EDITORIAL/EDITORIAL
Saúde Pública, qualidade de vida
Szachna Eliasz Cynamon
Engenheiro e Professor Titular da Escola Nacional de Saúde Pública - Fiocruz
A história das ações de Saúde Pública passou por momentos depressivos, alternados com poucos momentos de euforia, diante dos gigantescos e inúmeros agravos, em todos tempos, à saúde, sem a qual não há alegria nem qualidade de vida. Bons momentos foram por exemplo: o das vacinas da época pasteuriana, que eram a esperança de liquidar com os problemas das doenças infecciosas; a descoberta dos antibióticos nos deu esperança de se acabarem as doenças infecciosas agudas e crônicas; o uso dos inseticidas de contato e poder residual abriu no horizonte a possibilidade de se liquidar com o pesadelo da malária e outros agravos à saúde; as descobertas dos controles do meio com medidas de saneamento básico, acenando para a eliminação das doenças parasitárias, veiculação hídrica e redução de mortalidade infantil; as ações substituindo velhos e generalizados métodos, pouco eficazes e caros.
Quem, na década dos 40, ousaria duvidar da eficiência de vacinas, em substituição aos desesperançados e caros métodos de tratamento, dos isolamentos e das quarentenas, das dolorosas e infindáveis aplicações de antivenéreos, substituídos pelos indolores e de rápido efeito antibióticos?
Quem duvidaria da rapidez do controle das doenças a vetores com a simples aplicação de inseticidas do tipo DDT alardeados como inofensivos ao homem, em substituição aos caríssimos e demorados métodos de controles, pelo uso de drenagens e/ou métodos afins?
E o barato controle da peste e da leptospirose através da simples matança de ratos, em substituição à proteção da melhoria dos domicílios e da cara remoção do lixo?
A euforia durou pouco, poucos decênios.
Não só apareceram novas e violentas pragas que assustam, mas as antigas voltaram. Estupefatos lemos, ouvimos sobre milhões de chagásicos, mais de dez milhões de xistossomóticos, 600 mil novos casos anuais de malária, milhares de casos de leishmaniose, de filariose, surtos e epidemias de dengue, a terrível perspectiva da possibilidade de febre amarela, a leptospirose e a hepatite crescendo, casos de febre tifóide e a persistência das diarréias infantis, males às vezes já pouco conhecidos dos jovens estudantes voltam a aparecer de novo nas manchetes de jornais, rádios e televisões.
No momento em que se pensa e se procura seriamente atuar pela recomposição da moral e do prestígio do profissional e da ação pública, por governos legal e legitimamente eleitos e responsáveis, não é possível simplesmente culpar o que também já foi moda: a simples teoria "sócio-econômica", principalmente numa época em que se têm os recursos humanos e técnicos disponíveis.
Ha algo mais profundo que falta. É a falta de seriedade. Em tese aprendemos, e a história recente de países bem-sucedidos confirma, que um dos problemas fundamentais da Saúde Pública é a falta de "continuidade de ação", o que uma administração inicia, outra, fatalmente, interrompe. É falta de responsabilidade e, além do mais, é agir como criança, e faz parte da etapa infantil em que nos encontramos; é o faz-de-conta em que vivemos e que já está durando tempo demais: fazemos de conta que há ensino, pesquisa, assistência, ação de saúde etc.
Num espaço limitado não nos é dado aprofundar proposições, por isso tentaremos apenas pequeno exemplo, para fomentar o processo de Continuidade, Unidade e Solidariedade.
Qualquer profissional da área de doença de Chagas afirma que dedetizar uma casa é mais barato do que protegê-la contra os barbeiros. Da mesma forma, profissionais da malária, filariose, leishmaniose e outras enfermidades dirão que insetizar uma casa é mais barato do que drenar pântanos ou mesmo telar casas. Para controle da leptospirose ou peste, é mais barato matar os ratos do que proteger a casa, ou remover o lixo. A reidratação de crianças é mais barata do que abastecer e dar acesso a água canalizada para as casas.
Mas, no conjunto, o todo muda de figura, se pensamos na casa, no seu acesso, na sua segurança e que mesmo para ter resultados com a dedetização, qualquer casa não basta. Tudo se refere à Casa, indispensável como teto físico, abrigo, e sobretudo indispensável à qualidade de vida.
Tudo começa com a casa, e o esforço conjunto, hoje mais do que nunca possível e viável, deve partir dela, realizado tanto sob o aspecto sanitário no particular, como com a melhoria de qualidade de vida no geral. A economia também o comanda, já que a área residencial ocupa pelo menos 50% da área urbana. A ação da construção civil sobre a casa é o motor que sempre foi o carro-chefe do progresso.
Solidariedade à saúde tem de ser para todos. É um aforisma tecnicamente provado que "sem a saúde do vizinho, a tua corre risco".
A continuidade do esforço, além de racional, é viável, já que, no Projeto Brasil, em termos de saúde, não importa a cor partidária, ser a favor do projeto de saúde de outrem não se opõe ao meu desejo de saúde para todos.Sobretudo se requerem solidariedade e honestidade de informação e continuidade.
Com a gravidade dos problemas que se apresentam, por exemplo, com a dengue e a febre amarela batendo à porta do Rio de Janeiro, não cabe discutir o acerto da participação de soldados devidamente treinados junto com a população, orientados e de mãos dadas com uma Saúde Pública renovada, de brio profissional no combate aos focos, o que é muito mais eficiente do que os tóxicos Abide que lançamos nos reservatórios de água da cidade e os famosos fumacês de Malation, os dois inevitáveis na emergência, mas dos quais nos podemos livrar na Ação Contínua, Solidária e sobretudo Racional.
Uma ação de envergadura exige processo educativo de envergadura e, do mesmo modo, não vemos por que na mesma medida em que se usa democraticamente o horário eleitoral, principalmente do veículo de maior penetração nas casas que é a TV, têm-se restrições contra programas massivos de TV, Rádio etc, para as formas de combate contra as mazelas que nos afligem, ao invés da simples histeria informativa sobre os estágios da sua presença.
A Nova Constituição do Brasil, nos seus diversos artigos, dispõe:
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços, para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros, e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Art. 23. É competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
...
Item IX promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
IV Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, 1, 'b', definidos em lei complementar.
1º O imposto previsto no inciso 1 poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade."
Como se vê, é inclusive o caminho que nos indica a nova Constituição Brasileira.
Reforçar a casa, célula mater da família e da sociedade, com um reforço físico e de retomada de valores, é um passo gigante, com um sentido novo de saúde.