Perspectivas dos profissionais de saúde do BrinquEinstein sobre a implementação do brinquedo terapêutico na pediatria

Carolline Billett Miranda Edmara Bazoni Soares Maia Fabiane de Amorim Almeida Sobre os autores

Resumo

Os benefícios do brinquedo terapêutico (BT) em pediatria são amplamente divulgados na literatura, entretanto, seu uso pelos profissionais de saúde ainda é limitado. Objetivou-se compreender como os profissionais que pertencem ao grupo BrinquEinstein e avaliam o processo de implementação sistemática do BT em unidades pediátricas hospitalares. Realizou-se estudo exploratório, de abordagem qualitativa, nas unidades pediátrica e de terapia intensiva de um hospital geral de extraporte, na cidade de São Paulo. Participaram 13 profissionais de diferentes categorias pertencentes ao BrinquEinstein. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada individual e audiogravada, sendo analisados a partir da Análise Temática Indutiva proposta por Braun e Clark. Da análise das entrevistas, emergiram cinco temas: vivenciando um processo transformador; os benefícios que fortalecem o caminho; as facilidades que impulsionam a caminhada; as barreiras que desafiam o processo; e as perspectivas futuras. Para os profissionais entrevistados, é imprescindível que o uso do BT se torne uma prática rotineira nos diferentes contextos de atendimento à saúde da criança, sendo que gestores e instituições têm papel fundamental na sua implementação.

Palavras-chave:
Criança; Hospitalização; Humanização da assistência; Profissionais de saúde

Introdução

As vantagens do uso do brinquedo terapêutico (BT) na assistência em pediatria são amplamente divulgadas na literatura, que destaca sua a importância para a criança, recomendando a inserção dessa prática de forma sistemática nas unidades de cuidados pediátricos. Entretanto, as instituições, em sua maioria, não incluem o uso dessa estratégia lúdica em seus protocolos11 Veiga MA, Sousa MC, Pereira RS. Enfermagem e o brinquedo terapêutico: vantagens do uso e dificuldades. Rev Eletron Atualiza Saude2016; 3(3):60-66..

As evidências sustentam a aplicação do BT no cuidado da criança hospitalizada, impactando positivamente na diminuição da ansiedade e do medo, não apenas dela, mas de seus familiares, contribuindo para o desenvolvimento de uma assistência de enfermagem mais humanizada22 Sousa CS, Barreto BC, Santana GA, Miguel JV, Braz LS, Lima LN, Melo MC. O brinquedo terapêutico e o impacto na hospitalização da criança: revisão de escopo. Rev Soc Bras Enferm Ped 2021; 21(2):173-180..

A Organização Mundial da Saúde reconhece o brincar no hospital como um direito da criança e ressalta que a oferta do brincar recreacional e de seu uso terapêutico pelos profissionais é um atributo de qualidade da assistência33 World Health Organization (WHO). Standards for improving the quality of care for children and young adolescents in health facilities [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2023 abr 8]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565554..

Alguns fatores dificultadores são apontados para a inserção do BT e do brincar na prática clínica pela equipe de enfermagem e interdisciplinar, tais como: falta de tempo, sobrecarga de atividades e o contexto de trabalho, que, muitas vezes, não valoriza a iniciativa e nem propicia condições para realizá-la44 Chiavon SD, Brum CN, Santos E, Sartoretto EA, Zuge SS, Gaio G, Trentin PA, Potrich T. Utilização do brinquedo terapêutico para a criança que vivencia o processo de hospitalização: uma revisão narrativa. Braz J Health Rev 2021; 4(1)382-398.,55 Claus MIS, Maia EBS, Oliveira AIB, Ramos AL, Dias PLM, Wernet M. A inserção do brincar e brinquedo nas práticas de enfermagem pediátrica: pesquisa convergente assistencial. Esc Anna Nery 2021; 25(3):e20200383..

Considerando a situação de implementação do BT em uma unidade pediátrica hospitalar, surgiram alguns questionamentos que nortearam a realização deste estudo: Qual a percepção dos profissionais de saúde sobre o processo de implementação do BT no programa BrinquEinstein? Quais os fatores facilitadores e as barreiras identificadas por eles em relação ao seu uso na prática hospitalar com crianças?

Uma das iniciativas adotadas no processo de implementação do BT foi o treinamento dos profissionais que atuam na referida unidade pediátrica hospitalar e a formação de um grupo de referência para o uso do BT (BrinquEinstein), com o intuito de instrumentalizar a equipe para a incorporação desta proposta em seu cuidado66 Miranda CB. Modelo de implementação sistemática da prática de brinquedo terapêutico em unidades hospitalares pediátricas [dissertação]. São Paulo: Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein; 2022.. O conhecimento de como esta experiência de implementação do BT foi percebida por estes profissionais pode contribuir significativamente para o delineamento de melhorias futuras na continuidade deste processo.

Assim, o estudo propõe-se a compreender como os profissionais integrantes do grupo BrinquEinstein avaliam o processo de implementação sistemática do BT em unidades pediátricas hospitalares, delineando os fatores facilitadores e as barreiras neste processo.

Método

Trata-se de um estudo exploratório, de abordagem qualitativa, realizado no período de novembro de 2020 a abril de 2022. Os dados apresentados são oriundos de uma dissertação de mestrado cujo objetivo foi desenvolver um modelo de implementação sistemática do Brinquedo Terapêutico em unidades pediátricas hospitalares66 Miranda CB. Modelo de implementação sistemática da prática de brinquedo terapêutico em unidades hospitalares pediátricas [dissertação]. São Paulo: Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein; 2022..

O estudo foi realizado em unidade hospitalar pediátrica, incluindo as respectivas enfermarias e unidade de terapia intensiva (UTI pediátrica) de um hospital geral de extraporte, da cidade de São Paulo. A amostra constituiu-se de 13 profissionais, sendo 8 enfermeiros, duas técnicas de enfermagem, uma pedagoga, duas brinquedistas, sendo a maioria mulheres, que atuam nestas unidades e são integrantes do grupo de referência em BT, denominado “BrinquEinstein”.

