RESENHA/REVIEW

 

 

Carlos E. A. Coimbra Jr.

Núcleo de Doenças Endêmicas Samuel Pessoa; Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz

 

 

Medical Anthropology: Contemporary Theory and Method. Thomas M. Johnson & Carolyn F. Sargent (organizadores). New York: Praeger Publishers, 1990. 479 p., bibliografia, índice. (Brochura) (Versão em capa dura publicada pela Greenwood Press, New York, sob o título Medical Anthropology: A Handbook of Theory and Method, 486 p., ISBN 0-313-25947-X, US$95.00) ISBN 0-275-93753-4 US$ 29.95

Escrito com o objetivo de apresentar o estado da arte no campo da antropologia médica, segundo as palavras dos organizadores, o livro de T. Johnson e C. Sargent vem preencher uma grande lacuna no ensino desta disciplina. Isto porque as outras coletâneas publicadas, como as de D. Landy (MacMillan, 1977) ou de M. Logan & E. Hunt (Duxbury, 1978), estão esgotadas. Além do que, mesmo que ainda estivessem disponíveis no mercado, precisariam passar por uma cuidadosa revisão visando sua atualização.

Dividido em cinco seções, totalizando 19 capítulos, o volume conta com textos assinados por nomes de destaque no campo da antropologia médica. O cuidado na seleção dos capítulos por parte dos organizadores resultou em um texto denso, rico em novas abordagens, muito apropriado para o ensino ao nível de pós-graduação. Merecem destaque a excelente bibliografia geral, com mais de 1.200 referências, e o índice remissive, que muito facilita o leitor na localização de tópicos que, muitas vezes, são tratados em mais de um capítulo.

Em sua maioria, os vários autores privilegiam a abordagem da antropologia cultural no entendimento dos fenômenos biológicos, muitas vezes caracterizados como construções culturais. Por exemplo, o capítulo de N. L. Etkin (Ethnopharmacology: Biological and Behavioral Perspectives in the Study of Indigenous Medicines) argumenta que a eficácia terapêutica seria culturalmente construída. A. J. Rubel & M. R. Hass (Ethnomedicine) discutem a importância das abordagens êmicas na construção de modelos explicativos acerca do processo saúde/doença, chamando atenção para suas limitações no que tange a comparações interculturais. No campo da psiquiatria, os capítulos de H. F. Stein (Psychoanalytic Perspectives) e de C. C. Hughes (Ethnopsychiatry) colocam em cheque a validade universal de diagnósticos e condutas terapêuticas.

A contribuição de T. J. Csordas & A. Kleinman (The Therapeutic Process) visa, em parte, uma conciliação entre modelos terapêuticos ocidentais e não-ocidentais. Os autores partem da idéia de que todo processo terapêutico envolve componentes simbólicos e definem determinadas categorias básicas, como cura, tratamento e terapia, de modo a permitir sua aplicação em qualquer contexto cultural. O capítulo de N. J. Chrisman & T. M. Johnson (Clinically Applied Anthropology) faz a ponte entre a discussão teórica apresentada por Csordas & Kleinman, à medida que apresenta extensa revisão sobre métodos e possibilidades de abordar a questão da(s) interface(s) entre a clínica e as ciências sociais. Ainda nesta linha, M. Dougherty & T. Tripp-Reimer (Nursing and Anthropology) analisam, otimisticamente, as possibilidades de colaboração entre a enfermagem e a antropologia.

Incorporando a vertente teórico-crítíca da antropologia cultural norte-americana, os capítulos de L. A. Rhodes (Studying Biomedicine as a Cultural System) e de M. Lock & N. Scheper-Hughes (A Critical-Interpretive Approach in Medical Anthropology) trazem uma elaborada análise acerca do modelo biomédico, tocando em vários pontos polêmicos. Em última instância, estes autores buscam relativizar o "absoluto" ou o "verdadeiro" no modelo biomédico, que é, segundo os autores, fruto da tradição positivista e cartesiana da ciência ocidental, tratando-o como componente de um sistema cultural mais amplo. S. Morsy (Political Economy in Medical Anthropology) ressalta a importância de se incorporar a história e a economia à análise das condições de saúde e da organização dos serviços. Morsy ainda questiona a "neutralidade" na pesquisa etnográfica, chamando atenção para as implicações da influência do pesquisador sobre a "voz" e a "fala" de seus informantes na análise êmica.

