Mudanças no uso do tabaco entre adolescentes brasileiros e fatores associados: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar

Deborah Carvalho Malta Évelin Angélica Herculano de Morais Alanna Gomes da Silva Juliana Bottoni de Souza Crizian Saar Gomes Filipe Malta dos Santos Cimar Azeredo Pereira Sobre os autores

Resumo

O estudo objetiva comparar o consumo de diferentes produtos do tabaco entre os escolares adolescentes no Brasil em 2015 e 2019 e identificar os fatores associados ao seu uso. Estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015 e 2019. Variáveis: uso atual de cigarro, uso de outros produtos do tabaco e uso de qualquer produto do tabaco. Foi usado o teste do Qui-quadrado de Pearson para verificar associação entre as variáveis, realizada análise bivariada e a multivariada por meio da regressão logística. O uso de cigarros se manteve estável entre 2015 (6,6%) e 2019 (6,8%). Mas houve aumento do uso de qualquer produto do tabaco (de 10,6% em 2015 para 14,8% em 2019), sendo o narguilé o mais frequente (7,8%) seguido do cigarro eletrônico (2,8%). O uso de cigarro foi mais elevado entre os adolescentes de 16 e 17 anos, com cor da pele preta e parda, que faltaram as aulas sem autorização, entre aqueles que relataram não ter amigos, que apresentavam outros fatores de risco como consumir bebidas alcoólicas e que eram fumantes passivos. A prevalência de tabagismo aumentou ao longo dos anos e foi associada com aspectos sociodemográficos e a outros comportamentos de risco à saúde, o que alerta para a necessidade de ações de promoção da saúde ao longo do ciclo de vida.

Palavras-chave:
Tabagismo; Adolescente; Inquéritos Epidemiológicos; Produtos do tabaco; Fatores de risco

Introdução

As evidências quanto aos malefícios do uso do tabaco são bem estabelecidas na literatura, os quais incluem o aumento de mortalidade para doenças cardiovasculares, câncer (pulmões, cavidade oral e de mama), doenças respiratórias crônicas, restrição de crescimento intrauterino e predisposição a partos prematuros, além de ser considerado um dos principais fatores de risco para as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)11 Malta DC, Flor LS, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS, Brant LCC, Ribeiro ALP, Teixeira RA, Macário EM, Reitsma MB, Glenn S, Naghavi M, Gakidou E. Trends in prevalence and mortality burden attributable to smoking, Brazil and federated units, 1990 and 2017. Popul Health Metr 2020; 18(Supl. 1):24.

2 GBD 2019 Risk Factors Collaborators. Global burden of 87 risk factors in 204 countries and territories, 1990-2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet 2020; 396(10258):1223-1249.
-33 Giovino GA, Mirza SA, Samet JM, Gupta PC, Jarvis MJ, Bhala N, Peto R, Zatonski W, Hsia J, Morton J, Palipudi KM, Asma S; GATS Collaborative Group. Tobacco use in 3 billion individuals from 16 countries: an analysis of nationally representative cross-sectional household surveys. Lancet 2012; 380(9842):668-679..

O estudo Carga Global de Doenças (GBD) evidenciou que o tabagismo, incluindo a exposição passiva, ocupou a quarta posição entre os maiores fatores de risco para a carga de doenças no mundo33 Giovino GA, Mirza SA, Samet JM, Gupta PC, Jarvis MJ, Bhala N, Peto R, Zatonski W, Hsia J, Morton J, Palipudi KM, Asma S; GATS Collaborative Group. Tobacco use in 3 billion individuals from 16 countries: an analysis of nationally representative cross-sectional household surveys. Lancet 2012; 380(9842):668-679. e o quarto lugar no Brasil, sendo responsável por 167.657 mortes11 Malta DC, Flor LS, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS, Brant LCC, Ribeiro ALP, Teixeira RA, Macário EM, Reitsma MB, Glenn S, Naghavi M, Gakidou E. Trends in prevalence and mortality burden attributable to smoking, Brazil and federated units, 1990 and 2017. Popul Health Metr 2020; 18(Supl. 1):24..

Os comportamentos de risco à saúde muitas vezes surgem ou se intensificam durante a adolescência, devido as mudanças físicas, mentais, emocionais e sociais que ocorrem durante essa fase e que podem os predispor a novas experiências, como o uso de substâncias lícitas e ilícitas44 Patton GC, Coffey C, Cappa C, Currie D, Riley L, Gore F, Degenhardt L, Richardson D, Astone N, Sangowawa AO, Mokdad A, Ferguson J. Health of the world's adolescents: a synthesis of internationally comparable data. Lancet 2012; 379(9826):1665-1675.. O uso de tabaco por adolescentes também está associado a outras situações como o estado de saúde mental, o fumo passivo no domicílio, juntamente com a falta de supervisão e apoio familiar e a influência dos amigos55 Barreto SM, Giatti L, Oliveira-Campos M, Andreazzi MA, Malta DC. Experimentation and use of cigarette and other tobacco products among adolescents in the Brazilian state capitals (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):62-76.

6 Chen CY, Wu CC, Chang HY, Yen LL. The effects of social structure and social capital on changes in smoking status from 8th to 9th grade: Results of the Child and Adolescent Behaviors in Long-term Evolution (CABLE) study. Prev Med (Baltim) 2014; 62:148-154.
-77 Malta DC, Oliveira-Campos M, Prado RR do, Andrade SSC, Mello FCM, Dias AJR, Bomtempo DB. Psychoactive substance use, family context and mental health among Brazilian adolescents, National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Sup. l 1):46-61..

Os comportamentos adquiridos durante a adolescência tendem a permanecer na idade adulta e contribuem para o aumento da morbidade e mortalidade juvenil88 Tobore TO. On the potential harmful effects of E-Cigarettes (EC) on the developing brain: The relationship between vaping-induced oxidative stress and adolescent/young adults social maladjustment. J Adolesc 2019; 76(1):202-209.,99 Dumith SC, Muniz LC, Tassitano RM, Hallal PC, Menezes AMB. Clustering of risk factors for chronic diseases among adolescents from Southern Brazil. Prev Med (Baltim) 2012; 54(6):393-396.. Por isso, a adoção de estilos de vida saudáveis na adolescência é importante para reduzir a carga de doenças na vida adulta, juntamente com aconselhamento terapêutico, tendo em vista que não há evidência suficiente para uso de fármacos entre os mais jovens1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria Conjunta nº 10, de 16 de abril de 2020. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo. Diário Oficial da União; 2020..

