TEMA

 

O Sistema Único de Saúde e as populações indígenas: por uma integração diferenciada

 

 

Ulisses E. C. Confalonieri

Coordenador, Centro de Estudos de Saúde de Populações Indígenas - ENSP/FIOCRUZ

 

 

INTRODUÇÃO

No momento em que se procura consolidar o Sistema Único de Saúde no País, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na 8º Conferência Nacional de Saúde e consagrados na Nova Constituição, mais uma vez se coloca a questão da assistência às populações indígenas no Brasil.

Na Conferência Nacional de Proteção à Saúde do índio, realizada em novembro de 1986, tema específico que se seguiu à 8º. Conferência, aspectos relacionados a políticas de saúde para grupos indígenas foram discutidos e propostas foram encaminhadas. O que se faz necessário agora é a retomada destes temas e reflexões sobra as conseqüências da aplicação das novas orientações do Sistema Único para as comunidades aborígenes, em função de sua situação peculiar no conjunto da sociedade brasileira, para que estas possam efetivamente ser contempladas com os benefícios da seguridade social e da universalização do atendimento.

Com base nas diretrizes e princípios fundamentais do Sistema Único, serão discutidas neste trabalho algumas peculiaridades relativas à assistência à saúde em áreas indígenas, revendo-se sumariamente algumas das experiências brasileiras recentes neste campo. Concluiremos com algumas sugestões de estratégias a serem implementadas no sentido de se estender, de forma mais eficaz, a participação do Estado nos cuidados de saúde aos grupos tribais do território brasileiro.

 

O ATENDIMENTO AO ÍNDIO BRASILEIRO

Sendo o SUS a reafirmação da responsabilidade do Estado no financiamento, organização e gestão de um sistema abrangente de cuidados à saúde, com cobertura universal a todos os habitantes do território, a extensão da rede de serviços aos grupos indígenas ocorre, por princípio, de forma automática. Deve-se, no entanto, avaliar as implicações de tal descentralização, com a execução direta de ações em áreas cultural e lingüisticamente diferenciadas, freqüentemente isoladas fisicamente, bem como a articulação destas ações com a estrutura do sistema em seus diferentes níveis, de modo a preservar a sua integndidade e continuidade.

Historicamente, no Brasil, os primeiros cuidados de saúde dispensados aos grupos tribais partiram das missões religiosas. Posteriormente, com a criação do Serviço de Proteção ao índio, na primeira década deste século, o atendimento médico aos grupos indígenas passou a ser atribuição desta agência governamental. A responsabilidade do Estado foi reafirmada no Estatuto do índio que assegurou aos mesmos "o regime geral da Previdência Social"; "os meios de proteção à saúde facultados à comunhão nacional" e "especial assistência dos poderes públicos em estabelecimentos a esse fim destinados" (Art. 54 e 55).

O SPI não tinha uma estrutura organizada e abrangente de assistência à saúde e atendia basicamente às situações de surtos epidêmicos advindos da perda do isolamento. Ainda em sua época surgiu a experiência pioneira de Noel Nutels, através do Serviço de Unidades Sanitárias Aero-Transportadas, ligado ao Ministério da Saúde. Este, embora se propondo inicialmente apenas a controlar a tuberculose em áreas indígenas, na prática ampliou o espectro das ações de saúde desenvolvidas (COSTA, 1986).

A primeira tentativa de sistematizarão do atendimento de saúde em áreas indígenas, foi a criação das equipes volantes de Saúde, no âmbito da Divisão de Saúde da FUNAI, sucedânea do SPI (COSTA, loc. cit.). Este esquema, que persiste, é o responsável pela maior parte das ações de saúde hoje desenvolvidas em áreas indígenas. Este modelo, de pouca eficácia, esbarrou em várias dificuldades, dentre as quais a falta de planejamento e de integralidade das ações; política de remuneração não contempladora de tempo integral; carência crônica de infra-estrutura e recursos; falta de articulação com outros níveis de atenção; ausência de um sistema de informações em saúde e o preparo inadequado de quadros para atuação em comunidades culturalmente distintas. A falta de uma estrutura adequada de atendimento à saúde na atual agência Federal de assuntos indígenas (FUNAI), com múltiplas atribuições, resultou, de forma compensatória, em uma pletora de convênios com entidades governamentais e não-governamentais.

