PESQUISA

 

Fumo, bebida alcoólica, migração, instrução, ocupação, agregação familiar e pressão arterial em Volta Redonda, Rio de Janeiro

 

 

Carlos Henrique Klein; José Wellington Gomes de Araújo

Escola Nacional de Saúde Pública — FIOCRUZ — Rio de Janeiro

 

 


RESUMO

Em 1979, tendo por objetivo estimar a prevalência de hipertensão arterial e examinar associações entre diversos fatores e a pressão arterial, foi realizada uma pesquisa epidemiológica do tipo seccional na cidade de Volta Redonda, tendo sido examinadas cerca de 650 pessoas, de 20 a 74 anos de idade, residentes em domicílios selecionados ao acaso.
O hábito de fumar, a ingestão de bebida alcoólica, o baixo grau de instrução escolar e o trabalho em ocupações subalternas da prestação de serviços são características dos indivíduos de maior risco de hipertensão arterial e de médias mais elevadas de pressão. Também as pessoas que sabiam que seus pais eram hipertensos tiveram médias mais elevadas de pressão arterial e maior chance de serem hipertensas, segundo o critério da OMS (sistólica > 160 e/ou diastólica > 95 mmHg). Finalmente, migrantes e naturais de Volta Redonda não se diferenciaram significativamente de acordo com suas médias de pressão e prevalências de hipertensão arterial.


ABSTRACT

In 1979, in the city of Volta Redonda, a cross-sectional epidemiological investigation was carried out to estimate the prevalence of arterial hypertension and to study the association between different factors and arterial blood pressure. About 650 residents between 20 to 74years old were studied.
The habit of smoking, the use of alcohol, the low level of education and the insecurity o f employment are some of the characteristics of people with a greater risk of arterial hypertension and, in general, higher average levels of blood pressure. People who knew that their parents had high blood pressure had higher average blood pressure levels and had more chance of being hypertensive according to WHO standard (systolic > 160 and/or diastolic > 95mmHg). Finally, migrants and natives of Volta Redonda do not show any significant difference in their average pressure and arterial hypertension prevalence.


 

 

INTRODUÇÃO

No final do ano de 1979, foi realizado um inquérito epidemiológico sobre hipertensão arterial em Volta Redonda. Este inquérito examinou uma amostra de 650 indivíduos, de 20 a 74 anos de idade, residentes na área urbana do município de Volta Redonda, coletando dados sobre características individuais através de questionários e de medidas (pressão arterial). Volta Redonda é um município do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, onde está instalada a Usina Presidente Vargas, da Companhia Siderúrgica Nacional, da qual depende praticamente toda economia do município.

O objetivo primordial do inquérito era estimar a prevalência da hipertensão arterial em Volta Redonda. Como pode ser visto no artigo anterior11, utilizando-se o critério da OMS23, estimou-se em cerca de 10% essa prevalência, ou seja, de cada 10 adultos, de 20 a 74 anos de idade, um era hipertenso no momento do estudo. Entretanto, essa pesquisa não apenas mediu pressão arterial, mas também registrou outros dados sobre características individuais possivelmente relacionadas com a pressão arterial.

Os trabalhos de revisão sobre os mecanismos causais da hipertensão arterial, ou do aumento da pressão arterial, concordam em que essa causalidade é complexa e multifatorial13,18. Neste artigo iremos examinar as relações encontradas entre fumo, bebida alcoólica, migração, instrução, ocupação e agregação familiar com a pressão arterial, representada pela sistólica, diastólica e prevalência de hipertensão arterial, na pesquisa realizada em Volta Redonda. A escolha dos fatores migração, instrução, ocupação e agregação familiar deve-se ao fato de que duas das principais linhas de investigação sobre a causalidade da hipertensão arterial são: a) a do stress social e psicológico, que atribui papéis essenciais ao trabalho dos indivíduos e seus deslocamentos (migrações), e b) a genética, que atribui à hereditariedade o substrato necessário e fundamental para a gênese da elevação dos níveis pressórios sangüíneos. Já os fatores fumo e bebida alcoólica foram escolhidos pela importância que as freqüências relativas desses hábitos costumam ter em qualquer população. Assim é que, conforme estimativas fornecidas pela própria amostra examinada, cerca de 41% dos adultos são fumantes, e 12% fazem uso regular de bebida alcoólica, em Volta Redonda. Portanto, ainda que a correlação entre estes fatores e a hipertensão arterial não seja muito alta, o seu controle poderia ser uma medida preventiva abrangente em termos de população.

