RESENHA
Carlos E. A. Coimbra Jr.
Ensp/Fiocruz
Environmental Changes and Human Health: A Study of the Shipibo-Conibo in Eastern Peru. Maj-Lis Follér. Humanekologiska Skrifter 8, Göteborg, Göteborgs Universitet, 1990. ISSN 0281-0727, 296 pp., ils., US$24,00 (brochura).
O trabalho de Maj-Lis Follér sobre os Shipibo-Conibo da Amazônia peruana é mais uma contribuição do programa de Ecologia Humana da Universidade de Gotemburgo. O livro é organizado em 12 capítulos e cinco apêndices, trazendo também extensa bibliografia sobre o tema.
O capítulo 1 traz uma descrição geral das características geográficas da região e aspectos sócio-culturais e econômicos dos Shipibo-Conibo. Trata-se de um longo capítulo onde a autora apresenta ainda a linha teórico-metodológica que orienta o livro. Em termos teóricos, o estudo calca-se na contribuição da ecologia e da antropologia ao estudo das interações homem/meio ambiente e de seus impactos sobre a saúde. Follér também discute a importância da etnomedicina no processo de adaptação dos Shipibo-Conibo e chama atenção para os possíveis desdobramentos das rápidas mudanças sócio-culturais que ora se verificam no grupo, enfatizando os aspectos relacionados ao processo saúde doença. Quanto à metodologia, a pesquisa de campo foi realizada ao longo de três etapas entre 1985 e 1987, totalizando seis meses, e a autora utilizou a observação participante como método básico para coleta de dados.
Os capítulos 2 a 5 descrevem, respectivamente, os temas: morbi-mortalidade, meio ambiente físico (clima, solos etc.), etnohistória e estratégias de subsistência. O capítulo sobre morbi-mortalidade traz dados demográficos e de casuística das doenças mais freqüentes entre os Shipibo-Conibo. Follér conclui que infecções gastrintestinais e respiratórias, particularmente a tuberculose, são as patologias mais importantes. Em recém-nascidos, o tétano é responsável por grande número de óbitos. Dada a raridade de dados dessa natureza em estudos sobre grupos indígenas amazônicos, este capítulo constitui importante contribuição da autora.
O capítulo 6 descreve a cosmologia Shipibo-Conibo, tópico importante que introduz o leitor ao capítulo seguinte, onde a autora aborda o tema etnomedicina. Trata-se de importante capítulo para a compreensão do sistema de crenças e práticas médicas Shipibo-Conibo, onde são detalhados aspectos ligados ao etnodiagnóstico, etnoterapia e o papel dos profissionais de saúde.
O capítulo 8 é uma apresentação crítica do Programa Ametra ("Aplicación de Medicina Tradicional"). Trata-se de um programa experimental financiado por agências européias, iniciado em 1982, e que visa integrar ações de profissionais de saúde tradicionais e de formação científica-ocidental, incluindo-se aí os próprios integrantes da equipe de pesquisadores suecos e peruanos. O programa Ametra tem o apoio da Freprosa ("El Frente de Promotores de Salud") e da Feconau ("La Federación de Comunidades Nativas del Ucayali y Afluentes"). Este capítulo dá ao leitor não só uma idéia da organização de algumas estratégias alternativas para o funcionamento de serviços de saúde para as comunidades Shipibo-Conibo, como também o grau de articulação política deste povo indígena com as distintas esferas de governo local, nacional e, até mesmo, internacional. Por exemplo, uma das atividades centrais da Freprosa tem sido a de pressionar o Ministério da Saúde peruano no sentido de que este órgão promova cursos descentralizados de formação e reciclagem de promotores de saúde indígenas.
Nos capítulos 9 a 11, Follér apresenta os resultados de um levantamento para identificação de plantas medicinais, assim como uma avaliação critica de suas características etnofarmacológicas e potencial de utilização na clínica.
Finalmente, no capítulo 12 a autora sintetiza os resultados principais da pesquisa e discute o impacto das mudanças ambientais e sócio-econômicas sobre a saúde e qualidade de vida dos Shipibo-Conibo. Dentre as atividades que tiveram efeito mais pernicioso sobre a saúde do grupo, a autora destaca a exploração de borracha nativa, a adoção de práticas agrícolas voltadas para o comércio regional, a venda de madeira e a criação de gado. Mais recentemente, a exploração de petróleo e a pesca comercial têm exercido forte pressão sobre a sociedade Shipibo-Conibo, com reflexos negativos sobre a saúde da população. A autora atribui as péssimas condições de saúde da população ao processo de rápidas mudanças sócio-culturais e ambientais que se verificam na região. Neste sentido, a experiência de Follér entre os Shipibo-Conibo da Amazônia peruana aproxima-se da experiência de autores que vêm realizando investigações no lado brasileiro, onde processo semelhante de assimilação dos povos nativos também faz-se acompanhar por descaracterização cultural, marginalização sócio-econômica e dizimação biológica.
O livro traz importante contribuição por seu esforço em abordar uma temática complexa integrando várias disciplinas. Contudo, a autora privilegia uma abordagem essencialmente qualitativa, o que leva o leitor a sentir falta de dados epidemiológicos mais precisos que certamente propiciariam uma configuração mais clara do quadro de saúde da população. Considero o livro de Maj-Lis Follér altamente recomendado para os leitores interessados em mudança, aculturação e saúde de populações indígenas da Amazônia.