Todas as formas de uso do tabaco são prejudiciais e não existe um nível seguro de exposição ao tabaco1111 World Health Organization (WHO). Tobacco. Geneva: WHO; 2020.. O cigarro é a forma mais comum de uso em todo o mundo, porém existem outros produtos como o cigarro eletrônico, narguilé, charutos e cachimbos, que também trazem malefícios para saúde1111 World Health Organization (WHO). Tobacco. Geneva: WHO; 2020. e o uso desses produtos, especialmente o cigarro eletrônico tem aumentado expressivamente entre jovens1111 World Health Organization (WHO). Tobacco. Geneva: WHO; 2020.,1212 World Health Organization (WHO). Electronic Nicotine Delivery Systems and Electronic Non-Nicotine Delivery Systems (ENDS/ENNDS). Geneva: WHO; 2020.. A prevalência do uso de tabaco em adultos está reduzindo globalmente e no Brasil1313 Ng M, Freeman MK, Fleming TD, Robinson M, Dwyer-Lindgren L, Thomson B, Wollum A, Sanman E, Wulf S, Lopez AD, Murray CJ, Gakidou E. Smoking Prevalence and Cigarette Consumption in 187 Countries, 1980-2012. JAMA 2014; 311(2):183.,1414 Malta DC, Silva AG, Machado ÍE, Sá ACMGN, Santos FM, Prates EJS, Cristo EB. Trends in smoking prevalence in all Brazilian capitals between 2006 and 2017. J Bras Pneumol 2019; 45(5):e20180384., contudo, entre os adolescentes brasileiros, o consumo de cigarros está estável99 Dumith SC, Muniz LC, Tassitano RM, Hallal PC, Menezes AMB. Clustering of risk factors for chronic diseases among adolescents from Southern Brazil. Prev Med (Baltim) 2012; 54(6):393-396., o que torna-se preocupante para a saúde pública.

Diante este cenário, o monitoramento dos fatores de risco para saúde é crucial para ações de vigilância e planejamento, desenvolvimento e implementação de políticas públicas efetivas para a promoção da saúde e prevenção de doenças, especialmente em populações mais vulneráveis, pois a adolescência é uma fase importante para o estabelecimento de hábitos de vida saudável.

Nesse sentido, os objetivos deste estudo consistiram em comparar o consumo de diferentes produtos do tabaco entre escolares adolescentes no Brasil entre 2015 e 2019 e identificar os fatores associados ao seu uso.

Métodos

Estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), edições de 2015 e 2019. A PeNSE é um inquérito realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), com parceria do Ministério da Saúde e com o apoio do Ministério da Educação. A Pesquisa compõe a Vigilância dos Fatores de Risco e Proteção das Doenças Crônicas não Transmissíveis do Brasil, sendo o primeiro inquérito nacional que abordou diversos aspectos da vida dos adolescentes como hábitos, cuidados, fatores de risco e proteção para a sua saúde. As edições da pesquisa ocorreram em 2009, 2012, 2015 e 20191515 Oliveira MM, Campos MO, Andreazzi MAR, Malta DC. Características da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PeNSE. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(3):605-616..

Em 2015 foram utilizados dois planos amostrais distintos, que contemplavam, respectivamente, escolares que frequentavam o 9º ano do ensino fundamental (amostra 1) e escolares de 13 a 17 anos de idade que frequentavam as etapas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e da 1ª à 3ª série do ensino médio (amostra 2), que foi utilizada no estudo atual. Nesta amostra, foram investigados 10.926 alunos brasileiros matriculados e frequentes em 371 escolas e 653 turmas, nas cinco principais regiões geográficas do país, e o total geral para o Brasil em escolas públicas e privadas1616 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE): 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.. Em 2019, o IBGE utilizou uma única amostra de estudantes de 13 a 17 anos de idade, de escolas públicas e privadas, para os seguintes níveis geográficos: Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação, Municípios das Capitais e Distrito Federal. Foram coletados dados em 4.242 escolas, 6.612 turmas e entre 159.245 escolares1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.. Considerando-se os alunos matriculados e não respondentes, a perda amostral foi de aproximadamente 2,4% em 2015 e de 15,4% em 2019. Mais detalhes das amostras podem ser encontrados em outras publicações1616 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE): 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.,1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021..

A amostra foi dimensionada para estimar parâmetros populacionais para os estudantes de 13 a 17 anos matriculados e frequentando as escolas públicas e privadas, para os seguintes níveis geográficos: Brasil, grandes regiões, Unidades da Federação (UF), municípios das capitais e Distrito Federal1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021..

Os estudantes foram previamente informados sobre os objetivos e as principais características da pesquisa, sobre a participação voluntária e que poderiam interrompê-la em qualquer momento. Aqueles que concordaram em participar responderam a um questionário estruturado, autoaplicável por meio de smarthphone sob a supervisão de pesquisadores do IBGE1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.. A base de dados e os questionários da PeNSE estão disponíveis para acesso e uso público no site do IBGE: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9134-pesquisa-nacional-de-saude-do-escolar.html?edicao=31442&t=resultados.

No presente estudo foram avaliados e comparados os três indicadores referentes ao uso de tabaco em 2015 e 2019: uso de cigarro nos últimos 30 dias (uso atual), uso de outros produtos do tabaco (com exceção do cigarro) e uso de qualquer dos produtos do tabaco, conforme perguntas descritas a seguir:

  1. Uso de Cigarro: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, em quantos dias você fumou cigarros?”. As opções de respostas foram: Nenhum dia nos últimos 30 dias; 1 ou 2 dias; 3 a 5 dias; 6 a 9 dias; 10 a 19 dias; 20 a 29 dias; Todos os dias. Considerou-se uso atual quem respondeu pelo menos 1 dia nos últimos 30 dias.

