Sobrevida por câncer de laringe em pacientes tratados no Sistema Único de Saúde - SUS, 2002-2010

Survival rate of laryngeal cancer patients treated in Brazil’s Unified Health System - SUS, 2002-2010

Tarssius Capelo Candido Maria Teresa Bustamante Teixeira Mário Círio Nogueira Mariangela Leal Cherchiglia Maximiliano Ribeiro Guerra Sobre os autores

Resumo

O objetivo do artigo foi analisar a sobrevida de cinco anos em pacientes com câncer de laringe tratados no Sistema Único de Saúde no Brasil e regiões entre janeiro de 2002 e junho de 2010. São escassas as informações relativas à magnitude e sobrevida do câncer de laringe no país, o que dificulta a adoção de estratégias específicas para seu controle. Foi realizado um estudo de coorte retrospectiva a partir da Base Nacional em Oncologia. Estimou-se a probabilidade de sobrevida para o câncer de laringe segundo faixa etária, sexo e regiões/estados brasileiros por meio do método de Kaplan-Meier. O teste de log-rank foi aplicado para avaliar as diferenças na sobrevida, considerando-se o nível de significância de 5%. A sobrevida no Brasil foi estimada em 50,8% (IC95%: 49,9-51,8), sendo menor em pacientes do sexo masculino (49,1%; IC95%: 48,10-50,16); com idade entre 50 e 60 anos (48,4%; IC95%: 46,7-50,0); e para moradores da região Norte (45,5%; IC95%: 39,5-51,3). A variação na sobrevida para o câncer de laringe em relação aos estados e às regiões do país aponta disparidades que podem estar relacionadas à desigualdade de acesso ao diagnóstico e/ou tratamento.

Key words:
Laryngeal neoplasms; Survival rate analysis; Epidemiology

Abstract

The scope of this article was to analyze the five-year survival rate among patients with laryngeal cancer treated in the Unified Health System in Brazil and its regions between January 2002 and June 2010. There is still scarce information in Brazil regarding the scale and survival rate of laryngeal cancer patients, which makes it difficult to adopt specific strategies for the control of the condition in the country. A retrospective cohort study based on the National Oncology Database was conducted, and the survival probability rate for laryngeal cancer according to age, sex and Brazilian regions/states was estimated using the Kaplan-Meier method. The log-rank test was used to assess the differences observed, considering a 5% significance level. Survival in Brazil was estimated at 50.8% (95%CI: 49.9%-51.8%), being lower among male patients (49.1%; 95%CI: 48.10%-50.16%); between 50 and 60 years of age (48.4%; 95%CI: 46.7%-50.0%); for residents of the Northern region (45.5%; 95%CI: 39.5%-51.3%). The regional variation in the survival rate for laryngeal cancer in Brazil reveals disparities between Brazilian regions/states that may be linked to inequality of access to diagnosis and/or treatment.

Key words:
Laryngeal neoplasms; Survival rate analysis; Epidemiology

Introdução

O câncer de cabeça e pescoço é um conjunto de tumores da cavidade oral, faringe e laringe relevante em termos de incidência e mortalidade por câncer no mundo11 Aupérin A. Epidemiology of head and neck cancers: an update. Curr opin oncol 2020; 32(3):178-186.. O acometimento laríngeo ocorre em 25% das neoplasias malignas de cabeça e pescoço e ocupa a terceira posição entre os tumores que acometem essa região22 Demétrio TNCS, Raquel ERSO, CostaMCS. Análise epidemiológica e da sobrevida de pacientes com carcinoma epidermoide de laringe. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço 2015;44(2):70-77.,33 Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin 2018; 68(6):394-424..

Dados do Estudo Global Burden of Disease (GBD) mostraram elevação da incidência mundial do câncer de laringe de 1990 a 2017, com aumento de cerca de 60%44 Deng Y, Wang M, Zhou L, Zheng Y, Li N, Tian T, Zhai Z, Yang S, Hao Q, Wu Y, Song D, Zhang D, Lyu J, Dai Z. Global burden of larynx cancer, 1990-2017: estimates from the global burden of disease 2017 study. Aging (Albany NY) 2020; 12(3):2545-2583.. Segundo a International Agency for Researchon Cancer (IARC), as estimativas globais de incidência e mortalidade do câncer de laringe para o ano de 2018 foram, respectivamente, de 177.422 casos novos e de 94.771 óbitos, ocupando a 22ª posição entre todos os tipos de câncer e a 20ª posição entre todas as causas de morte por câncer no referido ano55 Globocan, World Health Organization (WHO). Cancer Today - World [Internet]. 2019. [cited 2022 maio 22]. Available from: https://gco.iarc.fr/today/data/factsheets/populations/900-world-fact-sheets.pdf
https://gco.iarc.fr/today/data/factsheet...
. Ressalte-se que as diferenças regionais na morbimortalidade por câncer de laringe estão intimamente relacionadas às diferenças em relação ao perfil dos fatores de risco, à existência e/ou efetividade dos programas de rastreamento e aos avanços terapêuticos66 Nocini R, Molteni G, Mattiuzzi C, Lippi G. Updates on larynx cancer epidemiology. Chin J Cancer Res 2020; 32(1):18-25.,77 Costa SNL, Fernandes FCGM, Souza DLB, Bezerra HS, Santos EGO, Barbosa IR. Incidence and mortality by larynx cancer in Central and South America. Rev Gaucha Enferm 2021; 42:e20190469..

