NOTA RESEARCH NOTE |
Haroldo da Silva Ferreira 2 | Estado nutricional de crianças menores de dez anos residentes em invasão do "Movimento dos Sem-Terra", Porto Calvo, Alagoas 1 Nutritional status of children ten years of age or under in a settlement organized by the "Landless Peasants' Movement" in Porto Calvo, Alagoas, Brazil 1
|
1 Trabalho desenvolvido através do convênio INCRA/UFAL; apresentado no III Simpósio Internacional de Nutrição, realizado em outubro de 1995, em Recife. 2 Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Alagoas. Rua Senador Teotônio Vilela 75, B1/001, Maceió, AL 57030-640, Brasil. | Abstract This study describes the nutritional status of 357 children (0-10 years) living in Fazenda Conceição, an area occupied by the "Landless Peasants' Movement" and recently expropriated for land reform purposes by the Brazilian National Institute for Land Settlement and Agrarian Reform. The prevalence of nutritional deficits (Z < -2 standard deviations from the NCHS median anthropometric standard) relating to body- weight-for-age, height-for-age, and body-weight-for-height were the following, respectively: 19.6%, 39.8%, and 2%, thus higher than the figures published recently for the rural areas of the State of Alagoas as a whole (8.4%, 22.7%, and 1.3%). These findings suggest that children are these affected by dwarfism. Despite this condition being widely acknowledged as one of the most visible manifestations of malnutrtion in developing countries, it is important to stress that the concentration of land tenure, an integral part of the income-concentrating development model adopted by Brazil, is also a major factor in determining such a health profile. There is thus an urgent need for policy-makers to reallocate resources for immediate intervention in such farm communities, in order to reduce the dire consequences of a situation of this magnitude. Key words Nutritional Evaluation; Anthropometry; Child Health; Rural Sociology Resumo Descreve-se o perfil nutricional de 357 crianças (1 a 10 anos) residentes na Fazenda Conceição, área invadida pelo "Movimento dos Sem-Terra" e recentemente desapropriada pelo INCRA para fins de reforma agrária. As prevalências de déficits nutricionais (Z -2 desvios-padrão da mediana do padrão antropométrico, (NCHS) relativas aos índices massa corporal para idade, estatura para idade e massa corporal para estatura foram, respectivamente, 19,6%, 39,8% e 2%, superando os valores divulgados recentemente para a zona rural do estado de Alagoas (8,4%, 22,7% e 1,3%). Estes achados sugerem que estas crianças encontram-se fortemente afetadas pelo nanismo. Apesar de esta condição ser amplamente reconhecida como uma das mais visíveis manifestações da desnutrição nos países em desenvolvimento, é importante destacar que o caráter concentracionista da propriedade da terra, parte integrante do modelo de desenvolvimento concentrador de renda adotado no Brasil, é também um importante fator na determinação desse perfil de saúde. Existe, portanto, uma necessidade urgente de que os setores responsáveis pela elaboração das políticas públicas realoquem recursos para a intervenção imediata nestas comunidades agrárias, a fim de se reduzirem as graves conseqüências advindas de um quadro dessa magnitude. |
Introdução
A fome e a miséria às quais estão historicamente submetidos certos grupos populacionais no Brasil, aliadas à falta de perspectiva, a curto prazo, de uma ação política transformadora por parte do governo, têm fomentado movimentos de confrontos, a exemplo das invasões de terras, como uma tentativa de conquista de melhores condições de vida. Se tais conflitos, em alguns momentos, têm redundado em verdadeiros massacres, por outros têm sensibilizado a sociedade no sentido de compreender a importância da implementação imediata de um programa de reforma agrária que efetivamente responda às necessidades dos excluídos sociais, aqui denominados "Sem-Terra".
Tal como vem ocorrendo em várias partes do País, cerca de trezentas famílias, sob coordenação do "Movimento dos Sem-Terra", invadiram a chamada Fazenda Conceição, uma área de 1.655,63 ha, situada na Zona da Mata alagoana, no Litoral Norte, distante 112 km de Maceió. Após um tenso período de negociações, a área foi desapropriada para fins de reforma agrária.