Vários capítulos buscam explorar as possíveis interfaces entre a antropologia e a epidemiologia. O capítulo de P. J. Brown & M. C. Inhorn (Disease, Ecology, and Human Behaviour) destaca-se pelo esforço dos autores em integrar o conhecimento sobre a biologia e ecologia da doença com cultura, na tentativa de construir modelos mais abrangentes acerca do processo saúde/doença. Nesta mesma linha, W. R. True (Epidemiology and Medical Anthropology) discute os pontos de convergência e de divergência entre as abordagens qualitativa (antropologia) e quantitativa (epidemiologia). O autor aborda questões conceituais acerca dos objetos da investigação antropológica e epidemiológica, além de rever criticamente os conceitos de normalidade, causa e etiologia. W. W. Dressler (Culture, Stress, and Disease) tenta retomar o conceito de "stress", já muito desgastado pelo seu uso abusivo e pouco preciso, e aplicá-lo no estudo de doenças, particularmente as de fundo psíquico e crônico-degenerativo. Ainda nesta linha, L. A. Bennett & P. W. Cook Jr. (Drug Studies) exploram a possível contribuição da antropologia em estudos e programas envolvendo o consumo de drogas alucinógenas, álcool e tabaco.

No campo da antropologia aplicada aos estudos populacionais, o capítulo de P. Hand-werker (Demography) enfatiza a metodologia. Além de apresentar ampla revisão sobre questões demográficas de interesse para a antropologia (e.g., a intensificação da agricultura versus crescimento populacional, pressões ambientais sobre as populações, etc.), o autor também discute a importância e a aplicabilidade de indicadores demográficos selecionados em estudos antropológicos. A contribuição de C. H. Browner & C. F. Sargent (Anthropology and Studies in Human Reproduction) destaca a dimensão cultural do comportamento reprodutivo humano. Os dois capítulos complementam-se, pois, enquanto Handwerker adota uma aproximação mais quantitativa, com ênfase em indicadores populacionais, Browner & Sargent discutem os aspectos cognitivos (etnofisiologia) sobre concepção, desenvolvimento fetal e parto, dentre outros pontos, enfatizando a influência de fatores culturais na tomada de decisões por parte de mulheres em diferentes sociedades.

Os capítulos de M. Last (Professionalization of Indigenous Healers) e de R. A. Rubinstein & S. D. Lane (International Health and Development) voltam-se para as aplicações práticas da pesquisa antropológica nos serviços de saúde.

Last trata da questão da profissionalização de agentes de saúde locais (ou indígenas, como prefere o autor) em diferentes países, indo desde o modelo soviético, caracterizado pelo controle estatal, quase que não permitindo a expressão de outras práticas que não a oficial, até os modelos nigeriano, hindu e britânico. Este último, segundo os autores, está entre os mais pluralistas. Rubinstein & Lane discutem o impacto dos grandes projetos financiados por agências internacionais como a USAID, WHO, UNICEF, dentre outras, abordando o papel do antropólogo nestes programas. Finalmente, o capítulo de P. J. Pelto & G. H. Pelto (Field Methods in Medical Anthropology) aborda, sucintamente, a questão do método antropológico e sua aplicação no estudo das doenças. Os autores apresentam o que consideram serem as questões básicas para a investigação em antropologia médica e discutem o desenho da pesquisa, unidades de pesquisa, amostragem, técnicas de entrevista e o uso de microcomputadores no campo. Contudo, não compartilho do ponto de vista expresso pelos autores de que a metodologia de pesquisa antropológica possa ser apresentada de modo ateórico (nontheoretical) ou neutro (theory-neutral).

Em suma, pode-se dizer que todos os capítulos do livro são úteis e representam boas introduções aos diferentes temas tratados. Trata-se, portanto, de referência importante que pode ser usado em cursos de pós-graduação como ponto de partida para discussões mais aprofundadas.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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