ARTIGO/ARTICLE

 

Aspectos educacionais da intervenção em helmintoses intestinais, no subdistrito de Santa Eudóxia, Município de São Carlos — SP1

 

 

Elisete Silva PedrazzaniI; Dalva A. Mello; Clemência P. Pizzigatti; Calógeras A. A. BarbosaII

IProf. Assistente UFScar — Enfermeira — São Carlos — SP
IIProfessores do CCBS — UFSCar, São Carlos — SP

 

 


RESUMO

A pesquisa sobre conhecimento, atitudes e percepção da população local sobre helmintoses intestinais mostrou que os mesmos detêm uma codificação das helmintoses; analisou-se a prevalência associada com anemia, estado nutritional, renda e composição familiar. O Programa de Educação e Saúde em verminose exercitou a prática dos conhecimentos sobre intervenção em verminose, estimulando ações coletivas.


ABSTRACT

This paper discusses the knowledge, attitudes and perception of a population about the intestinal helminthiasis. It was shown that the individuals have their own codes to identify the diseases. The paper also presents the analysis of the prevalence of helminthiasis and their relationships with anemia, nutritional status, income and familiar composition. The Program of Health and Education in verminoses, tried to exercise practice of the knowledge on intervention and to stimulate the collective actions.


 

 

INTRODUÇÃO

As helmintoses intestinais (HI) constituem, ainda, importantes entidades mórbidas para o homem, pois têm ampla distribuição geográfica, elevados índices de prevalência e, em alguns casos, morbilidade significante. Botero (2, 3) (1979,1981), fazendo uma revisão sobre o assunto na América Latina, conclui que a situação não se modificou nos últimos 50 anos e salienta que a distribuição geográfica desses parasitas se estende concomitantemente com o subdesenvolvimento. Esse autor ressalta que os índices de freqüência das helmintoses intestinais constituem indicador socioeconômico das comunidades por onde se disseminam. Por outro lado a inadequada ingestão de alimentos, associada à presença de HI, tem sido considerada por alguns autores como fator primordial na fisiopatologia da anemia e da desnutrição protéico-calórica (7, 11, 12). Debilitando a população e incapacitando o indivíduo parado bom desempenho de suas atividades físicas e intelectuais, as helmintoses constituem ainda um sério problema de saúde pública em nosso meio, como atestam os elevados índices identificados por Vinha (19) (1969) e Chieffi (5) (1982).

Vinha (20) (1975) ressalta que — "A redução das condições físicas e de atividades de cada indivíduo parasitado representa uma perda óbvia previsível em dias de trabalho, capacidade para o aprendizado, atraso no desenvolvimento físico, mental e social" — e salienta que o binômio "verminose-nutrição" reforça a necessidade de programas contra esses helmintos em comunidades assistidas oficialmente com enriquecimento alimentar (por exemplo, a merenda escolar), pois os distúrbios no metabolismo, resultantes das lesões intestinais, impedem absorção adequada dos nutrientes.

Definir, entretanto, formas de intervenção para qualquer doença transmissível requer não apenas conhecimentos sobre o agente etiológico, fatores biológicos e ambientais, como também sobre o hospedeiro humano.

O controle das parasitoses intestinais (PI) não obstante uma série de medidas técnicas para este fim, não tem, nos países subdesenvolvidos, atingido o êxito obtido por aqueles de economia avançada. Uma série de fatores complexos, principalmente o custo financeiro de medidas técnicas — a exemplo de saneamento e quimioterápicos — e questões pertinentes à participação da comunidade nos programas oficiais, têm contribuído para este insucesso (15). Os fatores humanos que interferem nos programas de intervenção em helmintoses intestinais são de grande complexidade e necessitam ser estudados. Na realidade, "eles representam a parte mais importante do ecossistema no qual circulam os parasitas... a comunidade deve ser informada sobre o problema e participar das soluções". (15).

Dunn (6) (1979), Bizerra et al (1) (1981) e Ogunmekan (14) (1983), trabalhando com parasitoses, consideram, nesse sentido, de fundamental importância identificar aspectos do comportamento, a percepção, as atitudes e os conhecimentos da população em relação ao assunto. Para esses autores, os dados obtidos são fundamentais para a planificação racional de eventuais programas de intervenção.

