ARTIGO

 

Infecção experimental de camundongos albinos com cercárias de Schistosoma mansoni Sambon, 1907, previamente submetidas a ação de termofosfato magnesiano*

 

 

Roberto Milward-de-Andrade; Marcos B. Souza; Marco Aurélio S. Paranhos

Profissionais da Escola de Saúde Pública - ENSP/FIOCRUZ

 

 


RESUMO

Foi realizada infecção experimental de camundongos albinos ("Swiss inbred") com cercárias de Schistosoma mansoni, cepa LE, submetidas à ação do adubo termofosfato magnesiano (Tfm), usualmente utilizado em latossolos tropicais e capaz, quando ingerido, de provocar o bloqueio da ovogênese de moluscos planorbídeos. Nas condições do experimento, observou-se a infecção dos roedores. Porém, o número de ovos eliminados pelo grupo controle, representado por cinco camundongos, foi sensivelmente maior que o do grupo Tfm, ainda que a recuperação de vermes, por perfusão, tenha sido bem menor. Do grupo Tfm, foram recuperados 163 (98,2%) vermes adultos machos e apenas 3 (1,8%) fêmeas, isoladas. Do grupo controle, a perfusão proporcionou 53 vermes adultos, sendo 13 machos, 18 fêmeas e 11 casais. Cada camundongo foi exposto a 150 cercárias.


ABSTRACT

Experimental infection of white mice (Swiss inbred) with LE strain Scistosoma mansoni cercariae submitted to the action of magnesium thermophosphate (Tfm), usually used in tropical latosoils, was performed. This product is able to block ovogenesis of planorbid molluscs. In these experimental conditions, rodents were infected. But, the number of eggs released by the control group (five mice) was markedly greater than that of the Tfm group, although a short number of worms were recovered by perfusion. From the Tfm group, 163 adult worms (98,2%) were recovered and only 3 females (1,8%). Of the control group, perfusion recovered 62 adult worms (22 male worms, 18 female and 11 couples). Each mice was exposed to 150 cercariae.


 

 

INTRODUÇÃO

Dados experimentais (Milward-de-Andrade, 1980) revelaram que Biomphalaria glabrata (Say, 1818) infectadas com S. mansoni sofreram bloqueio da ovogênese e redução quantitativa de cercárias liberadas, quando os planorbíneos encontravam-se sob a ação do adubo termofostato magnesiano (Tfm) composto mineral resultante ordinariamente da mescla, em altas temperaturas (1.500ºC), de apatita (rocha fosfática) e dolomita (rocha calcomagnesiana) ou olivina (ortossilicato de Fe e Mg) (Guardani, 1979).

Por outro lado, foi também admitido (Milward-de-Andrade & Torga, 1981) que a aplicação continuada de Tfm em latossolos irrigados de regiões endêmicas de esquistossomose poderia, secundariamente, contribuir para a redução de populações naturais moluscos posto que uma relação alta de Mg/Ca resulta sempre na interrupção da oviposição de planorbídeos (Harrison & cols., 1966; Leveque & cols., 1978; Milward-de-Andrade & cols., 1984a, b, c, d, e; 1986a, b; 1987).

No presente trabalho, apresentam-se os resultados da infecção experimental de camundongos albinos com cercarías de S. mansoni (cepa LE), submetidas à ação do termofosfato magnesiano previamente à infecção.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento aqui relatado teve duração de 88 dias, sendo anteriormente comunicados seus resultados essenciais (Milward-de-Andrade & cols., 1986). A seguir, indicam-se os materiais utilizados e o detalhamento metodológico adotado.

1. Termofosfato magnesiano (Tfm) Utilizou-se produto industrializado em Liberdade, MG, cuja análise (nº 1297/84) processada em espectrofotômetro de absorção atômica, no INCQS/FIOCRUZ, indicou a presença de 13 diferentes elementos químicos, a saber: Ca, Mg, P, Si, Ba, Al, Fe, Cr, Ti, Mn, Na, K e Zn. Adiante, em local apropriado, encontram-se registradas as concentrações verificadas.

2. Camundongos utilizados Foram utilizados 10 camundongos albinos, jovens, machos, homozigóticos ("Swiss inbred"), de linhagem mantida no Biotério Central da FIOCRUZ. Os animais referidos foram divididos em dois grupos: Controle e Tfm, ambos com cinco indivíduos. Antes da infecção experimental, e ao término do trabalho, os animais foram pesados em balança analítica (Tab. 1).

 

 

3. Infecção e contagem de cercárias

3.1 Infecção – À bateria controle, constituída de 05 tubos de ensaio, foram vertidos, em cada um deles, 10 ml de água de torneira, desclorada, 24 horas antes da introdução de cercárias nos tubos. Na outra bateria, também de 05 tubos, foi adicionado um grama de Tfm, pulverulento. Em ambos os casos, o pH foi determinado em peagômetro digital, assinalando-se ainda as temperaturas da água e do ar. Os roedores foram infectados com cercárias expelidas de B. glabrata, anteriormente infectadas com micacídios de S. mansoni, cepa LE. Em todos os casos, foram utilizadas 150 cercárias/camundongo, aplicando-se a técnica de imersão da cauda, com tempo de exposição igual a 03 horas consecutivas.

