OS AUTORES RESPONDEM THE AUTHORS REPLY
Desejamos agradecer aos debatedores, de feliz escolha da Comissão Editorial da Revista, um grupo seleto de pensadores e pesquisadores que, com seus comentários, trouxeram valiosa contribuição e luzes mais intensas para focalizar determinados aspectos da questão. Gostaríamos de ressaltar que, referenciando-nos ao próprio conceito que temos da ciência, entendemos que ela avança no debate e nas relações intersubjetivas com os pares apropriando-nos de uma idéia de Popper. Portanto, neste sentido buscamos não tomar, neste final, nenhuma posição defensiva, entendendo-nos apenas como provocadores do debate. E mais, pensamos que a iniciativa desencadeada deveria continuar, sobretudo, a partir das provocações lançadas e dos comentários instigantes. Observamos, principalmente, reações sobre o pensamento de Gurvitch, eminente sociólogo francês, assumidas por nós, quase acriticamente. Entendemos que a releitura ajuda a pensar tais afirmações, inclusive como contraditórias ao nossso próprio pensamento, expresso no corpo do trabalho.
Por fim, diríamos que há, mesmo entre os autores, vários pontos de incertezas que não conseguimos harmonizar: julgamos tal fato positivo porque incentiva a continuidade do estudo e do debate. O conhecimento avança, também, e muito pela crítica.
1. Em relação à participação do Prof. Lefèvre, diríamos que sua reflexão ressaltou um aspecto pouco aprofundado por nós, que é a relação do pesquisador com seu objeto em ambas as abordagens. Gostaríamos de reafirmar nossa visão de que, na prática, poderíamos não ter uma oposição tão acentuada de postura, sobretudo quando se buscasse a convergência na aproximação do objeto.
2. A questão do Professor Castilho nos conduz ao concreto do campo da Saúde Pública, da mesma forma que a de outros leitores. Ocorre-nos, não como resposta acabada, mas como instigação, o próprio objeto atual de trabalho desse eminente pesquisador, a problemática da AIDS. Trata-se de um tema que necessita, tanto do aprofundamento de estudos clínicos, epidemiológicos, sociológicos e psicossociais. O campo de debate sobre AIDS tem como problema central que o comportamento, a cultura, as forças psíquicas dos sujeitos estão em estreita relação com o aumento dos casos e as alternativas de tratamento. A compatibilização de trabalho transcende aos métodos, mas tem neles a alma e o direcionamento.
3. O Prof. Peres lamenta a exclusão de questões específicas da área da Saúde em nosso artigo, através das problematizações levantadas nas discussões de projetos de teses. A nosso ver, entretanto, a discussão destes exigiria enfoques particulares e específicos, assumindo o aspecto de estudos de casos, o que, intencionalmente, buscamos omitir. Queremos destacar nossa concordância integral com seu comentário a respeito da "aplicação destas ferramentas, sejam elas quantitativas ou qualitativas, não pode ser vista como uma questão meramente técnica e, portanto, de fácil e imediato resolução por especialistas".
4. Ao Prof. Lima Filho, inicialmente, queremos dizer que nos sentimos felizes por encontrar com ele uma profunda afinidade poética, além de outros pontos de concordância em seu comentário. Entre suas objeções, embora demonstre entender o propósito dos autores, está a que vai ao encontro de nossa justificativa. Concordamos com sua afirmação de que a validação da pesquisa qualitativa é problemática, porém se vista sob um enfoque de validação quantitativa. Realmente, tal validação não pode se dar "ao sabor de pontos de vistas múltiplos e descolados da prática". Muito ao contrário, é a prática, o confronto das "experiências" na vivência continuada das questões de natureza qualitativa, que permitirá o aprimoramento da validação. De qualquer forma, tocamos aí num dos pontos polêmicos e frágeis da metodologia qualitativa. Quando, junto com Gurvitch, dizemos que "a primeira atua em níveis da realidade onde os dados se apresentam aos sentidos" não afirmamos que o investigador é um espectador da natureza, "esperando a queda da maçã" (embora, também possa sê-lo). Para nós, atuar em níveis de realidade quer dizer envolvimento com o mundo real, concreto, observável e mensurável (por mais pobre que seja a escala de medida), provocando-o através de interação, intervenção e experimentação para, então, com os dados coletados e disponíveis, buscar a interpretação e tentar a construção das explicações plausíveis. Por isto mesmo usamos em nosso artigo, logo a seguir, a expressão "trazer à luz dados", no sentido de gerar e construir. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar se aplica a citação do poeta espanhol: "... se hace el camiño al andar", de resto, aplicável também aos procedimentos quantitativos.
