Debate sobre o Artigo de Marques
Debate on the Paper by Marques
Marcos Boulos
Faculdade de Medicina
Universidade de São Paulo
O artigo, baseado em extensa revisão, propõe, para enfrentar a imprevisibilidade, a "realização de estudos críticos do futuro em saúde, contemplando a modelização sistêmica, os encontros transdiciplinares e a utilização de sistemas de informação geográfica, no monitoramento global das novas doenças infecciosas".
A tentativa de prever o caminhar da humanidade, em todas as suas facetas, deparase com a absoluta incompetência do modelo científico para prever dados que não "respeitam" os modelos que procuramos construir.
Tentar colocar a evolução humana em "fórmulas" que possam prever o próximo passo é, no meu modo de entender, a tentativa de robotizar o mundo animal, transformando-o em previsível.
Devemos ter em mente que a ciência somente nos últimos tempos faz parte do conhecimento humano acumulado, e que o modelo científico, de grande utilidade na biomedicina, onde permitiu o desenvolvimento de modelos que facilitaram a compreensão da patogenia das doenças, e, principalmente, levou a aperfeiçoamento do diagnóstico, falha quando procura prever comportamentos que não são equacionáveis. O modelo científico, por exemplo, é de pouca utilidade para prever a evolução de uma infecção sob tratamento.
Exemplificando mais, 30% dos pacientes com meningite pneumocócica morrem a despeito do tratamento adequado e a tempo instituído. Outro exemplo: paciente com infecção pelo vírus da hepatite B pode ter evolução variável, podendo causar icterícia ou não; pode haver cura em 2, 3, 4, 5 ou 6 meses; pode evoluir para cronicidade com surgimento de cirrose hepática; pode evoluir para hepatocarcinoma; pode ter evolução fulminante com o paciente em poucos dias morrendo; o paciente pode, ainda, ser portador do vírus da hepatite B e nunca vir a desenvolver hepatite.
Com o desenvolvimento da psiconeuroimunologia, o modelo científico começa a mostrar o que de há muito os médicos "percebiam": que fatores emocionais estão diretamente relacionados ao surgimento de doenças por ação no sistema hipotálamo-pituitário-adrenal.
Outro fator que merece destaque é o fato de que muitas doenças começam a ser diagnosticadas pelo surgimento de técnicas laboratoriais, antes inexistentes. Isto não significa que estas doenças são novas, mas apenas que agora estão sendo diagnosticadas.
Se novas doenças surgem, outro tanto desaparece, mantendo, provavelmente, o nível de doenças igual no transcorrer do tempo.
O ressurgimento de determinadas doenças está, muitas vezes, associado a com oscilações no investimento em saúde pública. Exemplo é o reaparecimento da difteria na Rússia, que, durante anos, não vacinou suas crianças contra esta infecção. Como prever as mudanças sociais que freqüentemente ocorrem na humanidade?
Baseado no exposto, considero que a tentativa de modelização de fatos imprevisíveis está fadada a ser de pequeno valor prático e social a despeito da grande importância teórica que possa vir a ter.
Esta é a contribuição que um médico clínico, habituado a trabalhar na imprevisibilidade da relação microorganismohospedeiro, pode dar.