O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados do diagnóstico nutricional realizado entre as crianças residentes no Assentamento Fazenda Conceição, Porto Calvo, Alagoas.
Material e métodos
Os dados (massa corporal, comprimento ou estatura, sexo e data de nascimento) foram coletados no período de 17 a 24 de abril de 1995, por cinco equipes formadas por um professor e dois alunos do quarto ano do curso de graduação em Nutrição da UFAL. As equipes permaneceram em locais de fácil acesso, previamente divulgados, aguardando a presença dos indivíduos a serem avaliados.
Utilizou-se balança de plataforma com capacidade para 150 kg (sensibilidade de 100 g) para verificação da massa corporal. A estatura (maiores de dois anos) foi medida com o auxílio de fita métrica fixada à parede e esquadro de madeira, enquanto o comprimento (menores de dois anos) foi obtido através de régua antropométrica. Ambos instrumentos apresentavam sensibilidade de 0,1 cm.
Os índices massa corporal para idade (MC/ I), estatura para idade (E/I) e massa corporal para estatura (MC/E) foram usados como indicadores do estado nutricional, adotando-se o ponto de corte -2 desvios-padrão (DP) da mediana do padrão de referência do NCHS (1977) para designar a condição de déficit.
Resultados e discussão
Foram obtidos dados de 357 crianças (idade 10 anos), correspondendo, de acordo com o cadastro do INCRA, a 78% da população total desta faixa etária. A maioria das crianças não investigadas encontrava-se ausente da área do assentamento, residindo com familiares dos "Sem-Terra", tratando-se, portanto, de um subgrupo, de certa forma, não sujeito aos mesmos fatores de risco aos quais estavam submetidos os indivíduos estudados.
A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos para os índices MC/I, E/I e MC/E, segundo as diversas faixas etárias.
De acordo com o índice MC/I, a prevalência de déficit nutricional foi de 19,6%, causando preocupação a alta freqüência encontrada entre as crianças de seis a 12 meses (47,1%), já que na faixa imediatamente anterior era nula e, nas seguintes, constante em torno de 20%. Vale salientar que, das 357 crianças estudadas, apenas 17 pertenciam à faixa etária de seis a 12 meses, o que, obviamente, dificulta qualquer conclusão em virtude do reduzido número de indivíduos estudados. Apesar disto, pode-se especular que estas crianças representem um grupo especialmente vulnerável aos acontecimentos relativos ao processo de invasão e precariedade das condições de vida existentes no assentamento. Há também a possibilidade de haver associação com a questão do desmame e da alimentação substitutiva ao leite materno, o qual representaria um fator de proteção às crianças menores de seis meses. Embora estas questões mereçam ser mais bem investigadas, indicam a atenção prioritária que deverá ser dada às crianças no primeiro ano de vida.
Tomando-se como parâmetro estudos anteriores abrangendo a população rural ou geral de Alagoas e do Nordeste brasileiro, pode-se constatar a magnitude com que a desnutrição atinge os filhos dos "Sem-Terra". Num estudo de abrangência estadual (Unicef, 1993), as prevalências relativas aos índices MC/I, E/I e MC/E foram, respectivamente, 8,4%, 22,7% e 1,3%, enquanto na Fazenda Conceição tais valores foram 19,6%, 39,8% e 2%. Já no estudo mais recente de abrangência nacional (Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição PNSN), a prevalência de crianças com déficit para o índice E/I no Estado de Alagoas foi de 33,2% (Benício et al., 1995). Quanto à classificação de Gomez, a prevalência de crianças menores de cinco anos desnutridas no Nordeste foi de 46,0%, sendo 10,1% sob as formas moderadas e graves (INAN, 1989). Na Fazenda Conceição, tais valores foram, para a mesma faixa etária, 53,9% e 10,8%.
