ANÁLISE/ANALYSIS

 

Novas técnicas, medicina do trabalho e saúde

 

 

Hans-Ulrich Deppe

Prof. Dr. Deppe, chefe do Departamento de Sociologia Médica da Uniklinikum, J. W. Goethe Universität — Alemanha

 

 


RESUMO

O artigo comenta os efeitos para a saúde e aspectos sociais relacionados à introdução das modernas tecnologias microeletrônicas no interior dos processos de trabalho, particularmente na República Federal da Alemanha.
O autor faz considerações sobre alguns limites teóricos da Medicina do Trabalho para analisar e prevenir os problemas decorrentes desse processo.


ABSTRACT

The present article deals with the health effects and social aspects associated with the introduction of modern microelectronic technologies within work processes, particularly in the Federal Republic of Germany.
The author makes considerations on some theoretical limitations of Occupational Medicine in order to analyse and avert problems resulting from these processes.


 

 

Tradução: Marcelo F. de Souza Porto-Cesteh/Fiocruz Birgit Seyfarth de Souza Porto

 

INTRODUÇÃO

Novas técnicas, trabalho humano e saúde formam um contexto que está sendo, atualmente, discutido sob palavras de ordem tais como: crise econômica, desemprego, racionalização do trabalho, qualificação da força de trabalho e doenças provocadas pelo trabalho.

Como questão central deste trabalho, encontra-se a aplicação das novas técnicas. Por novas técnicas entendem-se os meios de trabalho que são autocontroláveis ou autoprogramáveis. Alguns exemplos são as máquinas dirigidas por CNC (Controle Numérico Central), a automação de máquinas e processos, os computadores, impressoras e caixas eletrônicas para bancos e supermercados (BIBB/IAB, p.8)1. Mas, sob a influência destas técnicas, esse desenvolvimento não deve ser visto somente do ponto de vista tecnológico, pois traz consigo novas estratégias de acumulação do capital. Um movimento central dessas estratégias é a intensificação crescente do trabalho.

Até agora, a discussão mais avançada refere-se ao significado desse desenvolvimento para a qualificação, conhecimento e capacitação dos trabalhadores industriais. Até o momento vêm-se negligenciando as implicações das novas cargas sobre a saúde decorrentes desse processo. A discussão científica sobre esses problemas está, ainda, se iniciando; ela surgiu no interior do debate sobre doenças provocadas pelo trabalho e sobre os efeitos para a saúde relacionados ao stress. A seguir, comentarei mais detalhadamente esse último tema.

 

MUDANÇAS NA ESTRUTURA DE PRODUÇÃO

Geralmente, as condições de trabalho não são um fenômeno estático, pois transformam-se sob a influência do desenvolvimento das forças produtivas. Por forças produtivas compreendo a técnica, a organização do trabalho e a força de trabalho humana. A transformação das forças produtivas nas sociedades industrializadas é, evidentemente, caracterizada, desde o início dos anos 70, por um amplo surto de "cientifização"2. A implantação e aperfeiçoamento das técnicas dirigidas por computadores levaram a uma alteração acelerada da estrutura da economia como um todo. A microeletrônica teve, inicialmente, uma ampla entrada no setor de prestação de serviços, que, de um modo geral, vinha se expandindo. O número de empregados ocupados na produção vem decaindo, enquanto que o número de empregados de serviços administrativos e sociais vem aumentando. Isto tem grandes conseqüências para a saúde da população trabalhadora. É conhecido que, na análise da diminuição dos acidentes de trabalho, deve ser dada grande importância à modificação da estrutura econômica, além da própria evolução da estrutura legal relacionada à segurança do trabalho (Deppe, 1980, pp. 268-269).

De forma diferente dos anos 70, quando a introdução de novas técnicas concentrou-se, quase que exclusivamente, nos setores de escritório e administração, com a chegada dos anos 80 a microeletrônica, também, alcançou os setores centrais do processo produtivo industrial. A produção e a mobilização de meios de trabalho "computadorizados", tais como robôs industriais e máquinas-ferramenta CNC (de controle numérico) apresentam, desde há alguns anos, altas taxas de crescimento (Dolata, p.651). Este processo, porém, desenvolve-se de forma bastante lenta. De uma forma geral, o emprego de técnicas de base computadorizada na produção ainda é baixo em meados dos anos 80. Até agora só podemos constatar uma realmente ampla utilização das novas técnicas nos setores administrativos e burocráticos das empresas. A utilização dessas técnicas diminui à medida em que estas se aproximam da produção direta, restringindo-se, basicamente, a alguns setores de fabricação e montagem. A construção de sistemas de produção mais complexos e integrados, tais como sistemas flexíveis de manufatura ou "sistemas de fluxo de material"3 encontram-se, na maioria das vezes, em fase de teste e experimentação. E, nas grandes empresas, o desenvolvimento encontra-se consideravelmente mais avançado do que nas pequenas e médias (Nuber et al., pp. 7 e seguintes).

No que se refere à estrutura profissional, as novas técnicas vêm gerando poucas atividades profissionais totalmente novas. Entretanto, vêm afetando marginalmente as estruturas tradicionais das profissões. As novas técnicas vêm sendo implementadas nas profissões, cada vez mais, como um instrumento de trabalho e como acessório de outros, sem, contudo, modificar, até agora, o núcleo estrutural das atividades e tarefas inerentes às profissões. A implementação, em quase todos os setores do escritório, do processamento microeletrônico de dados — PMD —cumpre o mais importante papel nesse processo. Em 1987, trabalhavam com o PMD cerca de 3 vezes mais assalariados (16%) do que em 1979 (5%) (BIBB/IAB, p. 310).