Vários pesquisadores têm destacado o papel de ações educativas, como parte do processo de intervenção no controle de HI. Desde que conduzidas de forma concreta, se constituem em instrumento facilitador de participação da população (Jancloes et al (9), 1979; Dunn (6), 1979; Hayashi et al (7), 1981; Bizerra et al (1), 1981; OMS (15), 1981 e Ogunmekan (14), 1983). Por outro lado, os pontos focais de luta contra as PI são determinados pelas diferentes vias de disseminação e os mecanismos de transmissão,ou seja: contaminação do solo — envolve destino adequado dos dejetos; porta de entrada — oral e/ou penetração pela pele — ingestão passiva ou penetração ativa das formas infectantes quando o indivíduo entra em contato com o ambiente infectado; as fezes são o veículo e fonte de disseminação de todos os parasitas intestinais. Nesse universo complexo, a comunidade (adultos, adolescentes ou crianças) representa o elo mais importante no ecosssistema onde circulam esses parasitas. Por isso, nos programas de controle, a população deve não só ser informada, mas, principalmente, participar do processo de forma dinâmica "conscientemente engajadas no planejamento, implementação, monitoração e avaliação" (15).

Diante da importância do tema como delineado acima, procurou-se desenvolver um projeto de pesquisa sobre intervenção em HI, no subdistrito de Santa Eudóxia, município de São Carlos, estado de São Paulo. Esse projeto foi conduzido em várias etapas: I — levantamento de conhecimentos, atitudes e percepção da população em helmintoses intestinais; II — estudo de prevalência e correlação com renda, tamanho da família, anemia e estado nutricional; III — programa de ações educativas.

 

DESCRIÇÃO GERAL DA LOCALIDADE ESTUDADA (Mello et al (13), 1988).

O subdistrito de Santa Eudóxia está situado a 42 km via rodovia municipal, na direção noroeste da cidade de São Carlos. Este subdistrito é formado por uma vila com características rurais e algumas fazendas, tendo, respectivamente, uma população aproximada de 866 a 1.982 habitantes (censo 1980).

As atividades econômicas de sustentação da região são de caráter predominantemente agropecuário (cana, laranja, café, gado). Na vila ha um comércio varejista, principalmente de produtos alimentícios. Em relação aos serviços públicos, Santa Eudóxia possui: uma agência bancária da Caixa Econômica Estadual; uma agência de correio; duas escolas (uma do Estado e outra do Município); uma creche; rede de água, luz e telefone; um posto de saúde com um agente e um servente residente na vila; e um médico de São Carlos que presta serviços pela manhã, todos os dias da semana, em um período de duas horas.

Inexiste no subdistrito rede de esgoto e qualquer forma de coleta de lixo. O destino dos dejetos é determinado por soluções individuais, na maioria das vezes inadequadas. A análise da água distribuída pela ede pública, realizada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Carlos (SAAE), indicou boas condições de potabilidade. O tratamento com cloro e flúor está dentro dos níveis recomendados pelos serviços de saneamento, e a colimetria indicou ausência de contaminação fecal.

 

PROCEDIMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO DE PESQUISA

1. Levantamento sobre conhecimentos, atitudes e percepção da população em relação as HI.

Este trabalho foi realizado em uma amostra aleatória simples das pessoas responsáveis (pai, mãe ou outro adulto) pelas crianças que freqüentam as escolas locais. Para este fim procedeu-se a um sorteio dos endereços dos alunos matriculados na vila, agrupando-se irmãos. A amostra definida em 174 endereços foi de 88 pessoas, correspondendo, portanto, a 50% mais 2 do universo total.

O instrumento utilizado para pesquisar os conhecimentos, as atitudes e a percepção da população amostrada acima constou de um questionário com 23 perguntas abertas e fechadas. Estas perguntas abordaram os seguintes itens sobre helmintoses intestinais: espécies, etiologia da verminose, aspectos do ciclo evolutivo de importância epidemiológica (fontes de infecção, porta de entrada, vias de eliminação, habitat do hospedeiro, sobrevida dentro e fora do hospedeiro), diagnóstico, sintomatologia, tratamento, importância e medidas preventivas (maiores detalhes ver Mello et al (13), 1988).

