Imigração e câncer em São Paulo
Imigration and cancer in São Paulo
Antonio Pedro Mirra
Registro de Câncer de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, Av. Dr. Arnaldo 715, São Paulo, SP, 01246-904, Brasil.
O estudo de populações imigrantes tem despertado grande interesse em epidemiologia do câncer, pois pode ser uma das chaves para ampliar nossa compreensão sobre a etiologia das neoplasias malignas. A análise das variações de incidência e de mortalidade por câncer nessas populações permite delinear hipóteses sobre a predominância de fatores de risco genéticos e ambientais na gênese dos tumores malignos.
É importante ressalvar que essas populações, nos primeiros anos de fixação no país de adoção, tendem a procurar manter sua cultura através de hábitos e costumes, sobretudo dietéticos. Geralmente, somente após algum tempo, é que ocorre a gradual incorporação de padrões de vida do país de adoção.
A cidade de São Paulo reúne condições para análise destas pesquisas em razão da importante presença de grupos populacionais imigrantes há várias décadas. Para o período de 1974-1980, quando se encontrava em funcionamento o Registro de Câncer de Base Populacional do Município de São Paulo, a estimativa deste contigente era de 227.037 habitantes (primeira geração), correspondendo a 3% da população total daquele município. Esta era originária, sobretudo, dos seguintes países: Portugal (55%), Espanha (15%) e Japão (10,5%).
A título de exemplo, gostaríamos de apresentar o caso particular da imigração japonesa em São Paulo e outras localidades, tendo em vista os altíssimos coeficientes de incidência desta neoplasia no Japão. Esta análise foi realizada através da comparação das taxas de incidência de câncer de estômago nos residentes em três cidades daquele país com aquelas observadas em comunidades de imigrantes japoneses, incluindo o Município de São Paulo.
É possível observarmos um decréscimo dos coeficientes de incidência de câncer de estômago na população de imigrantes japoneses em comparação com aqueles residentes no Japão (Tabela 1). Assim, se considerarmos como referência de comparação a menor taxa de incidência naquele país na série aqui apresentada (cidade de Fukuoka), verificamos que os homens da colônia japonesa de São Paulo detinham, em 1978, um coeficiente 7,5 % menor. Já nos Estados Unidos, este decréscimo apresentava-se mais acentuado, da ordem de 55%.
Na Tabela 2, são apresentados os coeficientes de incidência do câncer feminino de mama nas mesmas localidades anteriormente mencionadas, podendo-se observar um fenômeno inverso àquele descrito em relação ao câncer gástrico. A população no Japão tem taxas reduzidas de câncer de mama comparativamente às demais, as quais tendem a apresentar coeficientes até três vezes maiores que em seu país de origem. No caso da população japonesa de São Paulo, este coeficiente encontra-se num patamar intermediário em relação àquele observado no Japão e nas mulheres japonesas que imigraram para os Estados Unidos.
Considerando-se a homogeneidade étnica dos grupos aqui comparados nestas diferentes localidades, as diferenças entre os coeficientes de incidência tanto para câncer de estômago, como para câncer de mama, poderiam ser conseqüência de fatores ambientais relacionados à incorporação de novos fatores de risco ou de proteção, sobretudo aqueles relacionados à dieta.
Quando são analisados os coeficientes de incidência de câncer de estômago para grupos de imigrantes da Península Ibérica (dados não apresentados), a heterogeneidade dos coeficientes de câncer de estômago não é tão evidente. O risco de câncer de estômago entre os nativos de países europeus, sobretudo espanhóis e portugueses, é relativamente similar ao do país de origem, como também ocorre em relação aos imigrantes destas nacionalidades no Uruguai e Argentina.
Quando se compara o risco de câncer de estômago entre residentes nos países europeus com aquele verificado em brasileiros natos, apenas em Portugal foram observados coeficientes de maior magnitude no sexo masculino, sendo mais reduzidos na Espanha e Itália. O risco de câncer para estes grupos migrantes, entretanto, permanece elevado após a imigração apenas entre portugueses de ambos os sexos, enquanto os imigrantes da Itália de sexo masculino apresentam tendência à redução do risco após a imigração. É ainda interessante ressaltar que, quando as migrações européias se destinaram a países de baixo risco, como Austrália e Israel, tais variações se processaram mais lentamente.
Para finalizar, gostaríamos de ressaltar que, em face do reduzido número de estudos epidemiológicos de populações migrantes radicadas em países em desenvolvimento, é recomendável a realização de investigações de caráter exploratório nestas comunidades, tendo em vista o potencial destes estudos para a geração de hipóteses sobre a etiologia de doenças, e do câncer em particular.