No Brasil, em 2010 o número de novos casos foi em torno de 8 mil, sendo registrados 3.618 óbitos com prevalência estimada de 10 e um caso a cada 100 mil homens e mulheres, respectivamente88 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Atlas on-line de mortadilade [Internet]. 2020. [2022 mar 22]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/app/mortalidade
https://www.inca.gov.br/app/mortalidade...
. Para cada ano do triênio 2020-2022 no Brasil, foi estimado risco de 6,2 e de 1,06 casos por 100 mil homens e mulheres, respectivamente, o que aponta para a necessidade de ampliar o conhecimento sobre a magnitude e a carga do câncer de laringe no país, com vistas à adoção de estratégias preventivas específicas para maior controle da doença99 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil [Internet]. 2019. [acessado 2022 abr 13]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
. Estudo realizado a partir do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) apontou tendência de aumento da mortalidade por câncer de laringe nas regiões Norte e Nordeste entre 1996 e 2010, embora tenha sido verificada tendência de redução no âmbito nacional para o período considerado1010 Oliveira NPD, Barbosa IR, Paulino JNV, Cancela MC, Souza DLB. Regional and gender differences in laryngeal cancer mortality: trends and predictions until 2030 in Brazil. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016; 122(5):547-554.. Em contrapartida, pesquisa que utilizou dados do GBD 2019 verificou queda da tendência de incidência, mortalidade e anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) para o câncer de laringe no Brasil entre 1990 e 20191111 Viana LP, Bustamante-Teixeira MT, Malta DC, Silva GAE, Mooney M, Naghavi M, Nogueira MC, Passos VMA, Guerra MR. Trend of the Burden of Larynx Cancer in Brazil, 1990 to 2019. Rev Soc Bras Med Trop 2022; 55(Suppl. 1):e0269..

O Brasil apresenta dimensões continentais, o que favorece a coexistência de distintas realidades acerca do adoecimento em cada uma de suas regiões. Portanto, torna-se particularmente importante conhecer a distribuição da magnitude e da carga das doenças no país com vistas à adoção de estratégias de prevenção mais efetivas. Com base na literatura consultada, a sobrevida por câncer de laringe foi investigada até o momento apenas na cidade de São Paulo, em pacientes diagnosticados com a doença entre 1999 e 2001, a partir de dados de registros hospitalares1212 FilhoVW. The epidemiology of laryngeal cancer in Brazil. Sao Paulo Med J 2004; 122(5):188-194.. Nesse sentido, o presente estudo analisou a sobrevida de cinco anos dos pacientes com câncer de laringe tratados no Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil e nas regiões entre janeiro de 2002 e junho de 2010.

Metodologia

Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva composta por pacientes com câncer de laringe que iniciaram o tratamento oncológico no SUS, radioterapia e/ou quimioterapia e/ou cirurgia, no período de janeiro de 2002 a junho de 2010. A fonte de dados foi a Base Nacional em Oncologia (Base Onco), criada por meio do projeto intitulado Avaliação Econômico-epidemiológica do Tratamento Oncológico no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2000-2006 no Brasil, desenvolvido pelo Grupo de Economia da Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)1313 Cherchiglia ML, Guerra Júnior AA, Andrade EIG, Machado CJ, Acúrcio FA, Júnior WM, Paula BD, Queiroz VO. A construção da base de dados nacional em Terapia Renal Substitutiva (TRS) centrada no indivíduo: aplicação do método de linkage determinísticoprobabilístico. Rev Bras Estud Popul 2007; 24(1):163-167..

Essa base de dados foi desenvolvida por meio da técnica de relacionamento determinístico-probabilístico utilizada para integrar os seguintes sistemas de informação do SUS: o Subsistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade/Custo (APAC-Oncologia/SIA-SUS), o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS) e o SIM. Assim, todos os dados relativos ao tratamento oncológico prestado pelo SUS para um mesmo paciente foram agrupados em um mesmo cadastro1414 Guerra Junior AA, Pereira RG, Gurgel EI, Cherchiglia M, Dias LV, Ávila JD, Santos N, Reis A, Acurcio FA, Meira Junior W. Building the National Database of Health Centred on the Individual: Administrative and Epidemiological Record Linkage - Brazil, 2000-2015. Int J Popul Data Sci 2018; 3(1):436-446., possibilitando a recomposição da trajetória de tratamento oncológico dos pacientes assistidos na rede pública do país.

