ARTIGO

 

Cesta básica nordestina: oferta e demanda

 

 

Maria Odete DantasI; Antonio Rodrigues BarbosaII; Maria do Socorro Silva LimaI

IProfessores do Departamento de Saúde Coletiva e Nutrição UFRN
IIProfessor do Departamento de Economia - UFRN

 

 


RESUMO

O trabalho apresenta uma projeção da oferta e demanda dos alimentos que compõem a cesta básica nordestina, proposta pelo VII SIBAN (Simpósio Brasileiro de Alimentação e Nutrição), relacionada com o perfil médio dos requerimentos nutricionais da população regional. Os procedimentos metodológicos foram baseados no crescimento anual da população (censo FIBGE) e na disponibilidade regional de alimentos. O período base é de 1970 a 1980. O cardápio considerado foi o preconizado pelo VII SIBAN, baseado nas recomendações nutricionais da FAO 75, adaptado à demanda dos requerimentos médios populacionais da região e na tabela de composição de alimentos do ENDEF. Os resultados apontam aos governos Federal e Estadual a oferta de alimentos necessária que deverá orientar o planejamento agrícola, articulando as medidas necessárias para a modificação da atual estrutura de produção de alimentos.


ABSTRACT

In this paper, a projection of supply and demand of supplies that compose the minimal food requirement in Northeast Brazil, offered by the VII th BSAN (Brazilian Symposium on Alimentation and Nutrition), concerning the nutritional profile of the regional population is presented.
The methodological procedures were based on the annual increase of the population and on the regional availability of supplies. The period studied is from 1970 to 1980. The menu considered was that of advised by the VIIth BSAN, according to the nutritional suggestions of FAO 75. The menu was adapted to the demand of the regional average populational requirements and based on the ENDEF's food list. Results indicate to Federal and State governments the food supply needed. This amount should guide agricultural planning, suggesting measures to change present food production patterns.


 

 

INTRODUÇÃO

A produção agropecuária brasileira segue uma divisão de mercados entre bens de exportação e bens de abastecimento interno. O sistema implantado ampliou o diferencial de renda e riqueza no campo, uma vez que os ganhos financeiros provenientes do mercado externo cresceram a taxas superiores às remunerações auferidas pelos produtores de alimentos destinados ao abastecimento interno.

O caráter extensivo das explorações caracteriza a evolução da agricultura do país, privilegiando a valorização patrimonial ao invés da rentabilidade derivada da produção corrente, criando-se uma barreira financeira aos investimentos no processo produtivo.

Em 1983 foi instituída a ração essencial mínima para o trabalhador adulto, considerando apenas suas necessidades fisiológicas. Esta ração chamada cesta básica, baseada nos hábitos gerais do país, compõe-se de 14 alimentos:

carne, leite, ovos, pão, arroz, feijão, café, banana, batata, manteiga, banha, açúcar, laranja e farinha.

Este critério orientou desde então o valor do salário mínimo, o qual deveria garantir a compra da cesta básica, desde que não ultrapasse o percentual de 20%, Estudos do DIEESE mostram desde 1983, em várias capitais do País (Boletim, ano II, set. 83 e ano IV, junho de 85), a defasagem do salário com relação a despesas com alimentação, ou seja: o salário vigente não dá sequer para comprar essa ração essencial para o trabalhador, tampouco garantir as outras despesas correntes para ele e sua família.

Em 1983 o VII SIBAN (Simpósio Brasileiro de Alimentação e Nutrição) adaptou aos hábitos regionais uma dieta básica sendo que para o nordeste teria a seguinte composição: (tabela 1) carnes, leite, ovos, pão, arroz, fubá, feijão, hortaliças (tomate, abóbora, chuchu), farinha de mandioca, macaxeira, banana, laranja, margarina, óleo, açúcar e café. Justifica-se esta adaptação não apenas pelo hábito de consumo, como pela disponibilidade da produção agropecuária regional. Este trabalho adequou o per capita às necessidades médias da população nordestina. Baseando-se nesta recomendação, objetivou-se identificar, dentre esses alimentos, qual a perspectiva nesta década da oferta e demanda na região e, em particular, no Rio Grande do Norte.