A prevalência de desnutrição encontrada entre as crianças da Fazenda Conceição foi superior às divulgadas para populações onde a endemia representa grave problema de saúde pública, tal como a do Estado de Alagoas ou a do Nordeste como um todo. A alta freqüência de indivíduos de baixa estatura indica que, historicamente, a população não vem obtendo os meios necessários para seu adequado crescimento e desenvolvimento. Apesar de esta condição ser amplamente reconhecida como uma das mais visíveis manifestações da desnutrição nos países em desenvolvimento, nos quais encontrem-se situações de extrema pobreza, dietas deficientes e condições ambientais e sanitárias precárias, é importante destacar que o caráter concentracionista da propriedade da terra, parte integrante do modelo de desenvolvimento concentrador de renda adotado no Brasil (Adas, 1990), é também um importante fator na determinação desse perfil de saúde, conforme têm concluído diversos autores que têm estudado não só as questões relativas à propriedade e ao acesso aos meios de produção rural, como também a situação de saúde da população (Valverde et al., 1977; Monteiro, 1979; Fleuret & Fleuret, 1980; Lira et al., 1985; Romani & Amigo, 1986; Victora et al., 1986; Dewey, 1989), a maioria deles alertando para o maior risco de desnutrição (e mortalidade) a que estão submetidos os filhos dos trabalhadores "sem-terra".
Existe, portanto, uma necessidade urgente de que os setores responsáveis pela elaboração das políticas públicas realoquem recursos para a intervenção imediata nestas comunidades agrárias, a fim de se reduzirem as graves conseqüências advindas de um quadro dessa magnitude.
Referências
ADAS, M., 1990. A injusta estrutura fundiária, o subaproveitamento da terra e a fome. In: A Fome: Crise ou Escândalo (M. Adas, org.), 10a ed., pp. 48-58, São Paulo: Ed. Moderna.
BENÍCIO, M. H. D.; MONTEIRO, C. A. & ROSA, T. E. C., 1995. Evolução da desnutrição, da pobreza e do acesso a serviços públicos em 16 estados. In: Velhos e Novos Males da Saúde no Brasil: A Evolução do País e de suas Doenças (C. A. Monteiro, org.), pp. 141-150, São Paulo: Hucitec-Nupens/USP.
DEWEY, K. G., 1989. Nutrition and the commoditization of food systems in Latin America and the Caribbean. Social Science and Medicine, 28:415-424.
FLEURET, P. & FLEURET, A., 1980. Nutrition, consumption, and agricultural change. Human Organization, 39:250-260.
INAN (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição/ MS), 1990. Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição. Resultados Preliminares. Brasília: INAN/MS.
LIRA, P. I. C.; CARTAGENA, H. A.; ROMANI, S. A. M.; TORRES, M. A. A. & BATISTA-FILHO, M., 1985. Estado nutricional de crianças menores de seis anos, segundo posse da terra, em áreas rurais do Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil. Archivos Latinoamericanos de Nutrición, 35:246-257.
MONTEIRO, C. A., 1979. A epidemiologia da desnutrição protéico-calórica em núcleos rurais do Vale da Ribeira. Cadernos de Pesquisa Carlos Chagas, 29:57-75.
NCHS (National Center for Health Statistics), 1977. Growth Curves for Children Birth-18 Years, United States. Washington: NCHS/U.S. Printing Office (Vital and Health Statistics Series 11, pub. no 78-1650).
ROMANI, S. A. M. & AMIGO, H., 1986. Perfil alimentar e posse da terra na área rural do Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil. Revista de Saúde Pública, 20:369-376.
UNICEF, 1993. Crianças e Adolescentes em Alagoas: Saúde, Educação e Trabalho. Maceió:Unicef/Governo do Estado de Alagoas.
VALVERDE, V.; MARTORELL, R.; MEJIA-PIVARAL, V.; DELGADO, H.; LECHTIG, A.; TELLER, C. & KLEIN, R. E., 1977. Relationship between family land availability and nutritional status. Ecology of Food and Nutrition, 6:1-7.
VICTORA, C. G.; VAUGHAN, J. P.; KIRKWOOD, B.; MARTINES, J. C. & BARCELOS, L. B., 1986. Child malnutrition and land ownership in southern Brazil. Ecology of Food and Nutrition, 18:265-275.