As profundas transformações sociais contemporâneas se expressam em diversos campos e dimensões, afetando desigualmente países, populações, sistemas e serviços de saúde. Em parte, a pandemia de COVID-19 evidenciou tendências em curso, atingindo mais intensamente grupos historicamente vulnerabilizados e excluídos (por diferenças de classe, gênero, raça, etnia e condições de acessibilidade), que vivem em regiões desassistidas, em situação de rua e/ou habitam moradias precárias. Nesse cenário, ganha proeminência a agenda de promoção e valorização da diversidade e equidade. Do ponto de vista das ciências, a complexidade desses fenômenos reforça a necessidade de ampliação do diálogo entre saberes, em uma perspectiva crítica, sistêmica e interdisciplinar11 Lima NT. Pandemia e interdisciplinaridade: desafios para a saúde coletiva. Saude Debate 2022; 46(esp. 6):9-24..
Este fascículo reúne artigos que estimulam a reflexão sobre essas transformações e suas implicações para a saúde coletiva, a partir de diferentes abordagens e enfoques, em seis eixos temáticos.
O primeiro eixo aborda o agravamento das desigualdades sociais e de saúde. Em uma perspectiva global, são ressaltados valores democráticos e de solidariedade para orientar a ação política em prol da garantia de direitos e da conformação de sistemas públicos universais. No Brasil, acrescenta-se a urgência de medidas de enfrentamento ao racismo estrutural.
O segundo reúne trabalhos sobre os desafios que se impõem aos sistemas públicos de saúde e ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mais uma vez, as desigualdades e vulnerabilidades são enfatizadas, tanto no acesso, quanto no desempenho e capacidade de resposta dos serviços de saúde às emergências sanitárias. De modo mais específico o papel da atenção primária à saúde é analisado em diferentes contextos, assim como os impasses vivenciados no Brasil por sua maior dependência à alocação de recursos de emendas parlamentares.
O terceiro engloba os trabalhos que enfocam o cuidado à saúde. Alguns estudos apontam para a importância da ótica interseccional tanto para a assistência quanto para a vigilância popular, e das práticas intersetoriais e integrais voltadas para a população em situação de rua. Como categoria analítica, a interseccionalidade permite compreender que as relações de poder constituídas a partir de marcadores sociais, como raça, classe e gênero, afetam diferentemente os grupos sociais em todos os aspectos da convivência em sociedade22 Collins PH, Bilge S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo; 2021.. Outros artigos alertam para a ressignificação do cuidado a partir das lições da pandemia e a relevância daqueles voltados para o final da vida.
O quarto se direciona para os diversos tipos de violências e suas interfaces com a saúde. Estas podem ser observadas em distintos grupos sociais em contextos específicos, entre os quais se destacam: mulheres e pessoas com deficiência em áreas rurais; violência interpessoal entre mulheres trans e cisgêneras; e mulheres em risco iminente de morte por violência por parceiro íntimo residentes em abrigo. Violências contra crianças e adolescentes são discutidas de forma ampla, seja no que se refere aos fatores associados à sua recorrência; à conexão entre bullying, adversidades da infância e capital social; ao acolhimento institucional como medida protetiva; à análise multidimensional de rede social de famílias em que a negligência está presente. Por fim, abordam-se os efeitos da violência armada na saúde, no cotidiano e nas estratégias de enfrentamento adotadas por profissionais das áreas da saúde e da educação.
O quinto eixo se volta para novas tecnologias preventivas e terapêuticas. Nele destacam-se estudos que enfocam ações educativas e de cuidado a eventos adversos, a regulação de tecnologias em emergências em saúde, a participação social na regulamentação da Anvisa e os desafios da teleassistência no SUS.
O sexto e último eixo explora as mudanças de ordem climática e ambiental. Nesse sentido, reconhece-se a importância de uma postura ético-política da nutrição para lidar com a emergência ambiental. Também é objeto de análise a injustiça socioambiental, associada à precarização do trabalho e às desigualdades de gênero e raça.
Boa leitura!
Referências
- 1Lima NT. Pandemia e interdisciplinaridade: desafios para a saúde coletiva. Saude Debate 2022; 46(esp. 6):9-24.
- 2Collins PH, Bilge S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo; 2021.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
01 Jul 2024 - Data do Fascículo
Jul 2024