Participaram do estudo os pacientes com câncer de laringe que iniciaram tratamento oncológico no SUS em todo o território nacional entre janeiro de 2002 e junho de 2010 com idade a partir de 20 anos. Foram excluídos aqueles que tiveram um único contato registrado na base de dados, o que inviabilizaria a análise de sobrevida. A opção por considerar a idade a partir de 20 anos deveu-se ao fato de que indivíduos com até 19 anos são classificados como adolescentes pela Organização Mundial da Saúde, portanto o câncer nessa faixa etária é considerado como infantojuvenil. Nesse caso, o protocolo de tratamento geralmente é diferenciado, até mesmo no que diz respeito à autorização dos procedimentos pelo SUS1515 Brasil, Ministério da Saúde (MS). Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Brasília: MS; 2007..

Foram considerados como pacientes com câncer de laringe aqueles que receberam o código da Classificação Internacional de Doenças (CID) no subgrupo C32 - neoplasia maligna da laringe, incluindo a codificação de C32.0 a C32.9, no momento do diagnóstico junto à AIH ou à APAC, sendo considerada válida tal codificação em qualquer uma das linhas que descreviam a causa de morte na declaração de óbito: causa básica, linhas A, B ou C, ou ainda preenchida na AIH.

A seleção dos pacientes ocorreu por meio dos registros de radioterapia e/ou quimioterapia da APAC/ONCO e de cirurgias oncológicas no SIH-SUS, tendo o intuito de apresentar um panorama nacional do tratamento oncológico na rede pública no Brasil. Os estados de Roraima e Amapá foram excluídos da análise de sobrevida por apresentarem números de registro de casos (Amapá: n = 2; Roraima: n = 16) muito inferiores aos registrados para os demais estados no período, o que poderia ocasionar imprecisão nas estimativas de sobrevida. Como o banco de dados da Base Onco tem informações de acompanhamento até junho de 2015, foram investigados os pacientes que iniciaram tratamento oncológico no SUS entre janeiro de 2002 e junho de 2010, com vistas a garantir o seguimento da população de estudo por pelo menos cinco anos.

As variáveis sociodemográficas analisadas foram: região e estado de residência, sexo e idade ao diagnóstico (categorizada em: 20 a 49 anos, 50 a 59 anos e 60 anos ou mais).

O início do tempo de sobrevida foi considerado como a data do primeiro tratamento oncológico, uma vez que existiam pacientes com câncer de laringe tratados apenas com cirurgia oncológica e a data do diagnóstico não está disponibilizada no SIH-SUS, apenas informações sobre diagnóstico inicial e exames diagnósticos realizados. Foram considerados como falhas os óbitos relacionados ao câncer de laringe (sobrevida específica). Foram censurados os pacientes que permaneceram vivos até o final do seguimento e aqueles com perda de seguimento, sendo considerada nesses casos a data do último atendimento registrado no SUS. Também foram censurados os óbitos por outras causas que não o câncer de laringe, sendo considerada a data do óbito nesse caso. A sobrevida foi avaliada para o Brasil, as regiões e os estados, no geral e segundo sexo e faixa etária.

As funções de sobrevida foram calculadas a partir do método de Kaplan-Meier, segundo as variáveis explicativas do estudo, e o teste de log-rank foi empregado para compará-las. As análises foram executadas no software Stata (StataCorp, Texas, EUA, versão 10.0), sendo considerado o nível de significância de 5%.

O referido projeto responsável pela criação da Base Onco foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG (CAAE número: 44121315.2.0000.5149).

Resultados

Inicialmente foram identificados 53.504 indivíduos com câncer de laringe que fizeram tratamento oncológico no SUS na base de dados utilizada (Base Onco). Foram excluídos 4.148 que apresentaram um único registro na base de dados, 519 com idade menor do que 20 anos, 22.325 com data de tratamento anterior a 2002 ou posterior a 2010 e, por fim, 297 que apresentaram dados ausentes para as variáveis consideradas.

Foram então analisados 26.215 indivíduos com câncer de laringe que iniciaram tratamento no SUS entre janeiro de 2002 e junho de 2010, sendo 21.427 (81,74%) oriundos do SIA-SUS e 4.788 (18,26%) do SIH-SUS, dos quais 6.853 (25,85%) foram a óbito em cinco anos em decorrência do câncer de laringe (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas dos pacientes com câncer de laringe, tratados no SUS. 2002-2010, Brasil.

A maioria dos participantes do estudo era do sexo masculino, 22.163 (84,54%), com proporção entre os sexos de cerca de cinco homens para cada mulher. A média de idade no início do tratamento foi de 60,51 anos (± 11,22) (Tabela 1).

Em relação à distribuição regional, a maior parte dos indivíduos era proveniente da região Sudeste do Brasil, 13.905 (53,04%), sendo a maior parcela moradora do estado de São Paulo, 7.515 (28,67%). Em contrapartida, a região Norte apresentou o menor número de participantes, 873 indivíduos (3,33%) (Tabela 1).

