DEBATE DEBATE
Maria Cecília de Souza Minayo Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil. | Debate sobre el articulo de Briceño-León Debate on the paper by Briceño-León |
Em diálogo com o autor:
Briceño-León nos presenteou, mais uma vez, com uma profunda e comprometida reflexão que o caracteriza como Cientista Social da área de saúde. As sete teses sobre "Educação Sanitária para a Participação Comunitária" descem a fundo o poço onde jorra o líquido saciante da interrelação humana e da comunicação de significados. Espaço de trocas simbólicas, a educação, para um antropólogo como ele, transcende e supera os cânones da transmissão de conhecimento e os ritos normativos da burocrática intervenção social.
O autor mostra muito bem - fruto de sua experiência - o quanto é importante, no processo educativo, conhecer o ser humano, contar com o ser humano e entender a sua lógica própria de pensamento e ação.
Das suas sete teses, as três primeiras são negativas e críticas. As quatro últimas são propositivas. O autor denuncia o fracasso da pedagogia impositiva; os modelos de investigação e ação fundamentados na idéia de que o outro faz tal coisa "errada" porque é ignorante. Realiza uma crítica relevante ao modelo investigativo americano denominado CAP (Conhecimento, Atitudes e Práticas), importado ingenuamente para nossa realidade. Por fim, chama atenção para o tipo de educação unidirecional.
Propõe, ao contrário do que questiona acima, uma educação dialógica e participativa, que reforce a confiança da população em si mesma; que utilize o modelo pedagógico esforço-resultado a partir de metas passíveis de serem conquistadas e, por fim, o fomento da responsabilidade individual e da cooperação.
Nada há a reparar na resposta do Dr. Briceño-León e até sua proposta me reafirma uma definição que venho usando a partir de um documento de sanitaristas americanos sobre o futuro da saúde pública: "Saúde Pública é aquilo que uma sociedade faz para ser e se manter saudável".
Ou seja, neste sentido, a educação sanitária ultrapassa o conceito médico para ser um fenômeno de socialização de ampla dimensão que abrange, como atores, todos os segmentos de uma dita comunidade. A Saúde Pública se torna assim um conceito de consciência coletiva que estabelece formal e informalmente padrões e parâmetros de sanidade, de qualidade de vida, de dor, de sofrimento, de tolerância, de definição de doença, de morte e de terapeutas.
O que tentarei discutir ao ler o artigo do Dr. Briceño é o que para Áurea Pitta, em seu artigo "Sobre os Campos de Saúde e Comunicação" (1995), ainda inédito, chama atenção: "necessidade de tomar em sua totalidade os processos discursivos oferecidos à população dentro de uma matriz significante sobre a construção das representações sociais e da própria realidade social e da saúde, que não podem ser analisadas de forma linear". Ou seja, a relação pedagógica no campo da saúde inclui informações, relações e ações exemplares freqüentemente contraditórias. Mas também envolve o campo ampliado da mídia e da comunicação "lato sensu", onde se conformam e se expressam políticas institucionais e empresariais e seus investimento em visibilidades e silêncios e em temas comercial e politicamente rentáveis. Assim, além do biológico, do psicológico e do social (enquanto condições de produção e reprodução "stricto sensu"), saúde e doença são construídas pelo sistema de representações e práticas simbólicas, com destaque especial para a Mídia com seu poder de interferir na própria realidade.
É importante ampliar o marco referencial da Educação em Saúde para não incorrermos no risco de nos curvarmos à razão instrumental que busca "substituir o público relutante por público ativo" através de técnicas de relações interpessoais exercidas por profissionais de ponta, com estratégias de persuasão.
Ou seja, minha preocupação aqui é entender que a tarefa da saúde pública é muito maior, embora inclua relações interpessoais cuidadosas, respeitosas e realmente de troca, ainda que desiguais. O desafio é abarcar hoje, na análise, o mundo real, e de grave interferência social, da informação, da informática e da comunicação. E nem nos adianta apelar para o argumento de que na área rural não é assim; qualquer canto de nosso hemisfério está hoje atingido pelo raio do rádio, da televisão, do jornal, do vídeo e do computador.