EDITORIAL/EDITORIAL

 

 

Maria Fernanda Lima e Costa
Centro de Pesquisas René Rachou
Fundação Oswaldo Cruz

 

As doenças endêmicas constituem, neste final de século, importantes problemas de Saúde Pública no Brasil. A morbidade e a mortalidade devido à doença de Chagas e à esquistossomose vêm diminuindo, mas os riscos de infecção permanecem. A doença de Chagas tem ampla disseminação no país, existindo vetores domiciliados em 36% do território nacional, e estimase que 0,5% dos doadores de sangue estejam infectados pelo Trypanosoma cruzi. A esquistossomose é endêmica em 1068 municípios, com cerca de 25 milhões de pessoas expostas ao risco da infecção. A situação da malária é dramática. Em 1992 foram notificados 540 mil casos, 99% dos quais na Amazônia. A filariose permanece endêmica no norte e nordeste do Brasil, com cerca de 3600 portadores identificados em Pernambuco em 1993. O dengue tornouse endêmico no Brasil desde meados da década de 80. A febre amarela urbana não ocorre no país desde 1942, mas a febre amarela silvestre é endêmica nas regiões norte e centrooeste, tendo sido notificados 70 casos em 1993. A leishmaniose visceral tem sofrido importante processo de urbanização, sendo hoje encontrada em pelo menos seis grandes cidades brasileiras. Esses números são preocupantes, uma vez que a ocorrência dessas endemias depende das condições de vida das populações. São infecções relacionadas às formas de ocupação do espaço, à qualidade da moradia e à disponibilidade de saneamento básico.

Este suplemento dos Cadernos de Saúde Pública é um número temático sobre epidemiologia e controle de doenças endêmicas infecciosas, com ênfase naquelas transmitidas por vetores. Para compor este número, foram priorizados artigos que apresentavam contribuições sobre aspectos metodológicos da pesquisa epidemiológica e artigos referentes a programas de controle. O trabalho de Lima e Costa et al. apresenta um modelo para análise dos fatores associados à forma hepatoesplênica da esquistossomose, que leva em conta a existência de colinearidade entre variáveis. O trabalho de Dias et al. discute padrões epidemiológicos da esquistossomose em áreas com baixa prevalência. Carneiro & Antu nes mostram a importância da utilização da coorte descritiva para avaliar a efetividade de programas de controle da doença de Chagas. Barreto & Andrade utilizam o desenho ecológico para investigar o impacto da infecção chagásica sobre características demográficas na Bahia. Andrade et al. analisam algumas características dos domicílios e dos chefes de família como fatores determinantes da hanseníase em áreas selecionadas do Rio de Janeiro. Fontes et al. e Maciel et al. mostram a distribuição da filariose bancroftiana em áreas selecionadas das cidades de Maceió e Recife, respectivamente. Coura et al. mostram a distribuição de algumas parasitoses intestinais e da infecção chagásica em uma área do Rio Negro, na Amazônia. Andrade et al. discutem aspectos metodológicos para o estudo da transmissão transplacentária do T. cruzi. Struchiner et al. discutem aspectos metodológicos para a avaliação da eficácia de vacinas para malária. Kloetzel levanta aspectos relacionados ao peridomicílio para o controle da esquistossomose. Dias discute a viabilidade e aspectos importantes do ponto de vista ecológico para o controle de triatomíneos no Brasil. Marzochi & Marzochi apresentam um estudo sobre controle da leishmaniose visceral.

Neste número, prestamos homenagem ao Professor Frederico Simões Barbosa, um dos nossos epidemiologistas mais atuantes. O Professor Barbosa, como encarregado dos programas de esquistossomose da Organização Mundial de Saúde, foi um dos primeiros a admitir que não era possível controlar a transmissão do Schis tosoma mansoni somente com o uso de moluscicidas. Foi o primeiro a incluir grupos e áreas controles para avaliar o impacto da infecção pelo S. mansoni e a efetividade de programas de intervenção em áreas endêmicas brasileiras. Um dos seus trabalhos mais importantes mostrou que a redução da prevalência da infecção pelo S. mansoni poderia ocorrer somente com expansão da rede de água e desenvolvimento comunitário. Também defende há muito tempo a tese da municipalização dos programas de controle das doenças endêmicas.