A implementação sistemática do BT na instituição iniciou-se nas duas unidades supramencionadas e seguiu as etapas da ferramenta PDCA, que envolve as seguintes etapas: Plan, Do, Check e Action77 Langley GJ, Moen RD, Nolan KM, Nolan TW, Norman CL, Provost LP. Modelo de Melhoria: Uma abordagem prática para melhorar o desempenho organizacional. Campinas: Mercado de Letras; 2011.. Na etapa “Do”, ocorreu o treinamento dos colaboradores para o uso do BT na prática clínica: enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos, brinquedistas, fisioterapeutas e uma psicopedagoga, num total de 44 participantes. Aqueles que demonstraram maior interesse em utilizar o BT na prática foram convidados a integrar o grupo de referência, num total de 28 profissionais66 Miranda CB. Modelo de implementação sistemática da prática de brinquedo terapêutico em unidades hospitalares pediátricas [dissertação]. São Paulo: Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein; 2022.,88 Almeida FA, Miranda CB, Maia EBS. Implementação do Brinquedo Terapêutico em unidades pediátricas hospitalares: Perspectiva dos profissionais de saúde integrantes do BrinquEinstein. New Trend Qualitative Res 2022; 13:e-70.,99 Miranda CB, Maia EBS, Almeida FA. Modelo de implementação sistemática do brinquedo terapêutico em unidades pediátricas hospitalares. Esc Anna Nery 2022; 26:e20220136..

A coleta de dados realizou-se por meio de uma entrevista semiestruturada individual e audiogravada, com duração média de 40 minutos. Para a sua condução, utilizaram-se as seguintes perguntas norteadora66 Miranda CB. Modelo de implementação sistemática da prática de brinquedo terapêutico em unidades hospitalares pediátricas [dissertação]. São Paulo: Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein; 2022.,88 Almeida FA, Miranda CB, Maia EBS. Implementação do Brinquedo Terapêutico em unidades pediátricas hospitalares: Perspectiva dos profissionais de saúde integrantes do BrinquEinstein. New Trend Qualitative Res 2022; 13:e-70.: Como tem sido para você vivenciar o processo de implementação de BT nas unidades pediátricas? Como você percebe a sua atuação como membro do grupo de referência em BT “BrinquEinstein”?

As entrevistas transcritas na íntegra foram analisadas segundo os preceitos da Análise Temática Indutiva de Braun e Clark (apud Souza1010 Souza LK. Pesquisa com análise qualitativa de dados: conhecendo a Análise Temática. Arqu Bras Psicol 2019; 71(2):51-67.), constituída de seis fases: a) familiarização com os dados, a partir da transcrição e revisão dos dados, da leitura e releitura; b) geração de códigos iniciais com o intuito de codificar sistematicamente os aspectos de destaque dos discursos; c) reunião dos códigos em temas potenciais e todos os dados pertinentes a cada tema em potencial; d) revisão dos temas a partir da verificação de sua funcionalidade aos extratos e ao banco de dados; e) definição e nomeação dos temas, refinando-se os detalhes de cada tema e a história contada pela análise; e f) produção do relatório com os exemplos vivenciados pelos participantes, considerando a relação dos extratos escolhidos com a pergunta de pesquisa.

A análise dos dados ocorreu concomitantemente à sua coleta. Procedeu-se a leitura criteriosa das entrevistas transcritas para identificar as ideias iniciais, buscando significados e padrões familiares no texto. Códigos foram criados para identificá-los, sendo agrupados em temas potenciais, revisados e refinados em busca de coerência ao longo do conjunto de dados. Todos os temas e codificações foram discutidos e confirmados pela equipe de pesquisa88 Almeida FA, Miranda CB, Maia EBS. Implementação do Brinquedo Terapêutico em unidades pediátricas hospitalares: Perspectiva dos profissionais de saúde integrantes do BrinquEinstein. New Trend Qualitative Res 2022; 13:e-70..

A elaboração deste estudo seguiu as recomendações para elaboração de pesquisas qualitativas do COREQ (Critérios Consolidados para Relatar uma Pesquisa Qualitativa)1111 Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm 2021; 34:eAPE02631.. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente, sob o número 4.376.155 (CAAE: 38581120.6.0000.0071).

Resultados

Participaram do estudo 13 integrantes do grupo de referência BrinquEinstein, sendo a maioria do sexo feminino (92,3%) e membros da equipe de enfermagem (76,9%). O tempo de atuação dos profissionais em pediatria variou de dois a 24 anos e 69% deles já atuava há mais de 10 anos nessa área. A maioria recebeu informações teóricas sobre o BT durante a graduação (61%), enquanto 23% tiveram oportunidade de utilizá-lo durante as atividades práticas acadêmicas.

Da análise das entrevistas, emergiram cinco temas que representam a perspectiva de integrantes do BrinquEinstein sobre o processo de implementação do BT. Esses temas serão descritos a seguir, acompanhados de trechos de discursos dos participantes, identificados no texto com a letra A e um algarismo arábico, que representa o número da entrevista (A1, A2, A3...).

Vivenciando um processo transformador

Este tema evidencia o quanto participar do processo de implantação do BT foi transformador para o profissional, que passou a se perceber como uma pessoa melhor, tornando-se mais empático e envolvido com as questões emocionais que permeiam a assistência:

Eu acho que, quando entrei para o [grupo do] brinquedo, eu passei a exercitar novamente esse olhar humano que a gente sempre fala. De fato, ele [o BT] foi incorporado na minha assistência. Hoje, fica muito mais fácil [utilizá-lo] e você se preocupa com outras questões que não só as técnicas (A8).

Eu me sinto muito mais... como eu posso dizer...empática, sabe? Não só resolvo as questões fisiológicas, mas acho que questões emocionais, psicológicas... (A12).