Esta pesquisa teve seu suporte financeiro e técnico fornecido inicialmente pelo Hospital da Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, na fase de análise pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, e, ao longo de todo período, pela Escola Nacional de Saúde Pública (Fundação Oswaldo Cruz).

 

METODOLOGIA

A coleta de dados foi feita em um estudo seccional, por amostragem, nos meses de novembro de 1979 a janeiro de 1980. As unidades amostrais foram todos os indivíduos, de 20 a 74 anos de idade, residentes em domicílios sorteados em um esquema de amostragem aleatória simples, cujo universo era composto pelos domicílios ligados ao Serviço de Água e Esgoto, na área urbana de Volta Redonda (mais de 90% do total de domicílios). Cada indivíduo respondeu a uma série de questões e teve medida sua pressão arterial com um esfigmomanômetro especialmente modificado para estudos epidemiológicos. As medidas foram feitas por quatro auxiliares de enfermagem, que foram treinadas para isso. Maiores detalhes sobre a metodologia geral da pesquisa podem ser vistos no artigo anterior11.

Neste trabalho, utilizamos algumas das respostas dadas pelos indivíduos aos questionários e a segunda medida da pressão arterial, aquela feita em repouso relativo, isto é, com os indivíduos sentados há cerca de 30 minutos, pelo menos, e sem fumar, nem beber café ou outro estimulante, no braço esquerdo.

As relações foram estudadas através da comparação das médias de pressão arterial (sistólica e diastólica) e das pré valências de hipertensão arterial (critério OMS23) nas categorias dos fatores de risco (variáveis independentes): fumo, bebida alcoólica, migração, instrução, ocupação e agregação familiar. A sistólica corresponde ao início dos batimentos (1a fase) e a diastólica ao desaparecimento desses batimentos (5a fase dos sons de Korotkow). Foi classificado como hipertenso todo indivíduo cuja sistólica fosse igualmente ou maior do que 160 mmHg e/ou cuja diastólica fosse igual ou maior do que 95 mmHg.

Entretanto, para controlar o efeito das possíveis diferenças de estruturas etárias nas categorias dos fatores, e sabendo-se da correlação existente entre idade e pressão arterial11,13,18,23, foram comparadas médias e prevalências ajustadas pela idade. Esses ajustamentos foram feitos através de modelos lineares aditivos de regressão múltipla com variáveis contínuas e nominais8, com o auxílio de rotinas de computação do SPSS17. Assim, para cada variável independente, foram feitos três modelos, um para cada variável dependente (sistólica, diastólica e proporção de hipertensos). Cada modelo tem como variáveis independentes a idade (contínua) e as categorias de cada fator (nominais).

Para um melhor entendimento, vejamos um exemplo com o fator fumo. O modelo geral para qualquer uma das variáveis dependentes (Y) é o seguinte:

Y = constante + α (idade) + β1 (ex-fumante) + β2 (fumante)

As variáveis nominais, as categorias dos fatores, têm escores O (falso) ou 1 (verdadeiro). Assim, apesar de existirem três categorias de fumo, apenas duas têm seus coeficientes de regressão determinados, já que a terceira (não-fumantes) é representada pela ausência das outras duas (ambas são falsas, zero). Os coeficientes de regressão de cada uma destas duas categorias são iguais às suas diferenças ajustadas em relação àquela não representada diretamente no modelo. Para se obter a média ajustada de uma categoria, substituiu-se, na equação, o valor de idade pela sua média no total da amostra e somou-se ao resultado o coeficiente de regressão da respectiva categoria. Os testes para igualdade de médias ou proporções consistiram na comparação dos valores de F (razão entre a variância explicada pelas categorias e a variância residual) com aquelas tabuladas para distribuições de F, de acordo com as probabilidades de rejeição (cv) e os graus de liberdade. Por fim, as médias ajustadas em cada categoria de cada fator representam as médias esperadas, se a distribuição etária de cada categoria fosse igual à da amostra de todos os indivíduos.