Com o estabelecimento dessa profunda transformação da produção industrial no início dos anos 80, cujo objetivo era o da renovação da técnica e remodelação da organização do trabalho do sistema de fábrica, tendo por base as técnicas de computação e informática, as exigências de saúde e de qualificação profissional relacionadas à força de trabalho vêm se modificando. Surgem de forma acentuada atividades tais como controle, supervisão, operação e planejamento. O alto custo das instalações microeletrônicas e o interesse de uma acelerada circulação de capital levam a uma enorme intensificação do trabalho. O ritmo de trabalho cresce, e o próprio trabalho fica mais concentrado. O tempo de trabalho é prolongado. Máquinas funcionam com mais freqüência, dia e noite. O ritmo de trabalho e a estrutura de comunicação tradicionais modificam-se. Como resultado de tudo isso, surgem novas exigências para os trabalhadores. Estas podem ser resumidas da seguinte forma: onde estão acontecendo transformações nas condições de trabalho, decorrentes das novas tecnologias, tem-se como conseqüência, de uma forma geral, a diminuição de trabalhos, tais como levantamento e carregamento de cargas pesadas; trabalhos diretos com óleos, lubrificantes e trabalhos "sujos"em geral; posições e posturas corporais forçadas e cansativas. Em contraposição, os trabalhadores que permanecem na produção estão expostos, com mais freqüência, a riscos de acidentes e riscos para a saúde. Também, as condições de iluminação nos locais de trabalho tornam-se, geralmente, mais desfavoráveis que em outros locais. No que se refere ao ruído, as melhorias e pioras tendem a se equilibrar.

Em relação à organização do trabalho, os prejuízos superam as melhorias. Aqueles que trabalham com as tecnologias modernas têm o seu campo de ação mais limitado e precisam realizar trabalhos noturnos e em turnos com mais freqüência. Eles devem enfrentar, ao mesmo tempo, novas tarefas e controlar vários trabalhos, simultaneamente. Isto está relacionado a esforços de concentração mais freqüentes e a uma maior responsabilidade. Além disso, tem de se trabalhar, com mais freqüência do que antes, sob uma forte cobrança de rendimento e prazos de execução. Adicionalmente, as dificuldades geradas pelas máquinas e pela organização do trabalho aumentam as exigências do sistema nervoso (BIBB/IAB, pp. 330, 374, 377).

A "cientifização" da produção, a automação e as novas técnicas exigem do trabalho vivo elevadas cargas mentais e psíquicas. Em conseqüência disto, o nível de qualificação profissional vem apresentando, durante as últimas décadas, uma tendência de maior desenvolvimento. Isso ocorre, principalmente, naqueles ramos onde a alta tecnologia é produzida e utilizada. Exigências mais complexas de conhecimento e uma responsabilidade mais elevada se manifestam subjetivamente nos trabalhadores, através de uma maior identificação com a atividade de trabalho. Situações de trabalho diversificadas, uma ligação mais estreita com o conteúdo do trabalho, um maior interesse no domínio das técnicas modernas de produção, a possibilidade de influenciar ativamente as modificações no processo de trabalho, a percepção subjetiva da importância do seu próprio trabalho individual, todos esses fatores levam a uma motivação positiva na atitude diante do trabalho. Aqueles que encaram o seu trabalho não apenas como uma obrigação alienadora para sua sobrevivência material podem vivenciar uma certa satisfação em sua atividade profissional. Entretanto, as experiências de trabalho subjetivas podem se tornar fontes de distúrbios de saúde psicossociais, e isso acontece quando essas experiências geram cargas excessivas ou inadequadas de trabalho. Tem uma influência decisiva nesse caso a discrepância entre as exigências de rendimento e as possibilidades reais ou subjetivas percebidas pelo indivíduo de corresponder a estas exigências. As motivações, inicialmente positivas, são vividas, então, como aborrecimento, medo, agitação, impasse, exigências excessivas, exaustão — ou seja, alteração do equilíbrio emocional —, e são, não raramente, o ponto de partida para enfermidades orgânicas e, de um modo geral, resistentes à terapia, caso permaneçam durante anos no indivíduo.

Sob a influência das novas técnicas, as estratégias de flexibilização — que se adequam parcialmente às necessidades da formação de um trabalho autônomo, com maior autodeterminação sobre o tempo e atividades mais criativas — dissolveram formas tradicionais de cooperação e comunicação presentes nas empresas. Amplia-se a disposição ao trabalho individual e diminuem as experiências coletivas de trabalho. Esta tendência de individualização das tarefas é acompanhada de um desenvolvimento geral da sociedade, voltado para um maior consumo e estilo de vida individual. Este desenvolvimento, por sua vez, é utilizado pelas estratégias políticas conservadoras como elemento de mobilização contra movimentos de defesa dos direitos coletivos e sociais. Dessa forma, é reforçado, também, o modo individual e privado de ver as doenças e se relacionar com elas. O paradigma tradicional da doença, orientado para disfunções de órgãos individuais e o comportamento individual inadequado, e que serve, até hoje, de fundamento da Medicina, é, até certo ponto, reafirmado publicamente, embora a relação entre as doenças coletivas da população com as condições de trabalho, do meio ambiente e de vida não possa mais ser negada cientificamente. Torna-se especialmente clara essa relação, ao mesmo tempo em que se aceitam "práticas" preventivas. Quando muito, estas se referem a diagnósticos preliminares, mudanças de comportamento, falhas humanas, ou seja, coloca-se em evidência a culpa individual. O processo de discussão público e coletivo da doença como um fenômeno social — e aqui especialmente relacionado ao trabalho —, doença que também só poderá ser transformada se levarmos em consideração as situações específicas da sociedade e as relações sociais, vem se dando, entretanto, de forma extremamente lenta.

Com a introdução da moderna tecnologia microeletrônica e sua intensa racionalização, tendo como pano de fundo a crise estrutural e conjuntural da sociedade, surge em toda a Europa Ocidental, a partir dos anos 70, um claro aumento do desempenho. Na Inglaterra, França e na República Federal da Alemanha, o nível de desemprego registrado, atualmente, é de 10%, e, em alguns países, superior a esse valor. Apesar de os países da Europa Ocidental possuírem seguro-desemprego e os desempregados desses países receberem dinheiro do Estado, deve se entender o desemprego involuntário como uma pesada carga para a saúde. Também as famílias, cuja estrutura tradicional de apoio vinha sofrendo uma forte transformação, não podem mais ser de grande ajuda. Doenças tais como as coronarianas, a hipertensão e as artrites são reforçadas, o alcoolismo, abuso de drogas e suicídio aumentam e, em média, a expectativa de vida daquelas faixas com maior nível de desemprego é nitidamente menor (Wacker, Thomann, Weltgesundheitsorganisation, p. 9 e seguintes). A massa dos desempregados, o exército industrial de reserva, tem um efeito, também, dentro das fábricas e influencia o comportamento dos que têm um lugar de trabalho. O exército industrial de reserva achata os salários, favorece atitudes perigosas no trabalho, reforça o medo de se perder o emprego e estimula o aumento de produção.

