DEBATE DEBATE

 

Virgínia T. Schall

Laboratório de Educação Ambiental e em Saúde,
Departamento de Biologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil.


Debate sobre el articulo de Briceño-León

Debate on the paper by Briceño-León

 

 

 

A trajetória da educação em saúde reflete um processo de transformação, permeado por limites e manipulação política de sua prática, o qual se faz presente na própria nomenclatura desta área, denominada na segunda metade do século XIX de "educação higiênica" (hygiene education), com ênfase nos determinantes biológicos da doença associada à revolução bacteriana, passando à "educação sanitária" (sanitary education), nos anos 20, com o desenvolvimento da Saúde Pública, enfatizando processos de prevenção, mas ainda norteada por uma orientação comportamentalista e finalmente à "educação em saúde" (health education), já incorporando os aspectos sócio-econômico-culturais, como assinala Rosenstock (1990). Assim, a atual educação em saúde interpreta os processos de saúde e doença a partir de referenciais múltiplos e privilegia práticas participativas, considerando que educadores e população têm saberes complementares, sendo parceiros na luta por melhores condições de vida, transpondo os limites da ação sanitária para alcançar uma ação social transformadora, comprometida com a promoção da saúde e o bem-estar geral.

Nesse sentido, o artigo de Briceño-León se inscreve como uma sistematização necessária e esclarecedora sobre a transformação que vem ocorrendo no campo da educação em saúde nas últimas décadas, ampliada pela incorporação dos conhecimentos das Ciências Sociais, e que reflete e retroalimenta o próprio movimento social comprometido com uma democracia orientada para a liberdade individual, a solidariedade e a igualdade social, o que requer participação e um processo contínuo de conscientização.

Esta transformação implica no questionamento e a superação: (1) do predomínio de aspectos médicos e biológicos nas explicações dos processos de saúde/doença, que, à luz da sociologia e da antropologia médica, passaram a ser encarados como fenômenos complexos, incluindo aspectos sociológicos, econômicos, culturais e ambientais; (2) das relações verticalizadas e autoritárias dos programas de saúde e controle de doenças, substituídos pela conscientização e correspondente ação de incentivo à participação das comunidades em programas ampliados de melhoria das condições gerais de vida e não meramente de prevenção e controle de determinadas doenças.

Frente a tais considerações, reitero a pertinência da análise empreendida por Briceño-León, à qual acredito ter tão somente uma contribuição complementar, através do recorte de minhas pesquisas voltadas prioritariamente para crianças e jovens, escolares de primeiro grau. Embora o próprio autor afirme estar se referindo a educação de adultos, como escreve: "Recorden además, que no estamos trabajando con niños, sino con adultos que tienen una perspectiva y una visión general del mundo", considero as teses propostas válidas também para o trabalho com as crianças e jovens. Em relação a algumas das grandes endemias, como no caso da esquistossomose, as crianças e jovens representam uma parcela expressiva em termos de prevalência, merecendo a atenção dos educadores. Entretanto, tanto programas educativos quanto os de saúde e controle de endemias nem sempre desenvolvem ações específicas para esse subgrupo da população que merece ser considerado em em suas especificidades e como agentes potenciais de transformações sociais, agindo no presente, influenciando suas famílias, ou atuando como cidadãos que delinearão os rumos do futuro.

Assim, em cerca de 12 anos de pesquisa,desenvolvimento, implementação e avaliação de estratégias e materiais educativos voltados para a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a preservação do ambiente, tendo como alvo os escolares de primeiro grau, tenho cada vez mais convicção nos princípios norteadores propostos pelo autor. A experiência advinda dessas pesquisas conduziu-me a uma trajetória que foi sendo ampliada, a partir de um trabalho, primeiramente restrito à prevenção de uma endemia (esquistossomose - Schall et al., 1987, 1993) até as propostas atuais que privilegiam a promoção da saúde, a valorização de si mesmo, dos outros e do ambiente (Schall, 1995; Schall & Struchiner, 1995). Esta perspectiva busca a integração entre os aspectos afetivos e subjetivos da criança (estimular o desenvolvimento da compreensão das próprias disposições afetivas, tendências e limites, de modo a construir uma atitude reflexiva e responsável diante das decisões ao longo da vida) e o desenvolvimento do que denomino responsabilidade sócio-ecológica (uma atitude de consideração crítica e consciente quanto aos próprios deveres e direitos, os dos demais e em relação à natureza).

Se já demos um grande passo, sistematizando os caminhos e ações adequadas à educação em saúde, necessário e urgente se faz torná-los exeqüíveis. Assim, gostaria de reiterar aqui a importância da literatura infantil na educação em saúde para crianças, através de uma estratégia transdisciplinar que permite mobilizar a afetividade dos alunos e o seu envolvimento pessoal, contribuindo para uma participação mais ativa e subjetiva no assunto focalizado, como também para promover situações de intercâmbio muito fecundas, motivando a busca de soluções coletivas para os problemas abordados. Além disso, favorece a expressão da imaginação criadora e, respectivamente, "a perspectiva da construção do sujeito que apreende, reflete, reconstrói a si próprio e suas relações com o mundo", como assinala Burnham (1994:11). Como afirma a autora:

"Desconhecemos a importância da imagem, da fantasia, do sonho em vigília na construção do sujeito humano e, portanto, não lhes damos lugar nas atividades curriculares. E ainda assim bradamos que estamos formando a cidadania..." (Burnham, 1994:12).

Assim, ao planejar a educação em saúde, seja na escola ou em programas para crianças, é preciso dar lugar à expressão afetiva, à reflexão e à constituição da subjetividade, no sentido de possibilitar à criança construir a sua identidade como pessoa e indivíduo social, em consonância com um projeto de sociedade em que a qualidade de vida (e a saúde) dos que a compõem seja discutida e transformada para melhor.

 

 

BURNHAM, T. F., 1993. Complexidade, multireferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar. Em Aberto, 12:3-13.

ROSENSTOCK, I. M., 1990. The Past, Present, and Future of Health Education. In: Health Behavior and Health Education: Theory, research and practice (K. Glanz, F. M. Lewis, B. K. Rimer, eds.) pp. 405-420. San Francisco: Jossey-Bass Inc.

SCHALL, V. T., 1995. Education, public information, and communication in schistosomiasis control in Brazil: a brief retrospective and perspectives. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 90:229-234.

SCHALL, V. T., JURBERG, P.; BORUCHOVITCH, E.; FÉLIX-SOUSA, I. C.; ROZEMBERG, B. & VASCONCELLOS, M. C., 1987. Health education for children: Developing a new strategy. Proceedings of the Second International Seminar on Misconceptions and Educational Strategies in Science and Mathematics.Vol. II. pp. 390-403. Nova York: Cornell University.

SCHALL, V. T.; GOMES DOS SANTOS, M.; PINTO-DIAS, A. G. & MALAQUIAS, M. L., 1993. Educação em saúde em escolas públicas de primeiro grau da periferia de Belo Horizonte, MG, Brasil. I. Avaliação de um programa relativo à esquistossomose. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 35:563-572.

SCHALL, V. T. & STRUCHINER, M., 1995. Educação no Contexto da Epidemia de HIV/AIDS: teorias e Tendências Pedagógicas. In: AIDS: Pesquisa Social e Educação (D. Czeresnia, E. M. Santos, R. H. S. Barbosa & S. Monteiro, orgs.). São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro: Abrasco.

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