Debate sobre o Artigo de Marques
Debate on the Paper by Marques
Pedro Luiz Tauil
Departamento de Saúde Coletiva
Universidade de Brasília
Indiscutivelmente, o texto é um estímulo intelectual. A partir da discussão sobre o surgimento de novas doenças infecciosas, não previsto no modelo clássico da transição epidemiológica que vem orientando as políticas de saúde de países desenvolvidos e também de alguns subdesenvolvidos, nos últimos anos, a autora nos leva a considerar as limitações do nosso poder de previsão e expõe a alternativa de projetar o futuro com base na imprevisibilidade que leva em conta a complexidade da abordagem dos diferentes elementos que estão envolvidos na produção e desenvolvimento de agravos à saúde.
No que se refere às doenças infecciosas emergentes e suas conexões com o tráfico global de viroses (Morse, 1993) e o intercâmbio de doenças entre o velho e o novo mundo (Berlinguer, 1993), parece-me importante acrescentar o transporte de insetos vetores de doenças entre países. Já no final da década de 30, o Nordeste brasileiro foi infestado pelo Anopheles gambiae procedente da África, responsável por uma das mais graves epidemias de malária ocorridas no mundo, com letalidade superior a 10%. Recentemente, em 1985, os Estados Unidos foram infestados pelo Aedes albopictus, transmissor do dengue e de vários tipos de encefalites na Ásia, transportados em pneus usados procedentes do Japão. No ano seguinte, o Brasil registrou, também, a presença deste mosquito, que já infesta todos os estados da Região Sudeste e que já é identificado também em outras regiões do país. Apesar de, até o momento, não ter sido responsabilizado por transmissão natural de alguma doença, é fator de risco muito importante para diferentes doenças, algumas delas inusitadas no continente americano.
Do ponto de vista da intervenção para prevenir agravos, sem dúvida, os desafios da imprevisibilidade levam a limitações importantes. Resta ao setor saúde, muitas vezes, apenas a possibilidade de sua detecção precoce para limitação dos danos, resultado de vigilância epidemiológica eficaz, o que infelizmente não é uma prática rotineira. Um exemplo recente foi a epidemia de dengue no Sul da Bahia que, por várias semanas, foi diagnosticada como de rubéola, atrasando a aplicação de medidas de controle. A atenção para agravos inusitados, dentro de um sistema de vigilância epidemiológica, é uma prática complexa porém de muita utilidade, se não para prevenir o aparecimento de novas doenças, para eventualmente limitar sua abrangência. Na competição por escassos recursos, as medidas preventivas de possíveis agravos levam desvantagem política em relação aos agravos já existentes e conhecidos, por serem estes mais prementes. A previsão de transmissão de dengue no Brasil, após mais de 50 anos sem sua ocorrência, foi feita por técnicos do Ministério da Saúde com muitos anos de antecedência, porém os recursos necessários para a redução da infestação vetorial, particularmente para o Estado do Rio de Janeiro, para onde se previu a epidemia, nunca foram autorizados.
O aparente paradoxo ente o sucesso evolutivo do homem e o aumento da incerteza sobre seu futuro pode ser visto como a demonstração da importância da teoria da complexidade, base do entendimento da imprevisibilidade, modelo teórico que permite a identificação de diferentes situações futuras e não apenas de uma única predeterminada e inexorável. O malthusianismo não levou em consideração a capacidade científica e tecnológica do homem para aumentar significativamente a produção de alimentos, emitindo previsão, que felizmente não se configurou, de colapso do abastecimento. O problema hoje é de desigualdade na oferta de alimentos, não de capacidade de produção, pois esta é suficiente para toda a população mundial e tende a crescer com o desenvolvimento da genética.
A síntese dos avanços dos conhecimentos em diferentes especialidades ecologia, sociologia, biologia, informática para benefício da humanidade como um todo, é o desafio fundamental. Como obtêla em um desenvolvimento analítico e isolacionista dos diferentes ramos da ciência, criando até mesmo linguagens incompreensíveis fora dos respectivos âmbitos? Será que a formação de grupos transdiciplinares, que periodicamente se reúnem, como o de Harvard, citado pela autora, pode dar conta desta síntese? Ou é preciso que a transdiciplinaridade seja praticada no momento mesmo do trabalho científico?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERLINGUER, G., 1993. The interchange of disease and health between the old and new worlds. Intemational Journal of Health Services, 23: 703-715.
MORSE, S. S., 1993. Emerging Viruses and their Causes. New York: The Rockfeller University. (Commisioned review article, mimeo.)