REGISTRO
O Programa de saúde ocupacional da UFRJ*
Volney de Magalhães Câmara
Professor Adjunto da UFRJ e coordenador do programa
RESUMO
A Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o patrocínio da Fundação W.K. Kellogg, vem desenvolvendo um programa de saúde ocupacional na XX Região Administrativa do Município do Rio de Janeiro. Para que este programa pudesse atender às necessidades dos trabalhadores da região, decidiu-se utilizar uma estratégia comunitária, isto é, as principais diretrizes da programação foram definidas por representantes da comunidade da região.
As atividades deste programa incluem o levantamento do perfil da população trabalhadora, a criação de um sistema contínuo de registro de dados de morbidade e mortalidade, a criação de um centro de diagnóstico e controle de doenças ocupacionais e o desenvolvimento de atividades de educação para saúde e extensão.
INTRODUÇÃO
O Serviço de Saúde Coletiva, dentro da estrutura do Hospital Universitário da UFRJ, tem a atribuição de desenvolver projetos e programas de saúde para sua área programática. Entre os programas que estão sendo desenvolvidos, destaca-se aquele que é voltado para as pessoas que trabalham, visto que nos ambientes de trabalho existe uma grande variedade de agentes etiológicos de acidentes e doenças que podem causar dor e sofrimento físico aos trabalhadores além de danos materiais e até prejuízos financeiros para a nação.
Não é possível fazer uma estimativa correta da incidência com que estes eventos ocorrem, porque a análise das estatísticas existentes mostra que existe subnotificação dos acidentes e principalmente das doenças ocupacionais. Porém em relação aos dados de mortalidade, aqui no Brasil morrem por dia uma média de 15 trabalhadores por causa de acidentes de trabalho. Estes números na realidade são até subestimados, uma vez que não estão aí incluídos aqueles que morrem por serem portadores de doenças ocupacionais e que não são notificados como tal. Para que se tenha uma idéia da magnitude destes números, nem nas guerras do Vietnã e do Líbano, não morreram e não morrem tantas pessoas por dia.
A criação deste programa também se tomou imperiosa porque sendo a Universidade uma instituição de ensino, era necessário na área de saúde ocupacional desenvolver atividades docente-assistenciais, em que o aluno, pudesse conhecer as causas dos acidentes e doenças do trabalho e os meios existentes para prevenção e assistência à população trabalhadora.
O local em que está sendo desenvolvido o programa é a XX Região Administrativa da Cidade do Rio de Janeiro (Ilha do Governador e Fundão).
O programa abrangerá além da população trabalhadora residente na XX R.A., todas as demais pessoas que ali exercem suas atividades profissionais e que também são merecedoras de toda atenção, uma vez que despendem parcela importante de suas vidas, nos locais de trabalho ali situados.
Esta R.A. faz parte da área de planejamento 3.1, que é uma das oito áreas em que a cidade do Rio de Janeiro foi dividida pelo Sistema de Ações Integradas de Saúde que está sendo implantado no País. Após o desenvolvimento experimental do programa na XX R.A., pretende-se estender suas ações para toda a AP 3.1.
A XX R.A., de acordo com os dados fornecidos pela Administração Regional e pelo Diagnóstico de Saúde da XX Região Administrativa realizado por este Serviço é uma área onde se desenvolvem inúmeras atividades de trabalho, representadas por muitas empresas de grande e médio porte, sobressaindo entre elas em primeiro plano a indústria naval, seguida da química e da metalúrgica.
São numerosas as empresas de pequeno porte as quais se acrescentam mais de mil estabelecimentos comerciais, 15 agências bancárias, e atividades agropecuárias e pesqueiras.
Funciona na Ilha do Governador o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro que opera com várias companhias aéras nacionais e internacionais, além de se constituir num grande "pool" de empresas prestadoras de Serviços.
A distribuição da população economicamente ativa da XX R.A. por setores de atividades é proporcionalmente semelhante a do Município do Rio de Janeiro (IBGE Censo de 1980), podendo assim ser considerada como uma amostra bem representativa para uma efetiva aplicação experimental no campo da Saúde Ocupacional no Rio de Janeiro. Alie-se a isto o fato de sua limitação geográfica natural, o que enseja uma série de vantagens a um programa para formação e treinamento de recursos humanos nesse campo especializado por parte da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para que este programa, pudesse atender às necessidades dos trabalhadores da XX R.A., decidiu-se utilizar uma estratégia comunitária, isto é, as principais diretrizes da programação foram definidas pela comunidade da região, representada por empregados e o pessoal da administração das empresas, pelas instituições voltadas para saúde, pelos órgãos de classe representativos de cada categoria de trabalho e pelos profissionais da área de saúde ocupacional. Estas pessoas foram reunidas no I Seminário sobre Saúde no Trabalho da XX R.A. realizado nos dias 4 e 5 de setembro de 1984.
