REGISTRO

 

A Escola nacional de saúde pública ao fim deste século*

 

 

Frederico Simões Barbosa

Diretor da ENSP

 

 

Há momentos marcantes na vida das Instituições - momentos de pesar, momentos de júbilo - que se alternam através de ciclos de crescimento em seu evoluir. As Instituições têm vida, passam pela juventude, atingem a maturidade e, por vezes, entram em decadência e chegam a desaparecer.

Com 34 anos de existência a Escola Nacional de Saúde Pública vem atravessando períodos de menor ou maior vigor.

Tendo dado início a seus cursos em 1958, a ENSP inaugurou uma nova etapa no ensino da Saúde Pública no Brasil, procurando cobrir a demanda de formação de sanitaristas no País. Esta foi sua primeira e vigorosa missão.

Em 1966 instalava-se a ENSP neste Edifício quando foi criada a "Fundação de Ensino Especializado de Saúde Pública". Foi ainda uma fase de crescimento e vigor.

Em 1969 a denominação acima era mudada para "Fundação de Recursos Humanos para a Saúde" e, no ano seguinte, era transformada em "Fundação Instituto Oswaldo Cruz". Em 1974 esta Fundação passou a chamar-se "Fundação Oswaldo Cruz", assumindo a abrangência que hoje tem.

Apesar de todos os problemas conjunturais, a FIOCRUZ - e com ela a ENSP - atravessou os dias incertos e obscuros da ditadura militar, sem maiores retrocessos materiais, não obstante os sofrimentos e perdas humanas que lhe foram impostos. Nesse período a ENSP, assumindo seu caráter nacional, deu início à descentralização de seus cursos básicos de Saúde Pública.

1981/82 encontrou a ENSP preparada para fazer face ao panorama político de transição que se instalava no País.

Acompanhando o vulto de iniciativas da FIOCRUZ, a partir de 1985, a ENSP participou, como uma de suas unidades de ponta, neste rico filão de realizações que caracteriza a gestão Sérgio Arouca. De tão criativa esta fase chegou a ser, na ENSP, turbulenta e desordenada. Quem desconhece este fato dificilmente poderá compreendera evolução desta Instituição. Neste período a ENSP duplicou seu número de alunos, estendeu a quase todos os estados seus Cursos Descentralizados, estimulou com êxito a criação de Núcleos Regionais de Formação de Recursos Humanos em Saúde, aumentou de modo considerável sua produção científica e participou ativamente de todo o movimento político-social que culminou com a Reforma Sanitária e que hoje se traduz na realidade dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde SUDS. A ENSP contribuiu ainda para as conquistas sociais e de saúde inseridas na primeira etapa da Constituinte. Cumprimos a nossa missão.

Percorridos estes períodos, chegou o momento de reflexão face ao crescimento explosivo da Instituição e de uma nova realidade que se cria. Nós que fazemos a FIOCRUZ aqui estamos perplexos a indagarmo-nos: Quem somos, onde chegamos, e para onde vamos? Este espírito de autocrítica comanda o processo do CONGRESSO INTERNO DA FIOCRUZ. É um momento de nítida maturidade a que chega esta Instituição.

A ENSP atingiu um nível de desenvolvimento até então insuspeitado. Isto significa entrar em contradição com as atuais dificuldades econômicas, sociais e políticas que o País atravessa, criando expectativas, esperanças, incompreensões e desilusões. Não obstante, esta situação estimula o pensamento criativo e a busca de soluções.

Estamos em fase de questionamentos e de definições que possam orientar os nossos destinos. Precisamos de competência e de firmeza em nossas decisões.

O panorama da saúde pública mudou substancialmente face aos novos desafios da vida moderna. Os avanços da ciência e da tecnologia nos obrigam a uma visão contemporânea da Saúde que pouco tem a ver com a clássica concepção da saúde pública. Este é o momento de definição de competências.

Continuamos com estruturas arcaicas e inaceitáveis, falando uma linguagem anacrônica para os tempos de hoje.

Modernizar significa transformar e não apenas mudar as aparências. As estruturas administrativas têm que ser adaptadas a esta nova concepção.

À educação cabe papel preponderante na organização social da vida moderna, Ela tem que deixar sua passividade para atuar como ponta de lança na nova visão do mundo que está sendo criada em torno de nós.

Não é preciso apenas formar profissionais em número e qualificação suficientes para a sociedade que aí está, nem tampouco prever as necessidades futuras. Faz-se mister conceber o planejamento educacional orientado no sentido de formar homens e mulheres capazes de entender a sociedade e contribuir para o seu aperfeiçoamento e transformação. Este é o sentido dinâmico da educação.

Em 1985, ao me propor à Direção desta casa, proclamava que A Escola (referindo-me à ENSP) está na rua. Este slogan tem significado e profundidade muito maiores do que se imaginou naquele momento.

