Debate sobre o Artigo de Melo-Filho
Debate on the Paper by Melo-Filho

 

Maria Helena Machado
Departamento de Administração e Planejamento em Saúde
Escola Nacional de Saúde Pública

Discutindo a Subjetividade da Saúde Pública

O texto do Djalma é um exercício de prazer e uma renovação nos espíritos da saúde pública, per vezes tão conservadora e pouco aberta a inovações teóricas e metodológicas. Este texto representa esta possibilidade. Merecido prêmio.

Minha contribuição ao debate centra-se na discussão sobre a “subjetividade” do indivíduo que atua e produz Saúde Pública.

Falar sobre subjetividade não é uma tarefa fácil. Talvez impossível. Como diz Sartre, é necessário ultrapassarmos a insuperável opacidade da experiência vivida para saberrnos o que é o sujeito – se é que é algo – quem é o sujeito e, afinal, o que constitui a subjetividade.

Subjetividade diz respeito à rede de significados que circunscreve o sujeito, e, até certo ponto, determina-o. Por outro lado, a subjetividade afirma-se mais realisticamente em motivações não-adstritas aos enquadramentos da Razão em que o Iluminismo operou suas teses sobre o sujeito. Diríamos que o sujeito, inserido numa dada realidade social, compõese essencialmente de crenças e desejos.

A noção de sujeito passa essencialmente por dois eixos fundamentais.

O primeiro de tradição platônica define o sujeito como aquilo que se fala ou atribuem qualidades. Nestes termos o sujeito pode ser entendido por três dimensões: a) como a natureza que compõe uma coisa; b) como a forma da mesma; c) ou a união da matéria com a forma. O que importa é que, o sujeito nesses termos é o objeto real ao qual são inerentes ou se referem as determinações predicáveis.

O segundo de origem kantiana como eu ou consciência ou capacidade de iniciativa, coloca como central o eu penso, a consciência determinando toda a atividade cognitiva. A assertiva cartesiana que coloca o homem pensante como centro de sua existëncia – Penso, Logo Existo – é o eixo fundamental das idéias contidas no sujeito kantiano.

Reconhecidamente Marx promove a ruptura no pensamento ocidental sobre o homem e sua relação com a natureza. O homem marxiano é inseparável da natureza, buscando sempre uma relação de complementaridade. Assim afirma Marx, “a produção de idéias, de representações e da consciência está em primeiro ligar direta e intimamente ligada à atividade material dos homens; é a linguagem da vida real”.

No entanto, o homem contemporâneo é dotado de uma carga brutal de individualismo, marcada pela noção sujeito/consumidor, que tem a ilusão de ser único, individual com vontades e desejos próprios. O individualismo é um valor primordial das sociedades modernas. Creio eu, que esta dimensão radicalmente presente no nosso cotidiano foi negligenciada no texto de Djalma. Perguntaria-lhe: como pensar o homem coletivo, desenvolvendo trabalho coletivo numa sociedade marcada pelo individualismo, pela individualidade e pela competição? Buscando um diálogo provocativo, não poderíamos dizer que a Saúde Pública não deriva e se sustenta num acordo cartesiano, onde o pensar já pressupõe o agir e o fazer? O messianismo sanitarista, característica da área, não é um forte indício do que afirmamos acima? Sendo assim, como pensar o sujeito-sanitarista nos moldes apontados por Djalma?

Seguindo as idéias de Dumont, Guattari, Buadrillard e outros, as noções de subjetividade e sujeito, no mundo pós-moderno, obedecem, pois, a estratégias de dominação das formações de poder típicas do capitalismo moderno. Conferir a ilusão da autonomia do sujeito individuado, enquanto a cena política real é afastada do controle destes mesmos sujeitos. A assertiva cartesiana Penso, Logo Existo, é a expressão teórica desta colagem sujeito/indivíduo, as duas instâncias da existência humana, atuando como se fosse uma só.

Por fim, gostaria de levantar uma questão que considero questão-chave para o mundo da Saúde Pública e que precisa ser desvendada: qual seria a subjetividade do homem de Saúde Pública? Teriam os praticantes desta área de conhecimento uma subjetividade inerente ao seu trabalho coletivo, dotado de idéias e ideais coletivistas?

Como repensar os desafios de Ulisses e Fausto, tomando a saúde, o indivíduo e a história como categorias-chave para o entendimento da Saúde Pública?

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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