Com o objetivo de divulgar o Seminário e colher subsídios para sua realização, foram iniciadas em novembro de 1983 uma série de visitas a instituições e locais de trabalho. Com base nas informações obtidas nestas visitas foram escolhidos para temário do Seminário: A prevenção de acidentes do trabalho, a assistência ao trabalhador doente, o controle das causas de absentismo e como finalidade principal a criação de uma Comissão Comunitária para acompanhar o desenvolvimento de todas as atividades do programa e avaliar os resultados de sua execução.
OS OBJETIVOS DO PROGRAMA
O programa visa implantar atividades de atenção ao trabalhador da XX Região Administrativa, cujo objetivo principal é oferecer melhores condições de trabalho e vida a estes trabalhadores.
Este programa oferece campo de estágio para alunos de graduação e pós-graduação, bem como treinamento e aperfeiçoamento de profissionais na área de saúde ocupacional e as atividades desenvolvidas foram definidas por representantes da XX R.A. no l Seminário sobre saúde no trabalho da XX R.A.
As propostas apresentadas neste seminário foram divididas basicamente em providências relativas às empresas, ao Hospital Universitário e à comunidade em geral. Destas, as principais propostas foram:
Fornecer meios para o melhor diagnóstico das doenças ocupacionais através da criação de um Centro de Diagnóstico e Controle das Doenças Ocupacionais.
Promover uma melhor assistência aos trabalhadores acidentados através do credenciamento do Hospital Universitário para atender estes acidentados.
Realizar seminários e outras atividades educacionais similares, para os diversos grupos ocupacionais vinculados diretamente aos tipos de atividades desenvolvidas nas empresas da Ilha.
Propor a formação de uma equipe de consultoria em saúde ocupacional no Hospital Universitário com o objetivo de atender às necessidades de treinamento e de estudos técnicos solicitados pelas empresas ou pelos sindicatos dos trabalhadores da área.
Organizar pesquisas sobre riscos ambientais, estimulando a participação de estudantes nestes programas.
Iniciar o cadastramento das empresas da XX R.A. com o número de funcionários e suas ocupações.
Desenvolver através de dados de absentismo um sistema contínuo de informações sobre morbidade e mortalidade para:
a) Coletar informações sobre as causas de afastamento como o número de dias perdidos, sexo, faixa etária, tempo de empresa e turno de trabalho;
b) Sensibilizar o empregador que saúde não é custo e sim investimento, através de um adequado sistema de informação nosológica;
c) Padronizar os conceitos dos tipos de absentismo; registrar e estudar as causas sociais ou psicossociais do absentismo;
d) Viabilizar estudo de vigilância epidemiológica das causas de absentismo.
Proceder o levantamento dos recursos comunitários a fim de orientar os trabalhadores na utilização objetiva dos diversos serviços;
Divulgar os resultados do programa através dos meios de comunicação existentes na Ilha do Governador e Fundão.
Neste seminário foi formada a 13 comissão comunitária. A Comissão Comunitária foi inicialmente proposta com 6 membros, 2 de órgãos de classe e 2 profissionais da área de segurança e medicina do trabalho. Esses componentes teriam que atender a duas condições básicas: ser residente na XX R.A. e estar ligado a uma instituição.
Na sessão plenária final do seminário, foi decidido que todos os candidatos apresentados pelos grupos (13) constituissem esta comissão.
AS ATIVIDADES DO PROGRAMA
O programa tem como atividades básicas o diagnóstico dos problemas de saúde da população trabalhadora na região e um conjunto de ações para promoção de medidas de controle como resposta às situações consideradas prioritárias, podendo chegar até a assistência ao trabalhador através da estrutura assistencial disponível.
As atividades de diagnóstico compreendem o levantamento seccional do perfil ocupacional e de alguns indicadores de condições de vida e trabalho desta população e o sistema de avaliação contínua de dados de morbidade e mortalidade obtido através do estudo das causas de absenteismo dos trabalhadores e de informações coletadas na demanda das instituições de saúde da XX R.A. Após o desenvolvimento destas atividades, serão definidas as áreas prioritárias para aplicação das ações a serem implantadas.