Uma enfermeira que atuava em UTI relata sua experiência ao aplicar o BT, encantando-se com essa nova possibilidade e passando a utilizá-lo e incentivar o seu uso pelos colegas:

Houve a transformação, porque eu vou falar a verdade, o enfermeiro de UTI é meio cético. É focado no clínico, no procedimento... E eu acho que houve [transformação]. E eu fui igual São Tomé... precisei ver para crer. Foi maravilhoso. E a partir de então, eu comecei a aplicar bastante [o BT], comecei a aplicar, incentivar... (A1).

Outro aspecto transformador para o profissional foi a oportunidade de ampliar os seus conhecimentos, a partir da troca de informações entre os membros da equipe e da participação nas atividades de treinamento, ajudando-o a compreender melhor o brincar da criança:

Então, eu fui aprendendo demais com cada membro da equipe. E ainda aprendo... (A3).

Me acrescentou conhecimento... de olhar para a criança brincando e não falar só “ela está brincando, olha que importante!”... mas ficar mais atenta ao que aquele brincar estava significando. Foi algo que eu acho que realmente não tinha e isso me estimulou a ter (A13).

Os benefícios que fortalecem o caminho para o uso efetivo do BT

Os benefícios obtidos com a implementação do BT são reconhecidos pelo profissional como relacionados a si próprio, à criança e à sua família.

Quanto aos benefícios para o profissional, verificam-se muitos aspectos relevantes. Um profissional refere que, após iniciado o processo de implementação do BT, percebeu uma proximidade maior com a criança e a família, fortalecendo o vínculo com eles, além de se sentir gratificado com os resultados positivos obtidos.

Está sendo bem gratificante ver a criança sair de um quadro de medo, choro e ansiedade [algumas vezes, dos pais] e, literalmente, deixar a gente participar, brincar e fazer o que tem que ser feito ali (A2).

A gente começa a olhar para além disso, para a relação ali, de toda a equipe com a criança e com a família, e vice-versa, o quanto é importante ter esse recurso [o BT] para a construção de vínculo (A3).

[Além da] rotina da UTI ser uma rotina de maior manipulação, às vezes, a criança não está em um momento mais tranquilo. Quando a gente consegue abordar a criança com o brinquedo, a gente consegue acessar mais essa criança, criar um vínculo maior. A gente consegue estabelecer uma relação de confiança [...] Acho que a experiência da hospitalização para a criança passa a ser melhor e a gente, como profissional, acho que acaba ficando mais tranquilo e realizado (A7).

Para o profissional, algumas atividades diárias passaram a ser realizadas com maior facilidade, de maneira mais segurança e em menor tempo, especialmente na realização de procedimentos:

Eu faço parte do time de punção. Então, ser do [grupo de] brinquedo terapêutico ajudou demais, também, nessa área de coletar exames, de puncionar acesso (A1).

A criança fica mais fácil de você conversar... mais fácil fazer os procedimentos... Então, com certeza, mudou muito a minha visão de avaliação, de exame físico...muito melhor avaliado (A2).

Só que o tempo que você ganha ali, com brinquedo terapêutico, que a criança não está chorando, não está estressada e tudo mais, isso já acaba sobrepondo [o tempo necessário para aplicação do BT] e vai para muito além disso também (A3).

Ao começar a utilizar o BT, o profissional relata que se sente, por vezes, mais valorizado e reconhecido no setor em que atua, por conseguir amenizar a ansiedade da família e da criança.

Melhora muito a experiência do profissional. Posso dizer por mim mesmo que melhorou muito. Assim, a visão que a equipe tem de mim hoje, implementando o brinquedo terapêutico dentro da unidade de terapia intensiva, com crianças um pouco mais críticas... acho que foi ótimo! (A1).

...[Recebi] até um Prêmio Daisy [premiação de excelência do cuidado] relacionado ao brinquedo terapêutico, por uma criança da oncologia que ia ser extremamente manipulada e o quanto o brinquedo fez diferença na vida dela e da família naquele momento de crise (A5).

Os benefícios visualizados pelos profissionais em relação aos ganhos para a criança e sua família diante do uso do BT são muitos, culminando com a percepção de melhora da experiência no hospital para ambos:

A gente tem observado bastante benefícios com o uso do brinquedo terapêutico nas diversas situações. E eu acho que tem tido um efeito bastante positivo na experiência do paciente, tanto para a família, quanto para a criança [...] Quando a criança interage com a gente de uma forma mais calorosa, saudável, é menos traumatizante para todo mundo. A gente tem uma relação melhor com os pais, consegue ter um acesso melhor para a criança como um todo (A7).

A gente introduziu o brinquedo e houve um ganho muito importante. E acho que, além disso, a satisfação da família. Porque a gente está cuidando do lado emocional da criança, não está focando só na doença, só no tratamento, não é só na punção, ali. A gente está cuidando do lado emocional e eu acho que isso traz conforto para a família. Traz a família para o nosso lado e eles se sentem mais confiantes na equipe e tudo mais (A11).

Os discursos revelaram o quanto o uso do BT propicia o acolhimento em momentos de sofrimento e estranhamento, aumentando a confiança da criança nos profissionais e impactando positivamente na sua recuperação:

Muitas vezes, a criança está debilitada, está doente, está triste, desanimada e acaba que interfere no prognóstico, na melhora clínica. Então, o brinquedo vem para ajudá-los na recuperação e dar um “up” na vidinha deles, diante de tantos procedimentos invasivos que eles sofrem aqui dentro. Vem para aliviar o sofrimento! (A11).

As facilidades que impulsionam a caminhada na implementação do BT

Dentre os fatores que impulsionam a atuação profissional para o uso do BT, ressaltam-se: a formação do grupo de referência BrinquEinstein, a instituição do canal de comunicação por WhatsApp entre os membros deste grupo, o treinamento da equipe e o apoio da instituição.

A discussão da equipe é muito bacana... de a gente conseguir discutir com as pessoas que estão envolvidas no brinquedo qual é a melhor estratégia, o que pode ser feito, qual seria ali a atitude, a estratégia mais adequada para aquela criança. Então, a gente fica com mais segurança de fazer [o BT] (A2).