Os pacientes acima de 60 anos de idade corresponderam a cerca de 45% a 60% da população por estado, sendo a menor e a maior proporção, respectivamente, em Santa Catarina e no Piauí. Os estados das regiões Norte e Nordeste apresentaram, em termos percentuais, os maiores números de pacientes nessa mesma faixa etária. Por outro lado, os estados que apresentaram maiores percentuais de pacientes entre 20 e 49 anos foram os das regiões Centro-Oeste e Sul (Tabela 2).

Tabela 2
Características demográficas segundo grupos etários, dos pacientes com câncer de laringe tratados no SUS, Brasil (2002-2010).

A probabilidade de sobrevida por câncer da laringe em cinco anos para os pacientes tratados no SUS no Brasil foi estimada em 50,86% (IC95%: 49,90%-51,81%). As probabilidades de sobrevida foram melhores para os pacientes acima de 60 anos de idade (52,80%; IC95%: 51,46%-54,09%) e do sexo feminino (61,19; IC95%: 58,70-63,58). Entre as regiões brasileiras, as menores probabilidades de sobrevida foram encontradas para os moradores das regiões Norte (45,52%; IC95%: 39,53%-51,31%) e Centro-Oeste (45,69%; IC95%: 41,71%-49,62%) (Tabela 3).

Tabela 3
Probabilidade de sobrevida específica em cinco anos dos pacientes com câncer de laringe tratados no SUS. 2002-2010, Brasil.

Ao analisar a distribuição por sexo segundo cada região, nota-se que a Centro-Oeste apresentou a menor probabilidade de sobrevida em cinco anos para o câncer de laringe em mulheres (45,36%; IC95%: 34,90%-55,22%), sobrevida próxima à observada para os homens da mesma região (45,76%; IC95%: 41,44%-49,97%). Os homens, por sua vez, apresentaram menor probabilidade de sobrevida quando comparados às mulheres em todas as demais regiões. Para o sexo masculino, a menor sobrevida foi verificada na região Norte, com 42,17% (IC95%: 35,54%-48,63%), e a maior sobrevida na região Nordeste (51,07%; IC95%: 48,43%-53,65%) (Tabela 3).

No âmbito estadual, a maior sobrevida por câncer de laringe no sexo feminino foi observada no estado do Piauí (79,41%; IC95%: 47,56%-93,10%), e a menor no estado Rondônia (25,0%; IC95%: 21,04%-65,65%). Já para o sexo masculino, a maior e a menor probabilidade de sobrevida foram respectivamente no Piauí (59,55%; IC95%: 47,10%-69,99%) e no Distrito Federal (29,44%; IC95%: 17,86%-41,98%) (Tabela 4).

Tabela 4
Probabilidade de sobrevida específica em 5 anos para os pacientes com câncer de laringe tratados no SUS, segundo sexo, Brasil (2002-2010).

Considerando a distribuição das faixas etárias segundo as regiões brasileiras, embora não tenha sido verificada diferença significativa, a sobrevida por câncer de laringe foi maior entre os indivíduos com idade de 20 a 49 anos na região Norte, 56,60% (IC95%: 38,41%-71,28%). Já para aqueles da faixa etária de 50 e 49 anos e com 60 anos ou mais, a maior sobrevida foi a dos moradores da região Nordeste, 49,94% (IC95%: 45,26%-54,43%) e 54,69% (IC95%: 51,53%- 57,74%), respectivamente (Tabela 5).

Tabela 5
Probabilidade de sobrevida específica em cinco anos para os pacientes com câncer de laringe tratados no SUS, segundo faixa etária. Brasil (2002-2010).

Por outro lado, as menores sobrevidas foram observadas, para faixa etária de 20 a 49 anos, nos moradores da região Centro-Oeste (37,3%; IC95%: 26,97%-47,22%), e para as faixas etárias de 50 a 59 anos e 60 anos ou mais, nos residentes da região Norte, 40,75% (IC95%: 29,94%-51,27%) e 46,46% (IC95%; 38,69%-53,86%), respectivamente (Tabela 5).

Discussão

A probabilidade de sobrevida em cinco anos para o câncer de laringe em pacientes tratados na rede pública do Brasil (50,86%) foi inferior à observada na maioria dos estudos identificados. Pesquisa realizada em hospital universitário na França, que analisou pacientes com câncer de laringe em estádio avançado diagnosticado entre 1998 e 2010, identificou sobrevida próxima a 60%1616 Francis E, Matar N, Khoueir N, Nassif C, Farah C, Haddad A. T4a laryngeal cancer survival: retrospective institutional analysis and systematic review. Laryngoscope 2014; 124(7):1618-23.. Santos et al. encontraram sobrevida de 65,9% a 79,6% ao avaliarem pacientes com câncer de laringe de um centro terciário oncológico em Portugal com diagnóstico e tratamento entre 2012 e 20161717 Santos M, Monteiro E. Time between diagnosis and treatment of hypopharynx and larynx cancer: are longer delays associated with higher discrepancy between clinical and pathological staging? Int Arch Otorhinolaryngol 2021; 25(1):108-114..No Brasil, pacientes diagnosticados com câncer de laringe entre 1999 e 2001 em sete hospitais do estado de São Paulo apresentaram sobrevida de 60% a 65%1212 FilhoVW. The epidemiology of laryngeal cancer in Brazil. Sao Paulo Med J 2004; 122(5):188-194..