Apesar de ainda não ser possível definir um modelo detalhado das ações de prestação de serviço a serem desenvolvidas, que necessariamente dependem da conclusão das atividades de diagnóstico, podemos em linhas gerais estabelecer como linha de ação:
a. Assistência ao trabalhador doente.
b. Análise dos ambientes de trabalho com posterior elaboração de recomendações ou projetos.
c. Desenvolvimento de atividades de educação para a saúde;
d. Elaboração e execução de atividades de educação continuada;
e. Prestação de assessoria para profissionais em Saúde Ocupacional;
f. Elaboração de projetos de mudanças da legislação trabalhista.
g. Criação de um Centro para diagnóstico e controle de doenças do trabalho.
1 O diagnóstico do problema.
1.1 Levantamento do perfil coupacional da População Trabalhadora na XX R.A.
Foram elaborados instrumentos para que fossem obtidas as seguintes formações:
a. Identificação da empresa: nome, endereço e ramo principal de atividade.
b. Informações sobre os trabalhadores: distribuição dos tipos de funções ou ocupações existentes na empresa por sexo e faixa etária, número de deficientes físicos, número de empregados em regime de plantão, faixa salarial e número de trabalhadores que recebem adicional de periculosidade e insalubridade.
c. Local de encaminhamento de acidentados do trabalho: atendimentos de emergência e ambulatorial.
d. Número de profissionais ligados a área de saúde ocupacional: médicos, enfermeiros, dentistas, auxiliares de enfermagem, engenheiros do trabalho, supervisores de segurança, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas.
e. Existência ou não de Serviços especializados em saúde ocupacional: Segurança e Medicina do Trabalho.
f. Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CIPA: existência ou não, número de participantes e número médio de reuniões por ano.
g. Benefícios eferecidos pela empresa: assistência médica, assistência odontológica, creche, alimentação, transporte e habitação.
1.2 Sistema Contínuo de Avaliação de Morbidade e Mortalidade
O sistema de avaliação contínua de dados de morbidade da população trabalhadora na XX R.A. está sendo implantado através de duas estratégias diferentes. A primeira consiste na análise de boletins mensais oferecidos pelas empresas que aderirem ao programa, contendo dados sobre as doenças que causaram o afastamento ao trabalho e o número de dias de afastamento. O médico da empresa envia as informações que são processadas no sistema de computação eletrônica da UFRJ. Estas informações produzem indicadores que servem para definir os programas preventivos que devem ser implantados. A segunda estratégia é baseada em informações obtidas na demanda dos hospitais da XX R.A.
2. Ações para Prestação de Serviço
2.1 Criação do Centro para Diagnóstico e Controle de Doenças Profissionais.
Este Centro ligado administrativamente à Seção de Saúde Ocupacional do Serviço de Saúde Coletiva da UFRJ apresenta dois setores principais:
Setor clínico (Ambulatório de Doenças Ocupacionais) para avaliar e orientar os problemas de saúde dos trabalhadores acometidos por doenças ocupacionais.
Setor de avaliação de ambientes de trabalho, que a partir dos casos diagnosticados fará o estudo dos ambientes de trabalho propondo recomendações para profilaxia e controle das condições adversas detectadas e de áreas prioritárias definidas pelo diagnóstico do programa.
O ambulatório de doenças ocupacionais além de diagnosticar doenças ocupacionais, oferece tratamento dos pacientes e desenvolve rotinas para diagnóstico e tratamento das doenças ocupacionais.
A avaliação dos ambientes de trabalho abrangem desde a entrada da matéria-prima até a saída do produto final. Isto levará à análise:
dos equipamentos utilizados;
das matérias primas empregadas
dos métodos de trabalho;
da mão-de-obra empregada
das condições ambientais anormais (presença de agentes físicos, químicos e biológicos);
das condições sanitárias;
das formas de organização do trabalho (jornada, turnos, hora extra, sistema de seleção, níveis salariais etc.)
2.2 Atividades de educação para saúde.
As atividades serão direcionadas para as áreas prioritárias definidas pelo levantamento do perfil ocupacional, pelo sistema contínuo de avaliação de dados de morbidade e mortalidade, pelo Centro de Diagnóstico e Controle de Doenças Ocupacionais (ambulatório e avaliações ambientais) e pela Comissão Comunitária.
2.3 Atividades de Extensão.
As principais atividades planejadas são:
Elaboração de atividades de educação continuada: Cursos de formação e de atualização para pessoal das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e cursos para desenvolvimento de pessoal das áreas de Medicina, Engenharia, Serviço Social e Enfermagem.