Por fim, sob o aspecto "Mudança na Estrutura de Produção e Saúde", deve ser acentuada uma evolução internacional. Hoje em dia, a transferência de processos de produção para países em desenvolvimento não se dá, apenas, em função da força de trabalho mais barata. Pelo contrário, cada vez mais, processos de trabalho degradantes para a saúde, que nas nações industrializadas não podem mais existir em função da luta dos trabalhadores, são exportados para países do terceiro mundo. O mais conhecido exemplo e o asbesto. Tem-se, então, um deslocamento de riscos e cargas em escala internacional (Ives).

Já os aspectos: desenvolvimento da estrutura econômica, desenvolvimento tecnológico, crise e desemprego e a exportação de riscos para a saúde mostram que o problema "trabalho e saúde" não pode ser reduzido somente ao nível da empresa, mas possui uma dimensão social e política que vai além do espaço da empresa. Antes de voltar a falar dessas questões, vamos aprofundar a discussão sobre a transformação da estrutura de cargas para a saúde e a maneira com que se vem lidando com isso.

 

AS DIVERSAS FORMAS DE CARGA E SEUS DISTÚRBIOS PARA A SAÚDE

Cargas Tradicionais e Corporais

Apesar da mecanização e automação dos processos de trabalho estarem progredindo, os trabalhos físicos pesados vêm apenas lentamente perdendo importância no processo de produção. Na Alemanha Federal, cerca de 23% dos assalariados são obrigados a trabalhar com ferramentas pesadas e a movimentar cargas pesadas, principalmente nas minas, construção civil e siderurgia. Eles estão expostos a esforços físicos pesados. Adicionam-se a esses os trabalhos de linha de montagem e outros similares, onde o ritmo de trabalho é fortemente condicionado pela produção, totalizando cerca de 700.000 pessoas. Típicos aqui são os trabalhos monótonos e estáticos.

Os danos à saúde, que têm sua origem nos trabalhos físicos pesados, manifestam-se como fenômeno de desgaste do aparelho esquelético, principalmente sobre a coluna e articulações das pessoas. Além disso, os acidentes de trabalho mais graves e freqüentes acontecem onde se realiza o trabalho físico pesado.

Outras cargas e prejuízos à saúde decorrem do ambiente de trabalho. Ao lado do projeto das máquinas, exercem um importante papel como fator de carga as influências climáticas, visuais e auditivas dos ambientes de trabalho. De grande importância são o ruído, temperatura, ventilação, poeira, umidade, iluminação vibração e os gases tóxicos. Assim como nos trabalhos físicos pesados, essas cargas são parcialmente reduzidas à medida em que os homens se afastam do processo de trabalho direto.

Entretanto, cresceram as doenças de pele, principalmente as alergias. Isso se deve à crescente introdução de substâncias químicas não-analisadas ou fiscalizadas nos processos de trabalho.

Deve ser mencionado, especialmente, sob o aspecto ambiente de trabalho e danos à saúde, o caso do câncer ocupacional. Levantamentos realizados na Alemanha Federal mostram que o percentual de mortes por câncer em trabalhadores do setor químico é significantemente maior do que a média da sociedade, principalmente nos casos dos trabalhadores em atividade há muitos anos nesse ramo. Já está provado que os amino-aromáticos causam câncer de bexiga, asbesto e ácido sulfúrico causam tumor de pulmão e nitritos provocam câncer de estômago (Horbacher, Loskant, pp. 23, 160 e 161).

Embora as cargas ambientais e as relacionadas ao trabalho físico pesado tenham diminuído levemente, devemos supor que as condições de trabalho com desgaste físico ainda permanecem freqüentes. Dessa forma, dos assalariados alemães, trabalham sempre ou freqüentemente:

- 25% (5,2 milhões) sob ruído;

- 23% (4,8 milhões) com levantamento ou carregamento de cargas pesadas;

- 21% (4,3 milhões) sob a influência do frio, umidade, calor e correnteza;

- 20% (4,1 milhões) com óleos, graxas e sujeiras;

- 15% (3,1 milhões) em posições curvadas, agachadas, ajoelhadas ou deitadas. (Bundesinstitut, P. 315)

Se levássemos em consideração os estrangeiros, esses percentuais seriam bastante mais elevados.

Vale dizer que o emprego das técnicas modernas leva pouco em consideração esses problemas de carga à saúde, mas, pelo contrário, atendem aos interesses do capital (por ex., a racionalização). A aplicação destas técnicas ocorre onde as cargas físicas são relativamente pouco freqüentes (Bundesinstitut, pp. 323-324, 375).

Cargas Psicossociais e Novas Técnicas

O espectro das doenças cresceu nas décadas passadas. As doenças crônico-degenerativas aumentaram. Além da maior duração de vida, estão sendo responsabilizados por isso fatores relacionados ao trabalho, ambiente e estilo de vida. Dá-se uma maior importância ao componente psicossocial na determinação da origem e evolução das doenças.

No local de trabalho, o ritmo de trabalho aumentou, as pausas foram eliminadas, o trabalho sob pressão e o estresse se difundiram. Um grande número de assalariados sente-se com os "nervos sobrecarregados" e "estressados". Mais comuns e com uma tendência de aumento encontram-se, atualmente, os trabalhos com:

- elevada concentração (48% ou 9,9 milhões de assalariados);

- processos de trabalho monótonos (47% ou 9,7 milhões);

- forte pressão de tempo e eficiência (44% ou 9,1 milhões).

(Bundesinstitut, pp. 317-318)

As relações entre estresse provocado pelo trabalho e doenças cárdio-vasculares esclarecem-se, cientificamente, cada vez mais. Não somente observa-se que as doenças cárdio-vasculares são o "assassino número l" — com uma tendência de aumento —, como também levantamentos empíricos de cargas nas empresas confirmam essa correlação (Maschewsky, Friezewsky, Scharf).