2. Estudo de prevalência e correlação com renda, família, anemia e estado nutricional.

Esse estudo foi desenvolvido em um universo amostral de 254 escolares matriculados na Escola Parque Municipal e na Escola Estadual do Primeiro Grau, entre os quais 205 moravam na Vila e 49 na zona de lavoura. Este total correspondeu a 30% das crianças em idade escolar residentes no subdistrito. Esses escolares foram submetidos aos seguintes procedimentos: três levantamentos coprológicos no início e final de cada semestre letivo (método de sedimentação de Lutz)+ exames de sangue para determinação da hemoglobina; pesagens e mensurações (diagnóstico de desnutrição). As crianças com resultados parasitológicos positivos foram submetidas ao tratamento específico.

Com o objetivo de traçar o perfil sócio-econômico da população (composição familiar, renda e condições habitacionais) foi aplicada uma ficha apropriada para tal fim.

As condições econômicas da amostra foram analisadas tomando-se como referência a variável "salário mínimo per capita" (SMPC), definido como o quociente do número de salários mínimos percebidos pelo número de pessoas que compunham a família. Foram estudadas as associações entre helmintoses e o tamanho da família, anemia e desnutrição e SMPC. A técnica estatística utilizada foi a do qui-quadrado para testes de associação em tabelas de contingência, considerando-se o nível crítico de significância igual a 5% (maiores detalhes v. Pedrazzani et al (16), 1988).

3. Programa para Ações Educativas

As ações realizadas na etapa anterior, aliadas a um Programa de Educação e Saúde em Verminose constituíram-se em instrumentos de uma proposta de intervenção em helmintoses, na população estudada.

O programa educativo teve por objetivo, através de um esforço conjunto, tentar conscientizar segmentos da comunidade de que a luta contra as HI dependia de todo um processo de ação coletiva, no qual sua participação seria fundamental ao sucesso do controle. Para isso o programa como instrumento adicional à intervenção da transmissão de helmintos intestinais foi planejado conjuntamente com os demais participantes, em um esforço de despertar a análise crítica do problema em questão. A equipe era multidisciplinar, uma vez que envolvia diversos profissionais (biólogo, médico, enfermeiro, educador em arte, professores do pré, jardim e 1° grau) e também inter-institucional, envolvendo o Departamento de Enfermagem, Ciências da Saúde e o Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos; Centro de Saúde de São Carlos e Escolas do Município e do Estado, existentes em Santa Eudóxia. Houve um esforço antecipado, no sentido de compreender o contexto cultural e sócio-econômico local, para evitar que as idéias e práticas fossem veiculadas de forma autoritária.

O programa educativo foi organizado em módulos instrucionais, para ser aplicado aos escolares (Escola Parque — pré e jardim — e Escola do Estado — 1º grau) e seus responsáveis. Esses módulos tinham por objetivo o exercício da apropriação de conhecimentos científicos sobre HI.

O conteúdo dos módulos foi gerado a partir de temas identificados pela comunidade, no momento da aplicação dos questionários para avaliação de atitudes, conhecimentos e percepção (Mello et al, 1988) (13). Esses temas foram ordenados didaticamente em quatro, a saber: a doença causada por vermes intestinais; os vermes intestinais que ocorrem no homem; importância da doença causada por vermes intestinais; medidas preventivas e tratamento individual e coletivo de doenças causadas por vermes intestinais.

 

RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Os resultados obtidos na primeira etapa da pesquisa, publicados em detalhe por Mello et al (13) (1988), mostraram que a população tem uma codificação própria para nominar os helmintos intestinais: bicha, lombriga, bichinho miúdo, geográfico e solitária etc.; e detém conhecimentos razoavelmente corretos sobre o assunto. Assim é que a maioria respondeu adequadamente em relação às fontes de infecção, porta de entrada (terra, alimentos sujos, sujeira, pés e boca). O habitat dos parasitas no homem também foi indicado de forma correta: intestino e barriga. No entanto, as pessoas desconheciam como se dava todo o trajeto dos vermes no organismo assim como as fases de desenvolvimento e reprodução (ciclo evolutivo). Embora 5,5% (48) dos entrevistados tenham afirmado que as fezes são as vias de eliminação dos vermes, não sabem entretanto, identificar quais as formas que vão infectar o homem (ovo e/ou larva). As pessoas referiam sempre que "as crianças põem bichas ou as lombrigas pelas fezes". Mas 38f6% (34 pessoas) desconheciam se existiam vias de eliminação e 75% (66) não foram capazes de relacionar a eliminação dos vermes e a contaminação ambiental ou ainda contaminação fecal-solo-doença. Apenas 20 pessoas indicaram que os vermes "que é ponhado" ficam no local onde a criança defeca, 5 na terra, 4 nos alimentos, 2 na fossa e um no esgoto.

