DEBATE/DEBATE
Debate sobre o artigo de Castiel
Debate on the paper by Castiel
Oswaldo Frota-Pessoa
Instituto de Biociências; Universidade de São Paulo
O trabalho tem grande mérito por chamar a atenção dos sanitaristas para o avanço da genética molecular e para problemas éticos correlatos, com base em bibliografia recente. Os reparos que se seguem pretendem complementar, mais do que criticar.
1. Epigênese refere-se às interações entre genes e ambiente que dão origem ao fenótipo (Lumsden & Wilson, 1983). Um traço é epigenético se resulta de uma predisposição genética que se completa e revela, sob influência ambiental. Confunde, portanto, o leitor dizer que algo "amplia o alcance... para além da genética, pois avança por terrenos epigenéticos" (p. 290 do artigo) e falar de hipóteses "tanto genéticas como epigenéticas" (p. 293), sugerindo que o que é epigenético não é genético e fica além da genética.
2. Dá-se a entender que o imprinting comportamental das aves e o imprinting genômico são duas modalidades de um mesmo fenômeno quando o primeiro é a aquisição de um comportamento relacionada com seu registro no citoplasma neuronal, enquanto o segundo se passa ao nível do DNA e sua metilação (Tarleton & Saul, 1993).
3. Diz-se (p. 290) que o imprinting genômico "abala a hegemonia dos modelos mendelianos". Isso pode dar a impressão de que o modelo mendeliano se manteve universal até agora, quando desde o início do século sua hegemonia foi, não só abalada, mas destruída pela descoberta das interações gênicas e dos sistemas multifatoriais poligênicos.
4. Explica-se (p. 294) que as "desordens poligênicas" (melhor distúrbios) resultam de mutações em "quaisquer genes diferentes", quando resulta da ação conjunta de alelos favoráveis ao distúrbio, pertencentes a vários locos.
5. Não é necessário o acesso ao genoma (como se sugere na p. 295) para que o modelo de risco se superponha à noção de propensão. Essa superposição decorre: a) das probabilidades de segregação, quando a anomalia é monogênica (por exemplo, o risco de recorrência da anomalia em criança de uma pessoa com acondroplasia é 50%, por decorrer ela de um monogene dominante); b) das prevalências colhidas nas famílias de afetados (risco empírico), quando o distúrbio não é monogênico (por exemplo, o risco de recorrência para criança de pessoa com distúrbio de humor bipolar (psicose maníaco-depressiva) é cerca de 39%, porque se verificou que esta é a freqüência da recorrência em filhos.
6. Critica-se, com razão, a noção popular de propensão (p. 295), "como se houvesse, nesses casos, uma potencial determinação de caráter fatalista"; mas, na continuação, o leitor pode entender que o erro está na noção de propensão, "definida a partir de ramos anteriores das respectivas árvores genealógicas". A propensão é realmente definida assim, só que não é fatalista, e sim probabilística.
7. É melhor usar "perito" para traduzir expert (p. 298).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LUMSDEN, C. J. & WILSON, E. O., 1983. Prometheam Fire: Reflections on Theorigin of Mind. Harvard: Harvard University Press.
TARLETON, J. C. & SAUL, R. A., 1993. Molecular genetic advances in fragile X syndrome. Journal of Pediatrrics, 122: 169-185.