RESENHA/RESENHA

 

 

Maria Cecília de Souza Minayo

Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde; Fundação Oswaldo Cruz

 

 

Health Affairs: The Quarterly Journal of the Health Sphere, volume 12, número 4 (Special Issue: Violence and the Public's Health). Jane H. White (Executive Editor). Publicação do Project HOPE: Bethesda, Maryland, EUA, Winter 1993. ISSN 0278-2715

Health Affairs é um periódico interdisciplinar dedicado ao aprofundamento de políticas de saúde no âmbito nacional dos Estados Unidos e internacionalmente. Este número em especial está dedicado à reflexão e ao debate da Política Pública de Saúde para prevenir a Violência. A revista se organiza em sete partes, cinco das quais concernentes ao tema da violência: (1) artigos de pesquisa e análises; (2) comentários; (3) publicação de dados; (4) informações sobre financiamentos concedidos para pesquisas; (5) informações sobre publicações e relatórios; (6) resenhas de livros; (7) cartas dos leitores.

1. A primeira parte contém, em primeiro lugar, um artigo de James A. Mercy et al. sobre a "Política da Saúde Pública para prevenir a Violência". Os autores colocam a violência como uma epidemia moderna que ameaça a América não apenas fisicamente, mas nas suas instituições básicas como a família, a comunidade e o próprio sistema de saúde. Partindo do princípio de que a saúde pública tem uma inegável experiência em prevenir doenças, combater epidemias, os autores afirmam que essa área de conhecimento e de ações traz para a sociedade uma nova visão de como prevenir a violência: praticando uma ciência integral capaz de identificar políticas e programas; articulando esforços de diversas disciplinas científicas, organizações e comunidades; discutindo as prioridades para a ação inclusive com a participação da sociedade. O artigo apresenta dados de uma série histórica dos homicídios nos Estados Unidos desde 1900 a 1990. É muito interessante a articulação desse texto com os que vêm logo a seguir, na medida em que todos passam a se referir ao primeiro e a discuti-lo, criticando suas premissas, propostas e conclusões.

A seguir há um artigo de Donna Shalala, secretária de saúde do governo Clinton onde a autora coloca as estratégias federais para enfrentar a violência, "Focalizando a crise de violência".

O artigo de Mark Moore "Prevenção da violência: Justiça Criminal ou Saúde Pública" é um belo diálogo crítico da área do direito com as propostas da área da saúde, onde o autor critica certa ingenuidade com que os profissionais sanitários estão se dispondo a atuar, empregando os métodos utilizados para erradicar epidemias. Questiona também o conceito muito simplista de "prevenção" apresentado no texto de Janes Mercy e colaboradores. Por ser um professor de Direito Criminal o autor mostra como a justiça procura também trabalhar com prevenção não a separando das abordagens repressivas. Em suma, este artigo é um balanceamento do precoce entusiasmo com que a área da saúde está tendendo a se aproximar do fenômeno da violência. O autor indica a necessidade de ações complementares e não excludentes; critica a coerência interna da abordagem da saúde pública e os fundamentos diferenciados de que partem a justiça e a saúde dificultando o trabalho solidário.

O texto "Precoces determinantes da delinqüência e da violência" é uma revisão bibliográfica de textos que se propõem a estudar os fatores de risco na primeira infância para a delinqüência e o comportamento violento futuros. Embora a finalidade seja chamar a atenção dos políticos e planejadores de saúde para o momento crucial da primeira infância como etapa para formar atitudes e hábitos, Stephen Buka e Felton Earls dão um peso muito grande às características das crianças incluindo-se aí problemas biológicos e neurológicos. Isso não retira o mérito do trabalho que desenvolve uma busca de causação de complexos fatores, mas é necessário não lê-lo para aprofundar preconceitos, pois os seus "preditores de delinqüência e violência" estão todos voltados para o estudo das populações pobres e minorias.