Mas, também, outras novas cargas trazem conseqüências tais como: responsabilidade elevada, pontualidade e o lidar com máquinas caras e interrelacionadas, onde cresce um medo não-expresso de falhas. A isso acrescentamos que a cooperação e a comunicação no local de trabalho tornam-se cada vez mais difíceis, em conseqüência de um crescente isolamento. Isso leva a um sentimento de indisposição, desinteresse, irritação e fadiga. Ao mesmo tempo, é exigida, não raramente, uma elevada e constante atenção.

No contexto das cargas psicossociais é conferida grande importância aos distúrbios neuro-vegetativos. Diferentes levantamentos concluem que certas atividades estão relacionadas com distúrbios do bem-estar4, tais como mudanças de paladar, falta de apetite, vertigem, dor de cabeça, cansaço contínuo e, simultaneamente, insônia e um sentimento contínuo de intranqüilidade interior. As pessoas afetadas são, geralmente, consideradas "saudáveis" pelos exames médicos, apesar de se sentirem subjetivamente mal. É notável que tais distúrbios de bem-estar, em se reconhecendo as cargas, podem perfeitamente ser explicados por hipóteses plausíveis. Apenas, nesses casos, não se trata de "conhecimentos científicos oficialmente comprovados".

Distúrbios de bem-estar podem ter causas bastante diversas; assim, a dor de cabeça pode ser causada tanto pelo ruído, como por tintas e solventes, pelo trabalho sob pressão de tempo, onde o salário é pago por produção, ou por exigências contraditórias nos locais de trabalho. A mesma coisa pode acontecer com os distúrbios de estômago e doenças reumáticas.

Além disso, discute-se se os distúrbios de bem-estar não poderiam ser o ponto de partida para posteriores "doenças clássicas". Assim, temos de perguntar se a dor de cabeça crônica não contribuiria para a hipertensão e se os distúrbios gástricos, posteriormente, não poderiam levar a uma úlcera estomacal.

Por isso, defende-se a tese de que os distúrbios de bem-estar têm de ser considerados como sensores das cargas presentes nas empresas. Estes distúrbios são muito mais sensíveis do que as doenças que se manifestam a posteriori e podem captá-las ainda numa fase inicial de desenvolvimento. Ganham, então, uma especial importância no diagnóstico prévio das doenças.

As normas de organização do trabalho também contribuem para o aumento das cargas. Nesse contexto, devem ser lembrados os sistemas de avaliação do trabalho e de pagamento por produção (prêmios). Especialmente consideráveis são as modificações nos escritórios e setores de serviços. Aí pode ser observada uma contínua transição do pagamento por tempo de trabalho para diversas formas de pagamento por produção. O trabalho é intensificado por meio de estímulos econômicos. Assim, os fatores de carga são aumentados e concentrados, as exposições ficam mais extensas e contínuas e aceleram o surgimento de prejuízos à saúde. É aproveitada nesses casos a situação de conflito entre duas necessidades elementares dos assalariados: as de curto prazo, relacionadas ao aumento dos rendimentos, e as de longo prazo, relacionadas à manutenção da saúde.

O tempo de trabalho, nas nações industrializadas, é discutido, nos últimos anos, cada vez mais como fator de carga. Do ponto de vista da saúde, dois aspectos desempenham um papel especial: primeiro, a duração do tempo de trabalho (por dia, por semana), e, segundo, a característica do tempo de trabalho (diurno ou noturno).

Em função não só da forte racionalização tecnológica, acompanhada de desemprego, mas também da crescente intensificação do trabalho que resulta em cargas para a saúde, vem sendo levada pelos sindicatos da Europa Ocidental (porém com diferentes forças) uma luta pela diminuição do tempo de trabalho, Atualmente aspira-se, na RFA, à semana de 35 horas. Até o final de 1988, 14,6 milhões de assalariados (64,3%) alemães possuíam contratos coletivos de trabalho com menos de 40 horas semanais. Porém, uma parte desses contratos entravam em vigor somente entre 1989 e 1990. No final, a média de horas trabalhadas entre os que participavam de contratos coletivos de trabalho era de 38,97 horas (Clasen, p. 19).

Em relação ao segundo aspecto, sob o tema tempo de trabalho e cargas para a saúde, vem sendo discutido o trabalho noturno e em turnos. Com o aumento do emprego de máquinas caras, o capital — para cumprir seus objetivos de acumulação — está interessado em que as máquinas não parem, e funcionem dia e noite. Isto tem como conseqüência que, nos últimos 20 anos, o trabalho noturno e em turnos se expandiu nitidamente. Atualmente, na RFA, cerca de 18% dos assalariados trabalham em turnos e 15% durante a noite, no horário das 22:00 às 6:00 horas. O ponto final da expansão do trabalho noturno e em turnos parece, ainda, não ter sido alcançado.

Em relação ao significado do trabalho noturno para a medicina do trabalho, hoje sabemos, através de levantamentos empíricos, que não se pode inverter o ritmo circadiano de funções fisiológicas, tais como a regulação de temperatura, o trabalho do sistema cárdio-circulatório e dos sistemas neuro-vegetativo e hormonal das pessoas com trabalho noturno. As causas desses problemas costumam ser associadas às condições sociais de vida. Dessa forma, o trabalho noturno representa uma carga especial para os trabalhadores. É uma atividade que vai de encontro à natureza humana. Sob tais condições, trabalhadores e funcionários são obrigados a aumentarem sua disposição de produzir, recorrendo às suas reservas de energia para satisfazer às exigências do trabalho noturno. Por isso, pode-se dizer que este é um fator de risco para os assalariados, constituindo-se, sempre, um trabalho patológico e desumano.

Através de numerosos levantamentos,são conhecidos os seguintes distúrbios de saúde decorrentes dos trabalhos noturnos e em turnos:

— nos trabalhadores noturnos, o tempo de sono é bastante reduzido; ele se limita, em média, a de 4 a 6 horas por dia;

— são sempre mencionados distúrbios de bem-estar tais como: dor de cabeça, irritabilidade, intranqüilidade e fadiga, falta de apetite e aumento da necessidade de fumar;

— os trabalhadores com turnos combinados com turno noturno sofrem de 2 a 3 vezes mais distúrbios gastrointestinais do que os trabalhadores diurnos.