  2. Uso de outros produtos do tabaco: Em 2015, foi analisada uma única questão: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, em quantos dias você usou outros produtos de tabaco: cigarros de palha ou enrolados a mão, charuto, cachimbo, cigarrilha, cigarro indiano ou bali, narguilé, rapé, fumo de mascar etc.? (não incluir cigarro comum)”. As opções de resposta foram: Não uso outros produtos de tabaco; Nenhum dia nos últimos 30 dias (0 dia); 1 ou 2 dias nos últimos 30 dias; 3 a 5 dias nos últimos 30 dias; 6 a 9 dias nos últimos 30 dias; 10 a 19 dias nos últimos 30 dias; 20 a 29 dias nos últimos 30 dias; Todos os 30 dias nos últimos 30 dias.

  3. Uso de qualquer dos produtos do tabaco: Esse indicador representa a soma do uso de cigarros e uso de outros produtos do tabaco, sendo a categoria de resposta sim e não.

Em 2019, a pergunta única sobre outros produtos do tabaco foi descontinuada e transformada em 5 questões distintas, sendo: “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, qual(is) desses outros produtos do tabaco você usou: Narguilé (cachimbo de água)?”, “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, qual(is) desses outros produtos do tabaco você usou: Cigarro eletrônico (e-cigarette)?”, NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, qual(is) desses outros produtos do tabaco você usou: Cigarros de cravo (cigarros de Bali)?”, “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, qual(is) desses outros produtos do tabaco você usou: Cigarros enrolados à mão (palha ou papel)?”, “NOS ÚLTIMOS 30 DIAS, qual(is) desses outros produtos do tabaco você usou: outros?”. As opções de resposta para as perguntas eram: sim ou não. Considerou-se o “uso de outros produtos do tabaco” os adolescentes que responderam “sim” em pelo menos uma das perguntas acima.

As variáveis explicativas analisadas foram: Sociodemográficas: sexo (masculino ou feminino), faixa etária (13-15, 16-17 anos), cor da pele (branca, preta, amarela, parda ou indígena), morar com pai e ou mãe (não e sim); Supervisão familiar: conhecimento dos pais ou responsáveis sobre realmente o que o escolar estava fazendo em seu tempo livre nos últimos 30 dias (não e sim), faltar às aulas sem autorização (sim e não); Saúde mental: sentir que ninguém se preocupa com você durante os últimos 12 meses (não e sim), sentir-se triste (não e sim), ter amigos próximos (um ou mais e não); Uso de substâncias: uso de bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias (sim: ter tomado pelo menos um copo ou uma dose de bebida alcoólica nos últimos 30 dias anteriores a pesquisa e não: nenhum dos 30 dias anteriores) e uso de drogas nos últimos 30 dias anteriores a pesquisa (sim: ter usado droga nos últimos 30 dias anteriores a pesquisa e não: nenhum dos 30 dias anteriores); Influência de pessoas próximas: fumante passivo/pessoas que fumam na sua presença (não e sim) e pais ou responsáveis fumantes (não e sim).

A análise descritiva incluiu o cálculo das prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foi usado o teste do Qui-quadrado de Pearson para verificar associação entre as variáveis independentes segundo os grupos. Foi considerada significância estatística quando o valor de p≤0,05.

A magnitude das associações foi estimada pela Odds Ratio (OR), com os respectivos IC95%. Para o modelo de regressão multivariada, utilizou-se o método de inserção de variáveis para construção do modelo multivariado e todas as variáveis de interesse relacionadas com nível de significância estatística inferior a 0,05 na análise bivariada foram incluídas, sendo inseridas uma a uma. Para o modelo final também se considerou significativas as variáveis com valor de p menor ou igual a 0,05.

A análise estatística foi feita no software Stata, versão 14.1 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos), empregando-se o módulo survey, que considera os pesos de pós-estratificação.

A PeNSE está em conformidade com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde (CONEP/MS), sob os Certificados de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 1.006.4871818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: MS; 2021. e nº 3.249.268.

Resultados

No Brasil, em 2015, o uso de qualquer produto do tabaco foi de 10,6% (IC95% 9,4-11,8%), sendo que 6,6% (IC95% 5,8-7,3%) dos adolescentes usaram cigarros nos últimos 30 dias, e 7,2% (IC95% 6,1-8,2%) usaram outros produtos do tabaco (como cigarros de palha ou enrolados à mão, charuto, cachimbo, cigarrilha, cigarro indiano ou bali, narguilé, rapé e fumo de mascar nos últimos 30 dias). Já em 2019, o consumo de qualquer dos produtos do tabaco foi de 14,83% (IC95% 14,22-15,45%), sendo que 6,80% (IC95% 6,32-7,31%) dos adolescentes usaram cigarros nos últimos 30 dias e 12,39% (IC95% 11,85-12,59%) usaram outros produtos do tabaco (Figura 1).

Figura 1
Comparação do uso de cigarro, de outros produtos do tabaco e de qualquer produto do tabaco entre adolescentes. PeNSE 2015 e 2019.

O uso de cigarros nos últimos 30 dias se manteve estável entre 2015 e 2019, contudo, houve aumento de outros produtos do tabaco e dentre esses, em 2019, a maior prevalência foi do uso do narguilé de 7,8% (IC95% 7,3-8,4%), seguido do cigarro eletrônico com 2,8% (IC95% 2,6-3,0%) e cigarro de palha com 2,6% (IC95% 2,3-2,8%) (Figura 2).

Figura 2
Prevalências do uso de outros produtos entre adolescentes. PeNSE, 2019.

Em 2019, a prevalência de uso de cigarros entre os adolescentes foi de 6,80% (IC95% 6,32-7,31%), mais elevada entre aqueles com 16 e17 anos (10,02%; IC95% 9,29-10,79%), com cor da pele preta (8,33%; IC95% 7,45-9,31%), que relataram não morar com pai ou mãe (10,90%; IC95%: 9,71-12,21%), que não tinham supervisão familiar (11,40%; IC95% 10,49-12,38%) e que faltavam as aulas sem autorização dos pais (14,23%; IC95% 13,14-15,39%). O uso de cigarros também foi maior entre aqueles que sentiram que ninguém se importava com eles (8,28%; IC95% 7,66-8,94%); tristes (7,62%; IC95% 7,02-7,62%) e que não tinham amigos (10,16%; IC95% 8,26-12,46%), bem como entre aqueles que referiram uso de outros produtos do tabaco (35,09%; IC95 32,81-37,44%); bebidas alcóolicas (18,97%; IC95% 17,76-20,25%) e outras drogas (57,21%; IC95% 53,69-60,66%); aqueles que eram fumantes passivos (11,75%; IC95% 10,81-12,77%) e que tinham pais fumantes (11,17%; IC95% 10,04-12,41%) (Tabela 1).