Com este número temático, esperamos contribuir para o debate sobre aspectos metodológicos da pesquisa epidemiológica e controle das doenças endêmicas.

 


 

 

Maria Fernanda Lima e Costa
René Rachou Research Center
Oswaldo Cruz Foundation

 

 

Endemic diseases are one of the major public health problems in Brazil at this turn of the century. Morbidity and mortality from Chagas' disease and schistosomiasis have been decreasing; yet the risk of infection still persists. Chagas' disease is widely distributed in the country. Intradomiciliary vectors are present in 38% of Brazilian territory, and an estimated 0.5% of blood donors are infected with Trypanosoma cruzi. Schistosomiasis is endemic in 1,068 municipalities, with a total of 25 million individuals exposed to risk of infection. The situation for malaria is dramatic. Some 540,000 cases were reported in 1992, 99% of whom in Amazonia. Filariasis remains endemic in the North and Northeast of Brazil, with some 3,600 carriers identified in Pernambuco in 1993. Dengue fever has been endemic in Brazil since the mid1980s. Urban yellow fever has not occurred in the country since 1942, but sylvatic yellow fever is endemic in the North and CentralWest Regions, with 70 cases reported in 1993. Visceral leishmaniasis has undergone a major urbanization process, having been reported in at least six major brazilian cities. These figures are all the more alarming to the extent that occurrence of such endemics is closely related to the living conditions of populations. Such infectious diseases are related to the way territory is occupied, quality of housing and availability of basic sanitation.

This supplement to Cadernos de Saúde Pública is a special thematic issue on epidemiology and control of infectious endemic diseases, with emphasis on diseases transmitted by vectors. In putting this issue together, priority was given to articles focusing on methodological aspects pertaining to epidemiological research, as well as those referring to control programs. The study by Lima e Costa et al presents a model for analysis of factors associated with the hepatosplenic form of schistosomiasis, taking into account the existence of colinearity between variables. The article by Dias et al discusses epidemiological patterns for schistosomiasis in areas with low prevalence. Carneiro & Antunes demonstrate the importance of using a descriptive cohort to evaluate the effectiveness of control programs for Chagas' disease. Barreto & Andrade use an ecological design to investigate the impact of Chagas' infection on demographic characteristics in Bahia. Andrade et al analyze some characteristics of households and heads of families as determinant factors for Hansen's disease in selected areas in Rio de Janeiro. Fontes et al and Maciel et al show the distribution of Bancroftian filariasis in selected areas in the cities of Maceió and Recife, respectively. Coura et al show the distribution of some intestinal parasitoses and Chagas' infection in an area of the Rio Negro, in Amazonia. Andrade et al discuss methodological aspects pertaining to the study of transplacental transmission of T. cruzi. Struchiner et al discuss methodological aspects for evaluating the efficacy of malaria vaccines. Kloetzel discusses peridomiciliary aspects related to control of schistosomiasis. Dias discusses feasibility and key ecological aspects for control of triatomids in Brazil. Marzochi & Marzochi present a study on the control of visceral leishmaniasis.

This issue is to specifically honor Professor Frederico Simões Barbosa, one of our most prominent experts in epidemiology. Professor Barbosa, as head of schistosomiasis programs for the World Health Organization, was one of the first to admit that it was not possible to control transmission of Schistosoma mansoni only by the use of molluscicides. He was the first to include control groups and areas to evaluate the impact of S. mansoni infection and effectiveness of intervention programs in endemic areas in Brazil. One of his most important studies showed that reduction of prevalence of S. mansoni infection could only be achieved through expansion of the running water system and community development. He has also been a longtime proponent of municipalization of control programs for endemic diseases.

With this thematic issue, we hope to contribute to the debate on the methodological aspects of epidemiological research and control of endemic diseases.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br