 

CARGAS SINERGÉTICAS E CARGA TOTAL

Normalmente, as cargas atuam raramente de forma isolada. Como regra, podem ser encontrados diferentes tipos de carga atuando de forma combinada. Trata-se, principalmente, de cargas sinergéticas, como, por exemplo, quando se tem de trabalhar à noite, com ruído e sob pressão. Disso resultam dificuldades para a medicina — principalmente quando ela tenta descobrir a causa da doença a partir dos seus sintomas específicos. A carga que desencadeia a doença não precisa ser a carga causadora. Pode acontecer que ela não tenha como conseqüência distúrbios para a saúde, a não ser somada a cargas suplementares.

Um exemplo: considerando a pressão de tempo no local de trabalho como uma contínua sobrecarga, cargas específicas — possivelmente até pequenas — podem ser suficientes para levar a doenças ou distúrbios de bem-estar não-específico. Certas doenças ou distúrbios de bem-estar seriam, nesse caso, definidos, então, por cargas suplementares, talvez causais, ou pela forma como aqueles que possuem certas características constitucionais processam estas cargas. Concretamente, isso quer dizer que, numa situação comum de constante sobrecarga por pressão de tempo, um trabalhador, sob a ação de carga adicional com gases e vapores, pode facilmente ser levado a ter bronquite, e outro, sob a ação de carga adicional com posturas forçadas, a ter distúrbios reumáticos. Outro exemplo: na situação comum de constante sobrecarga por pressão de tempo, um ruído suplementar ou uma elevada responsabilidade pode levar num caso, à hipertensão e, no outro, à insônia, dependendo do processamento específico ou da constituição de cada pessoa. Torna-se óbvio, assim, que, para uma afirmação confiável da etiologia e patogênese da doença, é necessário um conjunto de conhecimentos, e que relacionar diretamente o sintoma com a causa pode ser uma simplificação.

O reconhecimento dessa relação fez com que a discussão sobre carga, nos últimos anos, cada vez mais se defrontasse com a noção de carga total. O caminho para a investigação de todas as cargas parciais mostrou-se infrutífero. Por isso, desde a metade dos anos 70, questionários estão sendo submetidos aos assalariados. Nesse contexto, as pessoas têm se ocupado em responder quais são os fatores de carga que aparecem com mais freqüência, sozinhos ou de forma combinada.

O resultado foi o seguinte:

— 60% dos assalariados estão expostos regularmente a um ou mais tipos de carga;

— dessas pessoas, 21% sofrem o efeito de duas ou três cargas, simultaneamente;

— outros 11% trabalham sob até 4 ou 5 cargas e;

— 9% recebem o efeito de 6 ou mais (máximo de 10) cargas, simultaneamente (BIBB/IAB, p.317).

Como cargas mais freqüentes podem ser mencionadas: estresse, monotonia, concentração, trabalho em turnos e ruído. Os trabalhadores são fortemente atingidos, possuindo, ainda hoje, as condições de trabalho as mais difíceis. Atualmente, um entre dois trabalhadores está exposto a três ou mais cargas, simultaneamente.

 

QUAIS AS DOENÇAS OCUPACIONAIS RECONHECIDAS?

A partir desse pano de fundo, é útil e razoável observar com atenção as doenças ocupacionais reconhecidas na República Federal da Alemanha. Como reconhecidas entende-se que tais doenças são indenizadas pelo seguro-acidente e pagos seus tratamentos médicos. Segundo essa definição, as doenças ocupacionais são claramente delimitadas e estabelecidas pela portaria para doenças ocupacionais do governo alemão, podendo ocorrer em certas atividades. O caminho formal para o reconhecimento legal de uma doença ocupacional é determinado da seguinte forma: caso um médico ou dentista tenha suspeita fundamentada de que o segurado tenha uma doença ocupacional, ele deverá, então, avisar o seguro-acidente sobre o fato. Em seguida, o seguro-acidente recolherá o parecer (Berufskrankheiten-Verordnung, pp. 334-337). O relato de uma doença representa, então, principalmente, um fato jurídico relacionado ao seguro, e não um fato médico sistemático. Atualmente, segundo a portaria alemã, 55 grupos de doenças estão sendo chamadas de doenças ocupacionais, as quais são causadas por substâncias químicas, efeitos físicos, agentes infecciosos ou fenômenos de desgaste. As mais freqüentes doenças ocupacionais reconhecidas são surdez por ruído, silicose, doenças infecciosas, danos do menisco, tendinites e doenças de pele. Assim, já se pode observar que esse modelo das doenças ocupacionais exclui uma grande parte dos distúrbios de saúde provocados pelo trabalho. Por isso, diz-se, com razão, que se trata de um fenômeno tipo iceberg. Isto significa que, quando muito, somente a ponta do fenômeno é observável. Um dos "principais motivos" apontados para explicar este fator é o regulamento que obriga o pagamento integral por parte das empresas dos custos dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais — o seguro-acidente legal —, enquanto que o pagamento do seguro-saúde é pago pelos empresários apenas pela metade. Com isso, as empresas diminuem seus custos globais, livrando-se das doenças ocupacionais, que são assumidas pelo seguro-saúde comum.

A inclusão de novas doenças na lista oficial de doenças ocupacionais depende não apenas de conhecimentos médicos, mas, também, de influências jurídicas, econômicas e políticas. Assim, a discussão pública sobre condições de trabalho prejudiciais, o desenvolvimento econômico ou o poder de grupos de interesse têm uma influência considerável. Isso parece ser uma explicação, numa comparação internacional, do porquê de tantas diferenças nas listas oficiais de doenças ocupacionais.

 

COMO ESTÁ ORGANIZADO O PAPEL PREVENTIVO DA MEDICINA EM RELAÇÃO AO TRABALHO?

Na maioria dos países da Europa Ocidental existem leis que regem a prevenção no trabalho. Essas leis são o resultado da luta dos trabalhadores e representantes, não raramente, um compromisso entre a classe trabalhadora e o capital. O capital obtém produção e acumulação "pacíficas", concedendo salários mais elevados. A efetivação de tais leis na realidade das empresas não ocorre por si mesma, mas sim como resultado da pressão massiva dos trabalhadores diretamente atingidos e seus sindicatos. Essas leis determinam, em princípio, que as empresas devem empregar especialistas em segurança e medicina do trabalho, os quais podem executar seus trabalhos de forma mais ou menos independente — isso depende de muitas condições. A formação profissional dos especialistas em segurança do trabalho é muito diversa. Atualmente, vem se formando um quadro nos sindicatos europeus no sentido de reivindicar critérios comuns.

