EDITORIAL
Uma lei esquecida
Mario B. Aragão
Pesquisador titular da ENSP/ Fiocruz
Em 1946, Gustavo de Oliveira Castro, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, publicou a lei "Filogêneses e sucessão" (An. Acad. Bras. Ci., 18 (2): 1215, 1946), assim enunciada: "Em cada sera a distribuição dos seres vivos não se faz ao acaso: os menos diferenciados têm freqüência relativa maior nos estádios pioneiros e os mais diferenciados nos habitats estáveis." Sera é a sucessão de populações de seres vivos que se observa na natureza, por exemplo: vegetação herbácea, capoeira e floresta. O grau de diferenciação, no caso, refere-se ao grau de evolução. Estádio pioneiro pode-se traduzir por área campestre e um habitat estável típico é a floresta.
Essa lei foi inspirada, principalmente, por observações feitas na campanha contra Anopheles gambiae, no Ceará, e, também, em mosquitos dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, acrescidas de dados da literatura.
Em 1967, MacArthur & Wilson publicaram o famoso livro The theory of island biogeography (Princeton, N. J., Princeton University Press, 1967), onde lançaram a teoria da seleção r e da seleção K. As espécies r seriam aquelas que absorvem grande quantidade de alimento, se reproduzem cedo e com grande quantidade de descendentes. Nelas a evolução favorece a produtividade. As espécies K viveriam em ambiente com escassez de alimento e, portanto, produziriam poucos descendentes. Nelas a evolução favoreceria a eficiência na conversão de alimentos para a produção de descendentes. No caso dos mosquitos teríamos, como casos extremos, de um lado, as espécies que se criam nas poças d'água dos terrenos descampados e, de outro, os anofelinos do subgênero Kerteszia que se criam na água acumulada pelas bromeliáceas da floresta. Esses são típicos representantes das seleções r e K. Nas poças d'água as larvas se desenvolvem rapidamente e em grande número, já nas bromeliáceas se encontram poucas larvas que se desenvolvem lentamente.
Em 1976, J. Blondel em "Strategies démographiques et succession écologiques" (Bull. Soc. Zool. France, 101 (4): 695-718, 1976), praticamente repete a lei de Oliveira Castro, quando diz: "A evolução das espécies se faz no sentido r - K."
E Pianka (Amer. Natur., 106 (951): 581-8, 1972) agrega a idéia de que a seleção r refere-se aos fatores independentes da densidade, na seleção natural, enquanto que, na seleção K, atuam fatores dependentes da densidade da população. Assim, nos mosquitos de poças d'água, uma seca mata todas as larvas, sejam elas numerosas ou não. Já no caso dos mosquitos da água das bromeliáceas, a seleção se faz de acordo com o número de larvas capazes de sobreviver nessas águas escassas de alimento (Aragão, Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 66 (1): 85-106, 1968).
Stephen J. Gould, no seu monumental livro Ontology and phylogeny (Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1977) leva a teoria para os parasitas, onde ela é muito útil e, também, para a evolução do homem. "Essa complexa associação de caracteres neotenia, cérebro grande, seleção K, desenvolvimento lento, ninhadas pequenas, cuidado materno intenso, corpo grande leva-nos a olhar no espelho." (...) "Tento ligar seleção K com o que geralmente consideramos como evoluído, enquanto que a seleção r geralmente funciona como freio para as mudanças evolutivas." Em suma, a lei de Oliveira Castro ampliada e expressa em outros termos.
Quer nos parecer que em tudo isso está implícita uma grande lição. Ciência se faz com trabalho, cultura e inteligência. De onde saiu essa importante contribuição de ciência básica? Não foi desses laboratórios onde se cultiva a pesquisa pura e a fronteira da ciência. Foi do simples trabalho de mata-mosquito, ampliado por excursões feitas em dias de descanso. Em suma, uma grande lição para os jovens.