RESENHA/REVIEW
Odécio Sanches
Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz
Saúde e Sociedade. Augusta Thereza da Alvarenga & José da Rocha Carvalheiro, (eds.). Publicação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e da Associação Paulista de Saúde Pública: São Paulo, Brasil, 7992, semestral. Assinaturas: Saúde e Sociedade. Avenida Dr. Arnaldo, 715, São Paulo, SP, 01246-904, Brasil.
Queremos saudar e dar boas-vindas a um novo veículo destinado à divulgação e discussão de temas e idéias vinculadas à saúde pública/coletiva.
Foi lançada, em São Paulo, a Revista Saúde e Sociedade, sob a responsabilidade da Associação Paulista de Saúde Pública e Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Talvez em função dessa duplicidade, conta com a dupla de editores Augusta Thereza de Alvarenga e José da Rocha Carvalheiro.
A finalidade deste novo periódico, que se propõe a ser bianual, está expressa na contracapa do primeiro número: Saúde e Sociedade é uma revista que tem por finalidade divulgar a produção das diferentes áreas do saber sobre as práticas de saúde, visando o desenvolvimento interdisciplinar do campo da saúde pública. Destina-se à comunidade de profissionais do campo da saúde, docentes, pesquisadores, especialistas da área da saúde pública/coletiva e de áreas afins.
Pela qualidade e competência dos nomes que compõem a Comissão Editorial e pela amostra de autores e conteúdos dos artigos que aparecem neste primeiro número, estamos pressagiando o nascimento não de mais uma revista, mas sim de uma nova revista em saúde pública/coletiva. E, aqui, adotamos para "nova" o mesmo sentido adotado pela Comissão Editorial: o de inovar.
Aliás, assim se expressa a Comissão Editorial, representada por Aracy Witt de Pinho Spínola (Diretora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo) e Álvaro Escrivão Júnior (Presidente da Associação Paulista de Saúde Pública): Saúde e Sociedade nasce com o propósito de inovar no campo da saúde pública. Inovar significa, para nós, propiciar espaço para que aflore um novo tipo de reflexão sobre os problemas de saúde pública/coletiva que afetam nosso país e todo o continente latino-americano. Os problemas, é certo, nem sempre são novos, como é o caso do ressurgir do cólera em nosso continente e em nosso país, mas o modo de pensá-los é necessariamente novo; nisto consiste nosso desafio.
E em que consiste este modo de pensar que é necessariamente novo? Ainda segundo o ponto de vista da Comissão Editorial, esta inovação está na importância que a mesma confere a uma maior interação entre universidade e serviços de saúde, com vistas à produção de conhecimento, incentivando a divulgação da reflexão sobre as práticas de saúde e estimulando a participação mais ativa dos profissionais de saúde na criação de um espaço para o debate das mesmas. É, pois, pretensão do novo periódico favorecer a criação de um novo vínculo forte, orgânico e de caráter permanente dos profissionais de saúde pública que trabalham nas universidades com aqueles que atuam nos serviços de saúde, permitindo caracterizar Saúde e Sociedade como uma revista realmente nova.
A proposta fundamental de Saúde e Sociedade consiste em: (1) divulgar um tipo de reflexão científica rigorosa, mas de caráter ensaístico; (2) incitar a polêmica, de sorte a que se instaure, entre os profissionais do campo, um saudável clima de debates de idéias, propostas e práticas; (3) abrir maior espaço para áreas das ciências humanas cuja contribuição ao campo de saúde pública/coletiva apresenta-se como primordial; (4) promover a divulgação de práticas inovadoras, em fase de proposta ou de desenvolvimento nos serviços de saúde, que venham enriquecer o debate no campo.
O conteúdo deste primeiro número de Saúde e Sociedade conta, além do editorial já referido, com as seguintes contribuições:
R. B. M. Gonçalves (Cecília Donnangelo Hoje). Com um extraordinário poder de síntese, o autor ressalta o pensamento e o ideário desta significativa figura de pensador, na área da saúde coletiva, que é Cecília Donnangelo (o verbo no presente é intencional) e as repercussões e conseqüências, no presente, em relação à apreensão e à transformação das práticas de saúde, com especial ênfase na prática médica.