Ficaram explícitas, nas respostas encaminhadas, uma grande confusão e uma contradição na exposição que a população faz de seus conhecimentos sobre os mecanismos de transmissão, fontes de infecção e contaminação do ambiente. Por outro lado, embora tenha sido verificado que a população utiliza os serviços de Saúde (Posto de Saúde da vila e/ou médico da cidade) constatou-se uma grande valorização da medicina popular, a exemplo do uso da benzedeira, de chás caseiros, e simpatias, no tratamento das crianças com vermes.

Embora a população tenha demonstrado habilidades em reconhecer as categorias de sinais da doença por vermes intestinais, reconhece, entretanto, que as medidas preventivas declinadas por ela, de acordo com manuais de saúde, livros, textos didáticos, são de difícil prática.

Analisando-se esses aspectos, verifica-se que a população de Santa Eudóxia, de uma forma ou de outra, já teria absorvido alguns conhecimentos científicos sobre o assunto, através dos meios de comunicação que atingem a vila: televisão, jornal, rádio etc. É possível, também, que os filhos, principalmente os que freqüentam com assiduidade a escola, projetem seus conhecimentos, adquiridos na instituição, para os pais. Os livros didáticos de ciências, no primeiro grau, abordam alguns conteúdos sobre problemas de saúde. Ibañez-Novion (8) (1976) ao estudar concepção popular de uma população de imigrantes na cidade de Sobradinho, D. F., sobre o ciclo de Ascaris lumbricoides verificou que o impacto dos meios de comunicação contribui para as pessoas incorporarem ou tomarem emprestado idéias da "ciência dos doutores", recodificando seus conceitos teóricos e práticas de saúde, médicas e populares. Este autor constatou a "superposição, combinação e adaptação de novas idéias da ciência dos doutores" aos conhecimentos integrantes no campo lógico da comunidade que estudou.

Em relação ao segundo estudo, a prevalência para HI determinada nos três levantamentos na unidade de estudo, isto é,os escolares, está apresentado na Tabela 1.

 

 

As 254 crianças estudadas forneceram um total de 643 amostras fecais nos três levantamentos, sendo 217, 252 e 174 em cada semestre, respectivamente, com resultados positivos como segue: 82 (37,8%) na primeira coleta, 109 (43,3%) na segunda e 37 (21,3%) na terceira. Observa-se na Tabela 1 que a espécie de helminto dominante no total geral foi o A. lumbricoides (12,1%) seguido de T. trichiura (6,3%) e Ancilostomídeo (3,7%). Essas espécies foram as que se mostraram mais sensíveis às medidas intervencionistas aplicadas durante o estudo.

A distribuição dos resultados dos exames coprológicos por faixa etária (antes da aplicação de medidas de intervenção) revelou que o estrato de maior positividade (51,9%) foi o de 8 a 12 anos, embora não tenha sido estatisticamente significante em relação às outras faixas.

A análise de associação entre o tamanho da família e distribuição dos resultados de exames coprológicos mostou uma relação significante entre essas duas variáveis (x =10,00; p = 0,007). Verificou-se que nas famílias com oito ou mais pessoas os resultados positivos chegaram a 11%, enquanto naquelas com quatro ou menos pessoas foi observada uma baixa positividade (2,3%). Rosabal & Luna(17), estudando HI, encontraram resultados sugestivos sobre a agregação familiar como sendo uma variável possível de interferir na distribuição das helmintoses.