Para um dos participantes, a criação do grupo BrinquEinstein foi “um divisor de águas” para a consolidação e o fortalecimento do processo de implementação do BT na instituição:

Se não tivesse o BrinquEinstein, nós não teríamos uma equipe multi [multiprofissional] envolvida. Não teríamos as brinquedistas para participar, o fisio [fisioterapeuta] para participar... Então, o BrinquEinstein foi o divisor de águas na implementação do brinquedo terapêutico no Einstein...Isso eu não tenho dúvidas (A10).

Já o uso do WhatsApp pelos membros do BrinquEinstein foi considerado um facilitador do processo, ao possibilitar que as ações lúdicas sejam propostas, discutidas e efetivadas na prática rapidamente durante as 24 horas do plantão. Esta forma de compartilhamento propicia, ainda, suporte ao profissional na escolha da melhor abordagem para atender as necessidades da criança.

WhatsApp é uma ferramenta muito importante, porque é por meio dela que a gente consegue se comunicar com mais facilidade. Se a gente tivesse que se reunir para discutir, passar plantão, discutir caso, moldar ideias, ficaria muito mais difícil (A3).

O grupo foi fundamental... o grupo de WhatsApp, que a comunicação é muito mais rápida. E hoje, é 24 horas e a gente tem pessoas do dia e pessoas da noite [no grupo]. Então, eu acho que isso é um facilitador (A5).

Os discursos apontaram o quanto o envolvimento da equipe multidisciplinar pode potencializar as ações de cuidado à criança com diferentes olhares para atingir um determinado objetivo em comum. Um participante relatou que se sentiu estimulado ao saber que as pessoas do plantão seguinte dariam continuidade à proposta lúdica elaborada por ela para a criança:

Como a gente tem uma equipe multi[interdisciplinar], eu acho que isso facilita o processo. Porque se a psicóloga entra [no quarto] e vê a necessidade [do BT], ela fala no grupo [de WhatsApp]. Se as brinquedistas veem, eu acho que a integração é fundamental. Porque não é só a enfermeira ou a enfermagem que vai ter que entrar no quarto e reconhecer aquela necessidade (A5).

Para mim, é um estímulo saber que tem outros profissionais... que eu vou embora, mas vão dar continuidade ou eu mesma vou pegar um plantão que iniciaram [o BT] e eu vou dar continuidade. Isso, para mim, é um estímulo (A10).

O treinamento direcionado a toda a equipe para o uso do BT constituiu-se em um facilitador durante sua implementação, ao ampliar a percepção dos profissionais sobre o valor desta iniciativa. Ao contemplar os diferentes turnos de trabalho, contribuiu para que toda a equipe “falasse a mesma linguagem”, aumentando o seu engajamento quanto a aplicação do BT na unidade:

Ter pessoas treinadas em todos os plantões, eu acho que facilita muito, porque a gente fala uma mesma linguagem. E tem o grupo do WhatsApp, em que a gente pode trocar informações, compartilhar “cases” de sucesso... Eu acho bacana (A11).

Uma participante destacou a importância do suporte oferecido pelo enfermeiro líder do projeto de implementação do BT, quando começou a aplicá-lo em sua prática clínica:

E sem contar o suporte [da enfermeira líder] que a gente tem depois [do treinamento]. A gente tem um curso, mas também depois, a gente tem um suporte quando começa a colocar [o BT] em prática. Isso é ótimo! (A1).

O apoio da diretoria e dos gestores da instituição e o consequente reconhecimento pelo trabalho desenvolvido com o BT, apontado também como um fator facilitador na sua implementação, deu-se a partir dos elogios das famílias das crianças encaminhados ao SAC (Serviço de Atendimento ao Cidadão) e das ações premiadas na instituição:

As pessoas começaram a querer fazer, porque é legal fazer. Olha, o diretor apoia [...] você tem o apoio da alta direção Aí, você fala: “Olha, eu quero fazer também”. Então, de certa forma, quando a gente começou a trazer visibilidade [para o setor como exemplo de boas práticas], foi legal, no sentido de que outras pessoas começaram a querer participar também do projeto [...] A estrutura do hospital incentiva [o uso do BT]. Porque faz [o BT] e vê o retorno do SAC. Você tem o Prêmio Daisy [prêmio internacional que promove a valorização dos seus profissionais] (A4).

A disponibilidade de materiais hospitalares fornecidos pela própria instituição e a aquisição de brinquedos para a realização de BT também foi um fator facilitador durante a implementação:

Eu acho que o arsenal de brinquedos que a gente tem aqui no Einstein é uma coisa que ajuda muito. Você tem vários tipos de brinquedo. Se a gente precisa de qualquer dispositivo para fazer [o BT] para uma criança, tem (A9).

As barreiras que desafiam o processo de implementação do BT

Sobre as barreiras que se impuseram ao processo de implementação do BT, ressalta-se a persistência da sua falta de valorização como ação de cuidado por alguns profissionais, associada à sobrecarga de trabalho, especialmente na UTI:

...As pessoas têm uma visão muito técnica da assistência na UTI. E, talvez, devido à complexidade e até pela sobrecarga do trabalho, poucas pessoas conseguem colocar isso como uma prioridade também (A8).

O que dificulta, às vezes, a correria do dia a dia acaba dificultando um pouco a aplicação do brinquedo. Às vezes, você vai lá, consegue aplicar... e eu não consigo voltar para avaliar aquilo depois de um tempo, naquele mesmo dia (A9).

Independentemente do setor onde atuam, seja na pediatria ou na UTI, os profissionais reconhecem que a equipe ainda não entende o BT como prioridade no cuidado:

Hoje em dia, a gente passa isso [a realização do BT] no plantão e tem enfermeiro que não chega a anotar. Ou a gente fala: “Olha, aqui está fazendo brinquedo, precisa dar continuidade”. Tem enfermeiro que dá de ombros. Não é uma coisa... ainda tem mentalidades que acham que isso não é uma coisa importante de ser passada em plantão dentro de uma UTI (A2).