L. J. da Silva (Vigilância Epidemiológica: Uma Proposta de Transformação). O autor, em seu abstract ressalta que O Brasil ainda não construiu um sistema eficiente e confiável de vigilância epidemiológica. A existência desse sistema é fundamental para a implantação de um Sistema Único de Saúde minimamente eficiente. A disponibilidade de meios para a análise de informações permite a organização de um sistema razoável de vigilância epidemiológica em tempo relativamente cuno. Há necessidade de níveis de análise independentes que possam empreender um trabalho com planejamento a longo prazo e relativamente livre de pressões políticas e econômicas. A evolução dos meios de processamento e análise de informações e as transformações da clínica e da epidemiologia, particularmente no relacionamento entre as duas, são pontos fundamentais na proposta. A proposta básica é a dissociação dos níveis de análise dos órgãos de administração direta e a descentralização do sistema de vigilância epidemiológica.
B. A. F. Perrenoud & J. C. de Moraes (O Sistema de Vigilância Epidemiológica sob a Crise do Setor Saúde). Neste artigo, os autores discutem as intervenções que precederam a atual crise do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo e os pressupostos (segundo suas opiniões) que devem orientar as propostas de solução. Considerando as relações com os níveis federal e municipal, busca-se adequar o atual Sistema de Vigilância Epidemiológica às diretrizes do Sistema Único de Saúde.
J. da R. Carvalheiro (Pestilências: Velhos Fantasmas, Novas Cadeias). Com as próprias palavras do autor, são discutidos diversos aspectos relacionados com a epidemiologia e o controle de doenças que, pela natureza de seus processos endemo-epidêmicos, tornaram-se grandes fantasmas que assolaram a humanidade durante séculos as pestilências. Relaciona-se seus respectivos processos com a história da humanidade, a organização das medidas e as próprias técnicas de combate. Menciona-se os fantasmas do passado representados, fundamentalmente, pelas Doenças Quarentenavéis, e o seu ressurgimento no mundo atual. Discute-se a emergência de novos fantasmas que assolam a humanidade: doenças crônico-degenerativas, violência e trauma, AIDS. Defende-se a idéia de que são alterações da estrutura epidemiológica que devem ser buscadas para explicitar as mudanças de perfil epidemiológico, em particular os processos endemo-epidêmicos das pestilências. Neste sentido, os velhos fantasmas, quando ressurgem, o fazem com características e estruturas epidemiológicas mudadas.
S. M. Vianna (A Seguridade Social, Sistema Único de Saúde e a Partilha dos Recursos). O artigo está centrado em quatro questões que, de alguma forma, afetam a partilha dos recursos do Orçamento da Seguridade Social (OSS) entre os componentes desse sistema (saúde, previdência e assistência social): o papel do MTPS, caixa da seguridade e gestor de seu principal programa (benefícios previdenciários); a controvérsia quanto às responsabilidades desse orçamento, que tem sido utilizado para financiar políticas públicas (saneamento, merenda escolar, pagamento de inativos e pensionistas da União, etc.) que antes eram custeadas pelo orçamento fiscal (recursos ordinários do Tesouro), e finalmente, a repercussão da estratégia de contingenciamento adotada pelo Governo, atingindo, inclusive, as contribuições sociais recolhidas pela Receita Federal (Finsocial, taxação sobre lucros, loterias). No final é mencionada a criação de uma fonte específica para a saúde e a forma de partição automática entre União, Estados e Municípios. O autor conclui com cepticismo em relação a soluções para o financiamento do SUS que não passem pela retomada do crescimento econômico, combate à sonegação e à inadimplência de órgãos públicos e empresas privadas e, sobretudo, pela vontade política de fortalecer o sistema de saúde.
E. D. Nunes (Ás Ciências Sociais em Saúde: Reflexões Sobre as Origens e a Construção de um Campo de Conhecimento). O trabalho aborda as origens, desenvolvimento e perspectivas das Ciências Sociais em Saúde. Procura situar alguns pontos fundamentais relacionados à incorporação de um pensamento social em saúde no Brasil e faz parte de um amplo movimento que ocorreu no pós-Segunda Guerra, principalmente junto aos Departamentos de Medicina Preventiva e Social. Trata-se da construção desse campo do conhecimento, apontando alguns trabalhos da literatura. Conclui apresentando algumas perspectivas em relação à investigação nessa área.