Tabela 1
Prevalência e fatores associados ao uso de cigarro nos últimos 30 dias entre os adolescentes brasileiros. PeNSE 2019

As maiores chances de usar cigarro foram entre os adolescentes de 16 a 17 anos (OR=1,26; IC95% 1,08-1,47%); aqueles que tinham cor da pele preta (OR=1,21; IC95% 1,01-1,46%) ou parda (OR=1,26; IC95% 1,11-1,43%); que faltaram as aulas sem autorização (OR=1,62; IC95% 1,41-1,85%); que relataram não ter amigos (OR=1,43; IC95% 1,08-1,87%); que faziam uso de outros produtos do tabaco (OR=5,95; IC95% 5,21-6,80%), de bebidas alcóolicas (OR=3,87; IC95% 3,37-4,45%) e outras drogas (OR=7,04; IC95% 5,86-8,47%); que eram fumantes passivos (OR=1,65; IC95% 1,44-1,89%). Em contrapartida, as menores chances de fumar ocorreram entre os adolescentes que tinham supervisão familiar (OR=0,58; IC95% 0,51-0,66%) (Tabela 1).

A prevalência do uso de outros produtos de tabaco entre os adolescentes foi de 12,39% (IC95% 11,85-12,95%) e as chances de utilizar esses produtos foram maiores entre aqueles que faltaram as aulas sem autorização (OR=1,39; IC95% 1,24-1,56%), que sentiam que ninguém se importavam com ele (OR=1,32; IC95% 1,21-1,44%), que usavam cigarros regularmente (OR=5,56; IC95% 4,84-6,39%), consumiam bebidas alcoólicas (OR=5,25; IC95% 4,74-5,82%), utilizavam outras drogas (OR=4,60; IC95% 3,91-5,41%), que eram fumantes passivos (OR=1,23; IC95% 1,09-1,39%) e que os pais ou responsáveis eram fumantes (OR=1,40; IC95% 1,22-1,60%). As menores chances de utilizar esses produtos foram entre os adolescentes do sexo feminino (OR=0,80; IC95% 0,72-0,89%) e com raça/cor da pele parda (OR=0,83; IC95% 0,74-0,93%) ou indígena (OR=0,67; IC95% 0,50-0,88%) (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência e fatores associados ao uso de outros produtos do tabaco entre os adolescentes brasileiros. PeNSE 2019.

Em relação ao uso de qualquer produto do tabaco, a prevalência foi de 14,83% (IC95% 14,22-15,55%). Os adolescentes que tiveram mais chances do uso foram aqueles que faltaram as aulas sem autorização dos pais (OR=1,71; IC95% 1,54-1,90%), que sentiam que ninguém se importava com ele (OR=1,21; IC95% 1,12-1,31%), que não tinham amigos (OR=1,27; IC95% 1,01-1,60%), que consumiam bebidas alcoólicas (OR=6,51; IC95% 5,96-7,10%), usavam outras drogas (OR=12,19; IC95% 10,13-14,67%), que eram fumantes passivos (OR=1,40; IC95% 1,26-1,55%) e que tinham pais ou responsáveis fumantes (OR=1,41; IC95% 1,23-1,63%). Novamente as menores chances do uso ocorreram entre os adolescentes que tinham supervisão familiar (OR=0,73; IC95% 0,66-0,80%) (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência e fatores associados ao uso de qualquer produto do tabaco entre os adolescentes brasileiros. PeNSE 2019.

Discussão

Este estudo objetivou comparar o consumo de diferentes produtos do tabaco entre escolares adolescentes no Brasil entre 2015 e 2019 e identificar os fatores associados ao seu uso. Neste período o uso de cigarros se manteve estável, mas houve aumento do uso de qualquer produto do tabaco passando de 10,6% em 2015 para 14,8% em 2019, com destaque para o narguilé e cigarro eletrônico. Dentre os fatores associados, as maiores chances de usar cigarros foram entre os adolescentes de 16 e 17 anos, cor da pele preta ou parda, que faltaram as aulas sem autorização, que relataram não ter amigos e sentir que ninguém se importava com ele, que faziam uso de outros produtos do tabaco, de bebidas alcóolicas e outras drogas, que eram fumantes passivos. Em contrapartida, as menores chances de fumar ocorreram entre os adolescentes que tinham supervisão familiar.

