PESQUISA RESEARCH

 

Sobre a dispersão de Lutzomyia Intermedia (Diptera, Psychodidae)

 

The dispersion of Lutzomyia intermedia (Diptera, Psychodidae)

 

 

Mario B. AragãoI; Lais Clark LimaII

IEscola Nacional de Saúde Pública, 21041 Rio de Janeiro, RJ
IICentro de Pesquisas René Rachou, Caixa Postal 1743, 30 000 Belo Horizonte, MG

 

 


RESUMO

Utilizando um mapa de domínios morfoclimáticos e um de vegetação, foram estudadas as áreas de dispersão da espécie e obtidas as seguintes conclusões:
1 - Lutzomyia intermedia é um flebótomo que ocorre nas florestas que apresentam o seu máximo de desenvolvimento nas encostas úmidas, mas, que ocupam também áreas de relevo pouco movimentadas ou planas.
2 - No Brasil, essas encostas pertencem às serras do Mar e da Mantiqueira e, no noroeste da Argentina, situam-se na Cordilheira dos Andes.
3 - E provável que a espécie exista nas serras florestadas do interior do nordeste brasileiro.


ABSTRACT

Using vegetation and morphoclimactic domain maps the areas of dispersion of Lutzomyia intermedia were studied and the following conclusions were obtained:
1 - L. intermedia is a sandfly of the forests which have their maximum growth at the humid slopes although these forests can also be found in plains and areas with low hills.
2 - In Brazil these slopes are found at the Serras do Mar and Mantiqueira and in Argentina ath the Andes Mountains in the northwest of the country.
3 - This species probably occurs also in the forested mountainous areas of the northeastern region of Brazil.


 

 

Um congresso internacional de geografia, realizado em 1956 no Rio de Janeiro, estimulou alguns estudos sobre a distribuição de vetores de doenças por regiões geográficas e, também, a correlação dessa distribuição com elementos climáticos (Aragão, 1956; Aragão & Dias, 1956). Apesar desse método ter sido utilizado no monumental atlas de Rodenwaldt (1952) não encontrou muitos adeptos. A maioria dos autores continuou a utilizar a distribuição por município, estado e país.

Recentemente, um de nós (Aragão, 1987) trabalhando no Projeto RADAMBRAS1L apresentou, num congresso realizado em 1976, um trabalho mostrado como os mapas temáticos daquele projeto, podiam auxiliar no estudo da distribuição de algumas doenças.

Num exame, feito mais por curiosidade, dos mapas do "American Sand Flies" de Martins, Williams & Falcão (1978), notou-se que a distribuição da Lutzomyia intermedia, no leste do Brasil, superpunha a área do domínio morfoclimático dos Mares de Morros, de Ab' Saber (1970) (Figura 1) e, por esse motivo, resolvemos estudar o assunto.

 

 

O próprio mapa do "American Sand Flies" mostra que a correlação não é com a topografia característica desse domínio morfoclimático. Já o mapa da vegetação da América do Sul de Hueck (1972) se revela muito mais adequado ao estudo.

 

MATERIAL E MÉTODOS

No mapa da figura 2 a distribuição da L. intermedia é a dada por país, estado e município por Martins, Williams & Falcão com algumas dúvidas esclarecidas por Forattini (1973). Devido à dificuldade de encontrar nos mapas correntes as localidades da Argentina e do Paraguai, nesses parses foram plotadas apenas as províncias onde a espécie ocorre.

 

 

O dados de vegetação são, basicamente, de Hueck com alguns acréscimos de Rizzini (1979) e mais algumas fontes que serão mencionadas oportunamente.

Com base nas informações disponíveis sobre a flora das diversas áreas, o que se vai procurar é o que existe de geral, nos diversos tipos particulares de vegetação onde esse flebótomo ocorre.

 

RESULTADOS E COMENTÁRIOS

No mapa da figura 1 vê-se que do Nordeste até o estado de São Paulo, a L. intermedia é encontrada no mar de morros que era coberto pela "mata pluvial costeira do Brasil" e pelas "matas subtropicais do leste e do sul do Brasil" de Hueck (ver figura 2). Na terminologia de Rizzini são dois setores da Floresta Atlântica". A floresta pluvial montana, que cobre ou cobria as encostas das serras do Mar e da Mantiqueira e a floresta pluvial baixo montana, que se expandia do litoral dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, por áreas contínuas em parte dos estados de Minas Gerais e de São Paulo e em manchas e galerias no Planalto Central.

A floresta pluvial montana é a expressão mais pujante e mais rica em espécies da Floresta Atlântica. Já a floresta pluvial baixo montana é menos desenvolvida e com menor número de espécies mas, nas áreas mais úmidas, principalmente nas grotas, se apresenta como uma típica floresta montana.