Na RFA, são tarefas do médico da empresa: colaboração, apoio e aconselhamento para a gerência da empresa e para a comissão de fábrica, exames e aconselhamentos aos empregados, bem como inspeções gerais e nos postos de trabalho, para supervisionar as condições de trabalho e segurança. Ele deve contribuir para a melhoria das condições de trabalho e para a luta contra os acidentes de trabalho. O poder decisório — por exemplo, a respeito de uma situação de risco iminente — ele não possui. A maior parte do seu tempo de trabalho é gasta em exames para admissão e primeiros socorros. A orientação desses profissionais e fortemente direcionada para as doenças ocupacionais oficialmemte reconhecidas. O campo das cargas de trabalho — já detalhadamente comentadas nesse texto e que, no momento, tomam-se cada vez mais importantes nas industrias modernas — é bastante desprezado. Essa orientação tem a ver, de um lado, com o fato de que os aspectos financeiros e de direito previdenciário tornam relevantes somente as doenças ocupacionais reconhecidas, mas, por outro lado, está relacionada, também, ao fato de que a medicina do trabalho é, ainda, fortemente orientada pelas ciências naturais baseadas numa única dimensão.

 

MEDICINA DO TRABALHO E SEUS LIMITES

Nesse contexto, parece-nos razoável fazer algumas considerações teóricas sobre a medicina do trabalho enquanto ciência. Os fundamentos da medicina do trabalho que atualmente predominam são decorrentes da patologia do trabalho, fisiologia do trabalho e toxicologia do trabalho. Esses fundamentos correspondem a uma concepção de doenças causadas pelo trabalho, que se cristalizou, principalmente, durante a fase de mecanização dos processos industriais de trabalho.

A patologia do trabalho está ligada à clínica médica. Ela se localiza no final da evolução da doença

— quando já existe, então, o dano à saúde manifesto

— e conclui, a partir daí, as respectivas causas potenciais. Ela é rigidamente orientada por uma perspectiva organicista e tem como fundamento um conhecimento monocausal do tipo causa-efeito. A patologia do trabalho tem grande importância no reconhecimento das doenças ocupacionais.

A fisiologia do trabalho, da qual surgiu a medicina do trabalho nos anos 20, — uma época onde também surgiram a sociologia do trabaho e a psicologia do trabalho — se ocupa basicamente da capacidade da força de trabalho humana. Ela está fortemente ligada a conhecimentos de engenharia, tal como a ergonomia. Aqui se vê mais nitidamente a relação com a mecanização industrial. No centro, encontra-se o modelo fisiológico de estímulo-resposta, que limita o trabalho humano às características mensuráveis do sistema homem-máquina. A concepção hoje em dia mais conhecida é a do modelo de exigência de cargas. Como carga entende-se aqui o conjunto de todas as influências relacionadas às tarefas e ao ambiente de trabalho e que afetam o homem trabalhando. Essas influências são captadas pelo sistema sensitivo e estabelecem exigências ao sistema efetor (músculos, órgãos). A fisiologia do trabalho tende a desenvolver seus conhecimentos em situações de laboratório isoladas. Dela provieram conhecimentos importantes para o projeto do posto de trabalho e ela contribuiu essencialmente para a taylorização do trabalho.

A toxicologia do trabalho se ocupa das atividades biológicas das substâncias no organismo humano. Ela busca analisar experimentalmente a relação entre dose e resposta de substâncias no organismo humano. No seu centro encontram-se a investigação sobre os valores limites e considerações sobre a concentração máxima para substâncias perigosas no posto de trabalho. Na RFA existe, atualmente, uma lista com valores máximos permissíveis de cerca de 400 substâncias, embora no processo de trabalho industrial sejam utilizadas cerca de 60.000 (Milles, Myller, p. 209). Também, nesse contexto, vale a pena mencionar que a determinação oficial e o reconhecimento dos valores-limites não se dão somente a partir de conhecimentos científicos. Exemplos impressionantes a serem lembrados, embora fora da área trabalhista, são o debate público sobre a catástrofe de Chernobyl, e a decisão sobre os valores-limites, várias vezes reformulada por motivos políticos. Além disso, infelizmente, nada evidencia que os valores-limites reconhecidos de forma mais severa em outros países semelhantes à RFA sejam assumidos da mesma forma pela Alemanha Federal. Sem dúvida, nas últimas décadas, a patologia, a fisiologia e a toxicologia do trabalho trouxeram importantes contribuições para a medicina do trabalho. Mas as insuficiências e deficiências desses fundamentos teóricos da medicina do trabalho na resolução dos problemas relacionados ao fenômeno "doença e trabalho" levaram, nos últimos 15 anos, a um processo de profunda crítica. Isso se deve, em grande parte, ao fato de a medicina do trabalho não corresponder ao que dela se esperava com relação à modernização do processo de produção e aos efeitos para a saúde dos assalariados.

Esses três campos — clínica, fisiologia e toxicologia — são, freqüentemente, citados como críticos, pois eles se utilizam somente de métodos das ciências naturais, que analisam os órgãos humanos de forma isolada e dissociados uns dos outros. E, quando observam o homem na sua totalidade, o fazem, no máximo, dentro de uma concepção de um indivíduo biológico abstrato. Isso contradiz o conhecimento fundamental de que o homem, ao trabalhar, o faz dentro de relações sociais e, assim, desenvolve sentimentos, medos e necessidades, que não devem ser negligenciados na origem das doenças.

Outra crítica a esses três campos é a de que eles partem de uma relação monocausal do tipo causa-efeito. Isso significa que uma carga é considerada a causa de distúrbios bem específicos de saúde. Isso acontece apenas raramente. Na realidade das empresas, normalmente, uma grande variedade de cargas afeta o trabalhador simultaneamente. Elas se influenciam umas às outras. Assim, por exemplo, substâncias prejudiciais à saúde podem não causar nenhum efeito; mas podem, também, interagir com outras cargas e, com isso, terem um efeito mais forte — ou, ainda, agirem simultaneamente com outras e se tornarem mais inofensivas. Todas essas possibilidades são conhecidas. A determinação de valores-limites para cargas específicas deve ser, então, encarada como de caráter limitado.

