RESENHA/REVIEW

 

 

Ricardo Ventura Santos

Núcleo de Doenças Endêmicas Samuel Pessoa — Escola Nacional de Saúde Pública — Fiocruz

 

 

The Population Dynamics of the Mucajaí Yanomama. John D. Early e John F. Peters. San Diego, California, Academic Press, Inc, 1990, xv + 152 pp., figuras, gráficos, tabelas, bibliografia.

São muitos os fatores que contribuem para a exigüidade de estudos demográficos em comunidades indígenas. Em primeiro lugar, geralmente não há pessoas vivendo permanentemente nas áreas — sejam funcionários governamentais ou pesquisadores — de forma que não há continuidade na manutenção da documentação sobre ps eventos demográficos. E, quando um pesquisador interessa-se pelo tópico, são inúmeras as dificuldades, incluindo a falta de dados básicos como datas de nascimento, proscrições culturais quanto a falar de pessoas falecidas, dificuldade por parte dos investigadores em obter dados quantitativos diante da inexistência de um sistema de contagem na cultura dos grupos em estudo, barreiras lingüísticas para conduzir um trabalho mais aprofundado, exigüidade de recursos e tempo para a realização de uma pesquisa a longo prazo.

O estudo de caráter diacrônico realizado por Early e Peters entre os Mucajaí, um subgrupo Yanomama que vive em Roraima, consegue superar várias dessas dificuldades. Isso porque os dados utilizados pelos autores são baseados em 28 anos (1958-1987) de observação continuada da dinâmica populacional de um grupo de aproximadamente 550 indivíduos, fazendo com que, nas palavras dos autores, "tenha-se coletado e analisado o mais completo e acurado banco de dados demográficos para uma sociedade horticultora/coletora" (pp. 141). Afora o componente demográfico, a abundância de dados etnográficos e históricos enriquece enormemente a discussão dos autores, levando o leitor a perceber de forma clara as inter-relações entre aspectos sócio-culturais e populacionais na história recente dos Mucajaí.

O livro consiste em quatro partes, subdivididas em dez capítulos. Na primeira parte, os autores apresentam aspectos gerais sobre os Mucajaí, incluindo a localização da área estudada, a natureza do banco de dados utilizado e um panorama histórico do período pré e pós-contato do grupo. Os Mucajaí entraram em contato permanente com a sociedade nacional em 1958, por intermédio de missionários protestantes norte-americanos. Foi justamente a presença permanente dos missionários na área Mucajaí — a propósito, o segundo autor (Peters) viveu na área como missionário — que permitiu o acúmulo dos dados na forma de censos, registros vitais, genealogias e relatos etnográficos analisados por Early e Peters. Ainda que os autores não estejam interessados em abordar detalhadamente o impacto da ação dos missionários sobre os Mucajaí, há uma discussão sucinta sobre o tópico (ver páginas 94-98).

A segunda parte compõe-se de quatro capítulos, constituindo o cerne do livro. Nela são discutidos aspectos culturais e demográficos da dinâmica populacional Mucajaí. Com relação a padrões de migração, os autores demonstram a importância das imigrações no aumento da população Mucajaí, principalmente no que tange a mulheres em idade reprodutiva. A análise dos dados reprodutivos demonstra que o casamento é universal e a reprodução feminina começa cedo, a média de idade da mãe por ocasião do primeiro nascimento sendo de 16,8 anos. A taxa de fecundidade total é de 7,9 filhos, não sendo mais elevada devido a práticas de controle populacional com fins de proteger a saúde de recém-nascidos. Entre elas incluem-se longos períodos de amamentação, abortos induzidos e infanticídio. Infelizmente os autores não apresentam dados sobre a dinâmica reprodutiva masculina, o que seria de interesse dado a existência de dados para outros subgrupos Yanomama (cf. Chagnon 1979, 1988; Neel, 1970). Finalmente, em relação à mortalidade, a expectativa de vida ao nascer dos Mucajaí é extremamente baixa (38,9 anos durante os 28 anos), sendo as doenças infecciosas as maiores causas de mortalidade. Um aspecto importante discutido pelos autores refere-se às flutuações nos índices de migração, fecundidade e mortalidade, variando enormemente de ano para ano, devido principalmente ao reduzido tamanho da população Mucajaí, além de outros aspectos específicos.

A terceira parte do livro inclui os capítulos oito e nove, onde os autores discutem os componentes do crescimento demográfico Mucajaí e inter-relações entre aspectos culturais e estrutura demográfica.

Finalmente, a parte quatro resume analiticamente a dinâmica populacional Mucajaí, contrastando-a com resultados disponíveis para outros subgrupos Yanomama. Os autores fazem uma crítica aprofundada dos demais estudos, questionando basicamente os métodos de análise empregados e a qualidade dos dados, já que os outros trabalhos baseiam-se em dados coletados em curtos intervalos de tempo.

O trabalho de Early e Peters é bem ilustrado, as tabelas e gráficos cumprindo o papel de otimizar a apresentação da demografia Mucajaí. Há um aspecto editorial que, a meu ver, não se justifica: embora a bibliografia não seja extensa, os títulos dos artigos foram suprimidos, aparecendo apenas os autores e periódicos. Os leitores ficam, portanto, sem ter acesso aos títulos das referencias citadas.

Em termos teóricos e metodológicos, The Population Dynamics of the Mucajai Yanomama é uma importante contribuição para os estudos demográficos de comunidades indígenas das terras-baixas sul-americanas. Os autores são cuidadosos em não fazer generalizações excessivas a partir dos dados dos Mucajaí, por saberem das idiossincrasias etnográficas e históricas do grupo. Os autores enfatizam repetidamente que uma das conclusões importantes do estudo refere-se às flutuações demográficas dos Mucajaí. Finalmente, vale mencionar que os dados demográficos dos Mucajaí apresentados por Early e Peters, notadamente no período 1980-1987, indicam um aumento nos índices de mortalidade. Isso está relacionado com a invasão das terras Yanomama por garimpeiros e que tem levado a um aumento na prevalência de doenças infecciosas na comunidade indígena, fato amplamente noticiado pela imprensa mais recentemente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAGNON, N. — Is reproductive success equal in egalitarian societies? In: Evolutionary Biology and Humam Social Behavior (N. A. Chagnon e W. Irons, eds.). North Scituate: Massachusetts, 1979.

CHAGNON, N, — Life histories, blood revenge, and warfare in a tribal population. Science, 239: 985-992, 1988.

NEEL, J. V. — Lessons from a primitive people. Science, 170: 815-822, 1974.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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