A melhor sobrevida verificada pode se dever ao fato de que esses estudos investigaram pacientes tratados em um ou alguns hospitais, enquanto o estudo em questão considerou todos os pacientes que realizaram tratamento na rede pública do Brasil, exibindo, portanto, maior representatividade das desigualdades de acesso ao diagnóstico e tratamento existentes no território nacional. Além disso, o início do seguimento neste estudo foi a partir do primeiro tratamento oncológico, em vez do diagnóstico da doença, considerado nos demais estudos, o que pode ter contribuído para a redução do tempo de sobrevida avaliado.

O diagnóstico e os tratamentos tardios podem ser responsáveis por uma menor sobrevida do câncer de laringe, que apresenta sintomas iniciais sutis, insidiosos e progressivos em sua instalação, e que podem ser desvalorizados pelo paciente, contribuindo para o atraso na busca por atendimento médico1818 Raitiola H, Pukander J. Symptoms of laryngeal carcinoma and their prognostic significance. Acta Oncol 2000; 39(2):213-216.,1919 American Cancer Society (ACS). Treating laryngeal and hypopharyngeal cancers by stage [Internet]. 2019. [cited 2022 abr 19]. Available from: https://www.cancer.org/cancer/laryngeal-and-hypopharyngeal-cancer/treating/by-stage.html
https://www.cancer.org/cancer/laryngeal-...
. O atendimento tardio pode também ser devido à existência de barreiras de acesso que postergam as avaliações médicas iniciais, o que aponta para a necessidade de mais investigações sobre as ações de acessibilidade implementadas e até mesmo de conscientização da população em relação à necessidade de consultas médicas na vigência de determinados agravos à saúde, como os sintomas de alarme para o câncer de laringe1010 Oliveira NPD, Barbosa IR, Paulino JNV, Cancela MC, Souza DLB. Regional and gender differences in laryngeal cancer mortality: trends and predictions until 2030 in Brazil. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016; 122(5):547-554.,1818 Raitiola H, Pukander J. Symptoms of laryngeal carcinoma and their prognostic significance. Acta Oncol 2000; 39(2):213-216. .

As ações de prevenção, incluindo o rastreio, são capazes de reduzir as taxas de mortalidade por câncer de laringe, possibilitando diagnóstico precoce e, consequentemente, propiciando melhor oportunidade de tratamento e cura1010 Oliveira NPD, Barbosa IR, Paulino JNV, Cancela MC, Souza DLB. Regional and gender differences in laryngeal cancer mortality: trends and predictions until 2030 in Brazil. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016; 122(5):547-554.. O sucesso dessas ações programadas são maiores quanto mais bem determinados forem os grupos de risco, aspecto também válido para o câncer de laringe, que apresenta maior risco para sexo masculino, idade avançada, pacientes com hábitos de etilismo e tabagismo e condições sociais deficitárias, como baixa escolaridade e renda22 Demétrio TNCS, Raquel ERSO, CostaMCS. Análise epidemiológica e da sobrevida de pacientes com carcinoma epidermoide de laringe. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço 2015;44(2):70-77.,2020 Filho VW, AntunesJLF,Boing AF, Lorenzi RL. Perspectivas da investigação sobre determinantes sociais em câncer. Physis 2008; 18(3):427-450.. A longo prazo, os programas de rastreio reduzem as taxas de mortalidade, uma vez que o diagnóstico precoce leva ao tratamento oportuno e adequado1010 Oliveira NPD, Barbosa IR, Paulino JNV, Cancela MC, Souza DLB. Regional and gender differences in laryngeal cancer mortality: trends and predictions until 2030 in Brazil. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016; 122(5):547-554..