O Brasil conseguiu importantes avanços para redução do tabagismo, com destaque para adesão à Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco em 2006 e a lei de ambientes livres de tabaco em 2014, a inclusão de advertências sobre os perigos do uso do tabaco, a proibição de propaganda, de patrocínios e da venda para menores de 18 anos, bem como o aumento de impostos e do preço dos produtos do tabaco. Além disso, foi assumido como meta que está alinhada com os compromissos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e reduzir a prevalência de tabagismo em 40% até o ano de 20301818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: MS; 2021.. Essas medidas contribuíram para redução do tabagismo no Brasil e das baixas prevalências entre adolescentes, as quais se também mantiveram estáveis ao longo dos anos. Em contrapartida, é importante alertar para o aumento do uso de outros produtos do tabaco, principalmente de narguilé e o cigarro eletrônico1919 Ribeiro SC, Pires GAR, Charlo PB, Rodrigues TFCS, Paiano M, Radovanovic CAT, Salci MA. O consumo de derivados do tabaco por adolescentes: Revisão integrativa da literatura. Saude Colet (Barueri) 2020; 9(51):2005-2012.. Uma sessão de uso de narguilé, que em geral dura 60 minutos, pode equivaler ao uso de 100 ou mais cigarros2020 World Health Organization (WHO). WHO Study Group on Tobacco Regulation. Advisory note: Waterpipe tobacco smoking: health effects, research needs, and recommended actions by regulators. Geneva: WHO; 2015.. O narguilé tem sido um fator para iniciação de jovens ao fumo, dado o seu uso coletivo, além de utilizar substâncias com sabores que melhoram a aceitação entre os adolescentes2020 World Health Organization (WHO). WHO Study Group on Tobacco Regulation. Advisory note: Waterpipe tobacco smoking: health effects, research needs, and recommended actions by regulators. Geneva: WHO; 2015.. Em 2012, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso de aditivos em produtos de tabaco, em 2013, essa medida foi suspensa por uma liminar judicial da indústria do tabaco, sendo revogada apenas em 2018. Contudo, a proibição ainda não foi implementada, configurando o lobby da indústria do tabaco como uma grande ameaça ao controle do tabagismo e os riscos para a saúde2121 Portes LH, Machado CV, Turci SRB. Trajetória da política de controle do tabaco no Brasil de 1986 a 2016. Cad Saude Publica 2018; 34(2):e00017317.. Os cigarros eletrônicos além de prejudiciais à saúde não são seguros, apesar do crescente marketing com falsos argumentos de que não são maléficos2020 World Health Organization (WHO). WHO Study Group on Tobacco Regulation. Advisory note: Waterpipe tobacco smoking: health effects, research needs, and recommended actions by regulators. Geneva: WHO; 2015.,2222 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cigarro eletrônico [Internet]. 2020 [acessado 2023 jun 13]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/tabaco/cigarro-eletronico.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos...
. Produtos como narguilé e cigarro eletrônico podem ser o início para fixar o hábito e a dependência do tabagismo. Assim, os novos produtos do tabaco devem ser a grande preocupação atual, e a introdução de novas medidas de regulação desses produtos e a utilização de mensagens claras sobre o seu malefício devem ser uma prioridade dos gestores e dos profissionais de saúde2323 Malta DC, Gomes CS, Alves FTA, Oliveira PPV, Freitas PC, Andreazzi M. O uso de cigarro, narguilé, cigarro eletrônico e outros indicadores do tabaco entre escolares brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019. Rev Bras Epidemiol 2022; 25:e220014..

Os adolescentes de 16 e 17 anos apresentaram maior chance de uso de cigarros. Os adolescentes mais velhos também apresentaram maiores chances de acumular os fatores de risco comportamentais2424 Silva AG, Souza JB, Gomes CS, Silva TPR, Sá ACMGN, Malta DC. Multiple behavioral risk factors for non-communicable diseases among the adolescent population in Brazil: the analysis derived from the Brazilian national survey of school health 2019. BMC Pediatr 2024; 24(1):122., o que pode ser justificado pela redução de limites sociais imposta pelos pais ou responsáveis nesta fase, o que os tornam mais independentes nas suas escolhas, pela exposição a situações estressantes e as pressões sociais durante a fase final da adolescência e pelo meio em que está inserido, principalmente pela influência dos pares2424 Silva AG, Souza JB, Gomes CS, Silva TPR, Sá ACMGN, Malta DC. Multiple behavioral risk factors for non-communicable diseases among the adolescent population in Brazil: the analysis derived from the Brazilian national survey of school health 2019. BMC Pediatr 2024; 24(1):122.

25 Petrou S, Kupek E. Epidemiological trends and risk factors for tobacco, alcohol and drug use among adolescents in Scotland, 2002-13. J Public Health (Bangkok) 2019; 41(1):62-70.
-2626 Cui Y, Forget EL, Zhu Y, Torabi M, Oguzoglu U. The effects of cigarette price and the amount of pocket money on youth smoking initiation and intensity in Canada. Can J Public Health 2019; 110(1):93-102.. Além de estarem mais propensos aos efeitos de dependência da nicotina presentes no cigarro, uma vez que sua experimentação e iniciação tem sido cada vez mais precoce2727 Xi B, Liang Y, Liu Y, Yan Y, Zhao M, Ma C, Bovet P. Tobacco use and second-hand smoke exposure in young adolescents aged 12-15 years: data from 68 low-income and middle-income countries. Lancet Glob Health 2016; 4(11):e795-e805..

Com relação a cor da pele pesquisas anteriores também encontraram maiores prevalências de uso de cigarro entre a população adulta e de adolescentes pretos e pardos2828 Malta DC, Stopa SR, Santos MAS, Andrade SSCA, Oliveira MM, Prado RR, Silva MMA. Fatores de risco e proteção de doenças e agravos não transmissíveis em adolescentes segundo raça/cor: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(2):247-259.,2929 Malta DC, Gomes CS, Andrade FMD, Vasconcelos NM, Prates EJS, Pereira CA, Fagundes Junior AAP. Tabagismo no Brasil: Percepções dos Resultados de Pesquisas Domiciliares. REME 2023; 27:1518.. A variável “raça/cor da pele” pode ser compreendida como um importante preditor do estado de saúde da população, marcador de desigualdades sociais e dos determinantes sociais de saúde e consequentemente estão mais expostos aos fatores de risco e apresentam as piores condições de saúde3030 Krieger N, Chen JT, Waterman PD, Rehkopf DH, Subramanian SV. Race/Ethnicity, Gender, and Monitoring Socioeconomic Gradients in Health: A Comparison of Area-Based Socioeconomic Measures - The Public Health Disparities Geocoding Project. Am J Public Health 2003; 93(10):1655-1671.. Destaca-se ainda que o fumo pode ser iniciado ou intensificado em decorrência de eventos estressores e muitos desses ocorrem de forma mais frequente em população mais vulnerável3131 García-Álvarez L, Fuente-Tomás LD la, Sáiz PA, García-Portilla MP, Bobes J. Se observarán cambios en el consumo de alcohol y tabaco durante el confinamiento por COVID-19? Adicciones 2020; 32(2):85.. Por isso, que a redução das disparidades socioeconômicas entre grupos étnicos tenderá a reduzir a exposição a fatores de risco para saúde3232 Blakely T, Disney G, Valeri L, Atkinson J, Teng A, Wilson N, Gurrin L. Socioeconomic and Tobacco Mediation of Ethnic Inequalities in Mortality over Time. Epidemiology 2018; 29(4):506-516..