O total de observações para cada fator nunca é igual ao da amostra total, de 650 indivíduos. Isso se deve a duas razões: a) perdas parciais de informação (quatro indivíduos não tiveram registrada a segunda medida de pressão arterial) e b) exclusão de certas categorias para alguns fatores. Deste modo, foram excluídos da análise para o fator bebida alcoólica os indivíduos que declararam ter abandonado o hábito (22 pessoais) e, para o fator agregação familiar, aqueles que desconheciam o status de pressão de ambos os pais ou que só sabiam o de um deles cuja pressão era normal (156 pessoas).

 

RESULTADOS E COMENTÁRIOS

a) Fumo

O hábito do fumo, geralmente, é correlacionado positivamente com o risco de desenvolvimento de doenças isquêmicas do coração18. Apesar disso, não tem sido demonstrada sua relação com a pressão arterial. Alguns estudos demonstram até que os fumantes têm pressão ligeiramente mais baixas do que os não-fumantes, porém sem diferenças significativas7, e sugerem que estes achados se devem a interferências de fatores como o peso15. Em estudo semelhante feito no Rio Grande do Sul, também não foi possível estabelecer diferenças significativas entre médias de pressões e prevalências de hipertensos entre fumantes, ex-fumantes e não-fumantes3.

As Tabelas I, II e III apresentam as médias de pressão e as prevalências de HA, ajustadas pela idade, de não-fumantes, ex-fumantes e fumantes encontrados na amostra de Volta Redonda. Observa-se que existem diferenças significativas pelo menos entre ex-fumantes e fumantes, tanto em relação às médias de sistólica e diastólica, como em relação às prevalências de HA. Esses dados indicam que o grupo mais protegido é o dos ex-fumantes, cujas médias e prevalências são mais baixas até do que as dos não-fumantes, porém essas diferenças não são significativas.

 

 

 

 

 

 

É possível que os ex-fumantes sejam os mais protegidos, não apenas por terem abandonado um fator de risco, mas também por terem adotado outras medidas tais como redução de peso e restrição salina na dieta. De todo modo, apenas com os dados analisados, poder-se-ia esperar uma redução de até 40% na prevalência de HA, se todos os fumantes de Volta Redonda passassem ao estado de ex-fumantes, com todas as implicações envolvidas neste fato.

b) Bebida Alcoólica Alguns autores já têm relatado o achado de correlações positivas, e significativas, entre o hábito da ingestão de bebida alcoólica e a pressão arterial7,9. Na pesquisa sobre hipertensão arterial feita no Rio Grande do Sul, pelos mesmos autores deste estudo, utilizando o mesmo instrumental, não foi possível encontrar diferenças significativas entre médias de sistólica e diastólica e prevalências de HA, entre não-bebedores e várias categorias de bebedores3. Todavia, os bebedores moderados apresentam médias de pressão até mais baixas do que os não-bebedores, na amostra do Rio Grande do Sul.

As Tabelas IV, V e VI apresentam as médias de pressão e as prevalências de HA, ajustadas pela idade, de não-bebedores, bebedores ocasionais e bebedores regulares. Esta última categoria abrange desde aqueles que bebem pelo menos uma vez por semana, até aqueles que bebem diariamente. As informações sobre o consumo de bebida alcoólica foram dadas pelo próprio entrevistado, o que leva à suposição de existência de erros de classificação que podem ser relevantes, originando distorções nos resultados. Ainda assim, se as diferenças entre as prevalências de HA não foram significativas, as diferenças entre as médias de sistólica e diastólica o foram. Em qualquer caso, a tendência é de não-bebedores apresentarem médias e prevalência mais baixas e de bebedores regulares as mais altas, com os bebedores ocasionais em posição intermediária.

