EDITORIAL
Profissional em saúde, amador em educação
Paulo Barata
De um professor de saúde pública pede-se competência na sua área específica de conhecimento. Seja em planejamento, epidemiologia, qualquer que seja, esta competência é formalmente atestada pelos títulos que possui mestrado, doutorado e medida (é o que se supõe) de maneiras diversas, como, por exemplo, pelo número de trabalhos que publica. Títulos conquistados e pesquisas realizadas significam (outra vez, é o que se supõe) um conhecimento adquirido e praticado com estudo e rigor, um conhecimento sólido, em suma. Um dos significados da palavra "professor" (Novo Dicionário Aurélio, 1ª edição) é "homem perito ou adestrado".
Fazem parte das atividades do professor dar aulas, orientar alunos, organizar cursos. Atividades pedagógicas: ensinar, trabalhar o próprio conhecimento, transmiti-lo da melhor forma. Nestas atividades, o professor titulado, o pesquisador competente, é, em geral, um amador. Aprende por conta própria, na sua prática diária, com seus acertos e erros, até onde seu interesse e sua sensibilidade o permitem. Um improviso que seria inaceitável na sua prática específica em saúde pública. De modo geral, o professor do ensino superior ( e não só da saúde pública) não estudou para ser professor: ele estudou medicina, ou sociologia, ou estatística, e, por algum caminho, por alguma contingência, exerce a atividade de professor, trabalha em educação. Sua formação não inclui o estudo da educação, da filosofia, da didática, embora a sua atuação no ensino delas dependa, mesmo que ele não tenha disto maior consciência.
Se epidemiologia, planejamento ou outras áreas da saúde pública são assuntos que se estudam, que requerem um aprendizado, também é assim com a educação. A educação possui uma história longa era já uma preocupação central dos gregos antigos. Tem a sua filosofia, com diversas escolas e ideologias, e o seu lado técnico, que estuda e elabora alternativas para o processo de ensino e de aprendizagem. Existe todo um debate sobre a relação da educação com o social e o político, sobre a sua prática como meio de transformação do homem e da sociedade e sobre a sua concepção como um objetivo a ser alcançado por cada cidadão e pela sociedade como um todo. Por lidar com pessoas, pelo aspecto de contato humano que envolve, a educação terá sempre um lado de arte e de envolvimento pessoal que, como diz a letra de Noel Rosa, "ninguém aprende no colégio". No entanto, estudo e reflexão melhoram e dão consistência à sua prática. No Brasil, existem centros de qualidade na área da educação e publicações (revistas e livros) que deveriam ser do conhecimento de qualquer professor.
O ensino da saúde pública está na interseção da saúde com a educação. O conhecimento técnico e o discernimento político na área da saúde devem estar combinados a uma competência em educação se se deseja um ensino eficaz da saúde pública. Este ensino, geralmente feito em nível de pós-graduação, é parte de um sistema educacional formal escolas, universidades e de um processo de aprendizagem sofrido (esta é a palavra!) pelos estudantes e que precisam ser compreendidos e elaborados pelo professor. Da mesma forma como é preciso uma saúde pública que atenda ás nossas necessidades, é preciso também um ensino que atenda às nossas necessidades, que responda às necessidades colocadas pela prática complexa da saúde pública e aos desejos de crescimento dos estudantes. Este ensino demanda estudo e pesquisa em educação.
Esta questão não pertence, claro, apenas à saúde pública, sendo válida igualmente para professores de matemática ou de medicina. Ela reflete a pouca atenção que a universidade dedica à formação humanística dos profissionais que por ela passam, o que é especialmente sentido no caso dos professores, e a tradição de desprezo que existe no Brasil em relação à educação. Neste país, a educação é, por si, um problema tão fundamental e gigantesco quanto a saúde pública. O nosso sistema educacional tem reconhecidamente deficiências sérias em todos os níveis, e a pós-graduação em saúde pública, pelo ensino que pratica e pelos professores que forma nos seus programas de mestrado e doutorado, tem o que contribuir para a melhora desse sistema.
Por parte das universidades e das escolas de saúde pública é necessário que haja uma valorização das atividades relacionadas ao ensino, freqüentemente encaradas como secundárias em relação á pesquisa. Esta valorização precisa se expressar de modo concreto: tempo, recursos materiais, estímulos e reconhecimento de toda ordem ao trabalho em ensino. No entanto, universidades e escolas, sendo instituições, são em certa medida abstrações: elas existem e se orientam segundo os valores e critérios das pessoas que as compõem. Neste sentido, dar atenção à educação como área de estudo e pesquisa deveria ser uma preocupação de todo (assim denominado) professor que se pretenda profissional do ensino.