias e reflexões, novidades e informações em rodas de conversa virtuais de alcance nacional.

A pandemia da COVID-19 nos mobilizou a fazer a EP de modo remoto. Sem perder de vista que EP exige presencialidade, interações humanas, vínculos e conexões que só têm lugar em um contexto de encontro humano presencial, reconhecemos o quanto os encontros virtuais possibilitaram o diálogo entre protagonistas de diferentes lugares e contextos. Ademais, a ideia proposta pelo Observatório, desde seu início, de que cada sessão remota fosse acompanhada por encontros presenciais contribuiu no sentido de compreender esse remoto como parte importante do processo educativo e mobilizador.

Em suma, a experiência do Observatório de Educação Popular em Saúde e Realidade Brasileira vem ensejando um espaço de maiores oportunidades de encontro entre as pessoas que estão construindo práticas de EP nos serviços de saúde, nos movimentos sociais e nos territórios da vida. Ela propicia intercâmbios, vivências, descobertas, expressão de dilemas e perspectivas coletivas e compartilhadas. A participação no Observatório também abre espaços para conversar sobre a conjuntura atual e como ela está impactando as nossas práticas. Como exemplos dessa dinâmica, citamos: a) como os processos de eugenia, discutidos em uma das sessões do Observatório, estão impactando nas nossas práticas, no sentido do enfrentamento ao racismo e às iniquidades; b) como o aprofundamento da insegurança alimentar e o desmantelamento das políticas públicas de segurança alimentar no Brasil estão impactando nas práticas de EPS.

Considerações em movimento

Os apontamentos trazidos pelas propostas construídas pelo Observatório de Educação Popular em Saúde chamam a atenção para a necessidade de ampliarmos e fortalecermos espaços, experiências, movimentos e práticas que mobilizem e qualifiquem a participação social das pessoas nas ações e nos serviços do SUS. O atual contexto brasileiro permite aprofundar uma cultura participativa e cidadã mais próxima da democracia, do diálogo, do respeito mútuo e da paz.

Temos, então, postos alguns princípios e possibilidades para a construção das ações da EPS no SUS, a partir da realidade específica da população e seus modos de sentir, de pensar, de agir em saúde, pensando a ação em saúde como um trabalho que se dá em comunicação social e significativa, em relacionamentos pautados pela troca, cooperação, e desenvolvimento comunitário. Cabe-nos vislumbrar que a EPS, bem como as ações do Observatório contribuam para apoiar experiências e práticas no campo da APS, na vigilância à saúde, numa perspectiva emancipatória, tanto nos processos de planejamento e gestão do SUS bem como nas atividades de territorialização do modelo de atenção, na discussão do financiamento e do controle social.

Referências

  • 1
    Cruz PJSC, Silva MRF, Pulga VL, Machado AMB, Brutscher VJ. Educação Popular em Saúde: concepção para o agir crítico ante os desafios da década de 2020. Rev Ed Pop 2020; ed. esp.:6-28.
  • 2
    Lima LO, Silva MRF, Cruz PJSC, Pekelman R, Pulga VL, Dantas VLA. Perspectivas da Educação Popular em Saúde e de seu Grupo Temático na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Cien Saude Colet 2020; 25(7):2737-2742.
  • 3
    Souza IG, Carvalho LMS, Silva FM, Vasconcelos ACCP, Cruz PJSC. Experiências de extensão em educação popular em saúde no enfrentamento à pandemia da Covid-19 na Atenção Primária à Saúde. Interface (Botucatu) 2022; 26:e210146.
  • 4
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  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - EDITAL 01/2022/PROPESQ - 2022-2023 PIBIC-CNPQ-UFPB.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2023
  • Aceito
    27 Nov 2023
  • Publicado
    29 Nov 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br