EDITORIAL EDITORIAL

 

Maria Cecília de S. Minayo; Carlos E. A. Coimbra Jr.

(Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz)

 

Nas últimas décadas, a contribuição das Ciências Sociais e, em particular, da Antropologia aos estudos sobre condições de saúde tem sido crescente. Na América Latina, o interesse pela abordagem antropológica no estudo da saúde e da doença tem-se feito presente, refletindo-se na crescente produção de textos e, até mesmo, de números especiais de revistas dedicados ao tema. Este é o caso, por exemplo, do volume 7 (1985) de Nueva Antropología (Cidade do México) e do volume 5 (1991) de Cuadernos de Antropología Social (Buenos Aires). O periódico Cuadernos Medico Sociales (Rosario) constitui-se uma importante contribuição ao desenvolvimento e fortalecimento da Antropologia Médica no continente. Também a Venezuela tem se destacado como centro difusor nesta área, principalmente através do Laboratorio de Ciencias Sociales, onde está sediado o componente de ciências sociais do Programa TDR/OMS (Programme for Research and Training in Tropical Diseases da Organização Mundial da Saúde) para a América Latina.

É bem verdade que temas tais como "doença", "cura" e "morte" sempre foram objeto de investigação antropológica, desde os primórdios da disciplina, com os trabalhos de Malinowski, Evans-Pritchard e Boas, entre outros. No entanto, foi somente em anos recentes que os antropólogos passaram a se envolver mais diretamente em pesquisas direcionadas para o entendimento dos sistemas de crenças e práticas médicas, representações sobre doença e contágio, comportamento e doença, etnomedicina, intinerário terapêutico e utilização de serviços de saúde. O potencial de contribuição destes estudos às Ciências Médicas e à Saúde Pública tem sido reconhecido em diferentes instâncias, refletindo-se no continuado interesse, por parte dos profissionais de saúde, pelos métodos antropológicos, particularmente aqueles de caráter qualitativo.

No Brasil, a expansão deste campo de investigação deu-se de maneira um tanto tímida e bem mais recentemente. No entanto, o ano de 1993 foi marcante, devido à realização do I Encontro Brasileiro de Antropologia Médica, em Salvador, Bahia, no mês de novembro. Este encontro permitiu a identificação de pesquisadores e de núcleos emergentes onde estudos antropológicos sobre saúde e doença têm sido priorizados, muitas vezes como contribuição essencial aos debates sobre a implantação de novos modelos assistenciais em uma sociedade que, como a nossa, é essencialmente pluralista, do ponto de vista cultural.

Este número temático dos Cadernos de Saúde Pública concretiza o esforço de se tentar agrupar uma parcela da produção recente neste campo, com particular ênfase em estudos realizados no Brasil. Inicialmente concebido como uma publicação destinada exclusivamente à veiculação de artigos antropológicos stricto sensu, optamos por incluir artigos de outros profissionais, não necessariamente antropólogos, também trabalhando com metodologias qualitativas.

O artigo M. C. Minayo & O. Sanches, não só aborda um tema de muita atualidade, a oposição ou complementaridade entre as metodologias qualitativa e quantitativa na pesquisa em saúde, como também reinaugura uma importante seção dos Cadernos de Saúde Pública — Debates. Em sua nova forma de apresentação, os artigos selecionados para esta seção são seguidos de comentários críticos assinados por profissionais da área e, posteriormente, da resposta dos autores.

A temática "representação" está presente em praticamente todas as contribuições, destacando-se as de M. J. Spink e de G. Sevalho que, respectivamente, abordam-na sob a ótica da psicologia social/cognitiva e da história. F. Telles e colaboradores, L. Hoffmann e H. Oliveira também analisam diversas categorias de representação em seus respectivos artigos.

O aporte de P. Alves contribui para o melhor entendimento dos processos individual e coletivo que constituem a experiência da enfermidade, enquanto que, S. Atkinson e de M. Queiroz abordam a contribuição da Antropologia ao estudo sobre avaliação e consumo de serviços de saúde. Em particular, M. Queiroz enfoca famílias trabalhadoras, temática que é também central no trabalho de M. L. Rangel, sobre identidade e riscos à saúde. M. Rabelo discute a interface religião e cura, em particular no que se refere ao papel dos "cultos" na provisão de serviços. Finalmente, o artigo de R. P. Castro e M. P. Bronfman trazem a contribuição da Sociologia Médica à discussão acerca das categorias "sexo" e "gênero", problematizadas à luz da teoria feminista.

Entendemos esta iniciativa como uma abertura de caminho que, temos certeza, terá conseqüências positivas para o desenvolvimento da Antropologia Médica no Brasil.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br