DEBATE DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Minayo & Sanches

 

Debate on the paper by Minayo & Sanches

 

 

Euclides Custódio de Lima Filho

Instituto de Matemática, Estatística e
Ciências da Computação
Universidade Estadual de Campinas

 

 

O confronto entre os métodos quantitativo e qualitativo, alienado de um objeto de estudo específico e delimitado ao qual desejase aproximar através de um caminho (Hodós), não é o tipo de discussão das mais fecundas que poder-se-ia travar.

Um método se justifica e se estabelece à medida que, por seu intermédio, obtem-se a aproximação de um objeto através da iluminação de um ou alguns de seus aspectos, aproximação esta que viabiliza uma melhor apreensão da realidade estudada, produzindo, inclusive, um conhecimento capaz de transformá-la.

Em outras palavras, o método é bom enquanto ele responde aos propósitos e às necessidades científicas estabelecidas por um dado grupo social, o que, em última análise, remete a discussão para o campo das lutas pela hegemonia no estabelecimento das políticas de ciência e tecnologia de uma dada sociedade, em um determinado momento histórico.

Neste sentido, concordamos com o texto apresentado quando ele conclui que as abordagens quantitativas e qualitativas realmente não se opõem a priori, na medida em que, em função de um objeto específico recortado em conformidade com o ponto de vista dos pesquisadores envolvidos, qualquer uma delas pode se constituir no caminho possível, no momento certo.

Da mesma forma, concordamos que tampouco essas abordagens se complementam necessariamente. Esta relação simplesmente não se estabelece, na medida em que não há continuidade entre os métodos. Um não abre terreno para o outro.

A crítica que se faz ao texto apresentado por Minayo & Sanches é que ele, renunciando deliberadamente a discutir o método em sua relação com o objeto — propositalmente, não se entrou, neste trabalho, nas questões específicas da área da saúde, uma vez que a pretensão do texto era ser introdutório de uma problemática que concerne e ultrapassa o campo —, acaba por inviabilizar uma discussão mais fecunda e conclusiva, na medida em que subtrai da polêmica justamente o critério que deveria validá-la.

A discussão do método viabiliza-se à medida que ela se cola à discussão do objeto que anima este método, discussão esta que, por sua vez, nos remete à discussão mais ampla acerca da finalidade do estudo científico e dos critérios de validação do conhecimento produzido.

Tal crítica, evidentemente, não desmerece as considerações levantadas no texto, sem dúvida um bom "pontapé inicial" num debate realmente relevante, possível e promissor.

Este início de debate cria a expectativa de uma discussão de importantes aspectos relativos às questões que os métodos discutidos suscitam.

Um deles, crucial, é a validação do método qualitativo. O texto de Minayo & Sanches apenas resvala por esta questão quando diz que "uma das indagações mais freqüentes no campo da pesquisa é a que se refere à representatividade da fala individual em relação a um coletivo maior", ou, ainda, quando diz que "a ênfase quase absoluta na fala como material de análise transforma a questão da descoberta e da validade em habilidade de manipulação dos signos". No entanto, em outra publicação (Minayo, 1992) — muito mais densa e analítica — Minayo já aponta para a importância desta questão e sugere que a validação da pesquisa qualitativa passa pelo crivo da "triangulação", que consistiria na "combinação e cruzamento de múltiplos pontos de vista, através do trabalho conjunto de vários pesquisadores, de múltiplos informantes e múltiplas técnicas de coleta de dados". Parece-nos bastante problemático o fato de a validação se dar ao sabor de pontos de vista múltiplos e, talvez, descolados da prática.

Fica também a expectativa de uma discussão aprofundada a respeito das afinidades e adequações entre os objetos e os métodos. O texto aqui discutido não foi feliz ao sugerir que ao método quantitativo cabe conduzir a pesquisa "em níveis da realidade, onde os dados se apresentam aos sentidos", como se os dados estudados pelo método quantitativo já fossem "dados" pela natureza, prescindindo de sua construção por parte do pesquisador. Da mesma forma, a sugestão de que ao método qualitativo cabe "aprofundar a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados em extensão e capazes de serem abrangidos intensamente" não diferencia, de modo algum, este método do método quantitativo.

Por fim, saudamos os professores Minayo e Sanches, bem como os Cadernos de Saúde Pública, pela iniciativa do debate, na expectativa de acompanhar e participar das discussões.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MINAYO, M. C. S., 1992. O Desafio do Conhecimento. São Paulo: Hucitec-Abrasco.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br