DEBATE/DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Castiel

 

Debate on the paper by Castiel

 

 

Francisco M. Salzano

Instituto de Biociências; Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

Estou basicamente de acordo com a argumentação deste erudito ensaio, embora as questões tenham sido levantadas, discutidas, mas haja ausência total de sugestões sobre como resolvê-las. A saúde pública no Brasil vai mal, como aliás quase tudo neste país de contrastes, onde coexiste a miséria de 4º mundo do Nordeste e de certas áreas periféricas das grandes cidades, com a ilha de competência científica que é o Instituto Oswaldo Cruz. Daí a perplexidade que perpassa pelo artigo. A quem atender, às necessidades básicas de uma população paupérrima ou àquelas das classes mais abastadas, que também têm direito aos benefícios da ciência moderna? O autor apóia "investimentos de natureza diversificada", mas não explicita o nível apropriado de tal diversificação.

Não é de hoje a preocupação de vincular a genética humana à saúde pública. Já no final da década de 50, quando começava a se estruturar um grupo forte de geneticistas, voltados ao estudo de nossa espécie, houve uma tentativa de aproximação com nossas autoridades sanitárias, que teve muito pouco êxito. Talvez o único programa em que houve uma vinculação forte entre a rede de saúde pública e uma investigação genética específica tenha sido aquele coordenado por Paulo C. Naoum em São José do Rio Preto e em outras áreas do estado de São Paulo (Naoum et al., 1984).

Um ponto levantado no artigo de Castiel que merece reflexão é o relacionado com a compreensão, pelo público, da informação que lhe é fornecida, seja através dos meios de comunicação de massa, seja através de entrevistas individuais. Este problema é especialmente agudo no aconselhamento genético, porque envolve a apreensão de conceitos básicos de biologia e a noção notoriamente difícil de probabilidade. Mas não é isto que cansamos de observar em nossos alunos? O Prof. Oswaldo Frota-Pessoa, da Universidade de São Paulo, afirmou muitas vezes privadamente e em público que quem realmente aprende em um determinado curso é o professor, não os alunos! E é preferível alguma informação do que nenhuma. É dentro desta prespectiva que se deve examinar a última parte da seção sobre "Risco genético e propensão hereditária" (palavras que para mim são sinônimas; a concepção de que "risco genético" implica avaliação científica e "propensão genética" em crenças empíricas não é universalmente adotada).

O perigo da possibilidade de uma "eugenização" da informação contida no Projeto do Genoma Humano é real, e vem sendo considerada pelos seus próprios organizadores desde o início de sua implementação. Este risco, no entanto, é mais do que compensado pela enorme possibilidade que se abre de planejamento familiar reprodutivo muito mais consciente e de intervenção direta no sentido de minimizar ou até eliminar efeitos deletérios de determinadas constituições hereditárias. Parafraseando Arnao (1993), toda tecnologia (leia-se também conhecimento científico) é inocente até que se prove o contrário. A moral da tecnologia é a mesma de seus usuários.

Embora o conceito de "imprinting" genômico seja lindo, ainda não se conhece o grau de extensão do fenômeno. Sem dúvida a grande maioria das doenças hereditárias monogênicas mendelizam independentemente do sexo do genitor (McKusick, 1988). E embora do ponto de vista pessoal ou familial seja importante saber-se se o fator de risco provém do pai ou da mãe, em termos de saúde pública a distinção perde muito o seu interesse.

Finalizo indicando a minha total concordância no que se refere ao caráter transdisciplinar da saúde pública. É nesta direção que se devem concentrar as atenções de todos aqueles responsáveis pela formação de nossos sanitaristas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARNAO, F. G., 1993. Tecnologia Y ciencia. Interciencia, 18: 255-260.

McKUSICK, V. A., 1988. Mendelian Inheritance in Man. Catalogs of Autosomal Dominant, Autosomal Recessive and X-linked Phenotypes. Baltimore: Johns Hopkins Press.

NAOUM, P. C.; MATTOS, L. C. & CURI, P. R., 1984. Prevalence and geographic distribution of abnormal hemoglobins in the State of São Paulo, Brazil. Bulletin of The Pan American Health Organization, 18: 127-138.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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