Um aspecto que não vem sendo considerado é a utilização de outros métodos científicos, tais como a Epidemiologia descritiva e analítica para a investigação de questões centrais da medicina do trabalho. Isso implica descobrir e definir situações de trabalho nas quais ocorra uma acumulação de cargas com efeitos prejudiciais à saúde. Outro ponto negligenciado são as experiências práticas e concretas dos sujeitos atingidos no posto de trabalho, ou seja, dos homens que lá trabalham. Eles são encarados, no máximo, como objetos de investigação da medicina do trabalho. Mas, nesse meio-tempo, ficou claro que, especialmente para o diagnóstico precoce e intervenção preventiva, este problema não deve ser negligenciado. Na prática da medicina do trabalho, critica-se que ela, partindo de um pensamento mecanizado homem-máquina, promova a adaptação do homem ao posto de trabalho já previamente definido, através dos exames admissionais e periódicos. Além disso, ela está direcionada para o atendimento de primeiros socorros na empresa, partindo, assim, de uma perspectiva puramente curativa. Medidas de prevenção, por serem geralmente caras, são realizadas apenas sob pressão política e/ou financeira.

A medicina do trabalho vigente, que reivindica a tematização de todo o contexto das relações entre saúde e trabalho, é criticada por sua abordagem reducionista. Exige-se, assim, uma consideração integral da relação entre trabalho e saúde.

Por que se exibe aqui tão detalhadamente a crítica da medicina do trabalho nos seus fundamentos teóricos e na sua pratica? A intenção não é desvalorizarmos os conhecimentos e progressos das ciências naturais, nem negá-las como uma importante base da medicina. Isso seria um grave mal-entendido! Porém, é nossa intenção criticar a pretendida hegemonia da medicina baseada exclusivamente nas ciências naturais, pois, dessa forma, a discussão sobre aspectos específicos da doença é assumida como totalidade, e atividades envolvendo aspectos não menos importantes são relegadas ou reprimidas. Que este reducionismo hegemônico não pode ser bem-sucedido demonstra diariamente o aumento de certos problemas de saúde freqüentes na população5, muitas vezes condicionados pelo trabalho e pelo ambiente. Hoje em dia, a arrogante medicina baseada nas ciências naturais na Europa Ocidental defronta-se com essas doenças sem nada poder fazer para explicar suas causas e indicar terapias.

Nesse contexto, faz sentido chamar a atenção para mais um aspecto fundamental da medicina do trabalho, que vem sendo eventualmente esquecido: a atuação do homem e suas relações sociais. Isto significa que o lidar com a doença não é um procedimento socialmente neutro como a ação das ciências naturais quer fazer crer. O trabalho e a sua organização na fábrica dependem de interesses sociais. E a medicina do trabalho — como a ciência médica como um todo — não deve per si ser considerada positiva e aclamada por todos. A medicina do trabalho é, pelo contrário, um instrumento que pode ser utilizado de diferentes formas. Pode ser utilizada, por um lado, para reduzir o desgaste de saúde dos trabalhadores, mas pode, por outro lado, também — caso não controlada pelos seus beneficiários — ser utilizada para a seleção da força de trabalho — que é qualificada pelas suas condições de saúde —, para a intensificação da produção ou para a maximização da exploração voltada para a acumulação do capital. Ela até pode — como nos campos de concentração do nazismo alemão — ser utilizada conscientemente para destruir vidas humanas no trabalho.

 

ESTRATÉGIAS DE SUPERAÇÃO

Para terminar, diante de correlações tão extensas, parece-nos razoável comentar que tipos de problemas devem ser considerados com vistas à superação dos agravos à saúde que estão sujeitos os trabalhadores nos locais de trabalho.

1. Prevenção e compensação: A prevenção — principalmente a primária — deve ser considerada como o princípio mais importante e extenso. Trata-se de impedir ou atenuar a formação de doenças ocupacionais e sofrimentos, promovendo a saúde. Tem de ser dada importância especial à prevenção de doenças, porque muitas manifestações de desgaste provocadas pelo trabalho são irreversíveis, e medidas terapêuticas têm, no máximo, o efeito de atenuar os sintomas. A priorização pela prevenção, porém, não deve negligenciar aqueles que já adoeceram em função do trabalho. Aqueles cuja saúde foi afetada em função do trabalho precisam de reforçado apoio médico, social e financeiro. Não se deve criar una rivalidade entre atendimento aos doentes e prevenção.

2. A prevenção, porém, não deve se concentrar somente nas condições de trabaho. A maneira como, onde e com que se trabalha e se produz influencia o ambiente, os produtos do trabalho — aqui nos remetemos aos bens de consumo — e, não menos importante, o estilo de vida. Quando se fala da orientação de políticas de saúde, costuma estar em jogo a criação de condições adequadas para a saúde (prevenção em relação às condições), o apoio e a construção de um comportamento benéfico à saúde (promoção à saúde) e a promoção de um comportamento saudável (prevenção em relação ao comportamento). Quase todos os princípios de prevenção têm em comum o fato de se concentrarem, diante de estruturas de interesse econômicas e de dominação, no campo da influência sobre o comportamento, através do apelo à educação para a saúde. Isso é politicamente flexível, porém pouco efetivo em relação à saúde. Isso se confronta com os conhecimentos científicos relacionados ao fato de que não se pode influenciar de uma maneira radical o comportamento e o estilo de vida sem se levar em consideração as reais condições que determinam esse comportamento. No que se refere à segurança preventiva do trabalho, isso significa que ela, primeiramente, deve ter como objetivo uma modificação das condições de trabalho prejudiciais à saúde. Apenas quando isso ocorre os esforços para a mudança de comportamento dos trabalhadores ganham um sentido de promoção de saúde.