 

 

Entenda-se por demanda potencial as necessidades médias nutricionais da população. Sabe-se, entretanto, que a realidade de consumo é determinada pelo poder aquisitivo e, como tal, a demanda efetiva é bem inferior à potencial. A esse respeito, considerou-se os estudos de consumo da população do semi-árido, feitos pelo INUFPE (Instituto de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco) e o estudo realizado na região pelo IBGE/ENDEF, 74).

Configura-se na região, uma expansão da área cultivada com alimentos em um ritmo mais expressivo do que a elevação dos níveis de produtividade. Os atuais programas especiais para a agricultura nordestina vêm enfatizando o aproveitamento d'água para irrigação, porém o impacto provável das culturas pela dimensão exígua das áreas pouco afetará o quadro geral delineado, uma vez que a grande exploração agropecuária provirá, essencialmente, das atividades de sequeiro, cuja normalidade da produção está fortemente influenciada pelo regime de chuvas. A estiagem que assolou todo o Nordeste no período de 1979/1983 reduziu a oferta de alimentos provenientes da região, cujas perdas nos principais centros de produção foram de 20% para arroz, 10% para mandioca, 18% para feijão e 45% para milho.

 

Tabela 2

 

 

Ademais, registra-se que cerca de 70% da produção regional de alimentos provém de pequenas unidades, onde os preços aí praticados são significativamente inferiores aos preços dos alimentos comercializados nos centros urbanos. A freqüente atomização e mesmo o acesso precário aos meios de produção dão ao pequeno produtor reduzido poder de barganha nas vendas dos produtos. E a instabilidade de remuneração ao produtor acarreta crônica propensão ao abandono de culturas e às migrações para as cidades.

 

3. MÉTODOS

Com relação à oferta, dimensiona-se a disponibilidade da produção regional destinada ao consumo humano, excluindo-se as importações. As referências para Oferta Global de cada produto basearam-se na expansão ocorrida na década de 70 - 80 a qual foi dimensionada para a década seguinte.

A relação entre a oferta e a demanda estimada permitiu aferir o cálculo de cobertura de alimentos para cada produto, mostrando os déficits e superávits (gráfico I - IV).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Utilizando-se a dieta proposta pelo VII SIBAN, verifica-se que sua adequação nutricional corresponde a uma cobertura de 3.000 calorias das quais as proteínas participam com 14% desta quota calórica, os hidratos com 64% e as gorduras com 22%. Vale salientar que dessas proteínas, 46,4% são de origem animal, cujo NDPca 1% = 8,3.

Este trabalho utilizou os requerimentos médios como base de cálculo para as necessidades nutricionais da população, obtendo-se uma adequação de 100% de calorias, 13,6% de proteínas, 24,8% de gordura e 61,6% de hidratos de carbono; dessas proteínas 46,7% são de origem animal e o NDPca 1% = 8,2. Considerou-se que a composição etária da população da região é predominantemente jovem, sendo, portanto, esta quantidade uma média adequada para a população global.

Sabendo-se que os problemas nutricionais de saúde pública, mais prevalentes na região, são a desnutrição energético-protéica, a hipovitaminose A e as anemias nutricionais, a dieta proposta cobre as necessidades desses nutrientes, satisfatoriamente.

Assim sendo, o perfil da demanda de alimentos em toneladas, para atender às citadas necessidades da população nordestina, estão explicitadas nos gráficos I — VI.

Relacionando-se esta demanda que aponta o volume de produção necessária, confrontada com a disponibilidade dos alimentos produzidos na região destinados ao consumo humano, verifica-se que apenas dois produtos têm uma oferta satisfatória (gráfico IV) que são a farinha de mandioca e o açúcar. O feijão apresenta um déficit na produção que oscila entre 16 a 53% das necessidades no período de 80 a 90 (gráfico II), deve-se destacar a gravidade desta ocorrência para o Nordeste pelo valor nutricional do produto que constitui um dos alimentos básicos de consumo, entretanto, esta situação não se verifica para o RN, onde o comportamento esperado da produção deste alimento deverá atender,a partir de 86,a demanda do estado.