A maior frequência de casos de câncer de laringe verificada no sexo masculino (22.163; 84,54%) está em consonância com a literatura2020 Filho VW, AntunesJLF,Boing AF, Lorenzi RL. Perspectivas da investigação sobre determinantes sociais em câncer. Physis 2008; 18(3):427-450.,2121 Li H, Li EY, Kejner AE. Treatment modality and outcomes in larynx cancer patients: a sex-based evaluation. Head Neck 2019; 41(11):3764-3774., que exibiu menor sobrevida em cinco anos (49,14%) em relação às mulheres (61,19%). Sugere-se que as mulheres apresentam como fatores associados favoráveis o fato de serem culturalmente menos expostas aos fatores de risco fundamentais, como o tabagismo e o etilismo2121 Li H, Li EY, Kejner AE. Treatment modality and outcomes in larynx cancer patients: a sex-based evaluation. Head Neck 2019; 41(11):3764-3774.. Outro fator poderia ser a busca mais precoce por atendimento por parte das mulheres2222 Levorato CD, Mello LM, Silva AS, Nunes AA. Fatores associados à procura por serviços de saúde numa perspectiva relacional de gênero. Cien Saude Colet 2014; 19(4):1263-1274.. Por fim, há indícios de que o estrógeno desempenhe fator protetor, o que é corroborado também pelo aparecimento mais tardio do câncer de laringe no sexo feminino2323 Hashim D, Sartori S, La Vecchia C, Serraino D, Maso LD, Negri E, Smith E, Levi F, Boccia S, Cadoni G, Luu HN, Lee YA, Hashibe M, Boffetta P. Hormone factors play a favorable role in female head and neck cancer risk. Cancer Med 2017; 6(8):1998-2007..

Em relação à idade, sabe-se que a maior prevalência do câncer de laringe é observada na 5ª e 6ª décadas de vida, com aumento da incidência de maneira proporcional à idade22 Demétrio TNCS, Raquel ERSO, CostaMCS. Análise epidemiológica e da sobrevida de pacientes com carcinoma epidermoide de laringe. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço 2015;44(2):70-77.,1212 FilhoVW. The epidemiology of laryngeal cancer in Brazil. Sao Paulo Med J 2004; 122(5):188-194.,2424 Santos RA, Portugal FB, Felix JD, Santos PMO, Siqueira MM. Avaliação epidemiológica de pacientes com câncer no trato aerodigestivo superior : relevância dos fatores de risco álcool e tabaco. Rev Bras Cancerol 2012; 58(1):21-29.. No presente estudo, o maior percentual de casos foi verificado na faixa etária a partir de 60 anos (48,48%), seguida da faixa etária entre 50 e 59 anos (35,36%), que apresentaram probabilidade de sobrevida de 52,80% e de 48,40%, respectivamente. Em pesquisa sobre os fatores atribuíveis ao câncer de laringe e o impacto nas taxas de sobrevida foi verificada média de idade de 59,5 anos e sobrevida de 63%, sendo que etilismo, tabagismo, sexo masculino e estádio avançado da doença associaram-se a menor sobrevida2525 Innocentini LMAR, Teixeira AH, Casemiro LA, Andrade MC, Ferrari TC, Ricz HMA, Macedo LD.Laryngeal cancer attributable factors and the influence on survival rates: a single Brazilian institution experience.Int Arch Otorhinolaryngol 2019; 23(3):E299-E304.. Em estudo retrospectivo de pacientes atendidos no ambulatório de um hospital brasileiro no período de 2011 a 2012, observou-se média etária de 63 anos2626 Felippu AW, Freire EC, Silva RA, Guimarães AV, Dedivitis RA. Impact of delay in the diagnosis and treatment of head and neck cancer. Braz J Otorhinolaryngol 2016; 82(2):140-143.. A idade também é relevante quando avaliada em conjunto com a intensidade e o tempo de exposição ao tabagismo e ao etilismo, fatores etiológicos considerados imprescindíveis para o desenvolvimento do câncer de laringe2727 Ferreira MA, Gomes MN, Michels FA, Dantas AA, Latorre MR. Desigualdade social no adoecimento e morte por câncer de boca e orofaríngeo no município de São Paulo, Brasil: 1997 a 2008. Cad Saude Publica 2012; 28(9):1663-1673.

28 Pires AS,Carrard VC, Paiva RL, Chaves ACM, Sant'Ana Filho M. Álcool e câncer bucal: considerações sobre os mecanismos relacionados. Rev Bras Cancerol 2008; 54(1):49-56.
-2929 National Cancer Institute (NIH). Alcohol and cancer risk [Internet]. 2021. [cited 2022 abr 11]. Available from: https://www.cancer.gov/about-cancer/causesprevention/ risk/alcohol/alcohol-fact-sheet
https://www.cancer.gov/about-cancer/caus...
.

Dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) referentes ao ano de 2019 evidenciaram que cerca de 9% da população brasileira é tabagista, sendo quase duas vezes maior no sexo masculino (12,1%) do que no feminino (6,9%). Além disso, a frequência do consumo abusivo de tabaco no Brasil também foi superior no sexo masculino (26,0%) em relação ao feminino (11,0%)3030 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2018: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquerito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiro [Internet]. 2012. [acessado 2022 maio 14]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2011_fatores_risco_doencas_cronicas.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
. Esses achados devem ser levados em consideração para explicar o maior percentual de homens com câncer de laringe.