3.2 Contagem de cercárias – Após 03 horas de exposição, os tubos de ensaio de ambos os grupos (Controle e Tfm) tiveram seus conteúdos examinados, para registro do número de cercárias penetradas na cauda de cada um dos animais. No caso, utilizou-se placas de Petri com quadrículas no fundo e lugol, para facilitar as contagens. Não foi possível, entretanto, registrar os eventuais números de cercárias sobrantes nos 05 tubos com Tfm, face ao grau de turbidez e, possivelmente, a ação abrasiva do termofosfato sobre as cercárias, supostamente ainda existentes ou não penetradas. No grupo controle, as cercárias que não penetraram estão registradas mais adiante.

4. Manutenção e alimentação – Após a infecção, os roedores foram mantidos em gaiolas convencionais, processando-se a limpeza duas vezes por semana, com troca de água. A ração e o estado geral dos animais eram verificados diariamente.

5. Exames coproscópicos – Após os primeiros 45 dias de inoculação das cercárias nos camundongos, foram iniciados os exames coproscópicos; ou seja, dois exames/semana ou 10 coproscopias para cada animal (exceto um), até o término das observações programadas. O método adotado foi o de Kato-Katz (Katz & cols., 1972).

6. Helmintos recuperados – Após a última coproscopia de cada roedor, os animais foram sacrificados, com éter, e perfundidos registrando-se, assim, o número de vermes existentes em cada camundongo então infectado. Ao longo das verificações, foram anotados os números de vermes isolados e acasalados, e, ainda, o número de machos, de fêmeas e de casais.

Todos os dados numéricos do experimento realizado encontram-se explicitados nas Tabelas 1, 2 e 3.

 

 

 

 

 

RESULTADOS

1. Termofosfato magnesiano (Tfm) – Como mencionado, uma amostra do material foi analisada em espectrofotômetro de absorção atômica, registrando-se os seguintes valores, expressos em mg/1:

Observa-se, aqui, que nas águas naturais e para certos objetivos específicos (FEEMA, 1979), a concentração, por exemplo, de bário não deve ultrapassar de l mg/1 Ba; a de cromo, de 0,05 mg/1 Cr; a de ferro, de 0,3 mg/1 somados à de Mn. Tais valores são, portanto, muito inferiores aos detetados na amosta do adubo utilizado que é um pó inodoro, cinza, incapaz de absorver umidade atmosférica, in solúvel n'água, com pH entre 8,0 e 8,5, porém fisicamente neutro, mas que torna-se solúvel quando em contato com os ácidos fracos do solo e das raízes das plantas (Defelipo & col., 1978).

Assinala-se, por outro lado, que o zinco presente no adubo utilizado é metal-traço essencial, em pequenas quantidades, para mamíferos e peixes (Frieden, 1972); já quantidades maiores são tóxicas para diferentes organismos aquáticos. Nos mares, as concentrações máximas são de cerca de 0.010 mg/l Zn, porém algumas espécies acumulam zinco em quantidades que vão de 6 a 1.500 mg/kg (EPA, 1976).

Não há evidência, por outro lado, de que o elemento titânio seja essencial para o homem e animais. A administração, por exemplo, de 3 gramas/dia de TiO a coelhos e gatos, durante 390 dias, não ocasionou qualquer efeito danoso (WHO, 1982). Os demais elementos químicos, nas concentrações indicadas, ao que se sabe, não imprimiriam efeitos biológicos adversos ao ser vivo.

2. Temperaturas (º.C) – No momento da infecção dos roedores, a temperatura do ar era de 23º.C e a da água de 26º.C. Ao longo do tempo do experimento, a temperatura mínima registrada foi de 21,0º.C, enquanto a máxima não ultrapassou de 28,1º.C.

3. pH – As amostras d'água contidas nos tubos de ensaio, juntamente com as cercárias, mostraram, no caso do controle, pH igual a 7,5; para os tubos contendo Tfm, o valor foi maior, ou seja, 9,6. Sem embargo, em ambas as condições mencionadas, as cercárias foram capazes de infectar os camundongos (Tab. 1).

4. Contagem de cercárias – O número de cercárias, em cada tubo de ensaio do grupo controle, após 03 horas de contato com a cauda dos roedores, foi variável. Isto é, deixaram de penetrar as seguintes quantidades: C1 = 55 cercárias ou 36,7%; C2 = 40 (26,7%); C3 = 65 (43,3%); C4 = 43 (28,7%); C5 = 49 (32,7%).

Em última análise, não penetraram, de 40 (26,7%) a 65 (43,3%) cercárias, de cada grupo de 150 expostas aos animais utilizados. Ou, ainda, 242 (32,3%) cercárias, entre as 750 expostas aos cinco camundongos do grupo controle.