 

 

 

 

 

 

Esses resultados, se confirmados, contrariam o observado em Framingham, em que os bebedores leves tinham médias mais baixas de pressão do que os abstêmios7. Porém, é preciso levar em consideração os diferentes métodos de classificação empregados; no estudo de Framingham, as classes de bebedores correspondem a intervalos de quantidades de bebida, que, de qualquer modo, devem estar fortemente correlacionadas com classes de acordo com a freqüência de ingestão, como as utilizadas neste estudo.

c) Migração

A migração também já foi correlacionada com a pressão arterial. No Irã, foram comparados indivíduos que migraram de um determinado meio rural para a cidade de Teerã com aqueles nascidos ali e com os da região de origem. As comparações entre os três grupos mostraram que, em todos os grupos de idade e sexo, os migrantes tinham tanto a sistólica como a diastólica mais elevadas do que os da região de origem, porém se assemelhavam muito aos naturais de Teerã16. A análise dos dados do Rio Grande do Sul mostrou que apenas os migrantes originários de área rural e residentes em área urbana, na época do estudo, tinham as médias de diastólica significativamente diferentes e maiores do que as dos naturais e residentes em área rural. Os outros diferenciais entre migrantes vindos de outra área urbana e naturais urbanos não foram significativos12.

As Tabelas VII, VIII e IX apresentam as médias de pressão e prevalências de HA, ajustadas pela idade, de naturais de Volta Redonda, migrantes vindos de outra localidade urbana e migrantes de outra localidade rural. Ocorreu uma razoável homogeneidade de médias, de sistólica e diastólica, sem diferenças significativas, e, apesar da prevalência de HA nos migrantes de área rural ter sido a mais elevada, também não se demonstrou a existência de diferenças significativas entre as proporções.

 

 

 

 

 

 

É preciso ressaltar que pela metodologia empregada, de estudo seccional, numa amostra apenas de população urbana, não é possível afastar a hipótese de que a migração seja responsável por incrementos de pressão arterial, apesar das diferenças não terem sido significativas. Isto porque, para isso, seria necessário comparar os migrantes com os naturais de seu local de origem. Se, então, essas diferenças fossem significativas, os dados deste estudo poderiam sugerir que os migrantes tendem a se assemelhar com os naturais, do local de destino, em relação aos níveis de pressão.

d) Instrução

A relação entre grau de instrução formal e pressão arterial já foi detectada em outros estudos3,4. Em um estudo com empregados na indústria, em Chicago, foi demonstrada a existência de associação inversa, estatisticamente significativa, entre status de educação e pressão arterial4. Também, no estudo do Rio Grande do Sul, foram observadas tendências semelhantes, com diferenças significativas entre médias de sistólica e prevalências de HA, mas não entre médias de diastólica3.

As Tabelas X, XI e XII apresentam as médias de pressão e prevalências de HA, ajustadas pela idade, de grupos, de acordo com o grau de educação formal, escolar. O primeiro grupo foi formado pelos analfabetos e aqueles que declararam saber ler e escrever, porém não completaram o primário. Os demais grupos são definidos segundo os estágios formais de educação, sendo que cada indivíduo foi referido ao mais alto nível que tivesse concluído. Como se observa, os dados de Volta Redonda também mostram diferenças significativas entre as médias de sistólica e as prevalências de HA, mas não entre as médias de diastólica, de um modo geral. Também se observa a tendência de queda da média de sistólica e da proporção de HA, à medida que o grau de educação aumenta. Essa tendência apresenta apenas uma discrepância, que é representada pelo nível secundário cuja média de sistólica e proporção de HA são mais elevadas do que as do nível ginasial, porém as diferenças entre elas não são significativas. Curiosamente, essa mesma discrepância foi encontrada no Rio Grande do Sul. É possível que a interferência de outros fatores, especialmente os sociais, como a ocupação, explique esses achados e a tendência de associação inversa entre educação e pressão arterial.

 

 

 

 

 

 

e) Ocupação

Tem sido demonstrado que há uma relação inversa entre morbidade e mortalidade por hipertensão arterial e níveis sócio-econômicos, medidos geralmente através da ocupação dos indivíduos5,6,10,14,21.

