Hipertensão Arterial na Ilha do Governador, Brasil. II. Prevalência [1]
Arterial Hypertension in Ilha do Governador, Rio de Janeiro, Brazil. II. Prevalence
Carlos Henrique Klein[2];
Nelson A. de Souza e Silva[3];
Armando da R. Nogueira[3];
Katia V. Bloch[3];
Lúcia Helena S. Campos[3]
KLEIN, C. H.; SOUZA-SILVA, N. A.; NOGUEIRA, A. R.; BLOCH, K. V. & CAMPOS, L. H. S. Arterial Hypertension in Ilha do Governador, Rio de Janeiro, Brazil. II. Prevalence. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, II (3): 389-394, Jul/Sep, 1995.
The aim of this paper (the second of two) is to present the basic results of a cross‑sectional study on arterial hypertension in adults in Ilha do Governador (a district of the city of Rio de Janeiro, Brazil), with a representative sample of the population, stratified by the census tracts' mean household incorre (low, median, and high). Overall, prevalence of uncontrolled hypertension in Ilha do Governador was 16.1% (C.I. of 95%: 13.4 to 18.9%), and with the inclusion of controlled hypertensive individuals this figure rose to 24.9% (C I. of 95%: 21.7 to 28.7%). Under both criteria (whether including controlled hypertensive individuais or not), higher prevalences were from low‑incorre strata, while lower ones were from the high‑incorre strata. However, it was only possible to reject the hypothesis of strata homogeneity of prevalences (including controlled hypertensives), and even then at a 10% level of significance, when the confounding effect of age was adjusted. Proportionally, women with hypertension appear to control their blood pressure levels better than men in all age brackets.
Key words: Hypertension; Prevalence; Cross-Sectional Studies; Epidemiology
INTRODUÇÃO
Neste artigo apresentamos apenas os resultados mais gerais sobre a prevalência da Hipertensão Arterial (HA) nos adultos (pessoas de 20 anos ou mais) da Ilha do Governador (vigésima região administrativa do município do Rio de Janeiro), obtidos a partir de um estudo seccional, em amostra representativa da população, realizado em 1991 e 1992.
Os resultados são apresentados segundo dois critérios de classificação de HA, de acordo com recomendações da OMS, excluindo e incluindo os hipertensos com níveis de pressão controlados. Estes resultados são apresentados também, de acordo com a idade e o sexo, em três estratos segundo a renda domiciliar média de setores censitários (baixa, média e alta). Essa estratificação serviu de base para o delineamento amostral, que ainda consistiu da seleção de pessoas em aglomerados de setores censitários e domicílios, escolhidos aleatoriamente.
A descrição detalhada da metodologia empregada no estudo deve ser vista no primeiro artigo desta série (Klein et al., 1995).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Prevalência de Hipertensão Arterial
Os dados coletados nos domicílios foram transferidos para arquivos em disquetes com o sistema Epi-Info, um conjunto de programas para microcomputador, distribuído pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos e Organização Mundial da Saúde (Dean et al., 1990). A análise dos dados apresentados neste artigo foi feita com o sistema de programas SPSS Statistical Package for Social Sciences (Norusis, 1986) e o programa de planilha de cálculos, AS-EASY-AS (Trius, 1990), usado especialmente para obter as estimativas dos efeitos de delineamento por aglomeração.
Não foi dado nenhum tipo especial de tratamento às perdas, tanto individuais como domiciliares, uma vez que, como se viu, parece existir semelhança entre examinados e perdidos. A conseqüência principal desta decisão será uma mera redução na precisão das estimativas desejadas, em função da redução do tamanho de amostra planejado.
Em primeiro lugar é necessário definir a hipertensão arterial. Neste trabalho utilizamos dois critérios de classificação das pessoas em hipertensas ou não, ambos baseados em recomendação da Organização Mundial de Saúde(WHO, 1978). Pelo primeiro, consideramos como hipertensos todos os indivíduos cujas pressões sistólica e diastólica, fossem iguais ou superiores a 160 ou 95 mmHg, respectivamente, durante a segunda medida de pressão feita no domicílio, aquela feita em repouso relativo. O segundo critério é idêntico ao primeiro quanto aos níveis pressórios, porém inclui entre os hipertensos todos aqueles indivíduos que se declarassem em tratamento específico, independente dos resultados obtidos durante a segunda medida de pressão arterial. Daqui por diante, vamos identificar o primeiro critério como "HA só medida" (SóM.), e o segundo como "HA medida ou tratamento" (M.T.).
Foram estimadas as prevalências de HA, segundo ambos os critérios e seus erros amostrais, em cada estrato de renda e no conjunto da Ilha do Governador, levando em consideração os efeitos de delineamento por estratificação e aglomeração em dois estágios de amostragem (de setores censitários e domicílios), estimando-se os componentes de variância nos dois estágios em que houve processo de amostragem (Cochran, 1977). Os efeitos de delineamento são a expressão da redução de precisão devidos ao delineamento amostral adotado quando comparado ao de amostra aleatória simples, sem estratificação nem estagiamento de aglomerados (Kish, 1965). Os resultados estão nas Tabelas 1 e 2.