Devem ser citadas outras experiências assistenciais de âmbito mais localizado, envolvendo a participação de entidades religiosas; organizações não-governamentais (CCPY, 1987), escolas médicas (BARUZZI et al, 1978) e projetos de desenvolvimento regional (VIEIRA FILHO, 1988).

 

ESPECIFICIDADES DOS CUIDADOS DE SAÚDE A POPULAÇÕES INDÍGENAS

Pode-se distinguir algumas peculiaridades no que tange ao trabalho em saúde em comunidades tribais, destacando-se as seguintes:

a) Situação de Transculturação — dentro da questão mais ampla do processo aculturativo, observado com intensidade e rapidez variáveis após o contato com a sociedade não índia envolvente, a transculturação no campo da saúde surge pela introdução de um conjunto de princípios e práticas do sistema médico oficial em comunidades que vêm lidando com as questões de saúde-doença através de sistemas tradicionais de crenças e práticas de cura. A sobreposição destas duas medicinas envolve conflitos de compatibilização e aceitação tanto por parte dos receptores como dos executores das ações. Neste contexto, tem papel fundamental a intermediação antropológica no acompanhamento dos programas de saúde e, principalmente, na formação de pessoal de saúde - índios e não índios — para atuação em comunidades indígenas. O instrumental conceituai da antropologia médica ao elucidar a concepção indígena do organismo humano, da causalidade das doenças e das terapêuticas da medicina tradicional, subsidia e possibilita o processo de integração controlada entre os dois sistemas médicos.

b) Situação Geográfica — a maioria das comunidades indígenas brasileiras se localiza em regiões distantes da Amazônia e Centro-Oeste, com aldeias mais ou menos esparsas e de baixa densidade demográfica. Isto implica dificuldades de acesso que, aliadas à deficiência da infra-estrutura local e recursos, contribuem para a descontinuidade na execução das ações e programas. Neste contexto, toma-se imprescindível um sistema de comunicações permanente com outros níveis de referência. A elevação dos custos operacionais, principalmente em função da dificuldade de manutenção de equipamentos e instalações, além da grande dependência do transporte aéreo é outro aspecto a ser considerado. Uma outra conseqüência é a dificuldade de permanência prolongada de equipe de saúde não-índia nestas áreas em virtude do isolamento social e profissional e ausência de comodidades das áreas urbanas.

c) Dinâmica do Perfil Epidemiológico — é conhecido o rápido ciclo de adaptação às enfermidades antes desconhecidas por grupos tribais isolados do contato com a sociedade não indígena e que sofrem grandes transformações aculturativas em seus hábitos e condições de vida. De uma situação inicial de equilíbrio por convívio secular com processos infecciosos de caráter endêmico e baixa letalidade, iniciam-se surtos de viroses introduzidas, com alta morbidade e mortalidade e importantes repercussões na organização social. Se superada esta fase, com a continuidade da reprodução biológica, inicia-se uma nova etapa na qual prevalecem os problemas dentários e os processos infecciosos da "aculturação parcial" tais como infecções cutâneas, tuberculose, DST, diarréia, malária etc. Estes resultam principalmente da sedentalização forçada, do desequilíbrio alimentar, padrão inadequado de higiene individual e contato mais íntimo com as populações urbanas. Por fim, a terceira etapa que completa a "transição epidemiológica" (YOUNG, 1988 b) ocorre com a maior integração à sociedade envolvente e as perdas e aquisições culturais decorrentes, caracterizando-se pelo aumento das doenças crônico-degenerativas (câncer, hipertensão, diabetes etc.) com o surgimento de um perfil de morbi-mortalidade mais próximo ao da sociedade não-índia. Tal se deve basicamente ao estresse social, à aculturação alimentar radical e à exposição a poluentes ambientais e produtos industrializados. É também característico desta fase o surgimento de um maior índice de doenças mentais (alcoolismo, suicídio) resultantes da desintegração social e marginalidade econômica, que explicam a participação dos acidentes e violências como as mais importantes causas de mortalidade em grupos largamente aculturados (YOUNG, 1983; RHOADES et al, 1987 b).