No Rio Grande do Sul, as médias de pressões, ajustadas por fatores intervenientes, dos indivíduos de posição social superior, segundo a relação de trabalho, educação e tamanho da propriedade rural, são mais baixas do que as daqueles de posição social inferior, em qualquer setor econômico, e o mesmo acontece em relação às prevalências de HA nos setores secundário e terciario. E, mais ainda, apesar das diferenças não serem significativas, as médias de sistólica e diastólica e a prevalência de HA do grupo de posição social inferior do setor secundário (indústria) eram um pouco mais elevadas do que as do grupo de mesma posição no setor terciario (serviços). Naquele estudo, os grupos de posição superior eram constituídos por proprietários dos meios de produção e profissionais de nível superior, enquanto que os de posição inferior eram formados por todos os demais trabalhadores, em geral assalariados10.

As Tabelas XIII, XIV e XV apresentam as médias de pressão e prevalências de HA, ajustadas pela idade, de grupos de indivíduos segundo as suas ocupações, definidas, mais especificamente, por relação de trabalho, educação e setor de atividade. A ocupação atribuída a cada indivíduo se refere não só à sua ocupação no momento da entrevista, para aqueles em atividade, mas também, alternativamente, à sua ocupação no passado, para aqueles que se encontravam inativos. Portanto, a ocupação registrada é a última de cada indivíduo no momento da pesquisa. A categoria "nunca trabalhou" é formada em sua maior parte por donas-de-casa, que jamais ingressaram no mercado formal de trabalho. O segundo grupo reúne todos os proprietários dos meios de produção e os profissionais de nível superior de ambos os setores econômicos, predominantes na área urbana, secundário e terciario. Os demais trabalhadores assalariados do setor secundário estão reunidos no grupo de ocupações da indústria. Finalmente, os demais trabalhadores do setor terciario foram subdivididos em duas categorias: a de pequenos burocratas e comerciários e a da prestação de serviços (domésticas, garçons, porteiros, etc.)1.

 

 

 

 

 

 

Existem diferenças significativas entre médias e prevalências dos grupos de ocupação, demonstrando claramente que há uma relação entre ocupação e pressão arterial. Como, no Rio Grande do Sul, o grupo socialmente mais privilegiado apresenta os índices mais baixos sob qualquer aspecto, ainda que nem todas as diferenças sejam significativas nos pares formados com este grupo. Também, como no Rio Grande do Sul, em Volta Redonda, os que nunca trabalharam ocupam posição intermediária em relação à prevalência de HA. Já os trabalhadores do setor terciario demonstram não formar um grupo homogêneo, pois as suas duas categorias mostram diferenças significativas entre si. Repare-se que, se esses dois grupos tivessem sido unidos, o resultante teria médias e prevalências muito semelhantes ao das ocupações da indústria, como no Rio Grande do Sul. De qualquer modo, os indivíduos da prestação de serviços são aqueles que apresentam médias e prevalências mais elevadas, e quase sempre as diferenças com os outros grupos são significativas. É preciso ter cuidado com a interpretação desses resultados, pois, segundo informações, sem comprovação factual documentada, esses trabalhadores da prestação de serviços são, em boa proporção, constituídos pela sobra da mão-de-obra da indústria. E não só isso, também esse resíduo teria origem na precariedade sanitária detectada periodicamente nesses trabalhadores, na indústria.

Os diferenciais entre esses grupos ocupacionais podem estar relacionados com diferenças de atividade física e exposição a riscos ambientais próprios de cada trabalho, como também a diferenças nas experiências de vida das classes sociais de onde os grupos provêm.

f) Agregação Familiar

Um dos temas mais discutidos em relação à causalidade da hipertensão arterial é certamente o que envolve os mecanismos e a influencia da hereditariedade, desde a célebre polêmica entre Platt e Pickering, nas décadas de 50 e 60. Para Platt a hipertensão arterial seria uma entidade mórbida, de caráter qualitativo, que se manifesta em pessoas de meia-idade com uma carga genética específica, através de um gen único ou, pelo menos, poucos gens20. Já, para Pickering, a hipertensão arterial é um desvio quantitativo da norma, sendo que a pressão arterial é uma característica cuja distribuição se aproxima a uma curva normal, em qualquer população, denotando assim a influência de uma hereditariedade multifatorial, poligênica19.