Os adolescentes que relataram não ter amigos próximos e que sentiam que ninguém se importava com ele também tiveram mais chances de fazer o uso de tabaco. Essas variáveis estão relacionadas a saúde mental e para aliviarem a dor, a tristeza, os quadros depressivos3131 García-Álvarez L, Fuente-Tomás LD la, Sáiz PA, García-Portilla MP, Bobes J. Se observarán cambios en el consumo de alcohol y tabaco durante el confinamiento por COVID-19? Adicciones 2020; 32(2):85. e estresse3333 Bonilha AG, Ruffino-Netto A, Sicchieri MP, Achcar JA, Rodrigues-Júnior AL, Baddini-Martinez J. Correlates of experimentation with smoking and current cigarette consumption among adolescents. J Bras Pneumol 2014; 40(6):634-642. buscam as drogas lícitas e ilícitas3434 Taylor GMJ, Munafò MR. Does smoking cause poor mental health? Lancet Psychiatry 2019; 6(1):2-3..

O uso de tabaco foi associado ao uso de álcool e de outras drogas. É importante destacar que os fatores de risco comportamentais tendem a ocorrer simultaneamente devido a relação sinérgica que ocorre entre eles e expõe o indivíduo a um risco ainda maior para o desenvolvimento de diversas doenças3535 Dumith SC, Muniz LC, Tassitano RM, Hallal PC, Menezes AMB. Clustering of risk factors for chronic diseases among adolescents from Southern Brazil. Prev Med (Baltim) 2012; 54(6):393-396.. A probabilidade de ter múltiplos comportamentos de risco também aumentam ao longo da vida3636 Spring B, Moller AC, Coons MJ. Multiple health behaviours: overview and implications. J Public Health (Bangkok) 2012; 34(Supl. 1):i3-i10.. O tabagismo ainda pode encorajar os adolescentes ao uso de outras substâncias, inclusive mais nocivas3737 Oliveira LMFT, Santos ARM, Farah BQ, Ritti-Dias RM, Freitas CMSM, Diniz PRB. Influence of parental smoking on the use of alcohol and illicit drugs among adolescents. Einstein (São Paulo) 2018; 17(1):eAO4377. e que podem acarretar dependência3232 Blakely T, Disney G, Valeri L, Atkinson J, Teng A, Wilson N, Gurrin L. Socioeconomic and Tobacco Mediation of Ethnic Inequalities in Mortality over Time. Epidemiology 2018; 29(4):506-516.. Este comportamento relaciona-se com características desta faixa etária que apresenta maior disposição a correr riscos e experimentar novas sensações3333 Bonilha AG, Ruffino-Netto A, Sicchieri MP, Achcar JA, Rodrigues-Júnior AL, Baddini-Martinez J. Correlates of experimentation with smoking and current cigarette consumption among adolescents. J Bras Pneumol 2014; 40(6):634-642..

O contexto familiar e social no qual o adolescente está inserido, pode predispor o adolescente aos fatores de risco para saúde e exercer influência negativa. As pessoas mais próximas, sejam pais, responsáveis ou amigos tendem a desempenhar papel fundamental na decisão de iniciar e consolidar ou não o uso de substâncias3838 Morais ÉAH, Oliveira BE, Roesberg JMA, Souza PSN, Souza RNB, Costa SF, Marques VDS, Abreu MNS. Fatores individuais e contextuais associados ao tabagismo em adultos jovens brasileiros. Cien Saude Colet 2022; 27(6):2349-2362.. Nesse sentido, os adolescentes que faltaram as aulas sem autorização e que eram fumantes passivos foram associados a maior uso de tabaco, o que pode relacionar a não supervisão das atividades e da vida dos adolescentes pelos pais ou responsáveis e a convivência com outros fumantes, influenciando nos hábitos de vida. Em contrapartida, a supervisão familiar mostrou-se associada a menores chances de tabagismo, que pode estar relacionada com a preocupação dos pais ou responsáveis, indicando o diálogo e a capacidade de orientar os filhos quanto a promoção da saúde e adoção de hábitos de vida mais saudáveis77 Malta DC, Oliveira-Campos M, Prado RR do, Andrade SSC, Mello FCM, Dias AJR, Bomtempo DB. Psychoactive substance use, family context and mental health among Brazilian adolescents, National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Sup. l 1):46-61.,3737 Oliveira LMFT, Santos ARM, Farah BQ, Ritti-Dias RM, Freitas CMSM, Diniz PRB. Influence of parental smoking on the use of alcohol and illicit drugs among adolescents. Einstein (São Paulo) 2018; 17(1):eAO4377..

Diante deste cenário, é importante mencionar que o Brasil passou por períodos de crise política e econômica e foram implementadas políticas de austeridade. Isso afetou negativamente os sistemas de saúde e os programas sociais e consequentemente aumentaram as desigualdades e contribuíram para piora das condições de saúde e estilo de vida da população3939 Silva AG, Teixeira RA, Prates EJS, Malta DC. Monitoramento e projeções das metas de fatores de risco e proteção para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis nas capitais brasileiras. Cien Saude Colet 2021; 26(4):1193-1206.. Houve ainda um enfraquecimento do papel regulador do governo, como a estabilidade dos preços do tabaco, a não fiscalização da venda de cigarros eletrônicos, bem como o aumento do comércio ilegal de cigarros4040 Malta DC, Duncan BB, Barros MBA, Katikireddi SV, Souza FM, Silva AGD, Machado DB, Barreto ML. Medidas de austeridade fiscal comprometem metas de controle de doenças não transmissíveis no Brasil. Cien Saude Colet 2018; 23(10):3115-3122.,4141 Instituto Nacional do Câncer (INCA). Mercado ilegal de produtos de tabaco [Internet]. 2019 [acessado 2023 jun 13]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/en/node/1688.
https://www.inca.gov.br/en/node/1688...
. Essas questões também contribuem para maior exposição aos fatores de risco para saúde, como o tabagismo, especialmente entre os adolescentes por estarem em uma fase de intensas transformações, influenciada pelo contexto político, econômico, social, cultural, familiar e coletivo.