Assessoria para profissionais e serviços ligados aos problemas de saúde ocupacional: Implantação e divulgação de um esquema de assessoria para profissionais da área (Medicina, Engenharia, Química, Enfermagem e Serviço Social) e órgãos de Saúde Ocupacional (Serviços de Segurança e Medicina do Trabalho e Comissões Internas de Prevenção de Acidentes.)
Divulgação e recomendações para projetos de melhoria dos ambientes de trabalho: A partir da análise dos ambientes de trabalho está sendo possível recomendar projetos a nível de estação, seção, unidade e região que não estejam restritos somente à empresa estudada e que possam ser também indicados para outras da mesma linha de atividade existentes na região.
Propostas de mudanças da Legislação Trabalhista. A partir do estudo dos locais de trabalho, poderá ser avaliada a legislação existente para proteção dos trabalhadores e propostas alterações para melhoria de condições de trabalho.
Proposta de criação de um órgão comunitário de apoio em questões de Saúde Ocupacional.
Atividades para atendimento à solicitações da comunidade.
AVALIAÇÃO DAS ATIVIDADES REALIZADAS
O programa vem cumprindo o cronograma proposto e até algumas propostas para o próximo ano já estão sendo implantadas. As atividades realizadas até junho de 1986 foram:
1 Levantamento do perfil ocupacional da população trabalhadora da XX R.A.
Foram levantadas cerca de 450 empresas abrangendo informações sobre um total aproximado de 25.560 trabalhadores. Estas empresas foram divididas em 3 grandes grupos: Empresas da Ilha do Governador, da Ilha do Fundão e do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Está previsto para outubro o lançamento de um documento contendo as informações obtidas.
2 Sistema Contínuo de Avaliação de dados de morbidade e mortalidade
Uma comissão formada por quatro médicos de empresas da Ilha do Governador (Solutec, Shell, Optsol e Paranapuan) e coordenada por uma analista de sistemas da UFRJ estão concluindo o planejamento do programa de absentismo.
Os dados da demanda dos Hospitais da XX R.A. estão sendo coletados pela equipe do componente de emergência do Programa Docente-Assistencial de ações integradas em saúde da UFRJ.
3 O ambulatório de doenças ocupacionais
A demanda que inicialmente era pequena está começando a se expandir, por este motivo foi aberta uma nova sessão do ambulatório. Está sendo feito um convênio com o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana-CESTE da ENSP FIOCRUZ para desenvolvimento das atividades do ambulatório.
4 As atividades de avaliação ambiental.
Embora previstas para o próximo ano, foram desenvolvidos dentro da Ilha do Fundão dois levantamentos sendo um nas gráficas e outro nas dependências do Escritório Técnico da UFRJ. Estão em fase de conclusão oito levantamentos também na Ilha do Fundão e que tiveram a participação dos alunos de graduação do curso médico e do curso de engenharia de produção.
5 Comissão Comunitária.
A Comissão Comunitária, que inicialmente estava prevista para avaliar o andamento das atividades passou a ter uma forte atuação no programa. Esta comissão organizou o II Seminário sobre saúde no trabalho da XX R.A. e através de uma subcomissão vem coordenando as gestões para que o Hospital Universitário da UFRJ seja credenciado para atendimento de acidentados do trabalho. Em relação a esta comissão, a única crítica que se pode fazer é a pouca participação de representantes de sindicatos. Estes representantes tem tido dificuldades para liberação de sua jornada normal de trabalho para desenvolver as atividades da comissão. Podemos ainda creditar o fato de que a XX R.A. fica distante da sede da grande maioria dos órgãos de classe representativos dos tipos de trabalho desenvolvidos na região.
6 Atividades de extensão
A principal atividade de extensão realizada foi o II Seminário sobre saúde no trabalho da XX R.A. Neste Seminário foram discutidos os principais problemas de saúde ocupacional definidos pela Comissão Comunitária. Estes temas foram: Assistência ao trabalhador doente, metodologia para escolha de equipamentos de proteção, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, participação da comunidade em emergências aeroportuárias, uso da informática em saúde ocupacional, acidentes de trânsito, políticas de alimentação do trabalhador, alcoolismo, prevenção de acidentes na construção civil, prevenção de incêndios e insalubridade e voz do trabalhador. Foram realizados encontros do pessoal de enfermagem e serviço social e eleita uma nova comissão comunitária.
Ainda como atividades de extensão, está prevista a realização de dois cursos, sendo um para pessoal de enfermagem e outro para desenvolvimento de técnicas de avaliações ambientais.
* Este programa faz parte do PROGRAMA DOCENTE-ASSISTENCIAL DE AÇÕES INTEGRADAS EM SAÚDE DA UFRJ, que tem o patrocínio da Fundação W.K.Kellogg.