Os erros amostrais das estimativas de prevalência, para um intervalo de confiança de 95%, são de 2,76 e 3,18% para "HA só medida" e "HA medida ou tratamento", respectivamente, sendo um pouco maiores do que o planejado de 2,5% (para uma prevalência esperada de 20%). Estes resultados permitem concluir que a verdadeira prevalência de "HÁ só medida" deve estar entre os valores de 13,37 e 18,89%, para um intervalo de confiança de 95%. Com o mesmo grau de confiança, a verdadeira prevalência de "HÁ medida ou tratamento" deve estar entre 21,73 e 28,09%.
As estimativas pontuais de prevalência estão localizadas dentro de uma ampla faixa de valores (5,04 a 32,7%) detectados em vários estudos realizados na região sudeste do país, de acordo com uma revisão recente (Lessa, 1993). Entretanto, os critérios adotados para classificar a HA, nestes estudos, são também muito variados, assim como os processos de seleção de indivíduos. De qualquer modo, as estimativas de prevalência obtidas na Ilha do Governador apontam a grande importância da HA como problema de saúde não controlado, que afeta quase 1/6 dos adultos daquela região. Além disto, reparase também que os controlados por tratamento são 8,8% dos adultos, que representam cerca de 60% dos tratados. Portanto, pode-se estimar que quase 15% dos adultos estão sob tratamento de HA, o que deve resultar em gastos muito elevados com o tratamento de uma única doença.
As maiores reduções de precisão nas estimativas de prevalência de HA ocorreram no estrato de renda baixa. Isto se deveu, principalmente, ao fato de que a amostra de examinados de três setores censitários deste estrato apresentaram prevalências bastante afastadas da média do estrato (duas muito baixas e uma muito alta), o que se refletiu em uma elevação de seu efeito de delineamento, por relativa heterogeneidade nos aglomerados de primeiro estágio.
Observa-se ainda que, por qualquer critério, as prevalências mais elevadas são as do estrato de renda baixa e as menores do de renda alta. Porém, pelos erros padrões não seria possível rejeitar a hipótese de igualdade entre as prevalências, para um nível de significância de 5%. Deve-se levar em conta, entretanto, que outras características das pessoas destes estratos podem estar atuando no sentido da redução das diferenças entre os valores "brutos" destas prevalências. Logo, poderá ser necessário ajustar estas prevalências em função do efeito de outras variáveis, como a idade, sobre a HA.
Por meio de análises de variância foram ajustadas as prevalências de HA, com modelos simplificados em que o fator é a categorização em estratos, e a idade é a covariável. Não é possível rejeitar a hipótese de igualdade entre as prevalências de "HA só medida" dós estratos de renda (F = 1,364, p = 0,256); porém, houve uma ampliação nas diferenças entre estes percentuais ajustados pela idade, que são os seguintes nos estratos: de renda baixa, 18,1.8%, de renda média, 15,20%, e, de renda alta, 14,36%. Já em relação às prevalências de "HA medida ou tratamento" já é possível rejeitar a hipótese de igualdade entre os estratos, para um nível de significância de 10%, mas não para 5% (F = 2,778, p = 0,063). As prevalências de "HA medida ou tratamento", ajustadas pela idade, são as seguintes nos estratos: de renda baixa, 28,36%, de renda média, 23,18% e, renda alta, 22,41%. Todavia, o que deve ser lembrado, é que, devido ao processo de seleção amostral adotado, no qual um dos pilares fundamentais é o critério geográfico de localização dos domicílios, estes estratos não são necessariamente homogêneos quanto a sua composição de indivíduos, classificados de acordo com sua renda. Este grau de heterogeneidade deve ser maior no estrato de renda alta, composto por indivíduos com rendas em faixa mais ampla do que nos demais estratos. Em análises posteriores, o recorte dos grupos de comparação poderá ser feito em função das características dos indivíduos examinados.
As Tabelas 3, 4 e 5 apresentam as prevalências de HA, de acordo com os dois critérios adotados: o sexo e a idade (em grupos de dez anos até o de 70 anos e mais), em cada um dos estratos de renda. Também são apresentadas as prevalências de HA para o conjunto da Ilha do Governador, por idade e sexo, na Tabela 6, sendo os valores resultantes da combinação dos estratos de renda, segundo suas participações relativas no total da população adulta, durante o censo de 1980.
De um modo geral, com pequenas variações entre os estratos, pelos resultados para o conjunto da Ilha do Governador, pode-se verificar que as prevalências de HA, dependentes apenas da medida de pressão, são maiores nos homens até a sexta década de vida. Contudo, as prevalências de HA que incluem os que se declaram em tratamento já são maiores entre as mulheres a partir da quinta década.