Outras barreiras identificadas pelos profissionais que atuam na UTI referem-se à dificuldade de aplicação do BT na admissão da criança, devido à instabilidade clínica e à tensão dos pais ou, ainda, quando a criança evolui com limitações para brincar:

Então, eu acho que esses primeiros momentos de internação são os mais difíceis, até que eles [criança e família] possam conhecer a gente, a dinâmica de trabalho dentro da UTI, ver que a criança também está bem (A8)

Mas em algumas situações de instabilidade do paciente, assim, que a família ainda está muito preocupada, a gente, às vezes, não consegue nem passar a orientação de admissão direito, sabe? Às vezes, uma criança que chega duas horas da manhã, a gente não vai conseguir fazer brinquedo terapêutico (A12).

Mais uma questão apontada como barreira refere-se ao posicionamento dos pais/familiares em relação à atividade do BT. Os profissionais percebem a falta de conhecimento por parte dos acompanhantes da criança em relação aos objetivos do uso do BT no hospital e seus benefícios:

Acho que, às vezes, os pais também acabam, por não conhecerem, ficando meios receosos de deixar a criança brincar, de deixar com que a criança aprenda com aquela situação. Às vezes, o pai entende que se a gente colocar um dispositivo [intravenoso] num brinquedo e mostrar para criança, ela vai traumatizar ainda mais (A1).

O turno de trabalho também foi identificado com uma barreira para a realização de BT, pois, no período noturno, torna-se mais difícil aplicá-lo com a criança.

Um outro fator que eu acho, é a questão do noturno. Chega um momento que eles querem dormir porque, às vezes, o dia foi muito agitado, [a criança] fez vários procedimentos. E aí, se a gente não consegue acessar a criança no início da noite, a gente acaba não conseguindo mais tarde, por conta que eles dormem mesmo (A7).

Apesar da disponibilização de brinquedos, conseguidos, muitas vezes, pelos próprios enfermeiros do BrinquEinstein, e dos materiais hospitalares oferecidos pela própria instituição para aplicação do BT no setor, a falta de material foi apontada como barreira, em função da necessidade de diversidade de brinquedos para atender as diferentes necessidades da criança.

Acho que, às vezes, há falta também de materiais. Então, tem pacientes, por exemplo, eu fazia interação lúdica com o paciente que precisa de estímulos sensoriais. E aí, faltava, então a gente tinha que criar os materiais e tudo mais. Então, acho que a gente poderia ter mais brinquedos diferentes (A6).

O profissional considera difícil, não só o processo de implementação do BT, mas garantir a manutenção desta prática.

Eu acho que é difícil implementar, mas talvez, mais difícil do que implementar, seja manter [o uso do BT]. E a gente já tem um tempo, não é? Tem um, dois anos. [...] A manutenção é desafiadora, ainda mais no meio da pandemia que você tem que se reinventar para poder fazer [o BT] no isolamento (A4).

Estabelecendo perspectivas futuras

Este tema contempla as expectativas do profissional em relação a implementação do BT, como a expansão de seu uso para outros setores do hospital e das unidades externas da instituição.

Então, eu acho que só tem a crescer, tanto aqui dentro ou fora... dentro da pediatria, eu falo. Mas, assim, expandir para ambulatórios, para as unidades externas. Porque a gente sabe que eles [profissionais de áreas externas ao hospital] têm interesse também (A5).

Evidenciou-se a motivação do participante quanto a expansão do processo de implementação do BT como um modelo para outras instituições.

Espero que a gente possa crescer cada vez mais. Que a gente faça mais pesquisas também. Acho isso muito importante, muito legal... E a divulgação, também, para outros hospitais (A6).

Eu acho que, em breve, vamos conseguir levar Brasil afora, para os hospitais referência que queiram e levar como uma prática, um exemplo de boas práticas, de hospital bom, certificado (A12).

Os profissionais também revelaram preocupação com a continuidade do grupo BrinquEinstein e apontam o processo de implementação como motivador para a participação de outros profissionais da equipe multiprofissional.

Multiplicar, trazer mais pessoas para o grupo e um motivar o outro... Eu acho que isso vai ajudar muito. Acho que os novos que estão chegando... saberem desse projeto, saberem da importância dele... dos resultados que a gente tem... (A9).

Envolver cada vez mais a equipe multi [multidisciplinar], o médico... e fazê-los perceber que o nosso grupo dá resultado. É um grupo que brinca baseado em questões científicas e que têm resultados que melhoram a efetividade do tratamento médico, resultando na melhora do paciente (A10).

Os profissionais apontam a importância de o grupo BrinquEinstein continuar investindo na capacitação de colaboradores para o uso do BT, com a perspectiva de ampliar o número de pessoas envolvidas nesta iniciativa, incluindo a oferta de cursos de educação a distância (EAD).

Eu acho que é importante a gente continuar investindo na formação, na capacitação dos profissionais, para poder ampliar cada vez mais esse trabalho (A3).

Acho que tinha até a proposta de fazer o EAD. Eu só vejo crescimento, não vejo o grupo parando (A5).

O profissional também acredita ser importante sensibilizar os pais sobre os benefícios do BT para a criança e sobre a atuação do grupo, propondo algumas estratégias para esse fim.

Acho que, se a gente conseguir levar para os pais a importância disso [o BT] ... o que isso traz de bom na internação da criança... que a gente tem esse projeto aqui, que isso é bom, que isso faz a experiencia da criança ser menos traumática (A1).

Eu acho que até a gente pode fazer algum folder, fazer dentro da nossa cartilha de admissão a questão da aplicação do brinquedo (A5).

Discussão

Os achados do estudo permitiram identificar que o processo de implementação do BT na perspectiva dos profissionais tem se mostrado exitoso e de relevância para a integração e a transformação da equipe interprofissional, bem como para a satisfação da criança e da família, ao proporcionar um cuidado acolhedor, humanizado e centrado no paciente pediátrico, melhorando sua experiência quando mediada pelas interações lúdicas.

De fato, brincar oferece oportunidades para interações interpessoais sintonizadas em um ambiente forte e confiante, resultando em uma relação segura entre os brincantes, no caso, a criança e o profissional. Essa sintonia empática reflete-se no relacionamento pessoal. Quando o profissional se mostra gentil e sensível ao sentimento do outro, durante a brincadeira, há ressonância, aumento da ocitocina e estabelecimento de vínculo social1212 Stewart AL, Field TA, Echterling LG. Neuroscience and the magic of play therapy. Int J Play Therapy 2016; 25(1):4-13.. Tais aspectos foram relatados pelos participantes do presente estudo.

Esse importante ganho caracteriza um dos padrões para melhorar a qualidade do atendimento a crianças e adolescentes nas unidades de saúde, como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS), garantindo que as necessidades e os direitos deles sejam atendidos, como o brincar em cenários de cuidado em saúde e o direito de ser cuidada por profissionais habilitados para tal33 World Health Organization (WHO). Standards for improving the quality of care for children and young adolescents in health facilities [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2023 abr 8]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565554..

Com o avanço da implementação do programa BT, os benefícios reconhecidos como fortalecedores no processo ganharam destaque, como a constatação pela equipe de que as estratégias lúdicas permeiam o estabelecimento de vínculo, confiança e maior aproximação com os clientes. Ressalta-se a mudança comportamental das crianças frente aos procedimentos, tornando-se mais colaborativas após a brincadeira. E os profissionais, por sua vez, perceberam a redução do tempo gasto na realização desses procedimentos, aumentando as chances de sucesso e a segurança na sua execução. Tais aspectos são discutidos em três revisões sistemáticas1313 Silva RD, Austregésilo SC, Ithamar L, Lima LS. Therapeutic play to prepare children for invasive procedures: a systematic review. J Pediatr 2017; 93:6-16.

14 Rashid AA, Cheong AT, Hisham R, Shamsuddin NH, Roslan D. Effectiveness of pretend medical play in improving children's health outcomes and well-being: a systematic review. BMJ Open 2021; 11:e041506.
-1515 Godino-Iáñez M J, Martos-Cabrera MB, Suleiman-Martos N, Gómez-Urquiza JL, Vargas-Román K, Membrive-Jiménez MJ, Albendín-García L. Play Therapy as an Intervention in Hospitalized Children: A Systematic Review. Healthcare (Basel) 2020; 8(3):239. sobre o uso do BT e sua ação na redução de ansiedade e da dor e na melhora no conhecimento em saúde de crianças.

Uma revisão de escopo1616 Gjærde LK, Hybschmann J, Dybdal D, Topperzer MK, Schrøder MA, Gibson JL, Ramchandani P, Ginsberg EI, Ottesen B, Frandsen TL, Sørensen JL. Play interventions for paediatric patients in hospital: a scoping review. BMJ Open 2021; 11:e051957. identificou que as intervenções lúdicas têm sido utilizadas em quatro áreas de apoio à criança: em situações de procedimentos e testes diagnósticos, na educação do paciente, no tratamento e recuperação e ainda, favorecendo a adaptação ao ambiente hospitalar. Em outro estudo1717 Zengin M, Yayan EH, Düken ME. The effects of a therapeutic play/play therapy program on the fear and anxiety levels of hospitalized children after liver transplantation. J Perianesth Nurs 2021; 36(1):81-85., são apontadas como método não farmacológico pelo seu potencial na redução da dor, medo, estresse e ansiedade em decorrências de procedimentos dolorosos.

Ainda falando sobre os benefícios do BT, as perspectivas das famílias têm sido exploradas em estudos nacionais1818 Aranha BF, Souza MA, Pedroso GER, Maia EBS, Melo LL. Using the instructional therapeutic play during admission of children to hospital: the perception of the family. Rev Gaucha Enferm 2020; 41:e20180413. e internacionais1919 He HG, Zhu LX, Chan WC, Liam JL, Ko SS, Li HC, Wang W, Yobas P. A mixed-method study of effects of a therapeutic play intervention for children on parental anxiety and parents' perceptions of the intervention. J AdvNurs 2015; 71(7):1539-1551.,2020 Yayan EH, Zegin M, Düken ME, Dag YS. Reducing children's pain and parents' anxiety in the postoperative period: A therapeutic model in Turkish sample. J Pediatr Nurs 2019; 51:e33-e38. e seus resultados reiteram a potência dessa intervenção para melhorar a experiência em cuidados de saúde de ambos, criança e família, fato reiterado neste estudo.

As barreiras inicialmente identificadas pelos profissionais desta pesquisa para a implementação do BT na unidade, como a sua não valorização como ação de cuidado, especialmente no contexto da terapia intensiva, e a sobrecarga de trabalho, também são destaques na literatura. A sobrecarga de atividades, a falta de tempo, material e ambiente apropriado, o desconhecimento e a desvalorização do brincar pelos colegas e pela instituição são algumas dessas barreiras, além da não inclusão das estratégias lúdicas de forma sistemática no processo de enfermagem2121 Baldan JM, Santos CP, Matos APK, Wernet, M. Introduction of play/playthings in the assistance practice to the hospitalized child: nurses' trajectory. Cien Cuid Saude 2014; 13(2):228-235.,2222 Maia EBS, La Banca RO, Rodrigues S, Pontes ED, Sulino MC, Lima RAG. A força brincar-cuidar na enfermagem pediátrica: perspectivas de enfermeiros em grupos focais. Texto Contexto Enferm 2022; 31:e20210170..