Outra condição capaz de interferir no processo de adoecimento é a estrutura social, que pode influenciar em relação ao acesso aos cuidados de saúde e à obtenção de recursos e conhecimentos imprescindíveis para gerir a própria saúde, sendo distinta para cada grupo social2020 Filho VW, AntunesJLF,Boing AF, Lorenzi RL. Perspectivas da investigação sobre determinantes sociais em câncer. Physis 2008; 18(3):427-450.,3131 Kfouri SA, Eluf Neto J, Koifman S, Curado MP, Menezes A, Daudt AW, Wünsch Filho V. Fraction of head and neck cancer attributable to tobacco and alcohol in cities of three Brazilian regions. Rev Bras Epidemiol 2018; 21:e180005.. No Brasil, há uma desigualdade social instalada especialmente nas regiões Norte e Nordeste, que se apresentam mais carentes de recursos públicos e de desenvolvimento econômico, em comparação com as demais regiões3232 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Desigualdades regionais no Brasil: características e tendências recentes [Internet]. 2014. [acessado 2022 mar 27]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/app/mortalidade
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. Nesse sentido, estudo sobre a tendência de incidência, mortalidade e carga do câncer de laringe no Brasil entre 1990 e 2019, desenvolvido a partir de dados do Estudo da Carga Global de Doença (GBD) 2019, observou maior diminuição da mortalidade no período nos estados das regiões com os melhores índices sociodemográficos, sugerindo que essas regiões apresentam melhores condições para controle do câncer de laringe1111 Viana LP, Bustamante-Teixeira MT, Malta DC, Silva GAE, Mooney M, Naghavi M, Nogueira MC, Passos VMA, Guerra MR. Trend of the Burden of Larynx Cancer in Brazil, 1990 to 2019. Rev Soc Bras Med Trop 2022; 55(Suppl. 1):e0269..

Ao avaliar a probabilidade de sobrevida, a região Nordeste (52,98%: IC95%: 50,55%-55,35%) apresentou sobrevida discretamente superior à nacional (50,86%: IC95%: 49,90%-51,81%), e a região Centro-Oeste inferior (45,69%: IC95%: 41,71%-49,62%). Tais resultados estão em consonância com os achados de estudo conduzido para avaliar a tendência da mortalidade por câncer de laringe no Brasil e regiões entre 1996 e 2010, que apontou diferenças entre as regiões do país, evidenciando taxas mais elevadas de mortalidade por câncer de laringe nas regiões Norte e Nordeste, sendo a dificuldade de acesso a serviços de saúde o principal motivo considerado para as diferenças regionais observadas1010 Oliveira NPD, Barbosa IR, Paulino JNV, Cancela MC, Souza DLB. Regional and gender differences in laryngeal cancer mortality: trends and predictions until 2030 in Brazil. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016; 122(5):547-554.. Característica verificada também por outro estudo que registrou queda da tendência de incidência, mortalidade e DALYs para o câncer de laringe no Brasil entre 1990 e 2019, embora não tenha sido de forma igualitária entre as regiões1111 Viana LP, Bustamante-Teixeira MT, Malta DC, Silva GAE, Mooney M, Naghavi M, Nogueira MC, Passos VMA, Guerra MR. Trend of the Burden of Larynx Cancer in Brazil, 1990 to 2019. Rev Soc Bras Med Trop 2022; 55(Suppl. 1):e0269..

A desigualdade existente na mortalidade por câncer de laringe nas regiões brasileiras também foi verificada por estudo ecológico que evidenciou tendência de aumento da mortalidade pela doença nas regiões Norte e Nordeste entre 1990 e 2012, apesar de o país apresentar redução das taxas de mortalidade no período considerado77 Costa SNL, Fernandes FCGM, Souza DLB, Bezerra HS, Santos EGO, Barbosa IR. Incidence and mortality by larynx cancer in Central and South America. Rev Gaucha Enferm 2021; 42:e20190469..

As informações relativas aos estados encontram-se em conformidade com o observado nas regiões, sendo Acre (0,29%) o estado com menor percentual de pacientes com câncer de laringe tratados no SUS no período considerado, enquanto São Paulo (28,76%) e Minas Gerais (13,96%) apresentaram os maiores percentuais. A menor sobrevida foi observada no estado do Amazonas (35,67%: IC95%: 26,21%-45,23%), e a maior, excluindo os estados com números inferiores a 30 casos, foi verificada no Piauí (62,64%; IC9%: 51,22%-72,14%).