O que mais parece diferenciar o comportamento da prevalência de HA de homens e mulheres, independente do critério de classificação, são as tendências quando se comparam os grupos etários. Nas mulheres, a elevação dos percentuais é contínua da faixa etária das mais jovens até a das mais velhas, havendo até mesmo uma aparente aceleração das diferenças nas últimas décadas. Já entre os homens, ocorre um aumento nos percentuais até a sexta década, quando então se estabilizam.
Também é possível verificar que entre as mulheres, a fração das que estão com a pressão controlada pelo tratamento é maior do que entre os homens, ao longo de praticamente toda faixa de grupos etários.
Todavia, é preciso lembrar que este estudo foi seccional, ou seja, as curvas não representam o comportamento de coortes de pessoas acompanhadas ao longo da vida adulta, o que significa que é preciso ter cautela nas interpretações das diferenças entre os grupos etários.
CONCLUSÃO
A HA permanece sendo um problema de massa dos mais prevalentes entre os adultos. Na Ilha do Governador, uma das regiões administrativas do município do Rio de Janeiro, 16,1% (± 2,8% para um intervalo de confiança de 95%) das pessoas de 20 anos e mais de idade têm seus níveis de pressão arterial acima dos limites recomendados pela OMS (sistólica igual ou maior do que 160 mmHg, ou diastólica igual ou maior do que 95 mmHg). Se a estas forem acrescentadas aquelas pessoas que têm seus níveis de pressão controlados por tratamento, a prevalência de hipertensos sobe para 24,9% (± 3,2 para um intervalo de confiança de 95%).
O custo social da HA continua sendo elevado demais em termos de sofrimento e morte por doenças cardiovasculares, e de recursos financeiros dispendidos pela população para seu tratamento.
RESUMO
KLEIN, C. H.; SOUZA-SILVA, N. A.; NOGUEIRA, A. R.; BLOCH, K. V. & CAMPOS, L. H. S. Hipertensão Arterial na Ilha do Governador, Brasil. II. Prevalência. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, II (3): 389-394, Jul/Sep, 1995.
Este segundo artigo (de uma série de dois) tem como finalidade apresentar apenas os resultados básicos de um estudo, em amostra representativa de população, sobre Hipertensão Arterial na Ilha do Governador (região administrativa do município do Rio de Janeiro), em três estratos de acordo com a renda média domiciliar (baixa, média e alta) de setores censitários. No conjunto da Ilha do Governador a prevalência de hipertensão não controlada foi de 16,1 % (I.C. de 95%: 13,4 a 18,9%), e incluindo-se os hipertensos controlados, este índice subiu para 24,9% (I.C. de 95%: 21,7 a 28,1 %). Por ambos os critérios (incluindo ou não os hipertensos controlados), as prevalências mais elevadas foram as do estrato de renda baixa e as menores do estrato de renda alta. Porém, só foi possível rejeitar a homogeneidade de prevalências de hipertensão (incluindo os controlados) entre os estratos, e ainda assim para uma significância de 10%, quando se ajustou o efeito de confusão da idade. As mulheres hipertensas parecem controlar em maior proporção seus níveis de pressão arterial em qualquer faixa etária dos adultos, do que os homens.
Palavras-Chave: Hipertensão Arterial; Prevalência; Estudos Seccionais; Epidemiologia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COCHRAN, W. G., 1977. Sampling Techniques. New York: John Wiley & Sons.
DEAN, J. A.; DEAN, A. G.; BURTON, A. H. & DICKER, R. C., 1990. Epi-Info, Version 5: A Word Processing, Database, and Statistics Program for Epidemiology on Microcomputers. Stone Mountain, Georgia: USD Incorporated.
KISH, L., 1965: Survey Sampling. New York: John. Wiley & Sons.
KLEIN, C. H.; SOUZA-SILVA, N. A.; NOGUEIRA, A. R.; BLOCH, K. V. & CAMPOS, L. H. S., 1995. Hipertensão Arterial na Ilha do Governador I. Metodologia. Cadernos de Saúde Pública, 11: 187-201.
LESSA, I., 1993.Estudos brasileiros sobre a epidemiologia da hipertensão arterial: análise crítica dos estudos de prevalência. Informe Epidemiológico do SUS, 2: 59-75.
NORUSIS, M. J., 1986. SPSS/PC+ Statistical Package for the Social Sciences for the IBM PC/XT/AT Chicago: SPSS Inc..
TRIUS, 1990: AS-EASY-AS (Version 4.00). North Andover, MA: TRIUS Inc.
WHO (World Health Organization), 1978: Arterial Hypertension. Geneve: WHO. (Technical Report, 628)
[1] Pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
[2] Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública. Av. Leopoldo Bulhões, 1480, 8o andar, Rio de Janeiro, RJ, 21041-210, Brasil.
[3] Serviço de Saúde Coletiva, Hospital Universitário Clementina Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Avenida Brigadeiro Trompowski, s/n, 5o andar, Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil.