Transformações contemporâneas, desigualdades sociais e saúde

Vera Lucia Marques da Silva Rondineli Mendes da Silva Luciana Dias de Lima Eduardo Alves Melo Patrícia Constantino Simone Santos Oliveira Sobre os autores

As profundas transformações sociais contemporâneas se expressam em diversos campos e dimensões, afetando desigualmente países, populações, sistemas e serviços de saúde. Em parte, a pandemia de COVID-19 evidenciou tendências em curso, atingindo mais intensamente grupos historicamente vulnerabilizados e excluídos (por diferenças de classe, gênero, raça, etnia e condições de acessibilidade), que vivem em regiões desassistidas, em situação de rua e/ou habitam moradias precárias. Nesse cenário, ganha proeminência a agenda de promoção e valorização da diversidade e equidade. Do ponto de vista das ciências, a complexidade desses fenômenos reforça a necessidade de ampliação do diálogo entre saberes, em uma perspectiva crítica, sistêmica e interdisciplinar11 Lima NT. Pandemia e interdisciplinaridade: desafios para a saúde coletiva. Saude Debate 2022; 46(esp. 6):9-24..

Este fascículo reúne artigos que estimulam a reflexão sobre essas transformações e suas implicações para a saúde coletiva, a partir de diferentes abordagens e enfoques, em seis eixos temáticos.

O primeiro eixo aborda o agravamento das desigualdades sociais e de saúde. Em uma perspectiva global, são ressaltados valores democráticos e de solidariedade para orientar a ação política em prol da garantia de direitos e da conformação de sistemas públicos universais. No Brasil, acrescenta-se a urgência de medidas de enfrentamento ao racismo estrutural.

O segundo reúne trabalhos sobre os desafios que se impõem aos sistemas públicos de saúde e ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mais uma vez, as desigualdades e vulnerabilidades são enfatizadas, tanto no acesso, quanto no desempenho e capacidade de resposta dos serviços de saúde às emergências sanitárias. De modo mais específico o papel da atenção primária à saúde é analisado em diferentes contextos, assim como os impasses vivenciados no Brasil por sua maior dependência à alocação de recursos de emendas parlamentares.

O terceiro engloba os trabalhos que enfocam o cuidado à saúde. Alguns estudos apontam para a importância da ótica interseccional tanto para a assistência quanto para a vigilância popular, e das práticas intersetoriais e integrais voltadas para a população em situação de rua. Como categoria analítica, a interseccionalidade permite compreender que as relações de poder constituídas a partir de marcadores sociais, como raça, classe e gênero, afetam diferentemente os grupos sociais em todos os aspectos da convivência em sociedade22 Collins PH, Bilge S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo; 2021.. Outros artigos alertam para a ressignificação do cuidado a partir das lições da pandemia e a relevância daqueles voltados para o final da vida.

O quarto se direciona para os diversos tipos de violências e suas interfaces com a saúde. Estas podem ser observadas em distintos grupos sociais em contextos específicos, entre os quais se destacam: mulheres e pessoas com deficiência em áreas rurais; violência interpessoal entre mulheres trans e cisgêneras; e mulheres em risco iminente de morte por violência por parceiro íntimo residentes em abrigo. Violências contra crianças e adolescentes são discutidas de forma ampla, seja no que se refere aos fatores associados à sua recorrência; à conexão entre bullying, adversidades da infância e capital social; ao acolhimento institucional como medida protetiva; à análise multidimensional de rede social de famílias em que a negligência está presente. Por fim, abordam-se os efeitos da violência armada na saúde, no cotidiano e nas estratégias de enfrentamento adotadas por profissionais das áreas da saúde e da educação.

O quinto eixo se volta para novas tecnologias preventivas e terapêuticas. Nele destacam-se estudos que enfocam ações educativas e de cuidado a eventos adversos, a regulação de tecnologias em emergências em saúde, a participação social na regulamentação da Anvisa e os desafios da teleassistência no SUS.

O sexto e último eixo explora as mudanças de ordem climática e ambiental. Nesse sentido, reconhece-se a importância de uma postura ético-política da nutrição para lidar com a emergência ambiental. Também é objeto de análise a injustiça socioambiental, associada à precarização do trabalho e às desigualdades de gênero e raça.

Boa leitura!

Referências

  • 1
    Lima NT. Pandemia e interdisciplinaridade: desafios para a saúde coletiva. Saude Debate 2022; 46(esp. 6):9-24.
  • 2
    Collins PH, Bilge S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo; 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jul 2024
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