Apesar das barreiras ao uso do BT, os resultados da sua implementação mostram-se otimistas. Houve um movimento no sentido de se incorporar o planejamento da prática com o BT na rotina de trabalho da equipe e, em especial, a preocupação com a sistematização na continuidade do cuidado lúdico. Nesse sentido, destaca-se a valorização das informações sobre a realização o BT com as crianças durante a passagem de plantão da equipe de enfermagem, sendo também compartilhadas no grupo de referência. Tal ação é importante, pois responde a regulamentação do COFEN, sobre a responsabilidade de a equipe de enfermagem incorporar o BT no processo de enfermagem2323 Caleffi CCF, Rocha PK, Anders JC, Souza AIJ, Burciaga VB, Serapião LS. Contribuição do brinquedo terapêutico estruturado em um modelo de cuidado de enfermagem para crianças hospitalizadas. Rev Gaucha Enferm 2016; 37(2):e58131..

Estudos2424 Pedrinho LR, Shibukawa BMC, Rissi GP, Uema RTB, Merino MFGL, Higarashi IH. O brinquedo terapêutico na atenção primária: contribuições para a sistematização da assistência de enfermagem. Enferm 2021; 30:20200616.,2525 Drayton NA, Waddups S, Walker T. Exploring distraction and the impact of child life specialists: Perception from nurses in a pediatric setting. J Spec Pediatr Nurs 2019; 24:e12242. reforçam a importância de sistematizar o cuidado lúdico, pois a sua realização estruturada em um modelo de cuidado contribui para reduzir os efeitos negativos da hospitalização, ao favorecer o estabelecimento de vínculos entre a equipe com a criança, estimulando uma participação mais ativa desta no processo de enfrentamento.

O plano instituído para superar essas barreiras, como a realização de treinamento da equipe interdisciplinar e o envolvimento dos seus membros a partir da formação de um grupo interdisciplinar de referência em brincar e BT, foi considerado essencial pelos participantes para o sucesso da implementação do BT.

A importância do trabalho em equipe é enfatizada em outro estudo qualitativo2626 Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução 546/2017 - Revoga a Resolução Cofen nº 295/2004 - Utilização da técnica de brinquedo terapêutico pela Enfermagem [Internet]. 2017 [acessado 2023 abr 8]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-05462017_52036.html.
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
, que aborda a percepção de 18 enfermeiras australianas em relação à parceria instituída com especialistas em desenvolvimento infantil (Child Life Specialist) no uso da distração para crianças submetidas a procedimentos dolorosos. Os resultados ressaltam o quanto essa parceria foi vantajosa para elas, que destacam o valor do trabalho integrado da equipe interdisciplinar.

Os achados do presente estudo revelam que, para os participantes, o processo de implementação desencadeou o sentimento de orgulho pelo reconhecimento do trabalho com o BT desenvolvido no setor pela instituição. Esse fato gerou ainda mais satisfação nos colaboradores envolvidos na adesão de práticas lúdicas, incluindo não só o BT, mas outras, como brincadeiras e jogos que promovam a distração da criança. Nesse contexto, uma das principais expectativas apontadas pelos profissionais é a expansão do uso do BT para outros setores de atendimento pediátrico do hospital e, também, para outras instituições de saúde do Brasil.

A realização do estudo contou com uma limitação importante, relacionada à ocorrência da pandemia de COVID-19, impactando de forma significativa na realização das entrevistas com os profissionais que vivenciaram o processo de implementação. Isso decorreu do fato de que houve o redimensionamento da equipe, devido alta demanda de adultos acometidos pela doença e à redução de internações de crianças e adolescentes

Este contexto levou a desmotivação do grupo em relação à continuidade da implementação do BT. Contudo, diante da estabilização da pandemia na cidade de São Paulo, a equipe de profissionais retornou às suas atividades no atendimento à criança e ao adolescente. E de forma surpreendente, eles voltaram a se interessar pela prática do brincar e do BT.

Outra questão a considerar é que o estudo contemplou a percepção sobre o processo de implementação do BT apenas dos membros do grupo BrinquEinstein. Estudos futuros com os profissionais da equipe que ainda não fazem parte deste grupo podem trazer informações complementares, especialmente em relação às barreiras na implementação do BT e estratégias para enfrentá-las. Ainda, a replicação deste estudo em outros contextos institucionais e de diferentes níveis de atenção à saúde pode ajudar a consolidar estes resultados sobre a implementação do BT na prática pediátrica.

Considerações finais

O estudo ressalta a importância de o BT integrar o planejamento da assistência à criança, em função dos benefícios decorrentes de sua utilização. A implementação desta prática trouxe benefícios para as crianças, que passaram a apresentar reações que evidenciam maior aceitação e maior colaboração durante os procedimentos, tornando-se mais tranquilas e compreendendo melhor a situação de hospitalização. Trouxe benefícios também para os profissionais, como o aumento de vínculo com as crianças e suas famílias, além de satisfação ao minimizar o sofrimento e prestar um cuidado atraumático. Houve, ainda, benefícios para a família, que passou a confiar mais no desempenho da equipe de saúde, direcionando comentários elogiosos ao serviço de atendimento ao cliente e à coordenação do serviço.

Os profissionais destacaram o sentimento de reconhecimento, ao conseguirem oferecer uma assistência humanizada, fato que serviu de mola propulsora para a continuidade da prática, além do envolvimento de mais colaboradores, que se mostraram interessados com os resultados obtidos.

É imprescindível que o uso do BT se torne uma prática sistemática nos diferentes contextos de atendimento à saúde da criança. Os gestores de unidades, assim como as instituições, têm papel fundamental na implementação desta prática, cabendo-lhes identificar as necessidades para a sua execução, buscar soluções e oferecer todo o suporte necessário para sua inserção na assistência.