Os achados deste trabalho estão sujeitos a algumas limitações. Primeiro relacionadas à adequação da pergunta sobre o consumo de outros produtos do tabaco, sendo estimada pelas perguntas individuais de cada produto, diferentemente dos dados de 2015, em que a pergunta era única. Essa forma de questionamento pode ocasionar em uma maior estimativa, já que se perguntados individualmente sobre consumos individuais de produtos do tabaco, o adolescente tende a responder com mais precisão e recordar-se melhor, portanto, podendo ocorrer viés de memória3737 Oliveira LMFT, Santos ARM, Farah BQ, Ritti-Dias RM, Freitas CMSM, Diniz PRB. Influence of parental smoking on the use of alcohol and illicit drugs among adolescents. Einstein (São Paulo) 2018; 17(1):eAO4377.. Em segundo lugar, destaca-se a possibilidade de menor relato sobre tabagismo e outros hábitos, por se configurarem comportamentos de risco, inclusive ilegais. Contudo, a PeNSE baseou-se nos principais inquéritos internacionais, como o Global School-Based Student Health Survey, o Health Behaviour in School-Aged Children e o Youth Risk Behavior Surveillance System, os quais apresentam validação do questionário, com resultados satisfatórios nas análises de reprodutibilidade e validade. Por fim, a PeNSE retrata os adolescentes escolares, podendo excluir a participação daqueles fora da escola, com maior risco de uso de substâncias. Assim, mesmo com as limitações, a pesquisa representa a realidade dos adolescentes de 13 a 17 anos que frequentam a escola.

Apesar do uso do tabaco ter permanecido estável entre 2015 e 2019, houve um aumento expressivo no uso de outros produtos do tabaco, com destaque para o narguilé e cigarro eletrônico. Além disso, o uso de tabaco foi associado a questões sociodemográficas, como idade e cor da pele, à presença de outros comportamentos de risco, como uso de drogas e bebidas alcóolicas, bem como aos contextos familiares e aos aspectos relacionados à saúde mental. A exposição a fatores de risco para saúde pode ser influenciada por diversas questões. Destaca-se que a comercialização do cigarro eletrônico, foi proibida em 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e reiterada em 2022, entretanto, são inúmeras as ameaças a estas medidas e tentativas da indústria de mudar o marco regulatório, tornando-se fundamental o posicionamento da sociedade civil em sua defesa4242 Scholz JR, Malta DC, Fagundes Júnior AAP, Pavanello R, Bredt Júnior GL, Rocha MS. Posicionamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre o Uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar - 2024. Arq Bras Cardiol 2024; 121(2):e20240063.. Assim, destaca-se a importância de avançar nas políticas públicas de proteção social, de fiscalização e de regulação dos produtos do tabaco, além da implementação de políticas intersetoriais para promover a melhoria das condições de vida e de saúde, especialmente entre os adolescentes mais vulneráveis e seus familiares.