As localidades assinaladas ao norte da legenda 2 da figura 2, estão todas na bacia do rio Paraná onde, nas matas ciliares, predominam espécies da Floresta Atlântica.

Do lado do Paraguai e do nordeste da Argentina, a floresta é uma extensão da brasileira. Segundo Hueck "quase toda a região montanhosa do leste do Paraguai é coberta por matas subtropicais: da mesma forma existe mata subtropical na Argentina, em Missiones e Corrientes".

Rambo (1951), o grande estudioso da vegetação do Rio Grande do Sul, apoiado em Cabrera, diz que "a selva sul-brasileira higrófila encontra seu limite sul extremo na foz do Rio da Prata". E o que Hueck chama de "matas do Chaco e áreas marginais" (legenda 3 da figura 2). Essa mesma idéia é esposada por Rizzini com base na lista de espécies publicada por Martinez-Croveto.

Também muito significativa, uma vez que trata-se de plantas que dependem da floresta, é a conclusão de Pabst (1951) em relação às orquídeas. Diz ele: "Fitogeograficamente Santa Catarina (...) pertence ainda ao grupo floral característico do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, sul de Mato Grosso, leste do Paraguai e nordeste argentino".

No noroeste da Argentina, Províncias de Jujuy e Tucuman, a L. intermedia ocorre na Região das Matas Tucumano-bolivianas (legenda 4 da figura 2), que são as florestas que cobrem as primeiras encostas dos Andes. Os autores desconhecem a área, mas, as fotografias publicadas por Hueck mostram uma topografia semelhante à dos mares de morros do sudeste brasileiro.

A figura 2 mostra a ausência da espécie na legenda 5, região das matas de araucária do sul do Brasil, assunto que será examinado a seguir.

Os pinheirais à medida que vão envelhecendo vão sendo invadidos por espécies da Floresta Atlântica e quando muito idosos, são muito mais florestas latifoliadas do que pinhais. Aqui, entretanto, devem ser levados em conta dois fatores. Um, muito bem descrito por Klein (1960), de que o pinhal avança sobre as áreas de campo. Assim sendo, a periferia do pinhal é completamente dominada pela Araucária.

Outro de que, pelo menos nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, a L. intermedia é uma espécie da periferia da mata (Lima, 1986). Sendo assim, a espécie deve encontrar dificuldade para prosperar no interior dos pinhais idosos, onde predominam as espécies da Floresta Atlântica.

Todos esses fatos induzem à conclusão de que a I., intermedia é uma espécie das florestas de encostas e de suas extensões. Entretanto, ela não está assinalada nas diversas florestas das serras existentes no nordeste brasileiro. Assunto que precisa ser examinado.

Ducke (1959) estudando a vegetação dessas serras observou que as matas têm afinidade com as da Serra do Mar, embora sejam menos ricas em espécies.

Aproveitando a excelente monografia das bromeliáceas de Reitz (1983) anotamos as espécies que ocorrem na Floresta Atlântica e nas serras do Nordeste. São ao todo oito, 4 Tillandsia, 3 Vriesea e l Aechmea. Isso significa que para essas plantas epífitas, os dois tipos de florestas apresentam condições semelhantes. Aliás, a semelhança entre as condições climáticas dessas áreas, situadas em zonas de circulação atmosférica distintas, já havia sido demonstrada por Aragão(1961).

 

CONCLUSÕES

A L. intermedia é uma espécie das florestas tropicais e subtropicais das encostas e de suas extensões. Essas encostas situam-se nas serras do Mar e da Mantiqueira, e nos Andes.

Pela face leste do continente é a Floresta Atlântica, com a floresta montana, e a floresta baixo montana e suas extensões, sejam elas manchas, capões ou matas ciliares.

Pelo lado andino são as matas tucumano bolivianas, do noroeste argentino, que cobrem os primeiros contra fortes dos Andes.

Conclui-se também que é provável a existência da espécie nas serras florestadas do interior do nordeste brasileiro.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ARAGÃO, M. B. & DIAS, E. Aspectos climáticos da doença de Chagas. Rev. Bras. Malar. D. Trop.. 8:633-41, 1956.        

DUCKF, A. Estudos botânicos no Ceará. An. Acad. Bras. Ci., 31: 211-308, 1959.        

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HUECK, K. As florestas da América do Sul. Tradução de Hans Reichardt. São Paulo, Editora Polígono S. A. & Editora da Universidade de Brasília, 1972.        

KLEIN, R. M. O aspecto dinâmico do pinheiro brasileiro. Sellowia, Itajaí, SC, 12:17-44, 1960.        

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RIZZINI, C. T. Tratado de fitogeografia do Brasil, 2º volume. São Paulo, "Hucitec" Ltda. & Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

RODENWALDT, E., Ed. World-atlas of epidemic diseases. Hamburg, Falk-Verlag, 1952.        

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