A constatação destas rápidas mudanças nos perfis de morbi-mortalidade que se seguiram aos processos de transformação socio-cultural, bem como a expectativa de continuidade deste processo, colocam os planejadores e administradores de serviços de saúde em situação de poderem se preparar para reduzir o impacto destes fenômenos nos níveis de saúde da comunidade.

 

ALGUMAS PROPOSTAS

Conforme citado na Conferência de Proteção à Saúde do Índio, o relatório final apontou diretrizes relativas à questão da organização, pelo poder público, dos serviços de saúde para as comunidades etnicamente diferenciadas. Dentre elas destacam-se a participação de representantes indígenas na formulação de políticas e execução das ações e serviços; a criação de uma agência específica para assuntos de saúde indígena no âmbito do ministério responsável pela coordenação do SUS e o desenvolvimento de estratégias de atenção primária a nível local que respeitem as especificidades etnoculturais. Retomaremos algumas destas proposições, consideradas como ponto de partida para a discussão da integração da assistência aos indígenas às redes,de serviços do Sistema Único de Saúde.

E importante enfatizar que a saúde dos grupos tribais é expressão direta das formas tradicionais de ocupação do espaço territorial que assegurem a reprodução biológica e cultural dos grupos; da integridade de seus sistemas de crenças e valores responsáveis pela coesão social, bem como das relações de contato com a sociedade branca envolvente e, portanto, da política indigenista desenvolvida no país.

Algumas estratégias a serem consideradas são as seguintes:

a) Distritalização diferenciada — dar-se-ia através da criação de áreas especiais de saúde (Distritos Sanitários) que englobem apenas comunidades indígenas, segundo critérios geográficos, demográficos e culturais a serem especificados. O que confere um caráter especial a estas áreas, além das barreiras lingüísticas, é a necessidade de se organizarem os sistemas locais de saúde de modo a permitir:

1) a manutenção complementar das práticas tradicionais de cura.

2) o treinamento especial dos profissionais de saúde não-indios com base em conhecimentos etnológicos.

3) o estabelecimento de formas diferenciadas de articulação com as diferentes instâncias de gestão do SUS. Em relação a este último aspecto, a integração destas áreas com o sistema não se daria necessariamente através do nível municipal, podendo se dar a nível estadual ou mesmo central, dependendo do grau de aculturação e integração na sociedade envolvente e do perfil mórbido. Esta flexibilidade na forma de articulação dos distritos sanitários indígenas no SUS é fundamental pois são bem distintas as necessidades e capacidades de comunidades autóctones pouco contatadas e isoladas na floresta amazônica em relação às de outras com séculos de contato e que se localizam próximo a centros urbanos, como se observa no Brasil.

É questionável se a simples municipalização da assistência à saúde dos grupos indígenas trará benefícios reais a estas comunidades. Estas, em geral, são precariamente toleradas ou mesmo rechaçadas pela população regional, e pode-se prever a incapacidade do Poder Municipal em reconhecer a situação cultural especial dos grupos tribais bem como de preparar adequadamente quadros para o atendimento, em função de conflitos decorrentes da não-assimilação étnica, de preconceitos e de disputas fundiárias. neste sentido, a distritalização diferenciada surge como alternativa para garantir o acesso real dos índios aos serviços e a eqüidade no atendimento, pressupostos para um Sistema de Saúde socialmente justo.

Por outro lado, o fortalecimento destes sistemas locais, através do treinamento, nas próprias comunidades, de alguns dos membros como agentes de saúde capacitados para desenvolver cuidados básicos e educação para a saúde, garantiria maior autonomia e continuidade das ações de saúde neles desenvolvidas bem como a redução dos custos operacionais. Esta foi a estratégia desenvolvida para ampliação efetiva da cobertura dos serviços para as áreas indígenas em países que hoje têm um sistema estruturado atendendo estas populações de difícil acesso, como os EUA (BATHKE, 19-74; JUSTICE, 1978) e o Canadá (YOUNG, 1988). b) Participação Comunitária — sendo uma das premissas básicas para o melhor controle e planejamento dos serviços torna-se especialmente importante para os Distritos Sanitários Indígenas na medida em que os membros da comunidade conduzem o processo de integração das práticas da medicina oficial aos valores culturais do grupo, o que reforçaria a sua auto-estima e autodeterminação.