Os seminários anuais da ENSP avançaram, embora modestamente, no sentido da procura de um projeto moderno para esta Escola.

Os desafios da Ciência e da Tecnologia, e as novas concepções da Saúde e da Educação, colocaram a ENSP no dilema de modernizar-se ou envelhecer.

Oportunidade para tal é oferecida pelo Congresso Interno da FIOCRUZ, que não se esgota em si mesmo, mas terá continuidade em cada uma de suas Unidades.

O maior programa integrador da ENSP, o PARES (Programa de Apoio à Reforma Sanitária, financiado pela Fundação Kellogg) inicia suas atividades analisando e questionando os modelos Municipais/Distritais (SUDS) de Atenção à Saúde, a cargo dos Departamentos Estaduais de Saúde. Neste programa, grande número de professores, pertencentes aos vários Departamentos da ENSP, estão engajados.

Questiona-se a estrutura administrativa atual da ENSP, inclusive seu modelo departamental. Procura-se criar instrumentos integradores. Interdisciplinaridade e transdiciplinaridade são termos que já preocupam os nossos professores.

Nossos modelos docentes chocam-se diante da realidade que aí está a reclamar novos perfis para os profissionais da saúde.

O último Seminário dos Cursos Regionalizados (CONCURD), realizado em junho deste ano, com a presença de representantes de 22 Cursos Estaduais, tornou evidente o desejo de mudanças das estruturas curriculares a fim de que o produto final possa responder aos desafios da saúde contemporânea.

O Mestrado e, particularmente, o Doutorado estão em processo de completa reestruturação.

O Programa de- Educação Continuada (PEC), parque gráfico, a Biblioteca estão sendo modernizados por iniciativa do Programa PARES . De responsabilidade também deste programa estão a informatização dos meios administrativos-docentes e a criação de um Laboratório de Tecnologias Educacionais.

Entretanto a ENSP "não estará na rua" enquanto não conceituar e operacionalizar suas atividades docentes e de Pesquisa em função dos interesses da sociedade. A simples modernização de seus meios não implicará necessariamente, na modernização dos seus fins .

Mudaças não são fáceis. Para que sejam efetivas têm que ser feitas de baixo para cima, a níveis de indivíduos, instituições e comunidade. Mudança é sempre uma inovação, mas nem sempre a inovação é progressista. Ela pode ser conservadora quando pretende apenas substituir o antigo pelo moderno. Assim, o discurso da modernização poderá simplesmente criar maiores resistências às mudanças: mudar as aparências para não mudar o essencial. Sendo mudança um processo de vontade deliberada, é essencialmente criativo e inventivo. Deve ser menos planejado e mais espontâneo. Esperamos que o Congresso Interno da FIOCRUZ seja capaz de lançar neste caldeirão os ingredientes da mudança. Há ambiente propício onde estão latentes preocupações, anseios e desejos de mudar.

Não sejamos otimistas inveterados, nem pessimistas destruidores. Sabemos que a FIOCRUZ não pode nem deseja ser uma ilha no pantanal de sofrimento social em que o País está mergulhado. Dependemos, como tudo mais, de um projeto nacional que liberte este País e instaure uma era de prosperidade para o seu povo.

A medalha Saúde para Todos que recebemos das mãos fraternas de Carlyle Guerra de Macedo, sendo distinção muito honrosa é muito mais do que um simples referencial simbólico. Ela penetra no âmago de nosso ser, ela nos tomou de assalto e faz parte de nossa luta.

Temos combatido o obscurantismo com a vela acesa com que o velho filósofo procurava a verdade nos recantos mais remotos dos subterrâneos da intolerância. Temos vivido amargas experiências porque acreditamos neste País e na sua ressurgência como Nação respeitada no cenário internacional.

Este é o momento marcante de nossa vida. A distinção foi-nos outorgada por "droit de conquete": dela não nos separaremos.

Todos os funcionários, dos Professores Titulares aos mais humildes serventuários, têm participado do desenvolvimento desta Escola . Ela é o resultado de nosso esforço comum, de nossos acordos e de nossas dissenções.

Quero fazer menção especial à figura de Ernani Braga que, exerceu a Direção desta Casa em momento difícil. Seu equilíbrio, sua fina postura, seu firme caráter e sua competência deixaram em todos nós que convivemos com ele, uma imensa saudade. À Sra. Lucy Braga nossas homenagens.

Dr. Carlyle Macedo: peço-lhe o obséquio de transmitir ao Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde, Dr. Hiroshi Nakajima, em nome da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, nosso agradecimento pela distinção que acabamos de receber.

Aos nossos colegas e alunos dirijo a mensagem de Brecht, tão viva no mundo de hoje:

"Segura o livro
ele é uma arma
tens que assumir o comando."

Frederico Simões Barbosa

 

 

* Discurso pronunciado em 18 de julho de 1988.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br