Em relação aos resultados sobre anemia, verificou-se que a taxa média de hemoglobina foi de 13,06 + 1,00gr/dl. De acordo com o critério da OMS, em 34 (15%) crianças, entre as 231 examinadas, foi constatada anemia. No entanto a análise estatística revelou que não foi significante a associação entre anemia e distribuição dos resultados do exame de fezes (x = 0,7; p= 0,4). Esse resultado vem reforçar as observações anteriores feitas por Jorge João et al (10) (1983) em crianças do Estado do Pará e Sigulem et al (18) (1985) em amostra de crianças de São Paulo,

Essa observação, por outro lado, contraria os resultados de estudos anteriores onde as HI foram consideradas como um fator de relevância no desenvolvimento da anemia (7, 11, 12). Como se sabe, a anemia se estabelece como uma decorrência do sistema eritropoiético em manter uma taxa normal de hemoglobina, quando o aporte de ferro ao organismo é inadequado, ocasionando uma grande exaustão de reservas orgânicas desse mineral. Em nossa amostra, assim como naquelas analisadas por outros autores (10, 18), pelo menos a nível populacional, não foi possível detectar um efeito significante das HI na diminuição do suprimento de ferro no organismo.

Embora a taxa de desnutrição, detectada na amostra estudada, seja de magnitude considerável (14,4%), a análise dos danos mostra que não houve significância estatística nessa correlação(x2=0,36; 0,7<P<0,8).Portanto as helmintoses detectadas não causam desnutrição na população investigada.

O trabalho educativo desenvolvido como parte da terceira etapa do projeto foi aplicado em quatro fases: la) Cursos para responsáveis pelos escolares; 2a) Planejamento e ensino para professores; 3a) A produção dos alunos; 4a) A Feira de Educação em Saúde e Verminose.

Foram oferecidos na primeira fase três cursos para os responsáveis pelos escolares.

Esses cursos tinham um programa pautado em uma linha de ação prática e reflexiva, sobre as experiências vivenciadas pelos participantes e a realidade presente. As colocações eram feitas resgatando-se o " saber popular" (identificado na 1a etapa do projeto) que eles dominavam sobre a temática, articulando-o com conhecimentos científicos e técnicos. Os participantes tinham a sua disposição material de trabalho que incluía papel, canetas, lápis preto e colorido, pincéis etc. As reuniões foram conduzidas através de dinâmica de grupo, e procurava-se enriquecer as discussões com diapositivos, vermes em conservação e pranchas com desenhos inclusive do corpo humano. Era estimulado o papel que cada participante desempenharia na comunidade, como agente multiplicador dos conhecimentos apreendidos nas reuniões, seja através das conversas com os vizinhos ou com os amigos que não tinham tido oportunidade de estar presentes nos cursos. Ou, ainda, refletindo as condições de vida da família, da cidade, dos serviços de saúde etc com a problemática em questão.

Participaram dos cursos 63 pessoas, o que correspondeu a 78,8% da população-alvo (80 responsáveis).

Como resultado das discussões geradas no decorrer dos trabalhos, cada grupo produziu um manual de orientação em verminose que despertou grande interesse, uma vez que todo material foi produzido pelos próprios integrantes dos grupos. O conteúdo dos manuais (3 ao todo), ilustrados com desenhos muito explicativos, abordou de forma sintética os quatro temas do programa. A avaliação do trabalho educativo teve por base os manuais e uma reunião ampliada na qual foram destacados o papel dos atendentes de enfermagem que trabalhavam no Posto, em relação aos cuidados de saúde, e a responsabilidade da transmissão de novos conhecimentos e "controle" da verminose na população local. Para atingir esse objetivo foi necessário aplicar um reforço de orientação sobre a temática, realizando-se um curso de reciclagem para esses atendentes, procurando também fornecer maiores subsídios teóricos.

Para o planejamento e ensino com os professores, foi inicialmente reciclado o assunto, para posterior discussão das estratégias para o ensino do tema em questão. O material didático foi produzido pelos professores durante o primeiro semestre e dentro do currículo de cada turma, sendo o conteúdo desenvolvido por grau de dificuldade dos alunos.

Após o cumprimento do programa desenvolvido pela atuação dos professores, os alunos, através de várias alternativas, expressaram seus conhecimentos sobre o tema verminose.