Referências

  • 1
    Veiga MA, Sousa MC, Pereira RS. Enfermagem e o brinquedo terapêutico: vantagens do uso e dificuldades. Rev Eletron Atualiza Saude2016; 3(3):60-66.
  • 2
    Sousa CS, Barreto BC, Santana GA, Miguel JV, Braz LS, Lima LN, Melo MC. O brinquedo terapêutico e o impacto na hospitalização da criança: revisão de escopo. Rev Soc Bras Enferm Ped 2021; 21(2):173-180.
  • 3
    World Health Organization (WHO). Standards for improving the quality of care for children and young adolescents in health facilities [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2023 abr 8]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565554.
  • 4
    Chiavon SD, Brum CN, Santos E, Sartoretto EA, Zuge SS, Gaio G, Trentin PA, Potrich T. Utilização do brinquedo terapêutico para a criança que vivencia o processo de hospitalização: uma revisão narrativa. Braz J Health Rev 2021; 4(1)382-398.
  • 5
    Claus MIS, Maia EBS, Oliveira AIB, Ramos AL, Dias PLM, Wernet M. A inserção do brincar e brinquedo nas práticas de enfermagem pediátrica: pesquisa convergente assistencial. Esc Anna Nery 2021; 25(3):e20200383.
  • 6
    Miranda CB. Modelo de implementação sistemática da prática de brinquedo terapêutico em unidades hospitalares pediátricas [dissertação]. São Paulo: Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein; 2022.
  • 7
    Langley GJ, Moen RD, Nolan KM, Nolan TW, Norman CL, Provost LP. Modelo de Melhoria: Uma abordagem prática para melhorar o desempenho organizacional. Campinas: Mercado de Letras; 2011.
  • 8
    Almeida FA, Miranda CB, Maia EBS. Implementação do Brinquedo Terapêutico em unidades pediátricas hospitalares: Perspectiva dos profissionais de saúde integrantes do BrinquEinstein. New Trend Qualitative Res 2022; 13:e-70.
  • 9
    Miranda CB, Maia EBS, Almeida FA. Modelo de implementação sistemática do brinquedo terapêutico em unidades pediátricas hospitalares. Esc Anna Nery 2022; 26:e20220136.
  • 10
    Souza LK. Pesquisa com análise qualitativa de dados: conhecendo a Análise Temática. Arqu Bras Psicol 2019; 71(2):51-67.
  • 11
    Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm 2021; 34:eAPE02631.
  • 12
    Stewart AL, Field TA, Echterling LG. Neuroscience and the magic of play therapy. Int J Play Therapy 2016; 25(1):4-13.
  • 13
    Silva RD, Austregésilo SC, Ithamar L, Lima LS. Therapeutic play to prepare children for invasive procedures: a systematic review. J Pediatr 2017; 93:6-16.
  • 14
    Rashid AA, Cheong AT, Hisham R, Shamsuddin NH, Roslan D. Effectiveness of pretend medical play in improving children's health outcomes and well-being: a systematic review. BMJ Open 2021; 11:e041506.
  • 15
    Godino-Iáñez M J, Martos-Cabrera MB, Suleiman-Martos N, Gómez-Urquiza JL, Vargas-Román K, Membrive-Jiménez MJ, Albendín-García L. Play Therapy as an Intervention in Hospitalized Children: A Systematic Review. Healthcare (Basel) 2020; 8(3):239.
  • 16
    Gjærde LK, Hybschmann J, Dybdal D, Topperzer MK, Schrøder MA, Gibson JL, Ramchandani P, Ginsberg EI, Ottesen B, Frandsen TL, Sørensen JL. Play interventions for paediatric patients in hospital: a scoping review. BMJ Open 2021; 11:e051957.
  • 17
    Zengin M, Yayan EH, Düken ME. The effects of a therapeutic play/play therapy program on the fear and anxiety levels of hospitalized children after liver transplantation. J Perianesth Nurs 2021; 36(1):81-85.
  • 18
    Aranha BF, Souza MA, Pedroso GER, Maia EBS, Melo LL. Using the instructional therapeutic play during admission of children to hospital: the perception of the family. Rev Gaucha Enferm 2020; 41:e20180413.
  • 19
    He HG, Zhu LX, Chan WC, Liam JL, Ko SS, Li HC, Wang W, Yobas P. A mixed-method study of effects of a therapeutic play intervention for children on parental anxiety and parents' perceptions of the intervention. J AdvNurs 2015; 71(7):1539-1551.
  • 20
    Yayan EH, Zegin M, Düken ME, Dag YS. Reducing children's pain and parents' anxiety in the postoperative period: A therapeutic model in Turkish sample. J Pediatr Nurs 2019; 51:e33-e38.
  • 21
    Baldan JM, Santos CP, Matos APK, Wernet, M. Introduction of play/playthings in the assistance practice to the hospitalized child: nurses' trajectory. Cien Cuid Saude 2014; 13(2):228-235.
  • 22
    Maia EBS, La Banca RO, Rodrigues S, Pontes ED, Sulino MC, Lima RAG. A força brincar-cuidar na enfermagem pediátrica: perspectivas de enfermeiros em grupos focais. Texto Contexto Enferm 2022; 31:e20210170.
  • 23
    Caleffi CCF, Rocha PK, Anders JC, Souza AIJ, Burciaga VB, Serapião LS. Contribuição do brinquedo terapêutico estruturado em um modelo de cuidado de enfermagem para crianças hospitalizadas. Rev Gaucha Enferm 2016; 37(2):e58131.
  • 24
    Pedrinho LR, Shibukawa BMC, Rissi GP, Uema RTB, Merino MFGL, Higarashi IH. O brinquedo terapêutico na atenção primária: contribuições para a sistematização da assistência de enfermagem. Enferm 2021; 30:20200616.
  • 25
    Drayton NA, Waddups S, Walker T. Exploring distraction and the impact of child life specialists: Perception from nurses in a pediatric setting. J Spec Pediatr Nurs 2019; 24:e12242.
  • 26
    Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Resolução 546/2017 - Revoga a Resolução Cofen nº 295/2004 - Utilização da técnica de brinquedo terapêutico pela Enfermagem [Internet]. 2017 [acessado 2023 abr 8]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-05462017_52036.html
    » http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-05462017_52036.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2023
  • Aceito
    26 Mar 2024
  • Publicado
    28 Mar 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br