Como limitação do presente estudo, deve-se considerar o fato de que o banco de dados analisado, por ter como base os pacientes tratados no SUS, não é capaz de captar os pacientes que não tiveram o acesso ao diagnóstico e, consequentemente, ao tratamento, e ainda aqueles que não foram tratados no sistema público de saúde, mas na rede suplementar de saúde, o que pode explicar em parte as desigualdades regionais observadas. Nesse sentido, cabe destacar que a Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA) aponta menores números de atendimentos junto ao SUS por habitantes na região Norte, atrelados à menor proporção da população beneficiária de planos de saúde privados3333 Rede Interagencial de Informação para Saúde. Indicadores básicos para a saúde no brasil : conceitos e aplicações [Internet]. 2008. [acessado 2022 mar 22]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/dmdocuments/indicadores.pdf
https://www.paho.org/bra/dmdocuments/ind...
. Também deve se considerar a maior precariedade dos registros de óbitos nas regiões Norte e Nordeste, cujo sub-registro pode chegar a mais de 30% em alguns estados3333 Rede Interagencial de Informação para Saúde. Indicadores básicos para a saúde no brasil : conceitos e aplicações [Internet]. 2008. [acessado 2022 mar 22]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/dmdocuments/indicadores.pdf
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,3434 Jorge MHPM, Laurenti R, Gotlieb SLD. Avaliação dos sistemas de informação em saúde No Brasil.Cad Saude Colet 2010; 18(1):7-18.. Além disso, estima-se que exista cerca de 30% de registros de causa de óbito mal definidas nessas regiões, percentual considerado elevado quando comparado a 11% nas regiões Sul e Centro-Oeste3535 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Asis - Análise de Situação de Saúde. Brasília: MS; 2015..

Estudo sobre a incidência do câncer de laringe também observou discrepância dos dados ao avaliar as regiões, sendo sugerida relação com a qualidade dos registros realizados e fornecidos aos sistemas de informação1010 Oliveira NPD, Barbosa IR, Paulino JNV, Cancela MC, Souza DLB. Regional and gender differences in laryngeal cancer mortality: trends and predictions until 2030 in Brazil. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016; 122(5):547-554.. Os resultados do presente estudo também sugerem precariedade no registro de alguns estados que apresentaram número muito reduzido de pacientes em tratamento para câncer de laringe (< 30), o que inviabilizou a análise da sobrevida para esses estados. Tal achado reitera a necessidade de melhoria dos registros de dados, que podem gerar informações relevantes e com potencial impacto no aprimoramento de políticas públicas de assistência oncológica adotadas no país. Por fim, destaca-se que as barreiras de acesso ao diagnóstico no Brasil, por ausência de recursos humanos e de infraestrutura especializada, que não foram mensuradas no presente estudo e que também podem influenciar as estimativas de sobrevida verificadas.

Ressalte-se que a base de dados utilizada neste estudo (Base Onco) foi construída a partir de sistemas de informação em saúde que registram o fluxo de atendimento oncológico dos indivíduos no SUS, tendo o atendimento ocorrido não apenas nas capitais, mas em todo o território nacional, permitindo assim a inclusão de outras cidades que forneçam o aparato necessário ao tratamento do câncer no Brasil e sendo, portanto, capaz de recompor a trajetória dos pacientes oncológicos atendidos na rede pública de forma abrangente em termos territoriais. Nesse sentido, sobressai a representatividade da população de estudo em relação ao contexto nacional, destacando-se ainda o caráter obrigatório do preenchimento dos dados nos sistemas de informação utilizados na pesquisa tanto no que se refere ao registro de óbitos no país (SIM) quanto para assegurar a continuidade do tratamento oncológico no SUS (SIA e SIH-SUS).

Conclusão

Neste estudo, a sobrevida para o câncer de laringe foi inferior à verificada em outros países e mesmo em estudo brasileiro com amostra proveniente do estado de São Paulo. Embora a presente pesquisa possa não contemplar uma parcela de pacientes devido às limitações da fonte analisada, os achados podem se aproximar da real sobrevida da população brasileira, haja vista o alto percentual de usuários do SUS no país, sendo que 71,5% das pessoas não têm acesso à saúde suplementar no Brasil, em especial no que se refere à assistência oncológica3636 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE). Pesquisa nacional de saúde 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.. Ressalte-se, portanto, o potencial de representatividade nacional da população de estudo em relação à sobrevida por câncer de laringe, possibilitando uma avaliação do Brasil, das regiões e dos estados. Tal representatividade pode ser assegurada pelo fato de os bancos de dados utilizados na pesquisa serem oriundos de sistemas de informação que contemplam toda a população brasileira (SIM) ou parcela significativa desta que foi tratada na rede pública (SIA e SIH-SUS), sendo de caráter obrigatório o seu preenchimento tanto para o registro de óbitos no país quanto para assegurar a continuidade do tratamento oncológico no SUS.

Cabe destacar que a desigualdade na sobrevida segundo regiões e estados pode estar relacionada às diferenças regionais na qualidade e na cobertura dos sistemas de informação em saúde, assim como no acesso ao tratamento e ao diagnóstico da doença.

Ao descrever as disparidades na sobrevida em âmbito nacional e regional, torna-se possível direcionar esforços para se alcançar o diagnóstico e o tratamento oportunos dessa condição de saúde, o que possibilita auxiliar na definição de políticas públicas adequadas a cada contexto e reduzir o impacto do câncer de laringe na sociedade brasileira.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Set 2024

Histórico

  • Recebido
    07 Set 2022
  • Aceito
    28 Ago 2023
  • Publicado
    30 Ago 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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