5. O Prof. Reichenheim se justifica por usar a Epidemiologia, aliás, área em que reconhecidamente é um especialista, para tecer seus comentários. Inicialmente, se direciona na mesma linha do Prof. Lima Filho a respeito de "os dados falarem aos sentidos", em relação a que já nos posicionamos. Quando se pronuncia quanto ao papel dos modelos em Epidemiologia nós o vemos se identificando e reafirmando nossas colocações à respeito da modelagem matemática. Concordamos com ele que a distinção entre o quantitativo e o qualitativo, em algumas circunstâncias, não é suficientemente clara e nem suficientemente precisa, mas lamentamos o seu aparente radicalismo quantitativo ao colocar o qualitativo como um quebra-galho para um "programa metodológico degenerativo, que não merece investimento e requer descarte". Nossa opinião é que se um programa de investigação não merece investimento e requer descarte seria imaturidade levá-lo adiante sob qualquer metodologia. Tem razão quando se refere às questões que envolvem alocações de recursos e ações sanitárias ou estudos sobre testes diagnósticos ou instrumentos de aferição. Nossa posição, no entanto, é que aqui a questão é operacional. Concordamos plenamente com a necessidade de uma maior reflexão sobre o objeto, objetivos e função da epidemiologia; vamos além: de toda a Saúde Pública e sua interação com a Epidemiologia. Para finalizar, manifestamos nossa total concordância com seu último parágrafo e não poderia ser diferente pois, a nosso ver, reforça a opinião expressa nas páginas 241 e 242 do artigo em discussão.
6. O texto de Dominique Behague complexifica as questões por nós colocadas, fato que nos gratifica. Porém como só acontece no embate de oposição entre as duas abordagens, cremos ser bastante tendenciosa a expressão contida no texto segundo o qual: "quantitative studies, which must predefine variables and specify relationships a priori, do not allow for the discovery of new knowledge or for the investigation of deeper questions concerning how these relationships are played out".
7. Os comentários de Gutierrez & Barbieri reafirmam a necessidade de se buscar, como caminho da Medicina Social, métodos que articulam as questões do conhecimento com as práticas de saúde. Desta forma, concordam com os autores sobre as tentativas de aproximações teórico-metodológicas. Permitimo-nos, no entanto, questionar o parágrafo final de sua reflexão, que coloca a questão da escolha do método de pesquisa de campo na Medicina Social como fundamentada não em critérios teóricos, mas práticos. Dentro do nosso ponto de vista, ambos os critérios devem estar presentes dinamicamente nessa escolha.
8. O comentário do Prof. L. F. Dias Duarte nos incentiva a continuar esse esforço de aproximação e traz para o palco do debate autores clássicos como Dilthey, Mauss, Lévy-Strauss, Dumont, Evans-Pritchard, tão fecundos e necessários para referenciar nossas reflexões. Vale a pena sublinhar sua observação de que: "hoje talvez saibamos melhor que no prepotente século XIX que nossos frágeis saberes são sempre relativos pelo menos em relação à cultura que os enseja".
9. O texto de Celia Leitão está impregnado daquela leitura de uma antropóloga de campo que priva dos bastidores e dos mitos originário da área da Saúde Pública. Sua leitura generosa do texto, acrescentando autores que fazem uma tentativa real e profícua de articulação dos métodos, volta-se para aquele objeto-sujeito de nossas atenções: o ser humano, profissão brasileiro, para quem os problemas de saúde e doença são uma realidade experimentada no cotidiano da vida.
10. Quanto ao Prof. Santos também parece não haver diferença em nossas posições, pelo menos nos aspectos genéricos. Acreditamos que nas conclusões do nosso artigo estão delineadas as considerações para as indagações que ele apresenta no penúltimo parágrafo de seu comentário. Entendemos, também, como pertinente sua apresentação do tema sob a variante da questão da interdisciplinaridade, principalmente quando, assim, colocamos a área denominada Saúde Pública.