Referências

  • 1
    Malta DC, Flor LS, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS, Brant LCC, Ribeiro ALP, Teixeira RA, Macário EM, Reitsma MB, Glenn S, Naghavi M, Gakidou E. Trends in prevalence and mortality burden attributable to smoking, Brazil and federated units, 1990 and 2017. Popul Health Metr 2020; 18(Supl. 1):24.
  • 2
    GBD 2019 Risk Factors Collaborators. Global burden of 87 risk factors in 204 countries and territories, 1990-2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet 2020; 396(10258):1223-1249.
  • 3
    Giovino GA, Mirza SA, Samet JM, Gupta PC, Jarvis MJ, Bhala N, Peto R, Zatonski W, Hsia J, Morton J, Palipudi KM, Asma S; GATS Collaborative Group. Tobacco use in 3 billion individuals from 16 countries: an analysis of nationally representative cross-sectional household surveys. Lancet 2012; 380(9842):668-679.
  • 4
    Patton GC, Coffey C, Cappa C, Currie D, Riley L, Gore F, Degenhardt L, Richardson D, Astone N, Sangowawa AO, Mokdad A, Ferguson J. Health of the world's adolescents: a synthesis of internationally comparable data. Lancet 2012; 379(9826):1665-1675.
  • 5
    Barreto SM, Giatti L, Oliveira-Campos M, Andreazzi MA, Malta DC. Experimentation and use of cigarette and other tobacco products among adolescents in the Brazilian state capitals (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):62-76.
  • 6
    Chen CY, Wu CC, Chang HY, Yen LL. The effects of social structure and social capital on changes in smoking status from 8th to 9th grade: Results of the Child and Adolescent Behaviors in Long-term Evolution (CABLE) study. Prev Med (Baltim) 2014; 62:148-154.
  • 7
    Malta DC, Oliveira-Campos M, Prado RR do, Andrade SSC, Mello FCM, Dias AJR, Bomtempo DB. Psychoactive substance use, family context and mental health among Brazilian adolescents, National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol 2014; 17(Sup. l 1):46-61.
  • 8
    Tobore TO. On the potential harmful effects of E-Cigarettes (EC) on the developing brain: The relationship between vaping-induced oxidative stress and adolescent/young adults social maladjustment. J Adolesc 2019; 76(1):202-209.
  • 9
    Dumith SC, Muniz LC, Tassitano RM, Hallal PC, Menezes AMB. Clustering of risk factors for chronic diseases among adolescents from Southern Brazil. Prev Med (Baltim) 2012; 54(6):393-396.
  • 10
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria Conjunta nº 10, de 16 de abril de 2020. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo. Diário Oficial da União; 2020.
  • 11
    World Health Organization (WHO). Tobacco. Geneva: WHO; 2020.
  • 12
    World Health Organization (WHO). Electronic Nicotine Delivery Systems and Electronic Non-Nicotine Delivery Systems (ENDS/ENNDS). Geneva: WHO; 2020.
  • 13
    Ng M, Freeman MK, Fleming TD, Robinson M, Dwyer-Lindgren L, Thomson B, Wollum A, Sanman E, Wulf S, Lopez AD, Murray CJ, Gakidou E. Smoking Prevalence and Cigarette Consumption in 187 Countries, 1980-2012. JAMA 2014; 311(2):183.
  • 14
    Malta DC, Silva AG, Machado ÍE, Sá ACMGN, Santos FM, Prates EJS, Cristo EB. Trends in smoking prevalence in all Brazilian capitals between 2006 and 2017. J Bras Pneumol 2019; 45(5):e20180384.
  • 15
    Oliveira MM, Campos MO, Andreazzi MAR, Malta DC. Características da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PeNSE. Epidemiol Serv Saude 2017; 26(3):605-616.
  • 16
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE): 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.
  • 17
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.
  • 18
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 2021-2030. Brasília: MS; 2021.
  • 19
    Ribeiro SC, Pires GAR, Charlo PB, Rodrigues TFCS, Paiano M, Radovanovic CAT, Salci MA. O consumo de derivados do tabaco por adolescentes: Revisão integrativa da literatura. Saude Colet (Barueri) 2020; 9(51):2005-2012.
  • 20
    World Health Organization (WHO). WHO Study Group on Tobacco Regulation. Advisory note: Waterpipe tobacco smoking: health effects, research needs, and recommended actions by regulators. Geneva: WHO; 2015.
  • 21
    Portes LH, Machado CV, Turci SRB. Trajetória da política de controle do tabaco no Brasil de 1986 a 2016. Cad Saude Publica 2018; 34(2):e00017317.
  • 22
    Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Cigarro eletrônico [Internet]. 2020 [acessado 2023 jun 13]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/tabaco/cigarro-eletronico
    » https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/tabaco/cigarro-eletronico
  • 23
    Malta DC, Gomes CS, Alves FTA, Oliveira PPV, Freitas PC, Andreazzi M. O uso de cigarro, narguilé, cigarro eletrônico e outros indicadores do tabaco entre escolares brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019. Rev Bras Epidemiol 2022; 25:e220014.
  • 24
    Silva AG, Souza JB, Gomes CS, Silva TPR, Sá ACMGN, Malta DC. Multiple behavioral risk factors for non-communicable diseases among the adolescent population in Brazil: the analysis derived from the Brazilian national survey of school health 2019. BMC Pediatr 2024; 24(1):122.
  • 25
    Petrou S, Kupek E. Epidemiological trends and risk factors for tobacco, alcohol and drug use among adolescents in Scotland, 2002-13. J Public Health (Bangkok) 2019; 41(1):62-70.
  • 26
    Cui Y, Forget EL, Zhu Y, Torabi M, Oguzoglu U. The effects of cigarette price and the amount of pocket money on youth smoking initiation and intensity in Canada. Can J Public Health 2019; 110(1):93-102.
  • 27
    Xi B, Liang Y, Liu Y, Yan Y, Zhao M, Ma C, Bovet P. Tobacco use and second-hand smoke exposure in young adolescents aged 12-15 years: data from 68 low-income and middle-income countries. Lancet Glob Health 2016; 4(11):e795-e805.
  • 28
    Malta DC, Stopa SR, Santos MAS, Andrade SSCA, Oliveira MM, Prado RR, Silva MMA. Fatores de risco e proteção de doenças e agravos não transmissíveis em adolescentes segundo raça/cor: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(2):247-259.
  • 29
    Malta DC, Gomes CS, Andrade FMD, Vasconcelos NM, Prates EJS, Pereira CA, Fagundes Junior AAP. Tabagismo no Brasil: Percepções dos Resultados de Pesquisas Domiciliares. REME 2023; 27:1518.
  • 30
    Krieger N, Chen JT, Waterman PD, Rehkopf DH, Subramanian SV. Race/Ethnicity, Gender, and Monitoring Socioeconomic Gradients in Health: A Comparison of Area-Based Socioeconomic Measures - The Public Health Disparities Geocoding Project. Am J Public Health 2003; 93(10):1655-1671.
  • 31
    García-Álvarez L, Fuente-Tomás LD la, Sáiz PA, García-Portilla MP, Bobes J. Se observarán cambios en el consumo de alcohol y tabaco durante el confinamiento por COVID-19? Adicciones 2020; 32(2):85.
  • 32
    Blakely T, Disney G, Valeri L, Atkinson J, Teng A, Wilson N, Gurrin L. Socioeconomic and Tobacco Mediation of Ethnic Inequalities in Mortality over Time. Epidemiology 2018; 29(4):506-516.
  • 33
    Bonilha AG, Ruffino-Netto A, Sicchieri MP, Achcar JA, Rodrigues-Júnior AL, Baddini-Martinez J. Correlates of experimentation with smoking and current cigarette consumption among adolescents. J Bras Pneumol 2014; 40(6):634-642.
  • 34
    Taylor GMJ, Munafò MR. Does smoking cause poor mental health? Lancet Psychiatry 2019; 6(1):2-3.
  • 35
    Dumith SC, Muniz LC, Tassitano RM, Hallal PC, Menezes AMB. Clustering of risk factors for chronic diseases among adolescents from Southern Brazil. Prev Med (Baltim) 2012; 54(6):393-396.
  • 36
    Spring B, Moller AC, Coons MJ. Multiple health behaviours: overview and implications. J Public Health (Bangkok) 2012; 34(Supl. 1):i3-i10.
  • 37
    Oliveira LMFT, Santos ARM, Farah BQ, Ritti-Dias RM, Freitas CMSM, Diniz PRB. Influence of parental smoking on the use of alcohol and illicit drugs among adolescents. Einstein (São Paulo) 2018; 17(1):eAO4377.
  • 38
    Morais ÉAH, Oliveira BE, Roesberg JMA, Souza PSN, Souza RNB, Costa SF, Marques VDS, Abreu MNS. Fatores individuais e contextuais associados ao tabagismo em adultos jovens brasileiros. Cien Saude Colet 2022; 27(6):2349-2362.
  • 39
    Silva AG, Teixeira RA, Prates EJS, Malta DC. Monitoramento e projeções das metas de fatores de risco e proteção para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis nas capitais brasileiras. Cien Saude Colet 2021; 26(4):1193-1206.
  • 40
    Malta DC, Duncan BB, Barros MBA, Katikireddi SV, Souza FM, Silva AGD, Machado DB, Barreto ML. Medidas de austeridade fiscal comprometem metas de controle de doenças não transmissíveis no Brasil. Cien Saude Colet 2018; 23(10):3115-3122.
  • 41
    Instituto Nacional do Câncer (INCA). Mercado ilegal de produtos de tabaco [Internet]. 2019 [acessado 2023 jun 13]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/en/node/1688
    » https://www.inca.gov.br/en/node/1688
  • 42
    Scholz JR, Malta DC, Fagundes Júnior AAP, Pavanello R, Bredt Júnior GL, Rocha MS. Posicionamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre o Uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar - 2024. Arq Bras Cardiol 2024; 121(2):e20240063.

  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. TED 67/2024.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Set 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2023
  • Aceito
    06 Maio 2024
  • Publicado
    08 Maio 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br