Esta participação comunitária dar-se-ia através dos Conselhos Distritais de Saúde, onde haveria também a participação dos representantes locais do SUS, e de outras instituições presentes como prestadoras de serviços, permitindo assim a adequada determinação de prioridades e estratégias assistenciais. Esta forma de participação seria o passo inicial para o desenvolvimento da autogestão em saúde, conforme já se observa em algumas comunidades indígenas do hemisfério norte (MOFFATT, 1987; GARRO et al, 1986; RHOADES et al, 1987a).

A transferência do controle dos programas de saúde para as próprias comunidades indígenas foi estabelecida como política tanto no Canadá em 1981, através do documento ministerial "Transfer of Health Services to Indian Communities" (GARRO et al, loc. cit.), como nos EUA, ao reafirmar, por ocasião da criação do "Indian Health Service", como uma de suas metas o "encorajar a máxima participação dos indígenas no planejamento e administração dos serviços do IHS e assisti-los no desenvolvimento de sua capacidade de integrar e gerenciar programas de saúde" (RHOADES et al, 1987a). Desde o início desta década grupos no Canadá com o apoio do Departamento de Saúde Canadense e de Universidades foram paulatinamente adquirindo o controle dos serviços de saúde e, a despeito de dificuldades iniciais relativas ao recrutamento de profissionais de saúde e o gerenciamento de fundos insuficientes, o esquema consolidou-se.

Seria ainda fundamental a criação de Comissões de Saúde Indígena, funcionando associadas aos Conselhos Estaduais de Saúde. Tais comissões seriam compostas por representantes das nações indígenas e por profissionais de saúde pertencentes às estruturas de atendimento já existentes os quais passariam a integrar o SUS. As principais atribuições destas comissões seriam supervisionar as referências para atendimento a nível secundário e terciário; promover o estabelecimento dos Conselhos locais e ampará-los tecnicamente; planejar e avaliar programas de saúde; treinar equipes, além da responsabilidade fiscal.

c) Agência de Saúde Indígena no Ministério Gestor do SUS — desde o 2º Congresso Indigenista Interamericano (1949) foi aprovada uma resolução defendendo a criação, nos Ministérios da Saúde dos Países Latinoamericanos, de uma seção de "Defesa Biológica dos Indígenas" com a finalidade de "estudar as doenças dos índios; preparar a bioestatística e formar enfermeiros índios" (MARROQUIN, 1977).

Da mesma forma, a OMS, ao estabelecer o papel dos Ministérios da Saúde na Atenção Primária, discutindo as infra-estruturas de Sistemas de Saúde, refere-se no concernente às populações especiais, à organização de serviços de saúde específicos em países com populações aborígenes claramente identificadas (WHO, 1988).

Observa-se que os países da América que hoje têm os melhores indicadores de saúde para populações indígenas inicialmente administraram os serviços de saúde para grupos autóctones através do órgão governamental de assuntos indígenas, de amplas atribuições em diversas áreas, e ligados aos respectivos Ministérios do Interior, como nos EUA ("Bureau of Indian Affairs") e Canadá ("Department of Indian Affairs") (STONE, 1935; RHOADES et al, 1987a). Com a evolução dos Sistemas de Saúde respectivos, embora tenham tomado rumos distintos quanto ao papel do Estado na prestação direta de Serviços e no financiamento do setor, foram criados serviços específicos de atenção à saúde dos indígenas nos respectivos Departamentos de Saúde, em 1955, nos EUA (RHOADES et al, 1987a) e em 1945, no Canadá (YOUNG, 1984).

Por ocasião da Conferência de Proteção à Saúde do índio a idéia foi levantada e hoje significaria a criação de uma Secretaria Técnica dentro da estrutura central de gestão do SUS, com a finalidade de coordenação executiva das ações de saúde indígena em todo o território. Teria assim a seu encargo: a normatização técnica, programação, orçamentação, captação de recursos, articulação com o nível estadual, desenvolvimento específico de recursos humanos e processamento de informações sobre saúde de grupos indígenas. É importante que esta unidade seja assessorada por representantes das entidades indigenistas, universidades, associações de profissionais de saúde e outras instâncias governamentais reunidas em um Conselho.

