DEBATE DEBATE
Debate sobre o artigo de Minayo & Sanches
Debate on the paper by Minayo & Sanches
Fernando Lefèvre
Faculdade de Saúde Pública Universidade São Paulo
Imaginei reagir ao artigo "Quantitativo- Qualitativo: Oposição ou Complementariedade" colocando algumas impressões sobre o papel do pesquisador na pesquisa qualitativa e na pesquisa, digamos, ortodoxa.
Neste sentido, diria que, para o segundo tipo de pesquisa, há, em última instância, um único "grande pesquisador": aquele que, usando uma metáfora do espiritismo, serve de "cavalo" para a Ciência, que fala por seu intermédio.
Portanto, dentro desta perspectiva, cabe a cada pesquisador individual despir-se de toda a sua subjetividade, assumindo o papel de fiel servidor ou porta-voz da Ciência.
Todos (inclusive "eu") da Universidade aprendemos a repudiar violentamente, no discurso acadêmico, a presença da primeira pessoa do singular, em favor de um "se" impessoal (quando muito de um "nós" majestático). E este "se" é a Ciência que fala em nós e por nós, que, enquanto subjetividade, não existimos.
Na pesquisa qualitativa, ao contrário, os cientistas são plurais, instaurando-se o reinado do pesquisador-sujeito.
Imaginemos, para exemplificar, uma situação muito comum na pesquisa qualitativa que lida com depoimentos: o que fazer com os referidos depoimentos (em geral grandes) que, sob a forma de fitas transcritas, por exemplo, repousam sobre as nossas mesas de pesquisadores?
Um encaminhamento de resposta a esta questão é que, no momento da interpretação deles, são cruciais a formação e as bases teóricas pregressas do pesquisador, sua inteligência, sua experiência (não apenas de pesquisador, mas de vida), seu capital cultural (como diria Bourdieu). Isto porque uma palavra ou frase de um depoimento pode "ressoar" e ser altamente significativa na bagagem e para a bagagem de um pesquisador, mas não querer dizer nada para outro pesquisador. E esta diferença não advem, necessariamente, de um ser mais bem formado em metodologia científica do que outro.
Por este exemplo, fica claro como, diferentemente do que ocorre na pesquisa de corte mais ortodoxo, na pesquisa qualitativa, um pesquisador não apenas pode, mas deve ser diferente de outro, porque não se busca a (única) "verdade" de um depoimento, mas aquela verdade específica, metabolizada pela história de vida do pesquisador.
Assim, duas interpretações distintas de um mesmo depoimento não apenas não são necessariamente conflitantes, mas podem enriquecer, somando-se uma a outra, a interpretação do sentido deste depoimento.
Instaura-se aí, de modo radical, a subjetividade do pesquisador, em benefício de uma ciência entendida como propiciadora e, mesmo, incentivadora da polissemia.
Na pesquisa qualitativa, em função do que foi dito, um pesquisador até bem capacitado em técnicas de coleta e análise de dados discursivos pode estar em posição desvantajosa frente a um pesquisador mais "velho" e menos "bem formado" metodologicamente, porque uma rica história de vida variável crítica é, evidentemente, um atributo pessoal e intransferível, e nunca um conteúdo de um processo de treinamento.
Eu arriscaria dizer, à guisa de conclusão, que o pesquisador "qualitativo" pode não ter o mesmo perfil psicológico do pesquisador mais ortodoxo e que a riqueza da pesquisa (ortodoxa ou não) vem mais da soma de perspectivas e de personalidades distintas do que do acúmulo de uma "mesma" ciência, feita por anônimos "servidores".