A produção do material pedagógico feita pelos alunos variou de acordo com o grau de desenvolvimento de cada turma, sendo que o trabalho foi realizado com massinhas, maquetes, pinturas, colagens, desenhos livres e/ou mimeografados, cartazes, redação ilustrada, montagem dos vermes, redação, música e coleta de amostras d'água.

Com o material pedagógico elaborado pelos alunos do 1º grau e da pré-escola, pelos pais, e os resultados dos exames parasitológicos, foi organizada a Feira de Educação em Saúde e Verminose, no final do ano letivo de 1986, na Escola Parque. A divulgação e comunicação à população sobre o evento foi feita através de faixas colocadas em pontos estratégicos da vila. O cartaz, chave para participação no evento, tinha como chamada "Guerra às Lombrigas", conforme apresentado na Figura 1.

Os trabalhos foram expostos em forma de painéis. Para recreação e expressão criativa das crianças, foi organizado, em sala, material para trabalharem ludicamente com o tema "verme" e, no jardim da escola em um tanque de areia, foi construída uma figura humana — "Dona Lombrigosa" — de 35 m de comprimento por 6 de largura e um pé humano de 3 metros de altura, ambos revestidos de plástico e bambu.

Durante os dois dias do "desenvolvimento da "Feira" foram feitas exposições de diapositivos com material sobre verminose e aspectos gerais de Santa Eudóxia.

Ao desenvolver o programa educativo como um instrumento adicional às medidas de intervenção na transmissão das helmintoses intestinais, o objetivo do projeto era o de que essa ação contribuísse para desenvolver no indivíduo e no grupo a capacidade de analisar criticamente a sua realidade, assim como de decidir ações conjuntas para resolver problemas e modificar situações, sempre com espírito crítico. Nesse sentido, se fez todo um esforço para que os participantes atingissem um nível de conscientização de forma tal que eles pudessem ser sujeito ativo em mudanças na comunidade, que contribuíssem de uma maneira geral para melhoria das condições de saúde e, em específico, no combate à verminose.

Buscou-se, em conjunto com os participantes e após o levantamento sobre conhecimentos, atitudes e percepção, reordenar a visão sobre a temática HI, no sentido de subtrair, a partir da apropriação de conhecimentos científicos, alguns conceitos vagos, difusos e até ingênuos. Os manuais produzidos constituíram-se em um produto que reflete esses resultados, i. e., a apropriação dos conhecimentos científicos, na forma compreendida pelos grupos, se efetivou. Por outro lado, a Feira de Educação em Saúde e Verminose foi a representação figurada da síntese de todo o projeto de pesquisa conduzido na comunidade de Santa Eudóxia.

Acredita-se que foi possível, no processo educativo desenvolvido nesse trabalho, atingir a etapa que Brandão (4) (1984) chama de "passagem de um modo de saber popular para outro" de nível de maior complexidade, a partir de um problema real e concreto. Mas, sem dúvida, a solução mais efetiva do problema abordado no conteúdo dos módulos só ocorreria inserida em um processo de modificação mais profunda da estrutura de serviços de saúde. Nesse sentido, mesmo considerando que uma proposta de intervenção em HI seja setorial, e que a prática coletiva dificilmente se efetiva isoladamente de um contexto mais global, não se deve ficar de braços cruzados. Qualquer instrumento que possa ser utilizado para melhoria da saúde da população deve ser acionado.

O trabalho, sem dúvida, alcançou várias de suas metas, tais como o estímulo à população, através da aplicação dos questionários, exames coprológicos e tratamento; mobilização da comunidade, por meio da participação em reuniões com os professores, pais e crianças e finalizando com a análise critica do problema, envolvendo a todos na tentativa de solucioná-lo.

Considera-se que o projeto desenvolvido em Santa Eudóxia pode ser visto, em tese, como um modelo possível de ser aplicado, dentro de determinadas limitações, a qualquer tipo de intervenção para melhoria da saúde de uma determinada população. Ele converge a objetivos comuns de organização, participação e desenvolvimento da comunidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Trabalho conduzido com auxílio do FESIMA (Secretaria de Saúde — SP) e CNPq.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br