RESENHA REVIEW

 

Dalva A. Mello

Faculdade de Ciências da Saúde
Fundação Universidade de Brasília

 

 

La Historia de Julian: Memorias de Heroína Y Delincuencia . Juan F. Gamellla. Madrid: Editorial Popular S. A., 1990.
ISBN 84-7884-018-4

Juan F. Gamella, antropólogo do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Granada/Espanha, trabalhando na área de saúde, apresenta neste livro, de maneira especial, os resultados de uma pesquisa de abordagem qualitativa, conduzida no período de 1977 a 1987, sobre a trajetória da construção de um problema social: a juventude marginal e o mundo da droga na Espanha. As investigações foram conduzidas em alguns bairros da zona norte de Madri, espaço urbano caracterizado por profundos contrastes sócio-econômicos, pululado por crianças e jovens sem ocupação definida, que se espalham por espaços concretados difusos, ruidosos, sem jardins, praças e outras áreas de lazer, também carente de escolas, em número e qualidade, transporte coletivo, etc. O autor realizou a pesquisa trabalhando com o método etnográfico e com muita sensibilidade apresenta, no texto, biograficamente, depoimentos pessoais sobre a história do modus de vida de um delinqüente madrileno procedente de família operária de classe média baixa. É uma espécie de pesquisa participante que se desenvolveu e se concretizou pelas vozes dos próprios protagonistas. Tendo como modelo o problema da heroína, Gamella desenha a história social da droga na Espanha. Para não comprometer as pessoas, os nomes verdadeiros dos indivíduos e lugares foram deliberadamente substituídos por outros, fictícios. Mas a história de Julian e de seus companheiros tanto é verdadeira como, ao mesmo tempo, cruel. Traduz-se em "um novo estilo de vida, uma nova realidade subcultural" de experiências de dissociabilidade, autodestruição (a maioria morreu ou está com SIDA) e auto-agressão (a opção no consumo das drogas é endovenosa).

O problema foi estudado no meio natural onde jovens construíam sua identidade e comportamento, forjados na exclusão e na marginalização social e traduzidos pela opção à ilegalidade e desprezo aos valores estabelecidos. É identificado todo um processo de transformação coletiva, caracterizado por uma linguagem própria e ritualizada. Vivendo em grupos ou gangs, os yonkies, como são chamados os heroinomanos na Espanha, são liderados por indivíduos que assumem imagens de "heróis- bandidos" de forma cinematográfica, simbolizando, por um lado, a rebeldia social e, por outro, poder e sucesso de comando.

É também uma "história eminentemente masculina, onde o papel feminino é secundário e dependente ...". As mulheres são geralmente iniciadas por seus companheiros, quando no estabelecimento da relação sexual. A proporção é de quatro indivíduos do sexo masculino para um do sexo feminino. Os grupos de risco compreendem jovens nascidos pós-64, época de profundas transformações sociais e políticas e no mundo e na própria Espanha. Para estes jovens, "o consumo de drogas pesadas, quer seja heroína ou cocaína, ou, ainda, o uso de fármacos se converte no elemento central de suas vidas".

O autor mostra que a este problema a sociedade tem como resposta o discurso da intolerância e de alarme social e pânico moral, não só estigmatizando, mas estereotipando e culpabilizando. Por outro lado, mostra também como o Estado intervem, respondendo com medidas repressivas através da carcerização massificada, da medicalização substitutiva. Por sua vez, no cenário entra também a mídia que, através de seus diferentes canais de divulgação publicitária, mais colabora para a extensão do problema do que para sua prevenção.

Gamella destaca e discute também, em seu livro, o fato de o uso de drogas na Espanha ter sido importado e difundido a partir do modelo norte-americano de sociedade consumista, através de fluxos culturais divulgados principalmente pelos meios de comunicação: cinema, TV, imprensa sensacionalista. Isso parece ficar evidente quando é decodificada e analisada a linguagem utilizada pelos yonkies, repleta de anglicismos.

Finalizando, como o próprio autor afirma, este é um texto que pode ter "várias leituras e interpretações", o que caracteriza sua autenticidade de investigação. O seu caráter universal pode, por outro lado, ser identificado, mesmo que a investigação tenha sido realizada na Espanha, pelos determinantes semelhantes aos de outros países onde o problema tem a mesma dimensão social.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br