Epidemiologia & Saúde. M. Zélia Rouquayrol. Rio de Janeiro: Medsi Editora Médica e Científica Ltda., 1994. 527 p.
Cada vez mais o conhecimento das condições de saúde da população, seus determinantes e tendências, constitui elemento de fundamental importância para o campo da Saúde Coletiva. Como a própria autora define, a 4o edição do livro "Epidemiologia & Saúde", elaborado por Maria Zélia Rouquayrol, é resultado da colaboração coletiva de renomados pesquisadores da área de saúde.
Esta é uma obra técnico-científica essencial para o estudo da Epidemiologia, tanto para acadêmicos (na graduação e pós-graduação), como àqueles profissionais cujo acesso a um programa de capacitação/formação institucional é limitado. Ela assume, assim, papel relevante para o desenvolvimento de ações de saúde, especialmente aquelas específicas do campo da Epidemiologia, mas também servindo como instrumento para outras incursões no campo da Saúde Coletiva.
Os temas são expostos de forma clara e exaustiva, o que lhe confere alto valor didático. Suas 527 páginas estão distribuídas em vinte e um capítulos, possuindo um grande número de quadros, gráficos e figuras que facilitam a compreensão do texto, inclusive para os iniciantes no assunto. Destes vinte e um capítulos, alguns são acréscimos à edição anterior, incluindo aqueles sobre Epidemiologia e organização dos serviços, concentrados na sua relação com outras áreas da Saúde Coletiva, além de apresentar as principais limitações desta articulação.
Esta quarta edição surge com várias modificações e ampliações em relação à anterior. Uma abordagem histórica da Epidemiologia, seguida da apresentação conceitual da mesma e da História Natural da Doença, servem de suporte para ampla discussão acerca da medida da Saúde Coletiva, ressaltando de forma precisa a importância dos principais índices, coeficientes e indicadores utilizados. Com este referencial, discutindo a distribuição das Doenças e dos Agravos à Saúde Coletiva (o que em edição anterior estava apresentado como Epidemiologia Descritiva), Rouquayrol traz, na primeira parte, uma exaustiva apresentação de como responder aos três clássicos quesitos para descrever um problema de saúde: quem, quando e onde. Na segunda parte, são abordados conceitos sobre conglomerados, endemias e epidemias.
Os fundamentos metodológicos da Epidemiologia são apresentados de forma abrangente pelos autores, discutindo desde a elaboração do problema epidemiológico, passando por fontes geradoras do mesmo, raciocínio epidemiológico, variáveis e hipóteses epidemiológicas até a arquitetura da investigação. Nesta seção, são apresentados os diferentes tipos de pesquisa epidemiológica, com esquemas que permitem sua visualização e seleção adequada a cada situação a ser investigada. Ainda dentro do método epidemiológico, Schmidt & Duncan apresentam sua aplicação na pesquisa clínica. Importante salientar a forma clara com que os autores abordam como ler criticamente um artigo da literatura médica, prática identificada como análise da evidência epidemiológica. Na seqüência, surge uma excitante apresentação de Naomar de Almeida Filho sobre a Clínica e a Epidemiologia, demonstrando seus elementos comuns, suas discordâncias e as suas convergências.
Abordando a estrutura epidemiológica e mecanismos de transmissão de doenças, são apresentados dois capítulos que trazem os conceitos fundamentais, exemplificando-os dentro de seu contexto, trazendo à tona informações a respeito de problemas relevantes e demostrando preocupação com o atual quadro epidemiológico brasileiro. Ressalte-se a constante preocupação com a contextualização dos tópicos abordados. A imunização mereceu um capítulo em separado, reunindo conceitos já incorporados e apresentando novos avanços do conhecimento, o que assegura sua atualidade.
Há alguns assuntos que estão intimamente relacionados com qualidade de vida, como saneamento, saúde e nutrição, vigilância sanitária e a saúde do consumidor. Embora alguns destes já constassem de edição anterior, e houvesse outras publicações acerca deles, ressalte-se a importância de serem apresentados em um livro, o que facilita o acesso às informações ali constantes. Foi incorporado a esta edição um capítulo sobre saúde materno-infantil, que traz informações a respeito dos principais problemas que atingem estes grupos populacionais. Uma nova roupagem foi conferida ao abordar a saúde mental. Traz uma sucinta descrição sobre as quatro correntes da psiquiatria social e sobre a Epidemiologia psiquiátrica. Discute aspectos como o normal e a causalidade e a prevenção em saúde mental. Além disto, relaciona as principais variáveis a serem estudadas e os indicadores de saúde mental de grupos. Conclui com uma abordagem sobre a determinação social do processo saúde/doença mental.
O capítulo destinado para a vigilância epidemiológica é apresentado de forma clara e objetiva. Traz todos os passos da vigilância, desde informações acerca da coleta, consolidação e análise de dados (incluindo aí a necessidade da realização de estudos adicionais), elaboração de normas, retroalimentação e avaliação, apresentando os indicadores de avaliação do programa.
A reforma sanitária e os modelos assistenciais são apresentados diante do reconhecimento da complexidade da situação de saúde no país. O autor discute intervenções gerais, como a reforma sanitária, e intervenções setoriais no âmbito da organização. de serviços e modelos assistenciais. Aborda também a distritalização e a municipalização das ações de saúde, na perspectiva da organização do Sistema Único de Saúde. Como a vigilância à saúde é uma questão recente, pressupondo uma nova maneira de acompanhar os serviços assistenciais, incorporando novas tecnologias na busca da integralidade das ações, a Epidemiologia tem o seu papel a desempenhar. Estas e outras questões são abordadas nesta edição.
"Sem uma concepção do coletivo, do social, em suma, do político, é impossível pensar a Epidemiologia", como coloca Naomar de Almeida Filho, um dos autores desta grande contribuição da Professora Maria Zélia Rouquayrol para o desenvolvimento da Epidemiologia no país, que tem tão poucas publicações na área, em português. É esta concepção que perpassa o livro, tornando lógica a sua organização, desde o seu primeiro capítulo até o glossário. Isto é percebido em toda a obra, destacando uma passagem de um dos capítulos, onde ressalta que "antes que haja uma prevenção primária, há que haver uma prevenção de caráter estrutural", começando a mesma ao nível das estruturas políticas e econômicas. Esta é, sem dúvida, uma obra essencial tanto para a graduação como para a pós-graduação e para profissionais comprometidos com a saúde da população.
Ana Lúcia Escobar
Departamento de Ciências Biomédicas
Universidade Federal de Rondônia