O artigo de Jeffrey Fagan denominado "Interações entre drogas, álcool e violência" mostra como nos Estados Unidos mais da metade dos homicídios envolvem drogas ou álcool e esses dois elementos estão implicados em larga proporção de atos violentos não-fatais. No entanto o autor discute a dificuldade de estabelecer uma direta causação entre drogas, álcool e violência; de separar a influência do ambiente; os traços de personalidade; e o efeito dessas substâncias. O autor concorda que "o peso da evidência sugere que o uso dessas substâncias promove um contexto provocativo para violência" porém, continua, "mas é limitada a evidência de que álcool e drogas causem violência". Essas afirmações vindas de um professor de Justiça Criminal induzem a pensar na dificuldade de se tomarem medidas concretas quanto ao uso das referidas substâncias visando à contenção da violência.

Darnell F. Hawkins trabalha em seu texto a questão da "Desigualdade, Cultura e Violência Interpessoal". Os dados dos Estados Unidos evidenciam maior prevalência de violência em alguns grupos sócio-econômicos e étnicos. Hawkins analisando vários estudos, afirma que nem a noção de diferença cultural nem a desigualdade sócio-econômica oferecem explicações satisfatórias para o fenômeno. Ele sugere que qualquer estratégia para enfrentar a violência nos Estados Unidos deve levar em conta ambos, os efeitos da desigualdade social e da cultura própria aos grupos em questão.

Os dois artigos finais da primeira parte da revista são sobre a questão das armas de fogo pela força desse meio de morte e de violação da vida no quadro de homicídios e suicídios nos Estados Unidos; são eles: "Políticas para prevenir as lesões por armas de fogo" de Stephen Teret e Garen Wintemute; e "Política de pesquisa sobre armas de fogo e violência" de Franklin E. Zimring. Ambos os artigos mostram como, apesar da mortalidade e morbidade por armas de fogo serem muito grandes nos Estados Unidos há pouco investimento em pesquisas para avaliar a efetividade das políticas que regulam o uso desse meio que se interpõe em larga escala nas relações interpessoais. Buscando criticar e avançar em novas possibilidades de regulação, Frankin Zimring propõe que maior repressão ao uso deve começar pela produção de armas e não se contentar apenas em normatizar a ação dos comerciantes e dos usuários.

2. A segunda parte da revista que consiste de Comentários que tratam: da prevenção da violência como prioridade da política de saúde; da análise de programas escolares de prevenção da violência para adolescentes; das dificuldades de se realizarem pesquisas que articulem armas de fogo e violência; da prevenção da violência doméstica como tarefa para os pediatras clínicos; do impacto da violência no sistema de tratamento de traumas. Na verdade esses comentários são, em muitos casos, verdadeiros artigos que permitem o diálogo com os pesquisadores que trabalham em temas semelhantes.

3. A terceira parte da revista é uma informação de dados sobre: a estimativa de custos das lesões e traumas por armas de fogo; os custos das vítimas de crimes violentos que resultam em lesões; e pesquisa de opinião sobre a política de armas.

4. O quarto ponto do periódico é a descrição das pesquisas que têm sido e estão sendo realizadas nos Estados Unidos sobre violência, as instituições que as sediam, os orçamentos e as estratégias que estão sendo propostas, a partir daí, para a ação no campo social e da saúde.

5. Por fim, para o que concerne aos interesses desta resenha, a revista apresenta as principais

publicações atuais sobre violência nos Estados Unidos, com informações para sua aquisição.

É importante observar que este número temático sai no momento em que se está discutindo nos Estados Unidos o plano de reforma do sistema de saúde do Presidente Bill Clinton, onde há uma preocupação especial com a "epidemia da violência". Donna Shalala, secretária de saúde do governo federal resume assim tal sentimento: "De todos os desafios dos serviços de saúde e humanitários que enfrentamos, talvez o mais devastador e, ironicamente, o mais prevenível é a epidemia da violência que ocorre em toda a nação". E o próprio Presidente Clinton considera a violência como um tema crítico no debate sobre a reforma do sistema de saúde.

Este número do Health Affair é, sem dúvida, um passo positivo no debate sobre a articulação da Violência e Saúde e na problematização das questões que daí decorrem.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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