Considera-se ainda muito grave a expectativa para com os seguintes gêneros: ovos, fubá de milho, banana, laranja, tomate (gráficos II, III e V), revelando um lento crescimento da produção frente à demanda nutricional, exigindo importações que agravam o quadro de dependência, oportunidade de emprego e distribuição de renda.

Para as carnes e o leite a produção é igualmente insuficiente, perfazendo uma abertura de apenas 4% a 39% no citado período (gráfico I).

 

5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Na presente década a perspectiva, de produção de açúcar e farinha de mandioca,no nordeste,terá,entre os alimentos da cesta básica, uma expansão maior que o crescimento populacional, entretanto este comportamento não é comum aos demais produtos. As culturas de milho, feijão, mandioca e as carnes terão incrementos inferiores ao da população, enquanto nos: pescado, leite, ovos, banana, tomate e na laranja, a expectativa será que a produção apresente desempenho mais favorável. Os ganhos econômicos e políticos entre os produtores se verifica dentro de um sistema produtivo, imprimindo a diferenciação no manejo das explorações e as formas de organização dos produtos no mercado.

Observa-se que para os dois produtos esperados em superávit (açúcar e farinha), deve-se salientar que isto não garantirá o acesso da população a esses alimentos em se mantendo o atual quadro de distribuição de rendas. Ademais, esses alimentos fornecem, basicamente, calorias vazias na dieta.

As expectativas de produção, para a década em questão, deverão se expandir considerando-se as condições estruturais de produção da década anterior.

Existe um déficit de mercado que vai na ordem de 4 a 90% para os produtos, devendo a agricultura regional incrementar-se a ponto de otimizar a competição com os mercados de abastecimento externo.

As medidas estruturais esperadas referem-se a uma articulação de uma política salarial compatível com as necessidades do trabalhador articulada à política de produção que passa pela reforma agrária, comercialização e custo dos alimentos básicos, condições mínimas e essenciais e condições dignas de vida.

Considera-se fundamental o conhecimento dessa situação pelos órgãos de planejamento centrais e regionais e que tomam, a partir de uma decisão do governo, as citadas medidas estruturais que invertam a negativa perspectiva dessa produção para a região.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE ÁNGELIS, Rebecca. Fisiopatologia de Nutrição. Vol. I, p. 258 - 259, Ed. Guanabara, Rio de Janeiro, 77.        

Boletins do DIESSE, ano II, set/85 e ano IV, jun/85.        

Padrões Alimentares de famílias rurais do trópico semi-árido (NE do Brasil). Lucena, M. A.,,Barsante, M.F., Torres, M. A.,; Batista, M. F. Rev. Ciência e desnutrição, 1984.        

Valor da cesta básica do trabalhador em relação ao salário mínimo em Natal, RN. Lima; Maria do Socorro Silva et alii. Cadernos de Saúde Coletiva, nºs 1 e 2, 1984.        

Contribuição para melhoria da situação alimentar e nutricional do Brasil. Seção RN, VII SIBAN, Lima, Maria do Socorro Silva; Araújo, Maria Odete Dantas de; Barbosa, A. Rodrigues; Rodrigues Lívia Pena Firme; Tavares, Clotilde Santa Cruz, Natal, 1984.        

Anais do VII SIBAN, Ed. Interciência, Ribeirão Preto, SP. SP. Fundação SIBAN, 1985.        

Censo demográfico. Fundação IBGE, 1970-1980.        

Censo Econômico. Fundação IBGE, 1970 a 1980.        

Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF). Fundação IBGE, 1974.        

Recomendações FAO/OMS 75.        

 

 

Este trabalho contou com a colaboração dos professores Eduardo Henrique Silveira de Araújo, José Nilton de Queiroz — (Consulest - Departamento de Estatística da UFRN) e Nilma Dias Leão Costa (Departamento de Saúde Coletiva e Nutrição — UFRN), para os cálculos de projeção da população. Foi apresentado na XVI Jornada Pernambucana de Nutrição

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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