Estudos com grupos de pessoas relacionadas geneticamente, em domicílios, mostraram que há agregação familiar de pressão arterial, porém fraca e de interpretação duvidosa, uma vez que indivíduos que moram num mesmo domicílio também compartilham entre si uma série de experiências ambientais22,24. Esses resultados foram confirmados no projeto de Detroit2, que também conclui por uma fraca agregação familiar de hipertensão arterial, porém estima que cerca de 40% da variação das pressões sistólica e diastólica são explicadas pela hereditariedade.

As Tabelas XVI, XVII e XVIII apresentam as médias de pressão e prevalências de HA, ajustadas pela idade, de dois grupos de indivíduos de acordo com o status de pressão, conhecido, dos seus pais. O primeiro grupo é formado por aqueles que declararam que pelo menos um dos pais tinha diagnóstico de pressão alta e o segundo por aqueles que afirmaram que nenhum dos seus pais tinha pressão alta. Portanto, foram excluídos da análise aqueles que não sabiam da pressão de nenhum dos pais (109 pessoas) e os que só sabiam da pressão de um dos pais, e que esta era normal (47 pessoas). Os resultados, em Volta Redonda, mostram diferenças significativas entre as médias de pressão e de prevalências de HA entre os dois grupos. Assim, os valores mais elevados do grupo que tem pelo menos um dos pais afetado poderiam ser indicadores da existência de agregação familiar de pressão arterial, e, conseqüentemente, de hipertensão arterial. Repare-se que, nesta análise, pais e filhos, os examinados, não eram necessariamente coabitantes de um mesmo domicílio. Porém, é preciso ressaltar alguns pontos que podem frustrar essa conclusão.

 

 

 

 

 

 

A pesquisa examinou os filhos e, eventualmente, os pais, quando estes habitavam o mesmo domicílio, porém nestes casos não foram utilizadas as informações da tomada de pressão arterial e, sim, apenas a declaração de cada filho a respeito dos seus pais. Assim, é provável que os indivíduos afetados, hipertensos, tenham uma maior tendência a julgar que seus pais também são hipertensos, o que não é possível afirmar ainda. A exclusão de uma fração considerável da amostra, cerca de 25% dos examinados, por insuficiência de informações, nesta análise, pode ter originado sérias distorções de representatividade dos dois grupos comparados. Uma indicação dessa possibilidade é o fato de que justamente os que nada sabiam a respeito de seus pais foram os que apresentaram médias e prevalência mais elevadas, entre todos. A seletividade também pode ter ocorrido em relação ao diagnóstico prévio dos pais, que pode depender do status de pressão dos filhos, E, por último, em geral pais e filhos compartilham de um mesmo ambiente, não só durante a infância dos filhos, no mesmo domicílio, mas também durante a vida adulta dos filhos, mesmo em domicílios separados.

Portanto, esses dados podem sugerir a existência de uma agregação familiar da pressão arterial, porém não é possível determinar em que medida isso se deve à hereditariedade e/ou a influências ambientais comuns.

 

CONCLUSÕES

A metodologia da pesquisa, um estudo seccional, não permite concluir, claramente, que os fatores estudados estejam envolvidos na causação da hipertensão arterial ou do incremento dos níveis de pressão arterial. De qualquer modo, através das associações estatísticas estabelecidas, é possível sugerir a existência de grupos de risco, de acordo com os fatores investigados.

Assim é que, de um modo geral, os grupos de maior risco em relação à hipertensão arterial, e, de médias mais elevadas de pressão, podem ser identificados por características como o hábito do fumo e a ingestão regular de bebida alcoólica. Também são características das pessoas de mais alto risco o baixo grau de instrução escolar e o trabalho em ocupações subalternas da prestação de serviços. Por fim, as pessoas que têm pelo menos um dos pais afetados parecem ter médias mais elevadas de pressão e maior probabilidade de serem hipertensas. Já o fato de um indivíduo ser migrante não parece diferenciá-lo de um natural, em relação à pressão arterial. Estas conclusões, evidentemente, se referem à população de Volta Redonda. Ainda assim, em linhas gerais, estes resultados concordam com os achados em outras pesquisas ad hoc, realizadas em outras populações.

 

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