3. Como pode a segurança do trabalho ser levada a cabo e mantida? Individualmente ou coletivamente. E conhecida a situação em que os assalariados, sob cargas de trabalho elevadas, faltam freqüentemente ao trabalho por motivo de doença. Fala-se, nesse caso, de uma "fuga para a doença". Esta é uma típica reação individual e significa a medicalização de um problema não-médico. Assim, pode ocorrer, com efeito, um alívio a curto prazo. Mas a origem da doença não é, dessa forma, efetivamente atingida. .A implementação de medidas de segurança do trabalho acarreta, em geral, custos elevados, que não são concedidos voluntariamente pelo capital, sendo necessária uma pressão coletiva — tal como na negociação salarial. Por isso, a exigência relacionada à segurança no trabalho é um dos pontos tradicionais dos programas do movimento sindical e de trabalhadores. Na luta contra as cargas psicossociais, atualmente, só as chamadas "leis brandas" possibilitam a defesa dos interesses sindicais, e uma ação profilática (como nos parágrafos 90 e 91 dos direitos de reclamação da legislação de segurança do trabalho alemã), em uma área que, até agora, foi considerada secundária. Além disso, os contratos coletivos de trabalho abrem a possibilidade de neles serem incluídos regulamentos — principalmente no que se refere ao sistema salarial e aos limites de produção e de tempo de trabalho —, bem como os contratos gerais de trabalho (por ex., contratos para a proteção contra a racionalização), cujos assuntos específicos envolvam certos conteúdos de trabalho, estrutura ocupacional e de atividades ou trabalho em grupos (Helfert, pp. 74 e 75 BIBB/IAB p. 438).

4. E finalmente, nesse contexto, tematiza-se cada vez mais a relação entre especialistas e leigos atingidos. Penso que se trata de uma relação desequilibrada — freqüentemente unidimensional —, pois geralmente os trabalhadores sabem formular com nitidez quais os locais de trabalho perigosos ou não. O conhecimento dos especialistas e a experiência dos atingidos podem se complementar, de forma positiva. Tanto a análise da carga psicossocial como fonte de estresse, como também a aplicação de conhecimentos científicos na política trabalhista não podem ser feitas sem a participação dos sujeitos atingidos e sem se levarem em consideração as experiências anteriores. Por isso, os "objetos" da medicina do trabalho tradicional têm mais influência, do ponto de vista metodológico, na investigação das cargas de trabalho — principalmente na implementação das novas técnicas. Deve ser lembrado, nesse contexto, o modelo italiano de "Medicina dos Trabalhadores" (Winterberger). As entrevistas do pessoal, na empresa, são um instrumento que vem sendo utilizado desde meados dos anos 70, na República Federal da Alemanha, mas que ainda deve ser melhor desenvolvido. Os trabalhadores participam ativa e coletivamente na avaliação dessas entrevistas (Arnold/ Satzer).

5. Qual é o papel do governo central e das empresas na melhoria da segurança do trabalho? Uma orientação mais forte voltada para a prevenção primária e para a promoção da saúde, relacionada com as doenças ocupacionais ou com a carga total no local de trabalho, não ocorrerá por si só. As metas a serem alcançadas, as prioridades e possibilidades de controle dos resultados pelo Estado devem ser determinadas, através de leis e portaria. Esta é uma tarefa de total responsabilidade do Congresso e da administração pública. Por exemplo, não faz sentido o fato de se permitir o emprego de asbesto em uma fábrica e em outra este ser proibido. O mesmo vale para o trabalho noturno ou o ruído. Tais intervenções estatais não são, por si só, suficientes; pode-se constatar que as regras que existem atualmente vêm sendo, freqüentemente, burladas ou negadas. Precisa-se, então, adicionalmente, de uma participação ativa e de controle local nas fábricas, e aqui, de novo, vejo uma tarefa para os diretamente atingidos e seus sindicatos. Uma planificação estatal central, envolvendo uma participação descentralizada, pode ser útil para chegar a superação dos problemas de saúde relacionados ao trabalho (Schmidt et al.).

No geral, pode-se supor que a melhoria das condições de trabalho é mais avançada nos locais onde a democracia não acaba nas portas das fábricas, mas se tornou um elemento autêntico do processo produtivo.

Interesses individuais — principalmente aqueles que só têm por objetivo a otimização do lucro — devem ser repelidos. Para que isto aconteça, é necessário um forte movimento social por parte daqueles que são especialmente afetados na sua existência humana por condições de trabalho prejudiciais à saúde. Essas pessoas não são mais, hoje em dia, nas nações industrializadas, exclusivamente os trabalhadores com trabalho físico pesado, mas, cada vez mais, os trabalhadores indiretos, administrativos e a inteligência técnico-científica. Pois são exatamente os locais de trabalho desses últimos que vêm sendo submetidos a uma mudança radical, pela ampla implementação de técnicas microeletrônicas. Essa mudança leva não-somente a uma polarização da qualificação da força de trabalho e a um reforçado controle do trabalho, mas, também, a novas cargas para a saúde. As conseqüências dessas cargas não são necessariamente percebidas imediata e diretamente, mas se tornam visíveis somente alguns anos depois. Nesse momento, porém, chega-se, geralmente, a um estado irreversível e incurável. Devem, então, ser concebidas já as estratégias que impeçam a evolução desse processo. Esta, naturalmente, é uma questão que não se limita aos conteúdos tradicionais da medicina do trabalho, mas exige idéias políticas e sociais claras sobre a importância da doença e da saúde em nossa sociedade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Nota do tradutor: Essa bibliografia refere-se a um estudo desenvolvido na RFA nos anos 1985/86 pelo Bundesinstitut fur Berufsbildung.

2 Nota dos tradutores: Embora a palavra "cientifização" não faça parte do dicionário Aurélio, preferimos adotar esse neologismo, que significa a utilização de conhecimentos científicos aplicados.

3 Nota dos tradutores: "Sistemas de fluxo de material" é a tradução literal de Material Flussysteme. No Brasil, profissionais de engenharia constumam usar a sigla MRP (Material Requirement Planning), que é uma técnica de otimização de fluxos de matérias-primas na produção.

4 Nota dos tradutores: Distúrbios do bem-estar é a tradução literal de "Stõrungen des Wohlbefindens". Entretanto, essa expressão não é tradicionalmente utilizada, no Brasil, pela categoria médica, que adota a expressão "queixas vagas" para se referir a sintomas genéricos que não chegam a formar quadros clínicos específicos. Preferimos manter a tradução.

5 Nota dos tradutores: O autor se refere aqui ao que se poderia traduzir literalmente por "doenças populares" (Volkskrankheiten, em alemão). Seriam algumas doenças freqüentes na população, embora sem gravidade — por ex; as gripes — e certos sinais e sintomas específicos — por ex., dores de cabeça e insônia.

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