O funcionamento desta agência junto ao nível central do SUS traria como vantagens um maior respaldo técnico e integração com outros setores governamentais pertinentes, envolvidos em questões de saúde.

É importante enfatizar que a diferenciação no atendimento à saúde dos grupos indígenas dentro do Sistema Único implica uma vinculação orçamentária específica para atendimento dos programas nas diferentes áreas.

 

PERSPECTIVAS

A reorganização do sistema de atenção à saúde em âmbito nacional, para uma melhor integração e distribuição dos serviços em todo o território, se apresenta como a ocasião adequada para a construção de uma estrutura de saúde que atenda às necessidades cambiantes dos grupos indígenas brasileiros, que sofreram um processo de destribalização até então relativamente reduzido.

Da mesma forma, na necessária reestruturação administrativa ministerial para a adequada gestão do Sistema a nível central, surge a oportunidade para a criação de um organismo específico para a coordenação executiva das ações de saúde e responsável pela elaboração e implementação de políticas de saúde para as populações indígenas. Estas embora se constituam em apenas 0,2% da população do país, apresentam, como um todo, um crescimento demográfico acima daquele observado na população não-índia, podendo-se prever um aumento rápido na demanda de atenção médico-sanitária. Nos períodos de estabilidade demográfica que se seguiram às depopulações pós-epidêmicas iniciais, alguns grupos exibiram crescimento numérico acelerado, da ordem de 500% em duas décadas (RIBEIRO, 1982).

Deve ser lembrado que os esforços de reorganização institucional propostos, com o objetivo de melhorar o atendimento de saúde para os índios, visam basicamente superar os aspectos biológicos adversos das fases iniciais da transição da morbi-mortalidade, pela proteção contra agravos de maior importância, notadamente os de natureza infecciosa. A etapa seguinte, mais difícil, e que não se resolve com a simples melhoria da qualidade e acesso aos serviços de promoção e recuperação da saúde, envolve uma verdadeira "profilaxia cultural" e implica assegurar-se a estas comunidades a possibilidade de direcionarem e controlarem o processo geral de aculturação e mudança em seus hábitos e estilos de vida tradicionais e a conseqüente participação progressiva na formação sócio-econômica dominante. Sem isto, encontraremos no futuro próximo o que já se observa nas comunidades aborígenes da Austrália e países da América do Norte: perda de identidade cultural, da coesão social e da dignidade individual; baixos níveis de escolaridade e emprego; doenças mentais e violência em proporções epidêmicas.

Um papel importante na sustentação de programas e estruturas públicas de atendimento aos indígenas está reservado às instituições universitárias e de pesquisa, bem como às entidades médicas e afins. As primeiras, promovendo a discussão sobre aspectos relacionados à saúde de grupos tribais, bem como a participação efetiva em programas e pesquisas, contribuiriam para a produção de conhecimentos sobre a dinâmica do processo de saúde-doença nestas minorias étnicas bem como despertariam interesse e vocações em profissionais de saúde em processos de formação. As entidades teriam importante contribuição a dar como, por exemplo, através da criação de comissões técnicas permanentes de assessoramento a órgãos governamentais.

Urge que o setor público formulador de políticas setoriais de saúde incorpore de forma mais efetiva em suas discussões sobre o futuro da assistência à saúde no Brasil a problemática específica das populações indígenas que ainda mantêm, em grande medida, o seu conteúdo étnico original. Neste sentido, é fundamental que as mesmas sejam consideradas como merecedoras de prioridades substantivas em termos de atendimento e que se aprofundem as questões técnicas envolvidas na organização da assistência aos índios, com suas peculiaridades anteriormente citadas.

Finalmente, deve-se ter em mente que não se pode forçar uma integração destes grupos ao sistema de saúde de forma não-diferenciada, já que eles sob os aspectos lingüístico, ideológico e econômico se diferenciam da sociedade nacional como um todo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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