No caso das cercárias associadas ao termofosfato magnesiano, como anteriormente mencionado, não foi possível visualizar uma única após as 03 horas de exposição. Assim, pode-se supor que, ou houve penetração de todas elas, ou ocorreu impossibilidade de contagem (malgrado diluições procedidas), por má visibilidade; ou, ainda, teria ocorrido destruição do material em decorrência de processo abrasivo: movimentação da cauda do roedor em meio contendo o material pulverulento.

5. Contagem de ovos de S. mansoni – Observou-se (Tab.2) acentuada diferença numérica no registro de ovos detetados, através do método Kato-Katz. Assim, no grupo controle, a média variou de 12,0 (exemplar C1) a 847,2 (exemplar C4). Para o total de cinco exemplares desse grupo (um deles foi negativo) a média de ovos/exame foi igual a 287,5.

No caso do grupo Tfm, apenas um único exemplar de roedor (T5) revelou ovos nas fezes: média de 91,2 ovos entre os 10 exames realizados. Salienta-se que um animal morreu após o 4º. dia de infecção. Computando-se todos os exames realizados, a média de ovos detetados, no caso, não ultrapassa de 22,8 ovos/exame, resultado bem inferior ao do controle.

6. Helmintos recuperados – Através das perfusões, observou-se sensível diferença numérica na recuperação de vermes dos dois grupos estudados: controle e Tfm (Tab. 3).

No primeiro caso, foram detetados 53 vermes adultos. Isoladamente; 13 eram machos e 18 eram fêmeas. A esses 31 exemplares, somam-se outros 22, representados por 11 casais. Dessa forma, verifica-se que a taxa de recuperação foi de 7,1% (53), uma vez que 750 cercárias foram expostas aos cinco camundongos do grupo controle.

O exemplar C4 – cujo número médio de ovos (847,2%) contados nas fezes foi maior (Tab. 2) – também revelou maior número de helmintos recuperados, ou seja, 18,7% (28). Reversamente, o exemplar (C1) que ofereceu apenas 12,0 ovos/exame coproscópico, foi o que proporcionou menor recuperação de vermes adultos: apenas um macho e duas fêmeas, isolados (Tab. 3).

Para o grupo Tfm, como anteriormente mencionado, um único camundongo (T5) eliminou ovos nas fezes (Tab. 2). Esse foi, também, o único exemplar que revelou machos (31) e fêmeas ( 3) adultos, como resultado das perfusões. Houve, pois, uma taxa de recuperação igual a 22,7% (34). Os roedores T1 , T2 e T3 abrigavam apenas helmintos machos, ou seja, 25, 59 e 48 exemplares, respectivamente (Tab. 3). Assim, para os quatro camundongos sobreviventes, a taxa de recuperação de vermes adultos foi de 27,7% (166); sendo o número de machos sensivelmente maior (163 = 98,2%) que o de fêmeas (3 = 1,8%).

 

DISCUSSÃO

O bloqueio da ovogênese em bionfalárias – resultante da ação contraceptiva do termofosfato magnesiano, e também da aparente redução quantitativa da liberação de cercárias de Schistosoma mansoni – constitui fenômeno que pode contribuir de alguma forma para a minimização de infecções humanas, em condições naturais. De fato, admite-se que a aplicação daquele adubo mineral e seu arraste pelas chuvas pode, secundariamente, influir na redução de populações naturais de planorbíneos. Essa assertiva apóia-se, de um lado, na verificação de que em águas com alta relação Mg/Ca não ocorrem planorbíneos (Harrison & cols., 1966); e, de outro, que, experimentalmente, foi demonstrado que o elemento Mg bloqueia ou reduz significativamente a oviposição daqueles moluscos, quando Ca ocorre em concentrações diminutas (Leveque & cols., 1978; Milward-de-Andrade & cols., 1980, 1981, 1984 a, b, c,d, e; 1986 a, b; 1987).

No experimento ora relatado, procurou-se verificar um outro aspecto da questão: ou seja, eventual efeito do termofosfato magnesiano sobre as cercárias de S. mansoni. Ou melhor, procurou-se verificar se as cercárias expostas à ação do adubo (Tfm) perderiam ou não sua capacidade infectante. Os dados obtidos mostraram que o mencionado adubo, nas condições do experimento, não impediu a infecção dos camundongos albinos por cercárias da cepa LE. Entretanto, curiosamente, o número de helmintos recuperados, por perfusão, foi maior no grupo de animais submetidos ao Tfm, porém, o número de ovos de S. mansoni segundo contagens feitas através do método Kato-Katz (Katz & cols., 1972) foi bem inferior ao do grupo controle. Esse fato se explica pelo fato de que raras fêmeas foram detetadas e recuperadas dos camundongos infectados com cercárias submetidas à ação do termofosfato magnesiano predominando, pois, infecções com vermes machos. Restaria, portanto, verificar se algum dos componentes químicos do material utilizado exerceria ação seletiva: no caso, favorecendo a predominância de indivíduos machos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Trabalho complementado com auxílio do FIPEC (Fundação Banco do Brasil S/a) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br